O território da casa contemporânea de referência na região de Lisboa: paisagem suburbana e projeto

May 23, 2017 | Autor: U. Morato de Andrade | Categoria: Paisagem, Habitação, Lisboa, Arquitetura Contemporânea
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O TERRITÓRIO DA CASA CONTEMPORÂNEA DE REFERÊNCIA NA REGIÃO DE LISBOA: PAISAGEM SUBURBANA E PROJETO NOVAS TERRITORIALIDADES E ÁREAS DE ALTA E BAIXA DENSIDADE

Ulisses Morato de Andrade

a

a: Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, Doutorando em Arquitetura Faculdade de Arquitetura da Universiade de Lisboa [email protected]

Resumo: A distribuição populacional verificada nas últimas décadas na Área Metropolitana de Lisboa aponta para uma espraiamento da habitação isolada nos subúrbios e a estabilização da demanda pela tipologia multifamiliar vertical no núcleo urbano. Essa dinâmica revela a importância que o parque edificado das casas isoladas representa na morfologia da paisagem do entorno de Lisboa. Entretanto, as investigações dessa tipologia no campo disciplinar, como artefato significativo na constituição do espaço urbano, só vem ganhando importância recentemente. O propósito deste estudo é a compreensão da influência da paisagem, do lugar, na configuração da arquitetura da habitação unifamiliar na região suburbana de Lisboa. Desde as Quintas de Recreio do século XVI, passando pela afirmação e revisão do Movimento Moderno no século XX, até a contemporaneidade, percebe-se em Portugal, e particularmente em Lisboa, a construção de uma tradição arquitetônica de se projetar com a paisagem no programa da casa de subúrbio. Nessa perspectiva, considerando a casa contemporânea de referência, destacada em premiação de arquitetura, efetuamos um estudo de caso com enfoque nas estratégias de projeto relacionadas com a cidade e com a paisagem. Concebemos e aplicamos um modelo de análise desta casa, considerando três ordens distintas do projeto, que abarcam o conjunto das relações do edifício com seu sítio: ordem horizontal; ordem vertical; e ordem transversal. Concluiu-se que a essas três ordens de projeto corresponderam três estratégias específicas de respostas ao lugar: agarramento (ordem vertical); introversão (ordem horizontal); e ruptura (ordem transversal). Além disso, não obstante a expressão filiada ao racionalismo arquitetônico, a



obra estudada confirma a tradição portuguesa do projeto estruturado como resposta ao lugar, vinculada à paisagem de maneira enfática. Palavras-chave: Paisagem, Área Metropolitana de Lisboa, subúrbio, arquitetura da cidade, arquitetura da habitação unifamiliar. Notas Biográficas a: Ulisses Morato de Andrade nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. É graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Metodista de Minas Gerais (1992). Possui pós-graduação em Tecnologia e Produtividade na Construção Civil pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais,EE-UFMG (2008). Atualmente, cursa o doutorado da Faculdade de Arquitetura da Universidade Lisboa, FA-ULisboa. Desde 1992, dirige a Morato Arquitetura, escritório que atua em projetos de arquitetura, urbanismo, design e interiores. Possui projetos publicados e premiados em âmbito nacional e internacional. Foi membro do Conselho Diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de Minas Gerais, IAB-MG, nos biênios 2010-2011 / 20122013e do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, CDPCM-BH, entre 2013 e 2015.

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1. Introdução

       

Portugal não é um país de grandes cidades. A sua rede urbana assenta fundamentalmente em cidades de pequena e média dimensão, e ainda hoje o país apresenta a mais baixa taxa de urbanização da União Europeia. [1]. Em paralelo a esse fenômeno apontado pela urbanista Margarida Souza Lôbo, a cidade de Lisboa passou por redução de cerca de 1/3 da sua população entre 1981 e 2011, decrescendo de aproximadamente 808 mil para 547 mil habitantes, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, INE. Por outro lado, neste mesmo período, a Área Metropolitana de Lisboa, AML (Fig. 01), apresentou crescimento populacional, o que denota maior demanda habitacional nos subúrbios.

                                                      

Fig. 1: Mapa da Área Metropolitana de Lisboa, AML. Integra 9 municípios ao norte e 9 municípios ao sul do rio Tejo. Fonte: Trajectórias Residenciais. Disponível em: http://goo.gl/naX7zy. (Adaptação e montagem nossas). Nesse sentido, corrobora a análise preliminar do Census 2011, na qual há que: O município de Lisboa, embora perdendo população na última década, está rodeado por um conjunto de municípios que viram crescer significativamente a sua população, como é o caso de Cascais, Mafra, Alcochete, Montijo e Sesimbra. [2]. Na AML, ainda de acordo com dados do INE de 2011, os edifícios destinados à habitação de um alojamento representavam de 50,58% a 88,28% do parque edificado total em todos os municípios periféricos a Lisboa, exceto Almada. Nesse aspecto, leia-se: verticalização do núcleo metropolitano, Lisboa e Amadora, e espraiamento dos subúrbios (Quadro 1). Além disso, nota-se a relevância da tipologia de um alojamento no tecido urbano periférico em relação às demais.

 

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Quadro 1: Proporção de edifícios com um alojamento (%) por Localização geográfica na AML (à data dos Censos 2011). Fonte: INE, Recenseamento da População e Habitação – 2011. (Adaptação e montagem nossas).

       

                                                      

De fato, ao flanar pelos bairros da cidade de Lisboa, percebe-se que sua paisagem não revela muitas regiões de ocupação com casas unifamiliares isoladas. Ao passo que, saindo em direção aos subúrbios, as habitações se horizontalizam, perfazendo implantações com predominância de um ou dois pavimentos. Esses dados revelam que o núcleo metropolitano não conta com pressões populacionais e, consequentemente, apresenta demanda estabilizada pelas tipologias de habitação. Por outro lado, as regiões suburbanas da cidade acolhem maior contingente populacional que, embora em crescimento, se instala majoritariamente em edificações unifamiliares (Quadro 1), o que reforça o espraiamento do edificado habitacional no território. Esse panorama indica a magnitude que o parque edificado constituído por casas isoladas representa na morfologia da área metropolitana de Lisboa nos últimos tempos. De um modo geral, a importância da habitação individual na constituição das cidades não foi reconhecida no campo disciplinar da Arquitetura ao longo dos tempos [3]. Contudo, recentemente, essa tipologia vem ganhando maior espaço investigativo na disciplina. Segundo o professor Rui Jorge Garcia Ramos, da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto: (...) nas últimas décadas, o interesse pela casa individual, como material essencial na construção da cidade, tem merecido uma crescente atenção no campo da investigação arquitectónica. [4] Nessa perspectiva, considerando a abrangência que o parque de casas isoladas ocupa no território metropolitano de Lisboa, é fundamental verificar o impacto dessa tipologia na qualificação da paisagem. Por outro lado, não menos importante, é o exame da influência da paisagem local na configuração da arquitetura doméstica nessa região suburbana. Assim, esses são os principais propósitos que se colocam neste estudo. 2. O lugar na arquitetura da cidade, entre o regional e o universal Segundo o crítico, historiador e professor de arquitetura, Kenneth Frampton, o fenômeno da globalização, assente num projeto transnacional de “civilização”, tende a enfraquecer as tradições locais. Em Perspectivas para um regionalismo crítico [5], o autor condena a homogeneização da cultura, logo da arquitetura e das cidades, oriunda de um projeto civilizatório mundial regido pela métrica do capitalismo contemporâneo.  

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Nesse contexto, o lugar passa a ser encarado como um dado fundamental na teoria e prática da arquitetura e urbanismo nas cidades contemporâneas. Segundo a professora Teresa Madeira da Silva: Actualmente, as questões acerca dos lugares adquiriram uma certa relevância, seja porque as cidades se alargaram de forma repentina, seja pela tomada de posição de alguns investigadores, segundo os quais o processo de globalização poderia pôr em perigo a diversidade cultural no mundo e a identidade de contextos locais e respectivos lugares. [6]. Entretanto, se retrocedermos à viragem do século XIX para o século XX, identificaremos que o debate sobre a identidade nacional na arquitetura portuguesa foi marcado pelo pensamento e obra do arquiteto Raul Lino. O conceito de progresso, segundo Lino, não estava pautado pela harmonia da máquina com a arte, como muitos propunham na Europa naquela altura, mas “(...) centrado na identidade cultural como forma de qualificação da sua existência, reconhecendo na tradição a garantia de continuidade (...)” [7]. Logo o nacionalismo exacerbado do Estado Novo irá se apropriar dessa temática na busca de um genuíno “tipo português de habitação”, a Casa Portuguesa, cuja estética se organizava em torno de elementos ornamentais retirados do passado, marcado por uma forte orientação estilística que culminaria na arquitetura denominada Português Suave [8]. Entretanto, para além das questões estilísticas, Lino se colocava, no início do século XX, em vanguarda em relação à abordagem do lugar na arquitetura portuguesa: “A primazia dada por Lino ao lugar como fulcro e ponto de partida do trabalho do arquitecto e do desenho da casa era, em 1900, invulgar.” [9]. Posteriormente, a partir de meados dos anos 1940, no bojo dos questionamentos que envolveram a introdução das ideias do Movimento Moderno em Portugal, que paralelamente combatia o Português Suave, sustentada pelo Estado Novo. Nessa época, o tema do lugar, da paisagem local, na formatação da arquitetura nacional terá expressão a partir do pensamento e atuação dos arquitetos Fernando Távora e Keil do Amaral [10]. A consolidação de um ideário de modernidade vinculada ao vernáculo, ao contexto local, defendida por ambos – irá formatar a prática de vários arquitetos daquela geração, e também das gerações seguintes. O direcionamento do olhar do arquiteto português ao vernáculo, encabeçado por Keil e Távora, culminará com a publicação do livro Arquitectura popular em Portugal [11] resultado do amplo inquérito arquitetônico nacional levado a cabo pelo então Sindicato Nacional dos Arquitectos entre os anos de 1955 e 1960. Tal obra serviu de suporte para as correntes que talharam a aproximação entre a prática arquitetônica erudita e as tradições construtivas de Portugal. Para o ex-professor catedrático da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, FAULISBOA, José Manuel Ressano Garcia Lamas, tanto os arquitetos do norte de Portugal quanto os do sul tiverem em conta a diretiva do lugar como premissa de projeto: “Recordo a obsessão das preexistências, evidente no discurso de alguns arquitectos do Porto e Lisboa.” [12]. Na arquitetura contemporânea portuguesa, a resposta ao lugar mantém sua proeminência nas formulações dos projetos, a qual se verifica na medida em que, grosso modo, as novas gerações de arquitetos não produziram uma drástica ruptura com a herança da cultura arquitetônica nacional do século passado. A respeito da influência do passado recente na arquitetura contemporânea em Portugal, o editor de arquitetura José Manuel das Neves afirma: As gerações mais novas que iniciaram atividade na década de 1990 cruzaram este legado, com o qual nunca operaram uma verdadeira rutura (...) [13]. Nesse seguimento, conhecer alguns paradigmas da arquitetura doméstica nos arredores de Lisboa, ao longo do tempo, é fundamental para construir quadros evolutivos e aglutinar estratégias de projeto face à fenomenologia do lugar.

       

                                                      

3. Projetar com lugar, paradigmas da arquitetura doméstica nos suburbios de Lisboa A arquitetura doméstica nos arredores de Lisboa, ao longo da história, vem se consolidando como “laboratório” para uma prática de projeto que privilegia a sintonia do edifício com seu contexto cultural e natural. Podemos elencar como ponto de partida dessa estratégia projetual a arquitetura das Quintas de Recreio, que recentemente mereceu aprofundados estudos do professor da FA-ULISBOA Amílcar Gil Pires.

 

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Fig. 2: Quinta Ribafria, (séc. XVI), Sintra, AML. Vista do jardim de frente ao edifício. Fonte: portal web Tudo Sobre Sintra. Disponível em: https://goo.gl/t1GR5q (Adaptação nossa). Em seu livro, A Quinta de Recreio em Portugal: vilegiatura, lugar e arquitectura [14], Pires destaca a casa “rural” em território alargado. Segundo o autor, o desenvolvimento de tal tipologia em Portugal privilegiou a abordagem da paisagem natural na composição da arquitetura e dos jardins de forma integrada. Além disso, destacou a influência da tratadística de Vitrúvio e Alberti na montagem da Villa suburbana italiana do século XV, que foi o modelo inspirador dos arquitetos das quintas portuguesas. Amílcar Gil Pires sustenta que o projeto da Quinta de Recreio portuguesa é um procedimento exemplar de qualificação da paisagem e construção de lugar. Já no artigo O Lugar da Quinta de Recreio na Periferia de Lisboa [15], Pires trata do tema na geografia deste trabalho, através de casos de estudo em que utiliza as teorias da fenomenologia do lugar em Norberg-Schulz para demonstrar a estreita relação dessa arquitetura com o seu contexto. Assim, a arquitetura da Quinta de Recreio, que remonta ao século XVI, evidencia uma cultura de estratégias de projeto vinculadas ao lugar com grande expressão nos arredores de Lisboa. Sobre a integração dessa tipologia arquitetônica à sua envolvente, a professora Aurora Carapinha define: A Quinta de Recreio é um todo organizado: mata, edifícios, horto de recreio, pomar/horta. É um lugar versátil, onde recreio e produção compartilham o mesmo espaço, invadindo-se mutuamente, estabelecendo relações formais e funcionais. [16]. Retornando ao século XX, encontramos outros projetos paradigmáticos em relação à abordagem das paisagens culturais e naturais nas regiões suburbanas de Lisboa. Do próprio Raul Lino, tomemos a Casa de Santa Maria (1902), em Cascais (Fig.3). Nesse projeto, cujo terreno disponível é uma estreita faixa escarpada junto ao o mar, o programa foi distribuído em um partido alongado, que se desenvolve em dois pavimentos. A leitura do arquiteto da condição peculiar do sítio – escassez de chão e amplitude de paisagem – o levou a desenvolver uma proposta também peculiar. Nela, uma circulação longilínea, junto à fachada principal, articula os pequenos ambientes da moradia, conformando uma área que gera ampla conexão visual com a paisagem marinha. Tal circulação, ao rés do chão, também funciona como um elemento de transição entre o espaço envolvente e a intimidade da vida doméstica, demarcando de forma inconteste o interior da edificação em relação ao exterior e à paisagem.

 

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Fig. 3: Casa de Santa Maria, (1902), Cascais, AML. À esquerda, vista externa da edificação (fachada principal); à direita, projeto da edificação. Fonte: Revista Memória, nº 31. Disponível em: https://goo.gl/gHqKSo (Adaptação e montagem nossas). Na racionalização das áreas do programa dessa habitação, uma constante na obra de Raul Lino, está implícita, segundo o professor Rui Jorge G. Ramos, “(...) outra forma de relacionamento com a vida ao ar livre, nomeadamente atendendo ao valor da permanência junto do mar (...)” [17]. A solução assobradada desenhada para a Casa de Santa Maria também responde às condições do lugar, a qual permite o encaixe preciso da planta no terreno, assim como a ampliação do usufruto visual do entorno através de fenestrações distribuídas em dois pavimentos. De acordo com José Luís Quintino, essa preocupação com o sítio é um elemento transversal à obra de Raul Lino: “(...) tendo o arquitecto tido sempre a noção da importância do diálogo fundamental que devia estabelecer-se entre Arquitectura e o local onde se implantava.” [18]. A década de 1950 – já sob os impactos do 1º Congresso Nacional de Arquitectura (1948) e do Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa (1955-1960) – revela uma produção rica em exemplos que confirmam o programa da casa como suporte ao debate pertinente às questões regionais e universais na concepção do projeto. Nesse contexto, cristaliza-se a ideia de harmonizar os valores universais do Movimento Moderno em arquitetura com elementos da tradição local. Dentro desse espírito, muitas casas paradigmáticas foram projetadas, em Lisboa e região, por Nuno Teotónio Pereira (1922-2016), Francisco Keil do Amaral (1910-1975), Maurício de Vasconcelos (1925-1997), entre outros. Um dos expoentes desse período foi o arquiteto formado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) Manuel Tainha (1922-2012), que, segundo Nuno Portas e Manuel Mendes: (...) se envolve na crítica propositiva da experiência reducionista dos CIAM e, simultaneamente, na defesa dos valores locais e regionais como matriz cultural poderosa para superar a crise semântica do funcionalismo. [19].

Fig. 4: Casa do Freixial (1958-1960), Loures, AML. Arquitetura: Manuel Taínha. À esquerda, vista externa da edificação (fachada principal); à direita, corte transversal. Fonte: Manuel Taínha: Projectos 1954-2002. Edições Asa, 2003 (Adaptação e montagem nossas).  

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Na Casa do Freixial (1958-1960), em Loures, projetada por Taínha, evidencia-se, simultaneamente, integração e domínio da habitação face ao sítio, bem como a síntese entre a tradição e a modernidade na expressão arquitetônica. Construída em um vasto terreno, numa zona com baixa densidade de construções, essa casa se acomoda ao declive do terreno, estratégia que propicia contato direto do programa com o exterior em várias cotas, através de pátios e jardins acoplados ao corpo do edifício por meio de alpendre e varanda. O tratamento cuidadoso no desenho desses patamares externos assegura um “desenrolar da vida doméstica no espaço que rodeia a casa, permitindo ao habitante participar activamente no espetáculo da Natureza” [20]. Nesse sentido, o desenho multidirecional do percurso ascendente de acesso ao edifício – passeios, rampas e escadas – promove visadas sequenciais que permitem, aos poucos, apreciar a ampla paisagem, que se abre em frente à varanda de acesso junto à sala de estar. A esse efeito, de controle e domínio da percepção da envolvente, soma-se a implantação da casa, na zona alta do terreno e a elevação da cota do setor social. O condicionamento das aberturas, com o fito de enquadramentos estratégicos da paisagem e a volumetria do edifício, que acompanha o declive do terreno, revelam uma sistemática de projeto vinculada ao contexto topográfico e visual dessa localidade. As janelas e portas, definidas por pequenos e médios vãos, se opõem às grandes aberturas envidraçadas voltadas para o exterior das habitações do Movimento Moderno e aproxima esse modelo às estratégias de fenestrações vernaculares. Nesse caso, assim como na Casa de Santa Maria, as aberturas mais contidas reforçam as condições de estar dentro ou fora da habitação de maneira categórica. O telhado em águas, arquétipo da casa, também é um forte ponto de contato com a tradição construtiva, que por outro lado é quebrada pela racionalidade do desenho das plantas e pela “limpeza” decorativa, configurando-se, aqui, uma estética que hibridiza o moderno com o tradicional, traço característico de muitos arquitetos do “pós-Inquérito”.

       

                                                      

4. A qualificação da paisagem pela arquitetura, e da arquitetura pela paisagem: casas de referência. Se por um lado, o genius loci tem potencial de influência na constituição do edificado na cidade, por outro, a paisagem da cidade pode se qualificar pelo artefato construído [21]. Nas reflexões sobre o intercâmbio arquitetura-sítio, a afirmação de Aldo Rossi (1931 - 1997) sobre a importância do contexto para o projeto é peremptória: “Na ideia geral da arquitetura participa também o lugar como espaço singular e concreto” [22]. Por outro lado, o avesso do projetar com a paisagem local, segundo Zaida Muxí, se manifesta em áreas urbanas e suburbanas da cidade global contemporânea através de condomínios verticais ou nas habitações unifamiliares dentro dos condomínios horizontais suburbanos. Las formas que la globalización aplica en las áreas residenciales son “islas” no urbanas, con una configuración interior que utiliza el tópico de lo tradicional. Se expanden por todo el mundo proponiendo una segregación gradual que intenta legitimarse con fuertes campañas publicitarias cuyo argumento es un falso discurso de relación con el lugar. [23] (Grifo nosso). Portanto, na miríade de expressões em que se caracteriza a cidade contemporânea, é crucial a apreensão das propostas de arquitetura fundamentadas na qualificação das estruturas urbanas / suburbanas existentes ou que se qualificam por essas. Sob tal ótica, a arquitetura de referência constitui-se como importante objeto aos propósitos de análise deste estudo, posto que se distingue por suas qualidades de concepção de projeto e, fundamentalmente, estabelece modos especiais de comunicação com o contexto. Quando tratamos de obras de referência, podemos ter como parâmetro as premiações de arquitetura como instrumento para constituir uma amostragem da expertise arquitetônica praticada num território. Além disso, “Os prémios de arquitetura são imprescindíveis para a construção de um discurso sobre arquitetura contemporânea” [24]. Tradicionalmente, a obra premiada desperta a pauta da historiografia, da crítica de arquitetura, e dos editoriais especializados, que acabam por estabelecer fontes importantes para o entendimento de suas estratégias projetuais gerais e, especificamente, de suas relações com a cidade. Conforme as informações da Ordem dos Arquitectos, um dos critérios para seleção / premiação no concurso trienal Habitar Portugal é a qualidade da relação dos projetos com a envolvente urbana e a paisagem natural.  

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Neste estudo, destacamos quatro casas contemporâneas selecionadas/premiadas na premiação Habitar Portugal e uma casa premiada no Prémio Municipal de Mafra, para indicar o espraiamento da tipologia da casa isolada de referência na Área Metropolitana de Lisboa. Através das figuras 5 e 6, abaixo, podemos identificar a morfologia arquitetônica e a distribuição geográfica dessa arquitetura doméstica de referência na AML.

       

                                                      

Fig. 5: Fotos de casas premiadas/selecionadas na AML. 1 - Casa no Estoril (2000), Pedro Mendes; 2 - Casa em Palmela (2005), Atelier Can Ran; 3 - Casa no Azeitão (2002), Miguel Beleza Teixeira Seixas; 4 - Casa em Belas (2001); 5 – Casa no Romeirão (2002), Atelier ARX Portugal; Fontes: Premiações Habitar Portugal (fotos 1, 2,3 e 4) e Prémio Municipal de Mafra (foto 5). (Adaptação e montagem nossas). As fotos das casas (Fig.5) demonstram que suas implantações ocorrem em paisagens com vizinhança dispersa, onde o relevo e a vegetação se apresentam de forma importante face ao edificado. Outro fator redundante é a vinculação das edificações ao solo, bem como a contenção nas aberturas para o exterior. Também é notória a filiação desses modelos à estética erudita contemporânea portuguesa, na qual os volumes “puros” são estrategicamente dispostos em relação à luz natural, assim como uma tectônica de cariz artesanal.  

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A partir dessa pequena amostragem, constata-se que a distribuição geográfica das casas de referência ocorre na “urbanidade diluída”, no território suburbano à metrópole, Lisboa (Fig. 6). Nessa conjuntura, o território em questão, permanece, neste início de século XXI, como importante suporte para a criação de arquiteturas qualificadas. Resta saber, então, de que maneira essa ambiência suburbana “alimenta” a configuração do objeto arquitetônico de referência, questão que responderemos nas seções subsequentes, através de um modelo de análise específico, aplicado a uma das casas aqui arroladas.

       

                                                      

Fig. 6: Mapa de distribuição geográfica de cinco casas premiadas/selecionadas na AML. Fonte: Google Maps. (Adaptação e montagem nossas). 5. Modelo de análise de estratégias de projeto face ao lugar Neste estudo consideramos o lugar como um conjunto de dimensões físicas e culturais do local inserção dos objetos arquitetônicos. Nesse caso, os aspectos qualitativos serão levados em conta para caracterizar as relações do edifício com seu sítio de inserção. O modelo de análise ora proposto considera perquirir a arquitetura da casa contemporânea através três grupos binários de estratégias de projeto como respostas ao lugar: agarramento e soltura (ordem vertical); extroversão e introversão (ordem horizontal), e continuidade e ruptura (ordem transversal). Essas três ordens de projeto relacionam-se à definição de estrutura do lugar e seu caráter desenvolvida por Norberg-Schulz: É importante assinalar que geralmente todos os lugares possuem um caráter, e que essa qualidade peculiar é a maneira básica em que o mundo nos é “dado”. [...] Devemos então perguntar como é o solo em que pisamos, como é o céu sobre nossas cabeças, ou de modo mais geral, como são as fronteiras que definem o lugar.” [25] (Grifos nossos). 5.1 Sobre as três ordens do projeto, uma abordagem do lugar na concepção da arquitetura 5.1.1 A ordem horizontal Na ordem horizontal de projeto, busca-se o entendimento das relações que o objeto arquitetônico estabelece com o lugar em seus atributos em plano horizontal, algo que pode ser entendido como a relação da arquitetura com o seu horizonte. Por conseguinte, efetuase a confrontação do edificado com seu contorno, com seus limiares, sendo resgatadas as noções do cercamento e suas aberturas como configuração básica do espaço edificado [26]. Nessa ordem de projeto, a edificação será perquirida em relação ao lugar do ponto de vista do lote e sua envolvente: limites, paisagem, vizinhança, etc. Aqui, enquadraremos a obra a um dos termos do binário introversão versus extroversão.  

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5.1.2

A ordem vertical

A ordem vertical do projeto tem relação com a estrutura do lugar pela perspectiva da paisagem, ou seja, daquilo que se coloca entre o solo e o céu [27]. Por outro lado, Kenneth Frampton em Introdução ao Estudo da Tectónica, ao discorrer sobre as formas atávicas da construção se relacionar com o sítio, nos dá a pista dessas aspirações subjetivas e opostas: É típico da nossa época secular que tenhamos que ignorar as conotações cósmicas destes dois métodos de construção dialogicamente opostos: por um lado a afinidade entre a estrutura e a imaterialidade do céu; por outro a tendência da massa para gravitar para Terra e com ela fundir a sua substância. [28]. Nessa ordem de projeto, a edificação será analisada em relação à topografia do terreno de implantação do edifício e suas implicações nas componentes verticais: altimetria, volumetria, perfil de assentamento, etc. Neste caso, enquadraremos a obra a um dos termos do binário, agarramento versus soltura. 5.1.3

A ordem transversal

O termo “transversal” adotado para essa ordem de projeto significa que o tratamento do lugar vai além das suas fronteiras físicas (verticais e horizontais), atingindo-as, mas envolvendo também as suas componentes culturais e humanas. A abordagem da ordem transversal abarca termos como manufatura, indústria, tecnologia, e “linguagem” arquitetônica. Nessa ordem de organização, a edificação será estuda em relação aos recursos da região (naturais / humanos), bem como em à cultura arquitetônica local. Nesse seguimento, enquadraremos a obra a um dos termos do binário, continuidade versus ruptura. 6. Uma casa contemporânea e sua abordagem de contexto Do conjunto das casas contemporâneas destacadas nas premiações, apresentadas anteriormente, selecionamos a Casa em Palmela para o procedimento da análise de sua arquitetura face ao contexto suburbano. A região de inserção dessa casa reúne as condições ideais de caracterização de uma paisagem de subúrbio, ora estudada: região com baixa densidade construtiva, distanciamento do núcleo urbano, ocupação predominantemente residencial e significativas áreas verdes.

Fig. 7: Casa em Palmela. Contexto de implantação. O círculo branco indica a casa no terreno. Fonte: Google Earth. Disponível em: https://goo.gl/xmwDyn (Adaptação e montagem nossas).  

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6.1 Casa em Palmela – Atelier CAN RAN

       

                                                      

Fig. 8: Casa em Palmela. Vista da fachada norte - acesso. Fonte: Atelier CAN RAN. (Adaptação nossa). Disponível em: http://can-ran.com/casa-depalmela/ 6.1.1 Ficha técnica Localização: Cabanas, Palmela, Portugal. Área: 126 m² Arquitetura: Pedro Rogado + Catarina Almada Negreiros (Atelier CAN RAN) Ano conclusão da obra: 2006 Obra selecionada: Habitat Portugal 2006/2008 6.1.2

Descrição geral

A casa está inserida em Cabanas, uma pequena aldeia pertencente à freguesia de Quinta do Anjo e ao Concelho de Palmela, Portugal. Trata-se de uma habitação térrea compacta, assentada em um amplo terreno, plano, numa região de baixa densidade construtiva e ocupação predominantemente residencial. Nessa localidade, notam-se significativas áreas verdes, típicas de uma paisagem semirural. O programa da casa envolve dois dormitórios com casas de banho; uma sala de estar / jantar; uma cozinha, um escritório / quarto de hóspedes, e três pátios.

Fig. 9: Casa em Palmela. Vista da fachada nascente, a partir do acesso ao terreno. Fonte: Atelier CAN RAN. Disponível em: http://can-ran.com/casa-de-palmela/ (Adaptação nossa).  

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Fig. 10: Casa em Palmela. Vista do pátio interno. Fonte: Atelier CAN RAN. Disponível em: http://can-ran.com/casa-de-palmela/ (Adaptação nossa).

Fig. 11: Casa em Palmela. Planta de localização. Fonte: Archdaily. Disponível em: http://goo.gl/hQcWao (Adaptação nossa).

 

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Fig. 12: Casa em Palmela. Planta do piso térreo. Tipologia em “L”. Fonte: Atelier CAN RAN. Disponível em: http://can-ran.com/casa-de-palmela/ (Adaptação nossa).

Fig. 13: Tipologia arquitetônica predominante de vizinhança da Casa em Palmela. Bairro Cabanas. Fonte: Google Street View. Disponível em: https://goo.gl/1QmueX (Adaptação e montagem nossas). 6.2 Análise das ordens do projeto 6.2.1 A ordem horizontal do projeto A casa ocupa uma posição descolada dos limites do lote, guarnecida por generosos afastamentos, sendo que o afastamento frontal é o maior deles, evidenciando maior distanciamento com a via urbana. Em planta, a casa possui uma tipologia em “L” irregular, esquema que gera algumas reentrâncias, mas a volumetria se apresenta à leitura como elemento de caráter compacto. Isso se deve ao uso das grelhas metálicas que “completam” as linhas de um prisma regular, dando a noção de compacidade à imagem externa. Os limites do lote são tratados com elementos vazados, cerca de arame, o que permite completo fluxo visual com os lotes vizinhos e com a rua. Nas fachadas, predominam os cheios sobre os vazados, ou seja, as áreas de alvenarias sobrepõem às áreas de portas e janelas voltadas para o exterior. Somente nas paredes que conformam o pátio interno da casa há maior conectividade do interior com a envolvente (área livre do lote e vizinhança), mas este pátio é aberto para os limites de fundo e esquerdo do terreno, fato que gera maior intimidade e resguardo dos usuários em relação à rua e vizinhança. Esse caráter de privacidade é reforçado pelo recurso marcante de pátios internos como elementos que recebem as esquadrias de vidro instaladas em vários espaços da casa.  

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6.2.2 A ordem vertical do projeto

       

A casa é vigorosamente assente no solo. Todo o programa de ambientes está em nível com o perfil topográfico do terreno. Uma única plataforma, ligeiramente elevada do piso natural, recebe um único pavimento de construção. A tensão vertical dos ambientes ocorre apenas nos pátios, parcialmente encerrados por paredes, onde a ausência de laje permite a elevação das visuais dos usuários para o céu. Não há o recurso à utilização de terraços, pilotis ou ambientes em balanço, fato que reforça a ligação do programa ao solo.

                                                      

6.2.3 A ordem transversal de projeto A “linguagem” arquitetônica é referenciada no modernismo de cunho racionalista, corbusiano, porém não se verificam os pilotis e os terraços preconizados pelo franco-suíço. Na volumetria, a predominância dos cheios sobre os vazados, a fixação da casa ao solo, e a pureza do revestimento branco remetem essa composição ao vocabulário vernáculo português. Ao mesmo tempo, a sofisticação do desenho, o rigor na manipulação espacial e a abstração compositiva se contrapõem à linguagem arquitetônica típica da região de Cabanas (Fig. 13). Nessa região, a composição predominante dos edifícios vincula-se às tradições arquitetônicas pré-modernas, de traços vernáculos, ainda que, em muitos casos, sejam construções recentes. Do ponto de vista tectônico, observa-se que a Casa em Palmela apresenta componentes com significativo agregado tecnológico: as grelhas metálicas, o sistema de cobertura plana, a caixilharia em alumínio, grandes painéis de vidro e paredes com isolamento térmico de poliestireno expansível. Por outro lado, todo o piso dos pátios e dos ambientes internos é construído com cerâmicas artesanais, assim como as paredes, em tijolo maciço. Na vizinhança percebe-se que as construções são erguidas com técnicas e materiais convencionais, tais como alvenarias de tijolos, telhados cerâmicos, estruturas autoportantes ou em concreto armado, caixilharia em madeira, entre outros elementos. Nota-se, na paisagem construída envolvente um alto grau de feitio artesanal nas construções. 7. Conclusões Dados estatísticos revelaram que, nas últimas décadas, o núcleo metropolitano de Lisboa não vem sofrendo pressões populacionais, o que reflete em seu parque edificado habitacional. Em contrapartida, as regiões suburbanas vêm acolhendo maiores contingentes populacionais, que, por sua vez se instalam majoritariamente em habitações isoladas, unifamiliares. Neste estudo, observamos, no passado e no presente, a ocorrência de estreitos vínculos entre o projeto arquitetônico da casa suburbana de Lisboa e as paisagens locais, fato que denota uma cultura projetual. O exame de alguns modelos de casas do passado confirmou o modus operandi de se “projetar com o lugar” como estratégia arquitetônica recorrente. Verificou-se uma trajetória que remonta à incorporação da paisagem na arquitetura das Quintas de Recreio, passando pela expressão culturalista da Casa Portuguesa, culminando com a casa de cariz regionalista, gestada na revisão do Movimento Moderno em Portugal. Consonante ao século XXI, a amostragem de casas de referência apresentada neste estudo confirmou o território da “urbanidade diluída” como importante espaço para sua expressão. Por outro lado, ao aplicarmos um modelo de análise que afere a resposta da arquitetura ao sítio numa das casas da amostragem, nomeadamente na Casa em Palmela, verificamos que nas três ordens de projeto elencadas para a interpretação, ocorreram estratégias de concepção fortemente relacionadas à paisagem do lugar. Relativo à ordem horizontal de projeto, em que foram confrontadas as características da habitação com as dimensões horizontais do lugar, podemos afirmar que suas estratégias de projeto estão circunscritas ao termo introversão. Ainda que essa casa possua alta permeabilidade nos seus limites, há uma contraposição desse aspecto pelo baixo grau de fenestração para o exterior, o que denota uma estratégia projetual de resguardo do interior. Nesse caso há relação com a intenção de interiorização da vivência dos moradores, que se verifica pela utilização dos pátios internos e pela seletividade e enquadramento das fenestrações para o exterior. Nesse sentido, os autores do projeto apontam traços da tradição doméstica romana e árabe na configuração de Casa em Palmela. A proposição do  

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impluvium filia-se à matriz romana, ao passo que o pátio interno apresenta conexão com a tradição islâmica. No tocante à filiação cultural, vale ressaltar que as habitações de matriz árabe, que marcaram a paisagem urbana em Portugal sob o domínio muçulmano (sécs. VIII a XV), eram interiorizadas, dado que as aberturas para o exterior eram reduzidas a fim resguardar a intimidade doméstica. O pátio interno, de raiz greco-romana, foi um recurso corrente de controle climático e social na habitação muçulmana. Ao mesmo tempo, a contenção dos vãos alude aos mecanismos de manejo climático verificados na tradição da arquitetura portuguesa. Há que se destacar que a condição de planície da região limita a relação de horizonte da casa com largas visuais da envolvente, consequentemente, há menores possibilidades de interação com planos de paisagem distantes. Quanto à ordem vertical de projeto, verificada nos atributos da Casa em Palmela face à topografia do lote, suas estratégias de projeto podem ser definidas pelo termo agarramento. Aparentemente, a condição topográfica do sítio de assentamento da edificação poderia sugerir a condição de agarramento verificada nesse projeto. Entretanto, essa interpretação pode ser insuficiente, uma vez que, um terreno plano não é determinante de uma arquitetura chã. Por esse ângulo, a horizontalidade projetada para a Casa em Palmela tem, sim, uma associação à condição do terreno, mas, ao mesmo tempo, há uma atávica aspiração de fusão com a terra, que se opõe à condição da elevação do solo típico dos modelos em esqueleto estrutural. No entanto, a condição de agarramento da casa pode estar associada a outros aspectos, tais como a condicionante sísmica e/ou economia na construção. Aspectos que, no âmbito deste estudo, não apresentaram subsídios para o aprofundamento. Relativo à ordem transversal de projeto, em que foram confrontadas as características da edificação com a cultura arquitetônica e construtiva do local, podemos estabelecer que as estratégias deste projeto estão ligadas, simultaneamente, aos termos continuidade e ruptura. Nota-se a nítida quebra nos padrões de expressão tectónica, material, e artística quanto à paisagem cultural envolvente. Ao mesmo tempo, a configuração espacial do projeto articula elementos da tradição construtiva local e universal: o pátio interno, e o impluvium. A essa posição de ruptura em relação ao edificado envolvente, não se pôde identificar o contributo do contratante do projeto, ou seja, em que grau a aspiração de diferenciação arquitetônica dos autores coaduna-se com a dos usuários. De qualquer forma, a ênfase na descontinuidade da expressão arquitetônica retrata uma aspiração de singularidade e personalização do habitat face ao edificado no entorno. Por outro lado, ao consideramos o contexto erudito da expressão arquitetônica contemporânea em Portugal, evidencia-se que a estratégia transversal do projeto é de continuidade, posto que a linguagem arquitetônica, os materiais, e os sistemas construtivos são facilmente reconhecíveis como pertencentes a esse universo cultural. Por fim, a obra aqui analisada, ainda que alinhada a conceitos globais de arquitetura, denota que na concepção do seu projeto há grande preponderância da envolvente na adoção das soluções de projeto, que hora as integra, ora as contrapõe.

       

                                                      

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