O TEXTO LITERÁRIO NO MATERIAL DIDÁTICO DE E/LE: (RE/DES)CONSTRUÇÕES INTERCULTURAIS DA LEITURA A PARTIR DA CRÍTICA TEXTUAL

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O TEXTO LITERÁRIO NO MATERIAL DIDÁTICO DE E/LE: (RE/DES)CONSTRUÇÕES INTERCULTURAIS DA LEITURA A PARTIR DA CRÍTICA TEXTUAL Sandro Marcio Drumond Alves* [email protected] Milena Navarro Rodrigues [email protected] Universidade Federal de Sergipe

Resumo O estudo da Literatura, como manifestação latente de uma determinada cultura, tem sua grande relevância nos contextos de ensino-aprendizagem de línguas (ainda que seja pouco explorada em ambientes escolares de línguas estrangeiras na Educação Básica brasileira). Também é possível verificar que não é rara a existência de textos literários nos materiais didáticos de línguas estrangeiras. Partindo dessa premissa, as perguntas que norteiam a construção desse trabalho são: De que forma os textos literários aparecem nos livros didáticos de espanhol? Como estes são explorados? Assim sendo, para a concretização deste trabalho, estabelecemos a coleção do Livro Didático de Espanhol intitulado Enlaces como nosso objeto de estudo. Com vistas a delimitar ainda mais o nosso processo de análise, optamos por utilizar somente o volume 2 como corpus da investigação. Justificamos, por fim, a escolha deste material por ter sido uma das coleções de livros selecionados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do ano de 2012. Palavras-chave: Crítica Textual; Livro didático; ELE; Literatura.

1. Considerações iniciais Os Livros Didáticos (doravante, LD) são, muitas vezes, o único material utilizado em sala de aula pelos professores das escolas de rede pública por vários fatores. Por isso, a importância de se avaliar o que consta nesses materiais e de que maneira estão apresentados. O livro escolhido para a realização desse trabalho foi um dos três livros que compõem

a

coleção

Enlaces



Español

para

jóvenes

brasileños,

mais

especificamente o volume 2. Escolhemos tal livro para base de nossas análises por fazer parte de uma das três coleções (Síntesis, El arte de leer español e Enlaces) aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático do ano de 2012 (PNLD, 2012), direcionado ao Ensino Médio. O PNLD é um programa que analisa e escolhe o livro didático que mais se adequa (ou se adequaria) à realidade brasileira, distribuindo as coleções por todas *

Milena Navarro Rodrigues é graduanda no Curso de Letras (Português-Espanhol) da Universidade Federal de Sergipe e participante do grupo de pesquisa GEMADELE/UFS na linha de pesquisa sobre Materiais Didáticos e Crítica Textual. Aluna voluntária do PIBID/CAPES/UFS/Espanhol. Sandro Marcio Drumond Alves é professor de Língua Espanhola e Linguística da Universidade Federal de Sergipe. Líder do Grupo de Pesquisa em Elaboração e Análise de Materiais Didáticos de ELE e coordenador do subprojeto PIBID/CAPES de Língua Espanhola.

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as escolas públicas do país. Sabendo então que a literatura, por ser uma manifestação latente de uma determinada cultura, tem extrema relevância nos contextos de ensino-aprendizagem de línguas, pensamos que, de igual maneira, seria relevante fazer uma análise de como a literatura tem sido representada, apresentada e explorada nos LD de Espanhol como Língua Estrangeira (ELE). Para isso, teremos como base os conceitos da Crítica Textual (CAMBRAIA, 2005).

2. Discussão teórica Segundo o Ministério da Educação (MEC), o PNLD tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de LD aos alunos de educação básica. Após essa avaliação, é publicado um Guia com resenhas e análises sobre as coleções consideradas aprovadas. O Guia de LD é mandado para as escolas de rede pública, onde o professor pode analisá-lo e escolher a coleção que acredita que mais se adequa à sua realidade diária. O PNLD é executado em ciclos trienais alternados, sendo assim, analisaremos um livro de uma das coleções aprovadas pelo PNLD 2012, direcionado ao Ensino Médio. Marcos Richter (2005) em seu artigo “O material didático no ensino de línguas” afirma que O

lugar

ocupado

pelos

livros

didáticos

na

educação

linguística pode variar consideravelmente, refletindo o tipo de relação mediadora que o material estabelece entre o professor e o processo de ensino-aprendizagem, ou melhor, o maior ou menor grau em que o professor se subordina ao livro – variável esta até certo

ponto

educacional

influenciada em

que

o

pela

abordagem

profissional

está

básica inserido

do

sistema

(RICHTER,

2005:05).

Nenhum LD deve ser considerado perfeito (ANSARY e BABAII, 2002) apesar de que muitas vezes ele é usado como único mediador entre professor e aluno. É justamente na lacuna de sua formulação que a Crítica Textual deve fazer-se presente. Segundo Cambraia, a base fundamental para que possamos entender a Crítica Textual é o fato de que um texto sofre modificações ao longo do processo de sua transmissão (CAMBRAIA, 2005:01). Essas modificações podem ser exógenas – quando o material é corrompido – ou endógenas – quando o texto é modificado. Trabalharemos aqui as mudanças endógenas, mudanças essas que podem ser autorais (realizadas pelo próprio autor) ou não-autorais (sem conhecimento do

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autor). As adaptações que sofrem os textos literários no LD em questão são de fundo não autoral, que não são consentidas pelo autor da obra transcrita no LD. O livro que utilizamos como objeto para realização desse trabalho, como já foi dito, pertence a coleção Enlaces – Español para jóvenes brasileños, 2ª Edição. A primeira edição da coleção foi publicada em volume único pela editora SGEL que mais tarde foi adaptada em três (3) volumes1 e publicada pela editora MacMillan. A coleção Enlaces – Español para jóvenes brasileños possui três volumes e são direcionados ao Ensino Médio. Assim como todos os livros de língua estrangeira das escolas públicas, Enlaces é um livro consumível, ou seja, não precisa ser devolvido ao final do ano. É de posse do aluno. A coleção tem como autoras: Soraia Osman, Neide Elias, Priscila Reis, Sonia Izquierdo e Jenny Valverde, que teve participação apenas nessa edição da editora MacMillan. Os três volumes da coleção estão divididos em oito unidades e, segundo o Guia PNLD 2012, a obra é organizada de modo funcional, ainda que o índice não exponha de forma clara a estruturação interna de cada unidade. Cada unidade está dividida em oito categorias e elas têm seus objetivos expostos nas páginas 04 e 05 dos três volumes da coleção: a “Página de entrada”, que se trata de uma página de primeiro contato com o tema que será trabalhado; a seção “Hablemos de”, que introduz o tema e o conteúdo gramatical, comunicativo ou lexical que será trabalhado a partir de modelos de diálogos, apresentações, entrevistas etc.; “¡Y no solo esto!”, que trata de orientar e desenvolver estratégias de leitura em língua espanhola; “En otras palavras...”, que é a seção que propõe a prática da expressão escrita por meio da observação dos elementos constitutivos a partir do trabalho com gêneros discursivos; a seção “Manos a la obra”, que tem como objetivo principal o desenvolvimento da competência gramatical de maneira sistematizada entre uso e forma; “Como te decía”, seção onde estão presentes as atividades de produção oral; a seção “Más cosas”, que desenvolve atividades lúdicas e interculturais; e, por fim, “Así me veo”, como uma etapa de autoavaliação do aluno. Encontram-se nas páginas 04 e 05 dos três volumes da coleção Enlaces os objetivos de cada categoria já citada. Os textos literários encontrados no livro analisado foram dois (02), sendo eles: Don Quijote de la Mancha (unidade 3, p. 4849) e Lazarillo de Tormes (unidade 6, p. 98). Para a realização desse trabalho analisaremos apenas o primeiro texto citado. A atividade inicial referente ao texto escolhido (p. 47) nos traz o conceito da palavra “ócio” em espanhol e em português, perguntando ao aluno em qual idioma Essa divisão em três fascículos – um para cada ano do Ensino Médio – foi realizada para atender as necessidades do edital do PNLD 2012.

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a palavra possui um valor negativo. Em seguida, apresenta um quadro com conceitos da mesma palavra pelos filósofos Aristóteles e Sêneca. Na página seguinte se encontram três questões que dizem respeito aos conceitos da palavra “ócio”, citados pelos filósofos Aristóteles e Sêneca. Logo o livro nos apresenta o texto literário que será nosso material de análise, intitulado Don Quijote de la Mancha. O enunciado do texto informa o título da obra literária e a data de nascimento e morte do autor, Miguel de Cervantes, e pede ao aluno que leia o texto onde o narrador descreve o efeito da leitura de novelas de cavalaria na imaginação do personagem, sem esclarecer ao leitor quem seria o narrador, o que são novelas de cavalarias e quem seria o personagem. O texto está em um espaço físico que ocupa um pouco mais da metade da página 48 do LD. Não está justificado e está escrito em espanhol já não utilizado (século XVII), podendo causar algum tipo de dificuldade ao entendimento do texto para alunos que, teoricamente, estão em seu segundo ano de estudo de ELE. Filologicamente, sob os preceitos da Crítica Textual (CAMBRAIA, 2005) verificamos que o texto apresenta identificação de supressão, representado pelos signos “[...]”. Além disso, em termos de diagramação, encontramos do lado esquerdo do texto um informativo que expressa: “Para más informaciones sobre Miguel de Cervantes entra en la página: www.cervantesvirtual.com”. Na página seguinte, de número 49, o texto apresenta uma imagem com a seguinte legenda: “Don Quijote, leyendo libros de caballerías. Ilustración de Gustavo Doré (1833-1888)”. Esta imagem condiz com o efeito da leitura das novelas de cavalaria no personagem citado no enunciado da questão, indicando um estado de loucura de Quixote. Ao final do texto literário está a referência de onde ele foi extraído e, em seguida, oito questões de leitura, sendo uma delas direcionada à comparação do texto lido com os conceitos de “ócio” citados anteriormente. Após a descrição da atividade do livro, podemos, por fim, fazer uma análise de como o texto foi adaptado e de que maneira está sendo explorado. O enunciado do texto diz: Lean el fragmento del primer capítulo de la obra Don Quijote de la Mancha del escritor Miguel de Cervantes (1547-1616). En esta parte el narrador describe el efecto de la lectura de las novelas de caballería en la imaginación del personaje. Luego, contesten las preguntas (Questão 7, p. 48).

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A primeira diferença que podemos notar com relação à Edição Crítica da obra é a mudança de seu nome completo, El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha, em que ingenioso (engenhoso) significa inventor e hidalgo (fidalgo) significa nobre. A obra Don Quijote está dividida em quatro partes, de maneira que o enunciado trata o Capítulo Primero da obra por “primeiro capítulo”. Assim, já averiguamos uma primeira alteração no conteúdo do texto. Apesar desta modificação, verificamos que ela não interfere (ou altera significativamente) no entendimento do texto. O enunciado também indica o autor da obra e informa sua data de nascimento e morte, porém o ano em que a obra foi publicada não é esclarecido (trata-se do ano de 1605). Ainda no enunciado, notamos que não é informado ao leitor quem seria o narrador e quem seria o personagem. Além disso, o enunciado também não aclara ao leitor o que seriam as tais novelas de cavalarias que o narrador descreve ter causado algum efeito no personagem-título. Acreditamos que a ideia seria trabalhar com o conhecimento prévio do aluno. No entanto, na maioria das escolas públicas de Sergipe, a disciplina de Literatura foi retirada da grade curricular, dificultando o entendimento dos alunos do segundo ano do Ensino Médio sobre a questão levantada. Não podemos afirmar que a presença de tal proposta configure um problema no LD, mas se tomamos a nossa realidade como parâmetro, chegamos à conclusão de que a atuação do professor sobre o LD seria imprescindível para que os alunos sejam capazes de entender a questão da língua estrangeira e fazer suas devidas correlações. Assim, vemos que o LD é realmente um instrumento que deve ser adaptado às necessidades dos alunos. Nas palavras de Ramos (2009:194), o professor tem que ser capaz de “avaliar, modificar, complementar” o LD, com base em concepções de ensino e aprendizagem atuais e levando em conta a realidade de sua escola e as necessidades de seus alunos. Sobre o texto em si, pela edição mencionada na referência, vemos que se inicia, no segundo parágrafo do Capítulo Primero da obra original, deixando de fora o primeiro parágrafo onde efetivamente o personagem Quixote é apresentado. As supressões do texto são duas e justamente os elementos selecionados para não figurarem no LD remetem ao que seriam as novelas de cavalaria citadas no enunciado da questão. Como já foi mencionado anteriormente, o texto disposto no LD mantém a linguagem

e

estrutura

do

espanhol

do

século

XVII,

apresentando

formas

gramaticais que atualmente já não são utilizadas. Não vemos problema nesse tipo de recorte, mas acreditamos que os cuidados devem ser redobrados nessa parte, pois o professor deve atentar que certas estruturas apresentadas diferem do padrão atual de uso da língua e são bastante parecidas ao português, podendo

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causar conflitos no processo de aprendizagem de ELE do aluno. Nesse sentido, estamos de acordo com Magno e Silva (2009) quando afirma que é preciso que o livro didático seja usado [...]

de

maneira

parcimoniosa

e

contextualizada

em

qualquer situação de ensino e aprendizagem de forma que leve os aprendentes a expandir suas oportunidades de aprender para além da sala de aula (MAGNO e SILVA, 2009:75).

É possível que a comparação diacrônica dentro do espanhol e seu contraste com nosso sistema da língua materna acrescentem oportunidades de os alunos aumentarem seu conhecimento sobre a configuração de ambas as línguas e refletirem sobre questões de variação e uso. O que nos parece um caso curioso é que há uma nota de rodapé referente ao texto que expressa: “Para conocer más la historia, lee Don Quijote de la Mancha, de la colección Literatura Hispánica de Fácil Lectura. Madrid: SGEL, 2008.” Assim que nos perguntamos qual a intenção de se utilizar um texto com linguagem antiga se essa linguagem não é explorada como deveria? Por que se indica um livro de leitura fácil para os alunos e no LD se prefere um texto mais antigo? Possíveis respostas poderiam dar conta dessas questões, mas acreditamos que, talvez, pistas para essas perguntas poderiam estar no Manual do Professor, mas não aparecem. Na edição disposta no LD, o texto tem fim no meio do quinto parágrafo do capítulo primero da obra, ignorando o resto do parágrafo em que narra como Quixote se imagina um cavaleiro andante, personagem integrante das novelas de cavalarias, citadas nas partes suprimidas anteriormente. Além dessas questões relacionadas à edição, o que mencionamos como mais curioso foi o fato de o texto ter sido adaptado de maneira que direciona o leitor a ter certeza da loucura de Quixote, não oferecendo ao aluno a possibilidade de refletir sobre o limiar entre sonho e realidade, loucura e sanidade ou ideias e ações. O texto, apesar de preservar uma linguagem antiga, não possui glossário. Verificamos que outros textos contemporâneos (apesar de não-literários) fazem uso de glossários seletivos para dar conta da explicação da acepção de certos vocábulos. Assim, acreditamos que em um texto distante 400 anos de nossa realidade (e devemos pensar que é um LD para ensino de ELE) merecia um pequeno glossário para, inclusive, diminuir a distância entre o objeto e os alunos do Ensino Médio, que muito possivelmente estão tendo contato pela primeira vez com a língua espanhola em caráter diacrônico. Certamente, esperávamos essa posição no momento de construção da atividade no LD, mas isso reforça a ideia de que o papel do professor é imprescindível, pois ele mesmo pode, ao avaliar a unidade e

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preparar a sua aula, verificar que a construção de um pequeno glossário seria eficaz para o trabalho com seus alunos. Desta forma, estamos consoantes com as ideias propiciados pelos PCN (2001), pois [...] é fundamental encarar o livro didático como um ponto de referência para o trabalho docente, como um recurso, não o único, facilitador do processo de ensinar e aprender, como um guia orientador geral, que auxilia na seleção e organização dos objetivos e conteúdos. Visto a partir dessa concepção, o livro didático é – ou deve ser – um recurso a mais, entre tantos, de que o professor dispõe para estruturar e desenvolver seu curso e suas aulas, mesmo quando ele é o responsável por sua elaboração/organização, o que pode constituir em alguns casos uma vantagem e em outros, uma desvantagem (BRASIL, 2001:154).

Além disso, verificamos também que todas as questões referentes ao texto são apenas questões de localização de informação topical. Por fim, podemos comparar os objetivos (segundo o que dispõe no Manual do Professor) da categoria analisada (“¡Y no solo esto!”) com a atividade em questão. Como já dissemos, a categoria em que se encontra o texto analisado tem como objetivo “orientar e desenvolver estratégias de leitura em língua espanhola”. Porém, encontramos o fragmento de Don Quijote sem nenhuma orientação e informação necessária para o mínimo entendimento textual, já que, além da falta de glossário, o texto apresenta-se em linguagem antiga. Outro objetivo da categoria que julgamos não ter sido alcançado foi o de “propor atividades diversificadas de compreensão leitora, ampliando a perspectiva reflexiva do tema tratado, gramática e do vocabulário”, uma vez que o texto não instiga compreensão leitora (não trabalha a literariedade), não instiga reflexão do que foi lido – direcionando pensamento fixo, afirmando que Quixote é louco – e também não apresenta nenhum trabalho específico com gramática e muito menos com o vocabulário. Podemos pensar que tanto o trabalho com a gramática quanto com o vocabulário poderiam ser explorados através das questões de leitura, no entanto, como apontamos, as questões são somente de localização de informação no texto. Por servir de apoio ao docente, observamos o que nos dizia o manual do professor. Assim como o próprio texto editado e as questões da atividade, o manual direciona o professor a reafirmar a loucura de Quixote e não instiga atividades para buscar mais informações sobre o dilema quixotesco. Além disso, sugere ao professor que ignore a linguagem “clássica” do texto. A atividade complementar

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que oferece o manual diz respeito ao “ócio criativo” e sugere dois sites da internet, que infelizmente já não funcionam.

3. Considerações finais Alguns dos problemas citados nesse trabalho também foram encontrados por Marlene Mendes, na década de 80, em diversos livros didáticos de comunicação e expressão em língua portuguesa, o que no faz pensar até que ponto a falta de fidedignidade dos textos seguirá causando conflitos no processo de ensinoaprendizagem não só de línguas, mas de outras áreas também. Muitas vezes, devido às alterações realizadas, o autor se torna co-autor da própria obra, como afirma Adriana Moreira (2010:131). Como vimos nesse trabalho, as modificações feitas no texto analisado influenciaram de certa maneira negativa o sentido da obra, o que pode provocar barreiras no entendimento cultural no processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira. Não queremos, com esse estudo, dizer que os LD são ruins ou inadequados. O que ressaltamos é que não há perfeição em nenhum tipo de material e que o labor do professor continua sendo essencial para a boa utilização do LD. Assim, como nos afirma Coracini (1999), apesar de o material didático ser um instrumento importante em sala de aula, não se deve perder o senso crítico diante dele. Dessa maneira, repetimos que é na sala de aula que a Crítica Textual pode e deve fazer-se presente para que possamos diminuir esses obstáculos e ratificar as ideias de Cunningsworth (1995) ao defender que o livro deve estar a serviço dos professores e dos alunos e não o contrário.

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MAGNO E SILVA, W. (2009): Livros didáticos: fomentadores ou inibidores de autonomização? Em: DIAS, R. e V. L. P. CRISTOVÃO (Orgs.): O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 57-78. MOREIRA, Adriana Leite (2010): Crítica textual nos livros didáticos de língua portuguesa. Revista SOLETRAS, ano X, nº 19, jan./jun. suplemento. São Gonçalo: UERJ, p. 119-133. Disponível em: [último acesso: 10/06/2013]. OSMAN, Soraia et alii. (2010): Enlaces: Español para jóvenes brasileños, vol. 2. 2. ed. São Paulo: Macmillan. RAMOS, R. C. G. (2009): O livro didático de língua inglesa para o ensino fundamental e médio: papéis, avaliação e potencialidades. Em: DIAS, R. e V. L. P. CRISTOVÃO (Orgs.): O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, p.173-198. RITCHER, M. G. (2005): O material didático no ensino de línguas. Revista Linguagem e Cidadania. Santa Maria, edição de 14, jul-dez. p. 01-19. Disponível em: [último acesso: 10-06-2013].

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