O Thymós nos Poemas de Homero (Ilíada e Odisseia) (Monografia)

Share Embed


Descrição do Produto

i

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras

O THYMÓS NOS POEMAS DE HOMERO (ILÍADA E ODISSEIA)

Erike Couto Lourenço Orientador: Prof. Teodoro Rennó Assunção

Belo Horizonte 2016

ii

O THYMÓS NOS POEMAS DE HOMERO (ILÍADA E ODISSEIA)

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Letras Clássicas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Letras.

BELO HORIZONTE/ MG UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

iii

Dedicatória

Dedico este trabalho à minha esposa, pelo carinho, motivação e amor. À minha família, pelos pilares da minha educação e amorosa criação. Aos amigos, pelas conversas e apoio. Aos professores, por terem aberto tantos caminhos de conhecimento.

iv

Agradecimentos Agradeço a Deus, por ter me proporcionado vida, saúde e todos os meios necessários para me graduar e realizar este trabalho. À minha família e aos meus irmãos, que mesmo distantes me deram carinho e força para continuar. À minha bela esposa Gabriela Lúcia Alves Nunes Lourenço, pelo amor, incentivo, dedicação e paciência, sempre me dando o tenro sustento nos momentos de dificuldade. Aos amigos Tiago Murillo, Rafael Souza, Matheus Almeida, Eduardo Cursino, pelas discussões e pelas prazerosas conversas, e a André Tavares, pelo incentivo a cursar a graduação em grego antigo e pelos sábios conselhos em momentos relevantes da minha formação e vida. Ao Prof. Teodoro Rennó Assunção, pela preciosa orientação e indispensáveis contribuições ao tema proposto e à composição desta monografia. Ao Prof. Jacyntho Lins Brandão, pelas dicas de estudo e compreensão pelas mudanças no tema e orientação da monografia. Ao Prof. Antonio Orlando de Oliveira Dourado Lopes, pelas aulas, trabalhos, indicações bibliográficas e conversas que me conduziram ao tema desta monografia. À Prof.ª Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, pela preciosa orientação na iniciação científica. A todos os professores e professoras das Letras Clássicas, pela dedicação, empenho e paixão ao ensino.

v

Resumo O presente trabalho tem por objetivo apresentar as pesquisas empreendidas por Richard Broxton Onians a respeito do thymós na literatura épica grega, especialmente na Ilíada e na Odisseia de Homero, e expor as recepções de suas análises por outros dois classicistas, Jan Bremmer e Michael Clarke. Palavras–chave: thymós, psychḗ, alma, épica, Ilíada, Odisseia, Homero

Abstract This study aims to present the research undertaken by Richard Broxton Onians about the thymós in Greek epic literature, especially in the Iliad and the Odyssey of Homer, and to expose the receptions of their analysis by two other classicists, Jan Bremmer and Michael Clarke. Keywords: thymós, psychḗ, soul, epics, Iliad, Odyssey, Homer

vi

Tabela de Transliteração Para a transliteração do alfabeto grego para o latino, seguir-se-á a seguinte tabela:

Denominação

Signo Grego

Alfa Beta Gama

Α, α Β, β Γ, γ γγ γκ γξ γχ Δ, δ Ε, ε Ζ, ζ Η, η Θ, θ Ι, ι

Gama gutural

Delta Epsílon Zeta Eta Teta Iota Iota Subscrito Capa Lambda Mi Ni Xi Ômicron Pi Rô Rô aspirado Sigma Tau Ípsilon

Ípsilon em ditongos

Fi Qui Psi Ômega Espírito Forte Espírito Brando

ͺ Κ, κ Λ, λ Μ, μ Ν, ν Ξ, ξ Ο, ο Π, π Ρ, ρ ῥ Σ, σ, ς Τ, τ Υ, υ αυ ευ ου ηυ υι Φ, φ Χ, χ Ψ, ψ Ω, ω ‘ ᾽

Transliteração Correspondente a b g ng nk nx nch d e z ē th i i k l m n x o p r rh s t y au eu ou ēu ui ph ch ps ō h –

Exemplos de Palavras Original Transliterada ἀγάπη βάρβαρος γεωργός ἄγγελος ὄγκος σάλπιγξ ἄγχειν δίκη εἴδωλον ζήτησις ἥλιος θεός ἰδέα τραγῳδία κακόν λέον μαρτυρία νόμος ξύλο ὀλίγος ποταμός ὀργή ῥυθμός Σφίγξ ταῦρος λύρα αὐγή εὐαγγέλιον Μοῦσα ηὐξάμην υἱός φάρμακον χάρις ψυχή ᾠδή ἱστορία ἄνθρωπος

agápē bárbaros georgós ángelos ónkos sálpinx ánchein díkē eídolon zḗtēsis hḗlios theós idéa tragoidía kakón léon martyría nómos xýlon olígos potamós orgḗ rhythmós Sphínx taûros lýra augé euangélion Moûsa ēuxámēn huiós phármakon cháris psychḗ ōidḗ historía ánthropos

Sumário Dedicatória .................................................................................................................................iii Agradecimentos ......................................................................................................................... iv Resumo........................................................................................................................................v Tabela de Transliteração ............................................................................................................ vi Introdução .................................................................................................................................. 2 1. O Aparato Mental Homérico ................................................................................................. 5 1.1. A Proposta de Onians.......................................................................................................... 5 1.2. A Proposta de Bremmer ...................................................................................................... 7 1.3. A Proposta de Clarke ........................................................................................................ 12 1.3.1. A Família-Thymós .......................................................................................................... 17 2. O Que é o Thymós? ............................................................................................................. 20 2.1. O Thymós como um Tipo de Alma ................................................................................... 20 2.2. Uma Definição Fluida de Thymós..................................................................................... 21 2.3. Características do Thymós................................................................................................. 22 2.4. O Thymós e o Restante do Aparato Mental e Emocional ................................................. 28 2.4.1. Phrénes ............................................................................................................................28 2.4.2. Nóos .................................................................................................................................31 2.4.3. Ménos...............................................................................................................................31 2.5. Causalidades ..................................................................................................................... 32 2.5.1. A Inspiração ....................................................................................................................32 2.5.2. Atributos Intelectuais ......................................................................................................33 3. O Thymós e a Psychḗ ........................................................................................................... 36 3.1. Definição de Psychḗ .......................................................................................................... 36 3.2. Relação entre os Diferentes Conceitos de Psychḗ ............................................................ 37 3.3. A Partida da Psyché para o Hades .................................................................................... 39 3.4. Relação entre Psychḗ e Thymós ........................................................................................ 40 3.5. O Thymós e as Psychaí no Hades (Od. 11) ....................................................................... 45 3.6. A Psychḗ como Alma Unitária ......................................................................................... 48 4. A Aplicabilidade das Teorias Apresentadas ........................................................................ 51 Conclusão ................................................................................................................................. 55 Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 56

2

Introdução A mente e a alma humanas se tornaram objetos de intensos e aprofundados estudos, no final do século XIX, com o advento da Psicologia. Porém, conceituações sobre elas já eram feitas desde tempos imemoriais na História humana, o que pode ser verificado pelos escritos e tradições deixados por diversos povos ao redor do mundo, dentre os quais encontram-se os gregos.1 Apesar de os poemas serem produtos de um longo processo de composição cujo autor é convencionalmente chamado de “Homero” – processo que começa com os aoidoí (bardos), com seus cantos dos feitos heroicos acompanhados da lira, passando pelos rhapsōidoí (recitadores), que iam de cidade em cidade declamando seus poemas, e termina na tradição que se formara posteriormente ao redor das obras produzidas a partir disso tudo –,2os conceitos sobre a mente e a alma presentes na Ilíada e na Odisseia não são meros produtos de criação literária, mas reflexos de uma época específica, que se estendeu de 800 a 500 a.C., conhecida como Período Arcaico Grego.3 Bruno Snell,4 famoso classiscitsta, diz que esses conceitos não são expressos por vocábulos diretos nos épicos homéricos, mas por diversos termos que, a despeito de orbitarem em centros diferentes e se comportarem de forma diversa, tentam cobrir as mesmas áreas dos conceitos modernos de “mente” ou “alma”. Dentre os termos principais estão kē̂r, kradíē, phrēn/phrénes (ou prapídes), nóos, thymós e psychḗ. O escopo deste trabalho focará no thymós e em suas diferentes definições, dadas principalmente por três destacados acadêmicos. Será abordada também a sua relação com os outros termos do aparato mental, com as emoções humanas e com a psychḗ. Para isso, serão utilizados tanto os dados da época grega arcaica quanto as ocorrências do termo nos épicos homéricos, a Ilíada e a Odisseia.

1

Cf. SNELL, 1953, p. 196. Cf. HOSE; SCHENKER, 2015, p. 55–56. 3 Cf. WALLACE, 2014, p. 23. 4 Cf. SNELL, 1999, p. 246–247. 2

3

Uma das análises sobre o thymós a serem abordadas é a de Richard Broxton Onians,5 presente em sua (ao que parece) única e magna publicação, The Origins of European Thought: about the Body, the Mind, the Soul, the World, Time, and Fate. Nesse trabalho, lançado primeiramente em 1926 como uma premiada tese de doutorado e relançado depois como livro em 1951, Onians se esforça em detalhar, conforme indica o título da obra, as concepções de corpo, mente, alma, mundo, tempo e destino presentes em diversas culturas, como a greco-romana e a judaico-cristã. Nesse sentido, ele empreende um extenso e meticuloso estudo filológico, averiguando como os termos são tomados nas mais diversas ocorrências na literatura de cada povo, mostrando as influências e pontos de contato entre eles. Seu estudo a respeito do thymós foi fundamental para as pesquisas posteriores sobre esse conceito grego. Outro pesquisador cujos estudos também serão expostos é Jan Bremmer, professor do Institute for the Study of the Ancient World da Universidade Livre em Amsterdã, Holanda. Eles estão contidos em seu livro The Early Greek Concept of the Soul, lançado pela Princeton University Press em 1983. Apesar de tecer muitos pontos similares aos de Onians (até mesmo citando-o várias vezes), Bremmer se diferencia de seu predecessor ao se concentrar nas crenças arcaicas, entendendo-as como iluminadoras das ideias presentes na época grega arcaica e contidas também nos poemas homéricos. O terceiro classicista a ter suas pesquisas analisadas aqui é Michael Clarke. Seu livro, Flesh and Spirit in the Songs of Homer: A Study of Words and Myths, lançado em 1999, endossa muitos pontos das pesquisas de Onians e Bremmer, mas refuta-os em pontos cruciais, partindo de pressupostos outros dos seguidos por seus predecessores, como, por exemplo, de um enfoque quase que exclusivo nos usos da terminologia do aparato mental no âmbito da Ilíada e da Odisseia, sem recorrer às informações de culturas diferentes ou de fontes externas aos épicos homéricos. Por fim, após serem vistas as teorias desses pesquisadores em torno do thymós e das relações desse com o restante do aparato mental homérico, será visto o uso feito de suas análises em

5

Richard Broxton Onians foi professor de latim da Universidade de Londres que viveu de 1899 a 1986 (cf. ONIANS, 1951). Fonte: (último acesso em: 19 de maio de 2016, 13:30h).

4

renomados comentários modernos da Ilíada e da Odisseia. Com isso, será verificada a plausibilidade da aplicação dessas teorias nos diferentes contextos e ocorrências dentro dos poemas. Os textos gregos usados neste trabalho foram retirados das edições da Ilíada6 e da Odisseia7 disponíveis em Perseus Digital Library.8 Eles serão apresentados em sua escrita alfabética original, excetuando-se as palavras e expressões curtas citadas diretamente no corpo do texto, que serão apresentadas transliteradas conforme o padrão da tabela de transliteração mostrada anteriormente. As respectivas traduções desses trechos, caso apareçam sem a referência ao tradutor, são de autoria própria.

6

Cf. HOMER, 1920. Cf. HOMER, 1919. 8 Acessível em http://www.perseus.tufts.edu/hopper/ . 7

5

1. O Aparato Mental Homérico A consciência humana, tal como é descrita em Homero, foi teorizada e explicada de diferentes maneiras por Onians, Bremmer e Clarke. Eles, porém, concordam que ela foi expressada por meio de um conjunto de termos gregos, a saber: kē̂r, kradíē, ē̂tor, ménos, nóos, phrḗn/phrénes (ou prapídes) e thymós.9 Clarke (1999, p. 63–66) chama esse grupo de “aparato mental”, denominação que será adotada daqui para frente. 1.1. A Proposta de Onians Para Onians, esses termos acima podem ser tomados como tipos de “almas”, dentre as quais podem ser citadas a alma-fôlego,10 a alma-vida11, a alma-fumo12 e a alma-sangue.13 Essas “almas”, especialmente a alma-fôlego – denominação associada pelo autor geralmente ao thymós, objeto principal deste trabalho –, formam o que ele chama de “substância da consciência”.14 Apesar dessa categorização em “almas” não ter sido inventada por ele, Onians não a explica de forma detalhada nem diz exatamente quais foram os pesquisadores que o influenciaram em suas formulações. As poucas e obscuras referências que faz são aos nomes de Erwin Rohde,15 Carl F. Nägelsbach,16 Thedodor Gomperz,17 Ernst Bickel18, Walter Friedrich Otto19 e Joachim Böhme.20 Eles afirmavam, influenciados pela antropologia de Lucien Lévy-Bruhl,21 que os gregos arcaicos tinham “um modo de pensamento que se punha muito próximo da mente da

9

ONIANS, 1951, p. 13–89 e BREMMER, 1983, p. 61-63. Breath-soul (Ibid., p. 56). 11 Life-soul (Ibid., p. 116). 12 Smoke-soul (Ibid., p. 44–45). 13 Blood-soul (Ibid., p. 47–48). 14 Stuff of consciousness (Ibid., p. 44–66). 15 Ibid., p. 23. 16 Ibid., p. 44. 17 Ibid., loc. cit. 18 Ibid., p. 23. 19 Ibid., p. 99. 20 Ibid., p. 24. 21 Que, por sua vez, fora influenciado por Walter Baldwin Spencer (cf. CASWELL, 1990, p. 5). É possível ver a influência de Lévy–Bruhl através de uma tímida nota feita por Onians (1951, p. 19), quando esse explica que Homero pensava conforme os povos primitivos, não separando o pensamento das ações, conações e sentimentos. 10

6

humanidade primitiva”.22 Erwin Rohde (1925, p. 50), uma das principais influências sobre Onians, concordava com essa ideia, acrescentando que era muito difundida “a crença na existência de mais de uma alma na mesma pessoa” entre os “primitivos” e, consequentemente, entre os povos gregos arcaicos e nas obras homéricas.23 A despeito de a ter considerado “primitiva”, Onians (1951, p. 13) supõe que a concepção arcaica de consciência era mais complexa que a moderna, pois abarcava um grande número de percepções e ações. Por exemplo, a partir do contexto grego arcaico, é possível supor que a consciência era muitas vezes descrita como equivalente à ação interior do falar – localizada, algumas vezes, na kē̂r ou kradíē (palavras traduzidas com frequência por “coração”) e, outras vezes, nas phrénes (no singular, phrḗn, ou também prapídes, traduzida tradicionalmente por “diafragma”) – e no thymós, conforme pode-se verificar em alguns trechos dos poemas homéricos, nos quais as personagens conversam com o thymós ou com alguns desses órgãos de seu aparato mental.24 No nível lexical, é possível ver sinais da complexidade da consciência na relação existente entre as palavras phrḗn, phrázō e phroneîn: phrḗn seria da mesma raiz dos verbos phrázō, “falar” ou “relatar”,25 e phroneîn, que no grego clássico significava “pensar” ou “entender”. Porém, a partir dessa relação e das ocorrências de phroneîn nos poemas homéricos,26 Onians (1951, p. 14) informa que esse verbo abrangera maior campo semântico no estrato épico da língua grega, refletindo “a atividade psíquica indiferenciada, a ação das

22

Cf. CASWELL, 1990, p. 5. Como será visto mais adiante, a crença se manifestava entre os gregos na diferenciação existente entre thymós e psychḗ (cf. ONIANS, 1951, p. 23, nota 3). 24 Por exemplo, Odisseu conversa com seu kradíē (Od. 20:6), com seu próprio thymós (Il. 17:90–106) ou o seu thymós com ele (Il. 11:407). Outro exemplo disso é o episódio de Agamêmnon e seu sonho, no início da Ilíada: o sonho do herói se foi e “deixou–o ali/ pensando no thymós sobre as coisas que não haveriam de se cumprir./ Pois dizia ele tomar a cidade de Príamo naquele dia” (τὸν δ' ἔλιπ' αὐτοῦ/ τὰ φρονέοντ' ἀνὰ θυμὸν ἅ ῥ' οὐτελέεσθαι ἔμελλε:/ φῆ γὰρ ὅ γ' αἱρήσειν Πριάμου πόλινἤματι κείνῳ, Il. 2:35–37). Outras referências dadas por Onians são: Il. 3:366, 5:190, 8:498, 12:105–106, Od. 5:285, 298 (cf. ONIANS, 1951, p. 13). 25 Cf. CHANTRAINE, 1977, p. 1228. 26 Apesar de o verbo phroneîn ter o sentido de “pensar” em Homero – como no trecho em que Calipso pergunta a Hermes o porquê de ele ter vindo, dizendo–lhe: “fala o que pensas e o thymós me manda cumprir” (αὔδα ὅ τι φρονέεις: τελέσαι δέ με θυμὸς ἄνωγεν, Od. 5:89) –, outras passagens como Il. 13:135, 22:263 e Od. 7:75 mostram phroneîn expressando sentimentos e atividades psíquicas, indo além de meras atividades cognitivas (cf. ONIANS, 1951, p. 15). 23

7

phrénes, [...] a emoção e a conação”, confirmando a sua suposição inicial. A partir desse e de outros exemplos,27 Onians conclui que, para o homem grego arcaico, havia: Uma unidade primeva de mente na qual a percepção ou o intelecto é associado a, e imediatamente acompanhada por, um sentimento e uma tendência à ação que varia em grau e tipo, de acordo com a natureza do objeto [...]. Nós fazemos discriminação entre a visão, ou o pensamento, e o sentimento, e nós notamos o último como subsequente, mas não devemos esquecer que o primeiro pode persistir, e também que a emoção pode preceder à ideia, pode ser vagamente sentida antes de ser tomada a forma definitiva na consciência e de ser “intelectualizada”. (ONIANS, 1951, p. 17).

O pensamento moderno, portanto, não consegue compreender facilmente as realidades do pensamento no mundo antigo, em geral, e de Homero, em particular, pois os pesquisadores atuais traduzem-nas por termos abstratos, que criam a ilusão de “uma existência separada” da mente. Como é possível ver, essa realidade formava uma unidade complexa, que pode ser epitomada pela exemplificação dada anteriormente do verbo phroneîn. Assim, Onians expõe simultaneamente tanto a sua suposição a respeito da consciência em Homero quanto a sua crítica à leitura moderna sobre ele. (ONIANS, 1951, p. 1–2, 20). 1.2. A Proposta de Bremmer Outro classicista, Jan Bremmer, em seu livro The Early Greek Concept of the Soul, segue críticas e suposições similares às de Onians. Porém, ele já inicia seu trabalho apontando problemas que devem ser encarados preliminarmente pelos pesquisadores que desejam estudar o aparato mental nos poemas homéricos (BREMMER, 1983, p. 4). Dentre os problemas, encontra-se a dificuldade enfrentada pela terminologia ocidental, em geral, e pelo termo alma nas diferentes línguas modernas, em particular, para expressarem os conceitos gregos arcaicos. Quando é usada pelos helenistas, a terminologia ocidental cai constantemente no erro de dissimilaridade de ideias ou na exigência de explicações adicionais, essas últimas destinadas a afastarem uma possível “contaminação” dos conceitos gregos pelas ideias modernas (BREMMER, 1983, p. 5). Por outro lado, ele não vê a necessidade de se criar novas

Outro exemplo dado por Onians (1951, p. 14–17) é o verbo oîda, “conhecer”, que, segundo ele, não denotava somente um conhecimento intelectual tal como o significado posterior desse verbo no grego clássico), mas envolvia também sentimentos (como confiança e afinidade), emoção e impulso. 27

8

terminologias que tentem abarcar as definições para as antigas crenças gregas (BREMMER, 1983, p. 4). Diante desse quadro, Bremmer (1983, p. 5) opta por usar a terminologia que envolve denominações modernas, extraídas dos trabalhos de antropólogos sobre os quais se baseia seu estudo, como será visto mais adiante. Outra crítica que ele faz é quanto ao uso quase exclusivo das fontes gregas (BREMMER, 1983, p. 5–6). Ele entende que o significado de uma palavra advém de seu uso na língua, isto é, ela pode variar conforme o contexto em que se encontra dentro das obras e de uma determinada época, e que a natureza das fontes (longínqua temporalmente, escassa e, às vezes, fragmentária) deve gerar uma oportunidade ao acadêmico de procurar ritos e conceitos em outras culturas que sejam paralelos aos do assunto estudado, a fim de que os ilumine (BREMMER, 1983, p. 6). Em seguida, indica vários nomes que contribuíram nas pesquisas sobre o aparato mental homérico, dentre os quais encontram-se Erwin Rohde, Ernst Arbman, Bruno Snell e o próprio Richard Onians (BREMMER, 1983, p. 6-9). Embora tenha se baseado nos estudos desses, Bremmer (1983, p. 8–9) tece-lhes algumas críticas: Rohde, por exemplo, oferecera definições

incompletas, que não abarcavam “todos os elementos e considerações de todos os fatores que determinam os substantivos para as diferentes partes do que nós usualmente associamos à alma”. Por outro lado, Bremmer (1983, p. 9) adota quase que irrestritamente as hipóteses do sanscritista sueco Ernst Arbman, por entendê-las serem suficientemente integrais, possibilitando assim o uso delas para explicar de forma mais completa o pensamento homérico. Arbman propunha a existência de uma crença anímica basicamente dualística entre os povos “primitivos”, dividida da seguinte forma: a alma-livre (free soul), representando a personalidade individual, e as almas-corpo (body souls), representado o elemento vital e da mente (BREMMER, 1983, p. 13).28 Esse último tipo de alma, por sua vez, seria subdividido em alma-vida (life soul), que é identificada com o fôlego, e a alma-ego (ego soul), identificada com

28

Cf. RUPPENTHAL NETO, 2014, p. 25.

9

o “eu”29 (BREMMER, 1983, p. 53). Serão vistas, a seguir, as definições acuradas de cada uma delas. As almas-corpo, segundo Arbman (1926 apud BREMMER, 1983, p. 9), eram aquelas ativas durante a vida acordada do indivíduo, suprindo-o com a vida órdinária e consciência. Representavam o “eu interior do indivíduo”, concentrando as funções psicológicas dele (BREMMER, 1983, p. 9).30 Elas receberam essa denominação por serem atadas ao corpo, ao contrário da alma-livre (BREMMER, 1983, p. 18), que será descrita mais à frente. Por causa dessa característica, elas deixavam de existir com a morte do corpo, não indo para o Além.31 Um dos discípulos de Ernest Arbman, Åke Hultkrantz (1953 apud BREMMER, 1983, p. 5354), definiu a subdivisão da alma-corpo, a alma-ego, como “potências por trás dos vários atos e fases da vida da consciência”. Wes Wallace apresenta a seguinte explicação do que seriam essas potências: Hultkrantz teorizou que o conceito de alma-ego se despertara de um processo psicológico similar tal como ocasionou o conceito de alma-vida – nominalmente o que nós nos referimos [...] como um processo de “concretização”.32 Aqui, “concretização” não envolve uma sensação física, mas o plano do próprio processo ideacional (o “eu”), como se isso fosse feito objetivo por um processo de reflexão. Isso é uma interpretação ingênua do objeto da consciência como uma entidade autônoma, com relação o qual o agente humano é passivo, mas neste caso é paradoxalmente o próprio “eu” que é reputado como autônomo e separado do agente humano. Para explicar essa dissociação, Hultkrantz argumentou que percepções, pensamentos, desejos e outros fenômenos que são dados à consciência como fundados no “eu” podem, contudo, manifestarem um grau de independência de seu próprio “dono” – especialmente se eles conflituam um com o outro, ou com outros fatores psicológicos, ou se eles adquirem um caráter compulsivo (por exemplo, ideias obsessivas ou fobias). De acordo com Hultkrantz, isso pode explicar como as diferentes “potências” (poderes ou potencialidades) do ego podem ser consideradas por povos primitivos como almas separadas ou distintas, que podem inclusive possuir uma atitude exageradamente independente, e às vezes superior, para com o seu dono. (WALLACE, 2014, p. 55–56).

Ou em alemão Ichseelen, “almas-eu” (cf. WALLACE, 2014, p. 54). Cf. WALLACE, 2014, p. 53. 31 É praticamente consensual que isso seja uma exclusividade grega: em outras culturas antigas, há uma continuidade das almas-ego (ou de parte delas) no pós-morte (cf. BREMMER, 1983, p. 76; NAGY, 1990, p. 89– 90). 32 Ou “reificação” da psicologia homérica. Por exemplo, a associação das sensações psíquicas com o que é sentido no peito, conforme ocorre com o thymós. Sobre “concretização” ou “reificação”, cf. WALLACE, 2014, P. 41-42. 29 30

10

Por isso pode-se dizer não em uma, mas em várias almas-ego, algo que, segundo Bremmer, ocorre também na crença grega arcaica. Tendo como base a explicação acima, a definição de alma-ego pode ser feita da seguinte forma: [Ela é] uma alma-corpo com uma natureza bastante heterogênea e, às vezes, obscura. Na sua forma “pura”, constitui uma hipóstase do fluxo de consciência, o centro do pensamento, da vontade e do sentimento – a mente, em um sentido amplo. Mas, ao mesmo tempo que a alma-ego mostra sua estreita relação com o nosso conceito de ego, ela manifesta certas características especiais que tornam claro que não é a expressão da própria personalidade do indivíduo, mas de um ser que está dentro dele, que o supre com pensamento, vontade etc. (HULTKRANTZ, 1953 apud BREMMER, 1983, p. 60).

Já a outra subdivisão, a alma-vida, era o “princípio de vida” e, conforme seu próprio nome sugere, supria o indivíduo em suas funções corporais (BREMMER, 1983, p. 9).33 Como foi dito anteriormente, ela era identificada com o próprio fôlego, sendo por isso chamada também por Arbman de alma-fôlego. Essa alma frequentemente adquiria novas qualidades e, segundo o discípulo de Arbman, ela tinha “grandes possibilidades, [sendo] ao mesmo tempo material e imaterial, sujeita à matéria e, ainda, livre”.34 Assim, ela compartilha características tanto da alma-ego quanto da alma-livre (BREMMER, 1983, p. 21–24).35 A alma-livre é uma alma desembaraçada, ativa quando alguém está inconsciente e passiva durante a sua consciência. Ela representa a individualidade de alguém e não se sabe exatamente sua localização no corpo (BREMMER, 1983, p. 9). Segue-se uma explicação mais detalhada sobre esse tipo de alma entre os povos antigos: A alma-livre é um modo de existência não-físico não somente depois da morte, mas também em sonhos, desmaios e outros tipos de inconsciência. É a alma-livre que, nessas condições, representa a individualidade da pessoa. Isso é mostrado em vários relatos nos quais as pessoas contam, como experiências pessoais, aventuras da sua alma em sonhos, quer sob a forma de inseto, animal ou homúnculo. A alma-livre, portanto, é sempre ativa fora do corpo; não é ligada a ele como as almas-corpo. Porém, precisamente porque a alma-livre atua fora do corpo, seu lugar dentro do corpo é mais obscuro, pelo que, quando seu possuidor está acordado, o corpo representa o indivíduo e somente suas atividades são de seu interesse. A alma-livre, nesse estado, é somente presente passivamente e não é geralmente mencionada [nos registros de sociedades antigas]. [...] A alma-livre nunca tem quaisquer atributos físicos ou psicológicos; ela somente representa o indivíduo. Adicionalmente a isso, é impossível para a alma-livre

33

Cf. WALLACE, 2014, p. 54. Cf. HULTKRANTZ, 1953 apud BREMMER, 1983, p. 23. 35 Para saber mais sobre os desdobramentos dessas almas, cf. o subcapítulo abaixo A Psychḗ como Alma Unitária (p. 46-49). 34

11

continuar sua existência mundana quando o corpo está morto, ainda que ela seja ativa fora do corpo. A alma não pode permanecer por trás de um corpo morto, mas precisa seguir para o Além. Semelhantemente, o corpo morto é dependente da alma-livre: quando a alma-livre desaparece, o corpo morre, após cair doente ou gradualmente se consumir. (HULTKRANTZ apud BREMMER, 1983, p. 17–18).

Um fenômeno apontado por Arbman e seus sucessores, comum entre diversos povos estudados por eles, é a absorção da alma-livre pela alma-vida, o que se desenvolve em um “tipo unitário de de alma” (BREMMER, 1983, p. 22–23). Hultkrantz explica novamente que algumas características delas facilitaram essa fusão, como ambas serem “insubstanciais e instáveis” e terem um aspecto “aéreo, etéreo, [...] como uma condensação de um fôlego humano”.36 Podese perceber que a alma-vida, as almas-ego e a alma-livre, apesar de terem pontos de contato em suas características, são muito diferentes entre si (BREMMER, 1983, p. 53). No âmbito da cultura grega arcaica, Bremmer identificou os termos thymós, nóos e ménos, presentes nos poemas homéricos, com as almas-corpo (ou, mais especificamente, com as almas-ego37) e psychḗ, com a alma-livre e com um tipo de alma-vida (ou alma-fôlego38) (BREMMER, 1983, p. 11-13).39 Já Onians (1951, p. 74, 93 passim) associou especificamente o thymós à alma-fôlego, rejeitando a identificação dessa com a psychḗ. Os motivos por trás dessas associações serão explorados mais de perto nos próximos capítulos. Contudo, Bremmer (1983, p. 53–54, 61) se mostra cônscio de que a identificação dos termos gregos com os tipos teorizados por Arbman não era inequívoca, pois, dentre alguns motivos, thymós, nóos e ménos se mostravam complexos já na época homérica, como terem parecido desempenhar existências múltiplas mais complexas do que previa a alma-ego arbmaniana. Portanto, os modelos de Arbman são ainda muito limitados para explicar o aparato mental homérico, crítica que é tecida por Bremmer da seguinte maneira: É claro que há muitos pontos de semelhança entre o thymós, nóos e ménos, mas a definição de Hultkrantz não sugere a riqueza e variedade do material grego. Aliás, o

36

Cf. HULTKRANTZ, 1953 apud BREMMER, 1983, p. 23. Bremmer (1983, p. 9–10) cita como um exemplo desse desenvolvimento aquele que ocorrera com a alma védica: em um estágio arcaico, havia a dualidade entre ātman (alma–livre) e puruṣa (alma–ego), mas elas foram posteriormente fundidas no termo ātman, dando origem a um conceito unitário anímico. Um processo semelhante ocorreu com a psychḗ grega após o período arcaico, embora tenha se iniciado já nele (cf. BREMMER, 1983, p. 66). 37 HULTKRANTZ, 1953 apud BREMMER, 1983, p. 61. 38 Cf. BREMMER, 1983, p. 21–24. 39 Cf. RUPPENTHAL NETO, 2014, p. 25.

12

próprio material de Hultkrantz não corresponde completamente à sua própria definição, desde que sua forma “pura” é evidentemente uma abstração que nunca é encontrada na realidade. Cada tribo que ele estudou parece ter tido sua própria variante. (BREMMER, 1983, p. 61).

Outro motivo apontado por Bremmer (1983, p. 13) é que alguns termos como phrénes e kradíe, que de alguma forma estavam relacionados aos termos thymós, nóos e ménos, ao mesmo tempo que se aproximavam da definição arbmaniana de almas-ego (por representarem potências do aparato mental homérico), se distanciavam dela por apresentarem também características físicas (serem órgãos do corpo), como será visto com detalhes mais a frente. 1.3. A Proposta de Clarke Um caminho diferente é apontado por Clarke, em sua obra Flesh and Spirit in the Songs of Horner: A Study of Words and Myths. Clarke (1999, p. 3), com o objetivo de “inquirir como os gregos do recuado primeiro milênio antes de Cristo concebiam a identidade humana em relação à substância visível do corpo”, inicia seu trajeto apontando “armadilhas”, equívocos, em que os pesquisadores antes dele caíram frequentemente quando haviam se lançado para uma compreensão mais profunda dos termos homéricos. Um desses equívocos era a utilização, por parte dos pesquisadores, de termos como “alma”, “espírito” ou “mente” para explicarem ou traduzirem as ideias em Homero. Essas palavras estão envolvidas em ideias modernas, como no dualismo entre “alma” e “corpo” ou de sobrevivência no pós-morte, que eram estranhas àquelas da época homérica, ao menos tais como são concebidas em geral atualmente (CLARKE, 1999, p. 40-48). Joachim Böhme, filólogo alemão citado algumas vezes por Onians e Bremmer, é apontado por Clarke como tendo expressado reflexos dessas concepções acima. Ele propôs que a psychḗ teria sido a alma-morte, que era perdida na hora da morte, juntamente com o thymós, a alma-vida (CLARKE, 1999, p. 46). Clarke lançou também essa mesma crítica a Rohde (CLARKE, 1999, p. 44), que veio posteriormente a Böhme e cujas análises foram utilizadas como base teórica por Onians e por Gregory Nagy; Rohde definiu a psychḗ utilizando a categoria “espírito”, insinuando um dualismo entre esse e “corpo” por trás suas análises. Nas próprias palavras de Rohde, a existência humana homérica poderia ser definida do seguinte modo:

13

Ambos, o homem visível (o corpo e as suas faculdades) e a psychḗ, que habita nele, poderiam ser descritos como o eu do homem. Conforme a visão homérica, os seres humanos existem duplamente: uma, como uma forma externa e visível, e outra, como uma ‘imagem’ invisível, que somente ganha a sua liberdade na morte. (ROHDE

apud CLARKE, 1999, p. 44).

Essa visão de Rohde é, em essência, fundada em uma dicotomia de “corpo” e “espírito” (psychḗ), cuja influência procede de Lévy-Bruhl,40 que teorizou sobre as crenças dos povos “primitivos” e também influenciou Onians e Bremmer. Para Clarke, crítico enfático dessa visão, “[Rohde] esperava adequar sua análise a uma teoria que explicava uma crença primitiva na alma por meio da doutrina de [...] dualismo [...]: retrospectivamente, a insistência de Rohde [nisso] mostra-se como uma escravidão às maneiras de sua própria época” (CLARKE, 1999, p. 45), impossibilitando-o de acessar as ideias mesmas presentes nos épicos homéricos.41 Clarke (1999, p. 43-46) aponta que o próprio Bremmer ficou preso a uma outra formulação teórica, porém semelhante às mostradas acima quanto ao aspecto dualista, que fora proposta por Arbman. Bremmer tentou encaixar os conceitos do aparato mental homérico às categorias de almas arbmaniana (almas-corpo, alma-livre, alma-ego etc),42 quais, hipoteticamente, refletiam as crenças de povos antigos (como os indoeuropeus). Esse uso paradigmático de Bremmer dos modelos arbmanianos, para Clarke (1999, p. 44), se constitui em um erro, pois pressupõe não somente uma ancestralidade de línguas entre, por exemplo, gregos e indoeuropeus, mas também de ideias, cujos arquétipos “estão postos tão longe que não seria possível supor de antemão que uma estrutura tão significativa seja compartilhada pelas culturas incorporadas nas literaturas existentes”. Logo, a tradução de palavras de dentro do material homérico (especialmente aquelas que expressam aspectos do aparato mental) para termos de línguas modernas corre o risco de não refletir o espectro semântico original delas (CLARKE, 1999, p. 6, 18). A terminologia moderna não é capaz de abarcar a riqueza encerrada nas palavras nem expor todos os significados homéricos encerrados nelas, porque cada uma tem uma gama de significados variados, que

40

Sobre Lévy-Bruhl e suas ideias, cf. CLARKE, 1999, p. 38-39. Até mesmo W. Otto - que dizia ter atentado, primeiramente, às ideias procedentes das próprias evidências homéricas para, somente depois, efetuar a comparação com as crenças dos povos antigos – não escapou da influência de uma visão dualista, e não integral, do homem homérico, ao ter proposto as categorias de “almamorte” e “alma-vida” para, respectivamente, thymós e psychḗ. (CLARKE, 1999, p. 45). 42 Para saber mais sobre esses tipos de almas propostas por Arbman, cf. a subseção “1.1 A Proposta de Onians”. 41

14

poderiam ser alternados a depender do contexto em que ela estivesse inserida. Desse modo, um conjunto de palavras que, de algum modo, se relacionavam entre si formavam uma espécie de índice, que, então, formava as ideias e os motivos que deveriam ser compreendidos pela audiência do poeta. Por isso, os vocábulos da poesia homérica não possuem traduções exatadas ou diretamente equivalentes nas línguas modernas; frequentemente, uma mesma palavra tem diferentes e nuançados significados, que são sutis aos olhos do pesquisador moderno por causa da distância de tempo e cultura entre ele e o mundo homérico (CLARKE, 1999, p. 31-32).43 Esse é a lógica seguida pelo grupo de termos do aparato mental homérico (kē̂r, kradíē, ē̂tor, ménos, nóos, phrénes e thymós) e por psychḗ: por exemplo, thymós, a depender do contexto em que apareça, pode ser traduzido por “alma”, “vida” ou “fôlego” (CLARKE, 1999, p. 35-36). Essas críticas lançadas por Clarke não são exclusivas dele, mas os próprios Onians e Bremmer haviam feito algo semelhante antes dele, como foi visto supra. Ademais, as tentativas dos léxicos modernos em contornar essa situação falham, pois não apontam as relações e ligações subjacentes aos diversos significados de um dado termo, mas os separam em subseções enumeradas separadas e em categorias literárias modernas (metáfora, figura, transferência etc).44 Isso porque uma dada palavra dos épicos homéricos (como thymós), apesar de ter um campo de semântico amplo, o tem de forma unificada, e não com significados isolados (CLARKE, 1999, p. 33). O motivo disso é que as palavras refletiam a ideia homérica própria de homem, em que o homem era composto por “partes” ou “entidades” - como afirmara Snell45 (1999, p. 115–119) –, fazendo com que não existisse algo que possa ser chamado de

Clarke dá o nome desse fenômeno linguístico de “icônimo” (ing.: iconym), conceito que designa palavras ou expressões que, inicialmente ou em um contexto e época, possuíam um significado e, posteriormente ou em outro contexto e época, significariam outra coisa. Exemplo seria o próprio thymós, que, nos poemas de Homero, ora pode significar “vida”, ora “fôlego”, ora “alma-fôlego” etc (cf. SILK, 1983 apud CLARKE, 1999, p. 31). 44 Além disso, essa categorização divide uma palavra em vários significados equivalentes nas línguas modernas. Um deles é tomado como o seu significado básico e os outros, extensões em outras direções (metafórico, metonímico etc). Assim, a palavra é distorcida por duas maneiras: primeiro, ela passa por categorizações modernas, que as veem possuindo significados primários e secundários; esses são criativos, frutos da mente dos poetas. Segundo, as palavras usadas para explicar cada significado da palavra em questão são modernas, emolduradas em uma cultura diferente daquela de Homero. Tentar pensar uma alternativa a isso é o desafio proposto por esse autor (cf. CLARKE, 1999, p. 35–36). 45 Snell, por outro lado, erra em afirmar que não havia a ideia de “corpo” em Homero. Apesar de as diferentes palavras usadas para representá-lo (sṓma, démas, gyía e chrṓs) expressarem, em seus significados primários, partes ou aspectos do corpo (“cadáver”, “forma”, “membros” e “pele”), isso não quer dizer que os gregos arcaicos desconhecessem a ideia de corpo, mas somente que não possuíam um termo único pelo qual pudessem nomeá-lo diretamente. Eles viam o corpo como um conglomerado, um continuum das partes que compunham, na realidade, 43

15

“corpo”, tal como é conhecido em sua acepção moderna ao mesmo tempo que essas partes formassem também um todo unificado, quando “o senso da vida psicológica avança pelo todo corporal, o que nós chamamos de ‘um homem’” (CLARKE, 1999, p. 62). Essa complexa definição da realidade do homem homérico não é reproduzida nas rígidas demarcações encontradas nos léxicos modernos, que Clarke considera “artificiais”.46 Em seguida, Clarke (1999, p. 5-6) introduz um novo ponto para a condução de suas análises: a restrição das fontes. Diferentemente de seus predecessores, ele julga que somente a Ilíada e a Odisseia poderiam trazer à tona os corretos conceitos homéricos. Por isso que ele propõe também a não utilização de representações gregas, e até mesmo estrangeiras, das almas ou do pós-morte que fossem posteriores ou estranhas à cultura e à época arcaicas,47 mesmo que tais representações pudessem ter alegados paralelos na tradição homérica.48 Portanto, ele restringese àquilo que somente o corpus homérico é capaz de expressar e que a sua audiência possivelmente compreenderia, mas não estende às coincidências de representações e conceitos de outras culturas (CLARKE, 1999, p. 5). Onians e Bremmer fizeram exaustivamente esses estudos comparativistas, os quais pressupõem a existência de modelos universais de crenças e fenômenos culturais, suscetíveis de comparação com os conceitos homéricos, o que não passa de suposição (CLARKE, 1999, p. 43-44). Outra importante influência sobre a proposta de Clarke (1999, p. 15–16) foi a teoria de Milman Parry. Ela revolucionou os estudos sobre as origens, autoria e desenvolvimento dos épicos homéricos (tradição de estudos conhecida como a “questão homérica”), ao ter proposto, entre

não somente o que pode ser chamado de “corpo”, mas também a mente, as emoções e outros fenômenos da vida humana. Cf. SNELL, 1999, p. 244–246; Id., 1953, p. 4-7; Clarke, 1999, p. 118-119. 46 Para exemplificar que as palavras homéricas combinam coisas que são aparentemente desconectadas no entendimento moderno, ele toma o trecho Od. 9:220–222, no qual há, dentro da descrição feita por Odisseu da caverna de Polifemo, o termo hérsai, “orvalho”, aplicado para um tipo de ovelhas. A partir de outros contextos – como a dádiva da vida trazida pelo orvalho em Od. 13:245, 5:467 e o amadurecimento dos cereais em Il. 13:598; a fertilidade sexual, tal como entre Zeus e Hera (Il. 14:351); a vida saudável dos homens como Heitor, que apesar de morto, é eersḗeis, “semelhante ao orvalho” (Il. 24:419, 757) –, é possível entender hérsē como uma unidade de todas essas coisas que elas expressam, sendo aplicada “metaforicamente” àquele tipo de ovelha na descrição da cena (cf. CLARKE, 1999, p. 33). Para outros exemplos, cf. CLARKE, 1999, p. 34–35. 47 Como ele mesmo sugere, entre as representações posteriores encontram-se as figuras aladas da arte micênica ou em vasos gregos da época clássica; já entre as representações estrangeiras está o ba, um tipo de “alma”, na crença egípcia, ou os mortos plumados entre os mesopotâmicos (cf. CLARKE, 1999, p. 5). 48 Como as psychaí representadas como figuras aladas em Il. 16:855–857 (ou Il. 22:361–363) (cf. CLARKE, 1999, p. 5).

16

outras coisas, que os epítetos presentes na Ilíada e na Odisseia não tinham um significado que se encaixava no contexto dos versos, mas serviam, na realidade, a uma função mecânica, utilizada pelo bardo, no momento da composição dos poemas, para completar as exigências do hexâmetro nos versos.49 Entretanto, ele reconhece as limitações das propostas de Parry, como a ideia de que as palavras têm um uso puramente mecânico e funcional pelo aedo. Justamente por ter sido uma forma efetiva de comunicação entre o poeta e a sua audiência, essa visão deve ser flexibilizada. As palavras deviam possuir também campos semânticos amplos, que podem ser conhecidos hoje somente pela análise e comparação de suas ocorrências em diferentes contextos das obras (CLARKE, 1999, p. 31). Nas palavras de Clarke: […] a teoria formular da dicção homérica não deve permitir-nos crer que as palavras [nos poemas homéricos] são vagas e fúteis, e por meio desse estudo eu proponho [a ideia] que todas as palavras – incluindo epítetos – carregam significado tão distinta e precisamente como elas deveriam [fazê-lo] na maior parte da língua prosaica e direta. (Clarke, 1999, p. 63).

Desse modo, ele conclui que “o vocabulário homérico inclui sistemas de palavras intercambiáveis que são trocadas por causa da conveniência métrica”, fazendo com que as “nuanças semânticas” delas sejam “borradas quando elas funcionam sob esse modo”.50 É precisamente isso o que ocorre com as palavras thymós – que, dependendo do contexto no qual é usada, pode significar “ar que sai dos pulmões” ou “locus da atividade mental” – e psychḗ – que pode ser alma, mas também “vida” ou “fôlego” –, que foram usadas alternadamente como “sinônimas”, quando da composição dos poemas (CLARKE, 1999, p. 35–36). Gregory Nagy

49

Já era sabido que os épicos homéricos eram repetitivos, pois palavras, frases e até blocos inteiros são repetidos em diversos lugares nessas obras, mas nenhuma explicação – como erros ou especificidades estilísticas na composição – era suficientemente satisfatória. Então Milman Parry (1902–1935) propôs que elas eram ferramentas pertencentes à tradição de poesia épica, da qual adveio a composição da Ilíada e da Odisseia. O ponto central de sua teoria é a concepção de “fórmula”, definida como uma expressão usada regularmente, sob algumas condições métricas, para expressar uma ideia essencial. Por isso, a tradição de composição homérica é também chamada de tradição poética oral–formular. Cf. VIDAL-NAQUET (2002, p. 124–127), CLARK (2006, p. 117–119) e RUSSO; SIMON (1968, p. 490–491). 50 Ele usa como exemplo disso o intercâmbio que ocorre entre as palavras achaioí, danaoí, argeîoi: elas, em poucos versos, podem ser usadas alternativamente como designações para “gregos” (Cf. CLARKE ,1999, p. 63–64).

17

(1990, p. 89–90) explica algo semelhante a isso, considerando existir certa sinonímia entre thymós/ménos e psychḗ.51 1.3.1. A Família-Thymós Portanto, o uso funcional proposto por Parry não se restringe aos epítetos, mas recai também sobre outros tipos de ideias essenciais, destacando-se aqui o grupo de palavras que formam o aparato mental (phrḗn ou phrénes, ē̂tor, kē̂r, kradíē, prapídes e nóos), grupo esse denominado por Clarke (1999, p. 53, 60) de família-thymós.52 Clarke (1999, p. 75) reconhece que Onians lançara “os fundamentos de um entendimento da família–thymós [...] com sua compreensão brilhantemente imaginativa”. Fränkel afirma também que não havia limites para a mente e ações do homem homérico, pois esse “não confrontava um mundo exterior com uma individualidade interior diferenciada, mas [isso] era interpenetrado pelo todo, assim como ele era parte de todo o evento, penetrando–o, com sua ação e sofrimento”.53 Baseando-se nisso, Clarke afirma que não havia distinção entre as esferas emocionais e cognitivas e as de ação na psicologia homérica e que os sentimentos não eram somente internos, mas também expressões do corpo. Portanto, os membros dessa “família”, especialmente o thymós (conforme será visto mais abaixo), não tinham duas funções (uma corporal e uma mental), nem eram substâncias ou entidades próprias, mas movimentos ou processos54 que se comportavam de forma fluida – ora como origem, ora como instrumento e ora como o próprio locus do pensamento –, representando a manifestação do ser humano holisticamente indivisível (CLARKE, 1999, p. 61-75). Assim, ele resume do seguinte modo seu pensamento: A atividade cognitiva e do conhecimento acontece do mesmo modo, em ou por meio do aparato [mental] [...]. Desse mesmo jeito, o alcance entre agência e função tornase suave e contínuo. A entidade representada pelos substantivos na família-thymós

51

Embora ele suponha também que primeiro tenha havido uma convergência de significados entre esses termos e, somente posteriormente, houve uma distinção, uma especialização entre eles. 52 Apesar de Clarke (1999, p. 110) ter entendido que ménos flui dentro das phrḗnes (Il. 1:103) e do thymós (Il. 22:312), ele põe o termo fora do aparato mental (CLARKE, 1999, p. 54). Já a psychḗ é compreendida como uma força vital, por isso ela é posta fora do aparato mental, entrando nesse grupo somente após a época arcaica, quando a palavra psychḗ é usada para denominar a alma unitária grega (CLARKE, 1999, p. 303). 53 Cf. FRÄNKEL, 1973 apud CLARKE, 1999, p. 62. 54 Cf. CLARKE (1999, p. 109–115).

18

permanece em um relacionamento desafixado com o ser humano, desde que ele às vezes é a origem do pensamento, às vezes é o modo ou instrumento, às vezes é meramente o locus do processo de pensamento. É uma definição fluida que habilita estados de indecisão a serem imaginados onde a situação se move do homem dirigindo-se ao thymós para o thymós dirigindo-se ao homem, ou [...] onde o estímulo do thymós e a ação do eu corporal são contrastados um ao outro. Dado esse continuum entre agência e função, acaba sendo uma má interpretação tomar as passagens [da Ilíada e da Odisseia] isoladamente como ilustrando uma permanente dicotomia entre ‘thymós’ como 'mente' e ‘autós’ como ‘corpo’. A língua de Homero não nos permite distinguir se eles são agentes, os instrumentos ou os resultados desses processos. (CLARKE, 1999, p. 72–73).

Por isso constitui-se um erro a tradução de cada palavra do aparato em termos fixos nas línguas destinatárias (como nóos, kradíē e thymós por “mente”, “coração” ou “espírito” respectivamente), refletindo concepções inexistentes no mundo homérico (CLARKE, 1999, p. 73).

Assim, Clarke (1999, p. 53-54, 119) segue uma direção completamente diferente das de Onians e Bremmer, entendendo a consciência homérica como pensamento, emoção e introspecção, atuantes fora da divisão tradicional entre mente e corpo, formando um todo complexo e unificado, expresso pelo conjunto dos termos thymós, phrḗn ou phrénes, ē̂tor, kē̂r, kradíē, prapídes e nóos.

19

Abaixo encontra-se um diagrama da família-thymós (ou locus da vida mental), inserida em um contexto maior junto com outros grupos que são denominados e atrelados conforme a atuação de seus membros nos diferentes contextos dentro dos poemas homéricos:55

Locus da Vida Mental

Entidade Perdida na Morte

kē̂r ē̂tor phrénes

aiṓn ménos

thymós

nóoskradíê prapídes psychḗ mē̂tis boulḗ nóema

nékys eidṓlon

Produtos da Vida Mental

55

Figura extraída de CLARKE (1999, p. 54).

Sobreviventes no Além

20

2. O Que é o Thymós? Após terem sido apresentadas, em linhas gerais, as diferentes definições da consciência homérica, serão vistas agora, de forma específica, as definições dadas por Onians, Bremmer e Clarke para aquele que possivelmente é o mais destacado membro do aparato mental homérico, o thymós. 2.1. O Thymós como um Tipo de Alma Por compartilharem aspectos teóricos semelhantes, Onians e Bremmer se aproximam também em suas concepções sobre o thymós, que é visto por eles como um dos tipos de almas introduzidos anteriormente, a “alma-fôlego”. Por quais vias, porém, eles chegaram a esta identificação? Onians (1951, p. 44) afirma que o thymós é “o princípio vital que pensa, sente e incita à ação”.56 Ele diz ainda que os significados comuns dados ao thymós por pensadores modernos57 e antigos (como Platão)58 são “fúria” e “fervura do sangue circulante”. Apesar de essas opções serem usadas para traduzir thymós, muitas discussões foram feitas em torno do significado real do termo. Rohde (1925 apud ONIANS, 1951, p. 44) chegou a afirmar que thymós era “uma palavra intraduzível” e que não podia ser aplicada a qualquer órgão corporal, pois possuía uma “função imaterial”. Onians (1951, p. 44–48), por sua vez, toma thymós como algo material, a partir da associação entre ele e os verbos thymō̂, “enfurecer”,59 e thymiáō, “queimar para produzir fumaça”.60 Sua definição, porém, não se restringe a isso: mais do que mero fôlego ou ar recebido e expelido, o thymós era um fôlego vaporoso, agitado, quente, úmido, que procedia do corpo (especificamente do sangue) e que, ao entrar em contato com o ar, tornava-se visível.61

56

Cf. ONIANS (1951, p. 28, 94). Ele cita, entre os modernos, Gomperez, Nägelsbach, Autenrieth e Bickel (cf. ONIANS, 1951, p. 44). 58 Em sua obra Crátilo, há a seguinte afirmação: “a ‘vontade’ (thymós) teria este nome da impetuosidade (thýsis) e do estado de grande agitação da alma.” (Tradução de SOUZA, 2010, p. 122). 59 Cf. vocábulo em LIDDELL; SCOTT; JONES (1990). 60 Cf. vocábulo em LIDDELL; SCOTT; JONES (1990). 61 Bremmer (1983, p. 56, nota 116) cita Onians explicitamente, dizendo que esse “sugere que originalmente thymós era um vapor que se levantava do sangue quente”. 57

21

A base dessa complexa definição de Onians encontra-se na comparação que faz do termo grego com seus possíveis cognatos em outras línguas do ramo indo–europeu: o latino fumus, “vapor”, “fumaça”; sânscrito dhûmah,62 “vapor”, “fumaça”; e os antigos eslavos dymû, “fumaça” e duchû, “fôlego”, “espírito” (ONIANS, 1951, p. 44). Após definir a materialidade do thymós, Onians define o aspecto abstrato do termo da seguinte forma: O thymós [para os gregos homéricos] é o ‘espírito’, o fôlego que é consciente, variável, dinâmico, vindo, indo e transformando-se como um sentimento que muda e, nós podemos acrescentar, como um pensamento que muda. Pensamento e sentimento são […] dificilmente separáveis então, e é ainda reconhecido [hoje] que pensamento, mesmo o abstrato pensamento do filósofo, afeta o fôlego. (ONIANS, 1951, p. 50).

2.2. Uma Definição Fluida de Thymós Clarke (1999, p. 75) reconhece vários pontos das pesquisas de seus predecessores. Ele elogia e aceita, por exemplo, a análise filológica de thymós, conforme vista acima, afirmando que esse era o “ar respirado” e “a inalação do fôlego e sua mistura com o sangue e variados fluidos no peito”. Por outro lado, ele considera perigosa a redução dos termos psicológicos homéricos a meras denominações físicas ou anatômicas, alegando que, “a menos que Homero possuísse raios–X, poderíamos pensar em definições tão acuradas dos órgãos do peito, mas não é [este] o caso” (CLARKE, 1999, p. 79). O que torna a teoria de Clarke singular é o comportamento fluido que ela atribui ao thymós,63 que pode agir ora como agente, ora como instrumento, ora como o resultado do processo do pensamento, além de possuir também diferentes relacionamentos com o ser humano, sendo uma voz interior do indivíduo, um agente independente ou um agente dependente, recebendo influências externas. (CLARKE, 1999, 63-67)

62 63

Em alfabeto sânscrito (devanāgarī), धमू . Na realidade, isso ocorre também com os outros membros da família-thymós.

22

2.3. Características do Thymós As caracterizações do thymós feitas pelos principais pesquisadores estudados até aqui são praticamente coincidentes. Porém, uma das poucas diferenças entre elas encontra-se no uso das fontes. Em sua obra, Onians se estende desde as ocorrências nos poemas e hinos homéricos, passando pelos textos da literatura poética (Hinos Homéricos, Píndaro, Teógnis), teatral (Sófocles, Eurípides) e filosófica posterior (Platão e Aristóteles), até o Novo Testamento; por isso, para o presente trabalho, foram levadas em consideração somente as ocorrências advindas dos épicos homéricos. Já Bremmer se restringe mais aos poemas homéricos para sustentar as suas definições, utilizando ocasionalmente ocorrências posteriores (dos poemas de Píndaro, por exemplo) e material paralelo em outras culturas (de tribos ameríndias norte-americanas, por exemplo). Clarke, por sua vez, se restringe completamente à Ilíada e à Odisseia, pois vê como problema a influência de estudos antropológicos e de ideias externas e modernas sobre os termos homéricos, tal como o fizeram Onians e Bremmer, conforme foi dito anteriormente (quando ele define a consciência homérica). Clarke (1999, p. 130) entende que, desde que a vida consciente é representada pelo fôlego (thymós) que é inalado e exalado constantemente, morrer também é exalar o último thymós.64 Isso pode ser visto no episódio de Diores (Il. 4:521-524a), que foi atingido na coxa direita por Piro: ἀμφοτέρω δὲ τένοντε καὶ ὀστέα λᾶας ἀναιδὴς ἄχρις ἀπηλοίησεν: ὃ δ' ὕπτιος ἐν κονίῃσι κάππεσεν ἄμφω χεῖρε φίλοις ἑτάροισι πετάσσας θυμὸν ἀποπνείων [...] Tanto os tendões como os ossos a pedra implacável enfim esmagou: e ele para trás, no pó, caiu, estendendo ambos os braços aos queridos companheiros, expirando o thymós [...]

64

Cf. Il. 1:205, 8:90, 270, 358, 10:452, 20:472, 3:294, 4:470 (cf. ONIANS, 1951, p. 45; BREMMER, 1983, p. 56, CLARKE, 1999, p. 78).

23

Isso também se aplica a animais, como no momento em que é ferido o cavalo de Aquiles, Pédaso, pela lança de Sarpedão (Il. 16:466–468):65 Σαρπηδὼν δ᾽ αὐτοῦ μὲν ἀπήμβροτε δουρὶ φαεινῷ δεύτερον ὁρμηθείς, ὃ δὲ Πήδασον οὔτασεν ἵππον ἔγχεϊ δεξιὸν ὦμον: ὃ δ᾽ ἔβραχε θυμὸν ἀΐσθων, κὰδ δ᾽ ἔπεσ᾽ ἐν κονίῃσι μακών, ἀπὸ δ᾽ ἔπτατο θυμός. Mas Sarpedão errou-o com a lança brilhante, arremetendo em seguida; mas atingiu o cavalo, Pédaso, com a lança no ombro direito. Expirando o thymós, ele bradou, e caiu com um relincho no pó, voando [dele] o thymós.66

A primeira frase destacada, thymòn aḯsthōn, significa ao pé da letra “tendo expirado o thymós”. Por fim, há o momento no qual Hipodamante está prestes a morrer (Il. 20:403):67 αὐτὰρ ὃ θυμὸν ἄϊσθε καὶ ἤρυγεν, ὡς ὅτε ταῦρος Ao expirar o thymós, saiu-lhe um bramido, como o bramido do touro68

Dá para perceber que a ação praticada por Hipodamante “ao expirar o ânimo” (thymòn áïsthe), frase praticamente igual à anterior (thymòn aḯsthōn), é comparada à ação de um touro (hōs hóte taûros), literalmente “como que [um] touro”, evidenciando assim a característica do thymós como fôlego. Em outra cena, o momento da morte e a perda do thymós são colocados separadamente (Il. 4:522–526).69

65

Mesmo verbo usado em outra ocorrência: Aquiles fere Hipodamas com sua lança e ele ofega (áisthe) por seu thymós (Il. 20:403) (cf. ONIANS, 1951, p. 45; CLARKE, 1999, p. 152). Ele dá outra referência para o cavalo na hora da morte, Il 17:451, e ainda outras ocorrências para outros animais: Il. 13:704 Od. 3:455 (bois) Il. 12:150 Il. 17:22 (porcos) Il. 16:468 (cavalos) 22:263 (lobos e cordeiros) Il. 17:678 (lebre) Il. 23:880 (pássaro) (cf. BREMMER, 1983, p. 127). 66 É interessante notar a tradução Frederico Lourenço para esse treecho: “Todavia Sarpedão não lhe acertou com a lança luzente/ arremetendo em seguida; mas atingiu o cavalo, Pédaso,/ com a lança no ombro direito. O cavalo relinchou ao expirar/ o sopro vital e caiu com um mugido no pó; dele voou a vida” (HOMERO, 2013). Nela, a palavra thymós aparece, em uma mesma perícope, com dois significados diferentes, “sopro vital” e “vida”, demonstrando a polissemia do termo e a complexidade em defini-lo em Homero. 67 Cf. ONIANS, 1951, p. 45; CLARKE, 1999, p. 131. 68 Cf. HOMERO, 2013. 69 Cf. CLARKE, 1999, p. 131.

24

Por ser um vapor, ele pode ser “ferido”, conforme alusão em Il. 5:400 (CLARKE, 1999, p. 69); e, por ser também sua perda um sinal de morte, o guerreiro pode retirar para si o thymós de seu inimigo, tomando–o como uma espécie de prêmio, como em Il 5:317.70 Contudo, as descrições do thymós sendo exalado de alguém coincidem com as da psychḗ. A diferença entre ambas está na atuação do thymós e da psychḗ: enquanto essa não se manifesta na vida terrena e passa ao Hades após a morte, aquela se manifesta na vida consciente e aparentemente não se manifesta no Hades. Estes aspectos serão detalhados mais adiante. Quanto à sua localização, Onians, Bremmer e Clarke concordam que o thymós é “coletado” no peito (stē̂thos), como quando Menelau é ferido, quase morre, mas tem seu thymós “reunido em seu peito novamente”, após perceber que a seta não o ferira gravemente (ἄψορρόν οἱ θυμὸς ἐνὶ στήθεσσιν ἀγέρθη, Il. 4:152).71 Porém, em alguns lugares, sua localização encontra-se também nos membros, como quando Odisseu encontra-se com sua mãe, Anticleia, no submundo dos mortos: ela o informa que morreu de saudade, e não atingida por alguma seta ou doença, que muitas vezes “com sofrimento desgastante tiram o thymós dos membros” (τηκεδόνι στυγερῇ μελέων ἐξείλετο θυμόν, Od. 11:201).72 Somente após a arfada ou grunhido, que sinalizava a chegada da morte (Il. 13:570–575, 13:398–401, 5:585–586 e 21:181–182), o suspiro de vida visível (thymós) é descrito retirando-se das profundezas vitais do ser humano, isto é, de seus membros (Il. 7:131) ou ossos (Il. 20:406). (CLARKE, 1999, p. 131–133). Quanto à sua localização específica dentro do peito, eles concordam também que seja na phrḗn (ou phrénes), como quando Andrômaca desmaia ao ver o cadáver de Heitor ser puxado pela cidade e, ao tombar para trás, expira sua psychḗ (apo de psychḗn ekapusse) mas, após respirar

70

Il. 5:155, 346; Il. 17:236 etc (cf. CLARKE, 1999, p. 130). Cf. ONIANS, 1951, p. 45; BREMMER, 1983, p. 56; CLARKE, 1999, p. 140. O verbo ageírō, “coletar” ou “agregar”, aponta para a concentração de algo que fora antes dispersado pelo corpo. 72 Cf. ONIANS, 1951, p. 60; BREMMER, 1983, p. 55; CLARKE, 1999, p. 132. Bremmer não vê contradição em algumas descrições localizarem o thymós ora no peito (ou especificamente nas phrḗnes), ora nos méleoi, “membros”. Na passagem do dito de Anticleia, essa personagem enfatizou os efeitos do thymós sobre o corpo saudável, isto é, o indivíduo torna-se fraco com a saída dele (cf. BREMMER, 1983, p. 54). 71

25

novamente, tem seu thymós agregado ao seu phrḗn (Il. 22:467).73 As phrénes serão explicadas detalhadamente mais adiante. O thymós é caracterizado como o principal componente da “substância da consciência” (ONIANS, 1951, p. 48)74 e do pensamento, tendo também ideias e habilidades (Il. 4:360–361): segundo Clarke, uma pessoa pode ser possuída por um thymós como experiência de pensamento (Il 4:309, 5:670) ou possuída pelo mesmo thymós de outra pessoa, como uma “mentalidade” compartilhada (Il. 4:289). (CLARKE, 1999, p. 70-71). O thymós não somente atua no intelecto, mas também nas emoções – amizade, vingança, alegria, tristeza, raiva, temor: Dêifobo “temeu em seu thymós/ a lança do belicoso Meriones” (δεῖσε δὲ θυμῷ/ ἔγχος Μηριόναο δαΐφρονος, Il. 13:163b-164) e Heitor, quando repreende Páris por não ter se ajuntado à batalha, diz que esse não pusesse “amarga raiva75 em seu thymós” (μὲν καλὰ χόλον τόνδ᾽ ἔνθεο θυμῷ, Il. 6:326b).76 O thymós está relacionado também à vontade e à ação, como quando Aquiles é impulsionado por seu “bravo thymós” a encontrar Enéas (Il. 20:174)77 ou quando os aqueus tiveram “o thymós [se tornara] muito esperançoso para puxarem o cadáver [de Pátroclo] de debaixo de Ájax Telamônio” (μάλα δέ σφισιν ἔλπετο θυμὸς/ νεκρὸν ὑπ’ Αἴαντος ἐρύειν Τελαμωνιάδαο,Il. 17:234b-235).78 Onians afirma que o thymós é preenchido por thársos (coragem), como quando Odisseu e seus companheiros escapam do Ciclope (Od. 9:380) ou quando repreende Atena, quando diz “Por que razão, ó carraça, arrastas os deuses para a luta,/ com tua feroz thársos, incitada por teu altivo thymós?” (τίπτ' αὖτ' ὦ κυνάμυια θεοὺς ἔριδι ξυνελαύνεις/ θάρσος ἄητον

73

Cf. BREMMER, 1983, p. 55; ONIANS, 1951, p. 45; CLARKE, 1999, p. 140–141. Onians cita o trecho quando Odisseu, após chegar à praia sem fôlego (ápneustos), logo “respira” (ámpnŷto) e o seu thymós é então recolhido novamente em seu phrḗn” (Od. 5:456) (cf. ONIANS, 1951, p. 45). Para saber mais sobre ámpnŷto, cf. a subseção “2.5.2. Atributos Intelectuais”. 74 Apesar de não definir o thymós como “a substância da consciência”, Bremmer (1983, p. 53–54) associa o thymós às almas-ego, que são definidas como “o centro do pensar” (cf. CLARKE, 1999, p. 69), conforme pode ser visto no capítulo anterior. 75 Lit. “má fúria”. 76 Cf. BREMMER, 1983, p. 54-55; ONIANS, 1951, p. 49-52; CLARKE, 1999, p. 69-71, 93. O thymós pode também ser acometido por misericórdia (Il. 8:202), terror (Il. 5:29) e dor (Il. 3:97–98). O indivíduo também pode submeter uma emoção ao seu próprio thymós, como pôr nele fúria (Il. 6:326), dor (Il. 1:253) e autocontrole (Il. 1:192). 77 Cf. BREMMER, 1983, p. 54). 78 Cf. BREMMER, 1983, p. 54).

26

ἔχουσα, μέγας δέ σε θυμὸς ἀνῆκεν; Il. 21:394).79 O thymós deseja uma ação particular (Il. 6:361),80 impele alguém a alguma ação determinada (Il. 6:439),81 conduz alguém a uma ação precipitada (Il. 2:276–277). (BREMMER, 1983, p. 54).82 Às vezes é descrita a causação inversa, quando a pessoa atua sobre seu próprio thymós: ela pode impeli-lo a alguma ação (Il. 4:104, 6:51, 5:470); perturbá-lo (Il. 2:142, 3:395, 4:208); e mudálo para agir em outra direção (Il. 5:676, 6:61). (CLARKE, 1999, p. 70). Uma característica peculiar do thymós, apontada por Onians (1951, p. 46–48) e Clarke (1999, p. 97–99), é seu derretimento ou solidificação devido à atuação ou ausência, respectivamente, de

emoções nele. Quando Menelau se alegra por causa do recebimento de sua égua, seu thymós “derreteu-se, como se [fosse] orvalho ao redor das espigas/ de trigo que estão crescendo, quando as searas endurecem:/ Do mesmo modo a ti, ó Menelau, junto às phrénes o thymós se derreteu” (ἰάνθη ὡς εἴ τε περὶ σταχύεσσιν ἐέρση/ ληΐου ἀλδήσκοντος, ὅτε φρίσσουσιν ἄρουραι:/ ὣς ἄρα σοὶ Μενέλαε μετὰ φρεσὶ θυμὸς ἰάνθη, Il. 23:598–600). Não há discriminação de quais emoções devem atuar no thymós; o exemplo anterior foi de emoção positiva, mas há também ocorrências de negativas, quando, após ver Penélope se entregar à dor, Odisseu diz-lhe “ó respeitável mulher de Odisseu laertíade,/ não mais estregues a tua bela pele agora, nem algum thymós/ derretas, chorando por [teu] esposo” (ὦ γύναι αἰδοίη Λαερτιάδεω Ὀδυσῆος,/ μηκέτι νῦν χρόα καλὸν ἐναίρεο, μηδέ τι θυμὸν/ τῆκε, πόσιν γοόωσα, Od. 19:262-264a).83 O thymós se comporta de maneira inversa – isto é, solidificando-se – quando o homem não se entrega às suas emoções –, como quando Menelau é comparado a um leão que para espantado diante de sua presa (Il. 17:111–112). O thymós tem também, em alguns lugares, uma ligação com comida e bebida (ONIANS, 1951, p. 48). Abaixo encontra-se uma ocorrência (Od. 10:460–465), na qual relata-se Circe oferecendo

a Odisseu e a seus companheiros comida e bebida, dizendo-lhes o seguinte:

79

Cf. ONIANS, 1951, p. 52). Outra referência é Il. 1:173 (cf. CLARKE, 1999, p. 69). 81 Outras referências são Il. 6:444 (cf. CLARKE, 1999, p. 70). 82 Outras referências são Il. 1:173, 6: 361, 9:42, 398 e 10:484 (cf. Clarke, 1999, p. 70, 81). 83 Nessa fala, foi usado o verbo tḗkō, também significando “derreter(-se)”, diferentemente do mais usado, que aparece no primeiro exemplo (iaínō). 80

27

ἀλλ᾽ ἄγετ᾽ ἐσθίετε βρώμην καὶ πίνετε οἶνον, εἰς ὅ κεν αὖτις θυμὸν ἐνὶ στήθεσσι λάβητε, οἷον ὅτε πρώτιστον ἐλείπετε πατρίδα γαῖαν τρηχείης Ἰθάκης. νῦν δ᾽ ἀσκελέες καὶ ἄθυμοι, αἰὲν ἄλης χαλεπῆς μεμνημένοι, οὐδέ ποθ᾽ ὕμιν θυμὸς ἐν εὐφροσύνῃ, ἐπεὶ ἦ μάλα πολλὰ πέποσθε. Mas eia! Comei o alimento e bebei o vinho até que, no peito, retomes o thymós como [éreis] primeiramente, quando deixastes a terra nativa de Ítaca escarpada. Agora [estais] abatidos e fracos sempre a pensar nos trabalhos passados em viagem, sem nunca [estar] a vós o thymós em alegria, porque muitas dores já tendes sofrido.

É possível entender que ambos, comida e bebida, fortalecem o thymós, algo apreendido do motivo logo em seguida dado por Circe para que eles comessem e bebessem: a segunda ênfase, a palavra áthymoi, é um adjetivo que pode ser traduzido como “faltosos de thymós”. Mas, a partir de uma análise mais cuidadosa, percebe-se o destaque dado à bebida, que chega até o peito e ao thymós. A primeira frase sublinhada, por exemplo, pode ser traduzida literalmente “para que receba [o vinho] ao thymós novamente no peito”.84 Já a terceira frase sublinhada mostra o resultado da bebida do vinho, não sentido por aqueles homens há muito: “o thymós a vós nunca [esteve] em alegria.” Outros lugares mostram de forma explícita o vinho indo diretamente às phrénes, apesar de nem o diafragma nem os pulmões (significados aplicáveis a esses órgãos) poderem realmente recebê-lo, conforme sabe-se atualmente (ONIANS, 1951, p. 36). Tal como o thymós, o vinho não é somente descrito chegando às phrénes (Od. 9:362), mas também impregnando-as (Od. 9:454), ferindo-as (Od. 21:297) e permanecendo dentro desse órgão (Od. 18:331, 391) (ONIANS, 1952, 32, 222).85

Ainda sobre a relação do thymós e a comida, as obras apresentam momentos nos quais as personagens “consomem”, “comem” ou “dissolvem” o próprio thymós (Il. 6:202, 26:540, Od. 9:75, 10:143, 378 e 19:263). Onians explica que elas estão na realidade consumindo “o vapor que é o produto final da comida e a substância da consciência, o espírito” (ONIANS, 1951, p.

84

O pronome relativo hó está retomando oînon na oração anterior. Para mais informações sobre isso, cf. (PROBERT, 2015, p. 325). 85 Cf. CLARKE, 1999, p. 92.

28

48). Portanto, os órgãos da consciência, com destaque ao thymós, podem ser “comidos” ou

“consumidos” (Il. 18:446 e 24:129).86 2.4. O Thymós e o Restante do Aparato Mental e Emocional Será visto neste capítulo como o thymós se relaciona com alguns dos principais órgãos da consciência (ou, na terminologia de Clarke, outros membros da família-thymós). 2.4.1. Phrénes Como já foi visto, a consciência não está localizada na “mente”, como pensa-se atualmente, mas geralmente na phrḗn (ou phrénes).87 Como o thymós é descrito residindo ativamente nelas, Onians denomina as phrénes de a “sede da consciência” e o “órgão da inteligência”. (ONIANS, 1951, p. 23-24, 59).

O thymós se move de lá somente em alguns momentos, como em desmaios ou em estados de choque, quando ele parece deixar as phrénes e interromper suas atividades, sem, porém, deixar o indivíduo. Assim como Onians (1951, p. 50), que os via como locais nos quais sentimento e pensamento trabalham juntos, Bremmer (1983, p. 55-56, 61) destaca a estreita relação existente entre thymós e phrénes: essas são tanto a sede da alegria e tristeza, medo e raiva, como dos atributos intelectuais. O que eram as phrénes de fato? Onians (1951, p. 23–43) explana que, para a escola hipocrática de meados do século V a.C., as phrénes eram o diafragma, significado que seria retomado depois no Timeu de Platão.88 Mesmo Rohde, principal influência sobre Onians, julgou ter sido esse o real significado de phrénes em Homero. Onians, porém, descarta o significado de “diafragma”, entendendo terem sido na realidade as phrénes outros órgãos do corpo, os

86

Cf. CLARKE, 1999, p. 125. Clarke sugere que essas relações vistas entre comida, bebida, thymós e phrḗnes talvez reflitam uma confusão que havia no pensamento homérico da fisiologia do tórax, que não distinguia entre os sistemas respiratório e digestivo (cf. CLARKE, 1999, p. 91). 87 Cf. CLARKE, 1999, p. 73, 75. 88 Cf. abaixo, p. 47.

29

pulmões, algo que entende estar claro nas diversas ocorrências de phrénes nos poemas homéricos.89 Os outros pesquisadores aceitaram esse novo significado proposto: Bremmer (1983, p. 62) diz que há “fortes argumentos” a favor dele, sem, contudo, aprofundar-se no assunto.90 Já Clarke (1999, p. 75-77), apesar de concordar com as associações de Onians, considerando-as basilares

e inequívocas – o thymós como “fôlego” inalado para as phrénes, “pulmões” – afirma que seu predecessor caíra no erro de forçar uma interpretação literal dos termos, reduzindo a psicologia homérica a “algo grotesco” e os antigos gregos, a “ingênuos”. Então ele aceita os significados dos termos thymós e phrénes propostos por Onians, mas sem a dicotomia entre mente e corpo que esse autor atribui-lhes. Com a finalidade de fundamentar a nova atribuição para phrénes, os autores analisam o termo e suas ocorrências nos poemas. Apesar de não ter se delongado sobre o assunto, Bremmer (1983, p. 62) diz que o novo significado é o mais provável porque os gregos teriam percebido, já nos primórdios da época arcaica, a conexão entre o fôlego (thymós) e os pulmões devido aos sacrifícios diários de animais e às lesões nos campos de batalha. Já Onians (1951, p. 23) diz que é razoável tomar as phrénes por pulmões pois, além de as referências ao diafragma em trechos sobre a anatomia humana, tanto no período arcaico como posteriormente, terem sido inexpressivos, o diafragma não reflete a pluralidade encerrada na palavra phrénes nem esse órgão nunca fora descrito como mélainai ou amphimélainai (“negras”, “escuras”), adjetivos aplicados somente às phrénes.91 Bremmer (1983, p. 62) acrescenta que, mesmo nos períodos

89

Cf. Dentre as principais ocorrências analisadas por Onians (1951, p. 26–27) estão as seguintes: o trecho no qual Odisseu tenta matar o Ciclope com sua espada, “ferindo[–lhe] no peito, onde as phrḗnes seguram o fígado” (οὐτάμεναι πρὸς στῆθος, ὅθι φρένες ἧπαρ ἔχουσι, Od. 9:301); os lugares nos quais a palavra prapídes aparece na Ilíada clivada na expressão “o fígado debaixo das prapídes” (ἧπαρ ὑπὸ πραπίδων, Il. 11:579, 13:412 e 17:349); o momento no qual Pátroclo, atirando a sua lança em Sarpedão, “abate–o onde estão as phrḗnes e chega ao redor do denso coração” (ἔβαλ' ἔνθ' ἄρα τε φρένες ἔρχαται ἀμφ' ἁδινὸν κῆρ, Il. 16:481); Pátroclo, após ferí–lo, puxa a sua lança do peito de Sarpedão e “as suas phrḗnes seguem–na” (ποτὶ δὲ φρένες αὐτῷ ἕποντο, Il. 16:503). Levando em conta as descrições dadas às phrḗnes (ou prapídes) nesses lugares (as phrḗnes estarem acima, prenderem o fígado e estarem ao redor do coração) e a possibilidade das phrḗnes serem preenchidas pelo thymós, algo impossível para o diafragma. Onians conclui, assim, que o significado de phrḗnes que mais condiz com a anatomia humana é “pulmões”. 90 Todavia, Bremmer (1983, p. 62 notas 134 e 136) cita Onians nesse ponto, aceitando assim os estudos desse quanto ao assunto. 91 Segundo Onians (1951, p. 25), as phrḗnes são qualificadas frequentemente como mélainai, adjetivo adequado aos pulmões, pois um pulmão adulto é “cinza azulado, mais ou menos mosqueado com preto” (cf. ONIANS, 1951, p. 25). Ele diz ainda que mélaina provem de mélas, adjetivo aplicado não somente a algo de cor azul escuro

30

posteriores da literatura grega, phrénes nunca foram entendidas como “diafragma” de forma tão rígida como tradicionalmente o são. Por fim, palavras que sejam parcialmente compostas da mesma raiz de phrénes – como metáphrenon, “costas” e melíphrōn, “delicioso” – também favorecem o significado de “pulmões” para termo.92 No tocante às ocorrências, aponta-se um símile (Il. 9:4–8) que sugere o significado de “pulmões” para phrénes:93 ὡς δ᾽ ἄνεμοι δύο πόντον ὀρίνετον ἰχθυόεντα Βορέης καὶ Ζέφυρος, τώ τε Θρῄκηθεν ἄητον ἐλθόντ᾽ ἐξαπίνης: ἄμυδις δέ τε κῦμα κελαινὸν κορθύεται, πολλὸν δὲ παρὲξ ἅλα φῦκος ἔχευεν: ὣς ἐδαΐζετο θυμὸς ἐνὶ στήθεσσιν Ἀχαιῶν Como dois ventos levantam o mar piscoso Zéfiro e Bóreas, quando sopram subitamente desde a Trácia fazendo que as ondas escuras se empolem acavaladas, e de algas a areia da praia revestem: assim o thymós se encontrava agitado nos peitos dos aqueus.

Sabendo-se da interrelação entre o thymós e as phrénes, Onians (1951, p. 46) supõe que os dois ventos soprando sobre o mar, mostrados no símile acima, são o thymós, “fôlego”, dividindo-se dentro das phrénes, “pulmões”. Desse modo, ele assume como óbvio entender phrénes como “pulmões”, não “diafragma” (como costumeiramente são compreendidas), onde o thymós, o fôlego respirado, se encontra.

(kýanos), mas também às uvas, ao sangue e a um tipo de “vermelhidão escuro na constituição”, como pode ser verificado em Il. 11:24, 18:562, 4:149 e Od. 16:175 (cf. ONIANS, 1951, p. 23). 92 Tomando a segunda parte da palavra metáphrenon relacionada a phrḗnes, ela pode significar literalmente “atrás das phrḗnes” e, semanticamente, “costas”. Essa palavra não condiz com a realidade se for compreendida como “atrás do diafragma” pois, diferentemente dos pulmões, essa membrana não abarca uma região extensa como a do dorso (cf. ONIANS, 1951, p. 27). Além disso, Onians aponta passagens que descrevem tanto golpes simultâneos no metáphrenon e nos ombros (Il. 2:265, 16:791, 23:380 e Od. 8:528) como o termo metáphrenon como uma região “entre os ombros” (Il. 5:40, 8:258, 11:447, 16:806) (cf. ONIANS, 1951, p. 27). Já Sullivan (1988, p. 93) explica que, por ter sido aplicado, dentre outros alimentos, ao vinho (Il. 8:506, 546, 24:284, Od. 7:182, 10:356) e pelas próprias phrḗnes terem sido apontadas como um dos destinos da bebida (Od. 21:297), melíphrōn pode ser entendido como “o que acalma e faz deliciar as phrḗnes”. 93 Cf. CLARKE, 1999, p. 81–83, 87; ONIANS, 1951, p. 46.

31

2.4.2. Nóos Parece estranho ao pensamento moderno a associação entre a respiração, aspecto presente no aparato mental homérico, e as emoções, pois para nós o que ocorre no corpo – como a respiração – é efeito das emoções. Para Homero, porém, as mudanças corporais são indissociáveis das emoções de uma pessoa e da forma como ela percebe o mundo em sua volta (ONIANS, 1951, p. 53). O nóos, termo homérico correspondente ao clássico noûs, é sempre localizado, como o thymós, dentro do peito (Il. 4:309) (ONIANS, 1951, p. 82), mas, diferentemente das phrénes, nunca é concebido como algo material ou parte do corpo.94 Apesar de vir pareado com thymós em algumas fórmulas – como quando Agamêmnon, fortalecendo os cavaleiros aqueus, diz-lhes que os antigos destruíram as cidades “tendo no peito este nóos e thymós” (τόνδε νόον καὶ θυμὸν ἐνὶ στήθεσσιν ἔχοντες, Il. 4:309) –, nóos não é descrito nos poemas com as mesmas características do thymós - como, por exemplo, o ar entrando nos pulmões (CLARKE, 1999, p. 121). Há um consenso de que ele seja o mais abstrato dos membros do aparato mental homérico; por exemplo, ele nunca é identificado com parte alguma do corpo ou material, nem é mostrado sendo perfurado, diferentemente do thymós e das phrénes. Sua atividade se apresenta também como mais intelectual que emocional.95 Por isso, ele se aproxima dos conceitos de “mente”, “propósito” e “pensamento” modernos. (BREMMER (1983, p. 56–57).96 Mesmo concordando com Onians e Bremmer quanto à falta de corporalidade do nóos, Clarke (1999, p. 77, 120–126) não aceita o uso desses conceitos modernos para defini-lo, preferindo chamá-lo simplesmente de “produto do pensar” e resultado dos processos que ocorrem no aparato mental, especialmente no thymós. 2.4.3. Ménos Ménos é outro termo do aparato mental homérico que também não é caracterizado como um órgão físico nas ocorrências, mas, conforme diz Bremmer (1983, p. 57-58), é mostrado como um

94

Cf. BREMMER, 1983, p. 57; CLARKE, 1999, p. 77. Cf. CLARKE, 1999, p. 120. 96 Bremmer dá as seguintes referências de nóos nos poemas que comprovam essas definições dadas: Il. 3:63, 16:688, Od. 5:23, 6: 320 e 8:78. 95

32

impulso momentâneo da própria pessoa ou do mundo exterior (de uma divindade, por exemplo), que pode envolver um ou mais órgãos mentais e físicos, que é direcionado para uma atividade específica97 e que pode ser parcialmente controlado pelo indivíduo.98 Ele é descrito também como possuindo uma aparência gasosa99 ou como uma fúria que o guerreiro tem no calor da batalha100 e sua localização encontrava-se também no peito (Il. 19:292), nas phrénes (Il. 1:89) ou no próprio thymós (Il. 16:529).101 2.5. Causalidades A ação do thymós pode influenciar ou ser influenciada por diversas causalidades do mundo externo a ele como deuses, homens, animais e elementos da Natureza, conforme já foi visto anteriormente. Nos poemas, todavia, encontram-se alguns conceitos, termos e práticas que encerram essas trocas de influências, como o conceito de inspiração divina, alguns atributos aplicados a personagens e a prática da inumação. 2.5.1. A Inspiração Clarke (1999, p. 277-284) afirma ter existido em Homero um “duplo plano de causação”, que consiste em um “sistema que permite Homero explicar pensamentos e emoções repentinas tanto como uma psicologia humana independente como a intervenção pessoal de divindades”, no qual essa intervenção divina e a plena responsabilidade humana são totalmente conciliáveis.

Quando Laerte, o pai de Odisseu, se alegra com a luta contra os pretendentes, “Palas Atena insufla um grande ménos nele” (καί ῥ’ ἔμπνευσε μένος μέγα Παλλὰς Ἀθήνη, Od. 24:520b); após Glauco ter clamado a Apolo por causa de sua ferida, o deus “imediatamente aliviou suas dores e pôs ménos em seu thymós” (Il. 16:529) (cf. BREMMER, 1983, p. 58). 98 Quando Nestor tenta resolver a disputa entre Aquiles e Agamêmnon, ele apela para esse da seguinte forma: “ó filho de Atreu, pare o teu ménos” (Ἀτρεΐδη σὺ δὲ παῦε τεὸν μένος, Il. 1:282a) (cf. BREMMER, 1983, p. 58). 99 Isso pode ser deduzido a partir das descrições do ménos sendo respirado (Il. 3:8) e expirado (Il. 2:536) por algum guerreiro, e soprado por alguma divindade sobre alguém (Il. 10:482) (cf. BREMMER, 1983, p. 59). 100 Por exemplo, Heleno detalha para Enéas e Heitor a situação embaraçosa causada por Diomedes, por “ele enraiveceu furiosamente e ninguém pode encontrá–lo com seu ménos” (Il. 6:101) (cf. BREMMER, 1983, p. 58). 101 Grande parte dessa descrição de ménos dada por Bremmer é compartilhada por Onians (1951, p. 50). Onians (1951, p. 50-52) aponta as seguintes características de ménos, juntamente com as referências dos versos dos poemas em que elas aparecem: podia ser respirado (Il. 3:8); era soprado sobre alguém por uma divindade (Il. 10:482, Od. 24:520); e, por ser algo fluido e gasoso, como o thymós nas phrénes, ménos podia entrar para dentro desses lugares (Il. 21:145, Od. 1:89, 2:320 e 16:529). 97

33

Em relação ao thymós, essa dupla causação pode se fazer quando este termo do aparato mental tem seu comportamento descrito nos poemas como um agente de deliberações dentro das personagens, conforme já foi visto nas descrições do thymós anteriormente. Uma outra possibilidade de ela ocorrer é quando os deuses “sopram” ou “exalam” emoções, pensamentos e planos, sobre o thymós e as phrénes dos homens (ONIANS, 1951, p. 56). As passagens a seguir, apontadas por Onians (1951, p. 56), mostram as personagens sendo inspiradas em determinadas circunstâncias e momentos, com encorajamento, pensamentos e conselhos – como quando Atena instrui Telêmaco no que esse deveria fazer, concluindo sua fala assim: “toma o pensamento em teu phrḗn e thymós como tu podes matar os pretendentes” (φράζεσθαι δὴ ἔπειτα κατὰ φρένα καὶ κατὰ θυμόν,/ ὅππως κε μνηστῆρας ἐνὶ μεγάροισι τεοῖσι/ κτείνῃς, Od. 1:294-296b),102 quando Aquiles responde Agamêmnon, dizendo: “eu falarei algo também e tu ponhas isso em tuas phrénes” (τοι ἐρέω, σὺ δ’ ἐνὶ φρεσὶ βάλλεο σῇσι, Il. 1:297); quando a mãe de Odisseu diz-lhe: “eu direi a ti conselho e irás por isso em tuas phrénes” (‘ῥηΐδιόν τοι ἔπος ἐρέω καὶ ἐνὶ φρεσὶ θήσω, Od. 11:146). Mente, pensamentos e tramas são sopros que podem ser exalados pelos deuses aos homens, como quando Penélope disse que “um tear [construir] inspirou-me nas phénes um dos deuses” (φᾶρος μέν μοι πρῶτον ἐνέπνευσε φρεσὶ δαίμων, Od. 19:138).103 2.5.2. Atributos Intelectuais Outra curiosa influência da respiração e do thymós recai sobre a palavra pepnyménos. Ela significa “sábio”104 ou “aquele que tem inteligência ou valores morais elevados”105 e parece denotar uma certa delicadeza quanto ao comportamento, especialmente em contextos nos quais ocorre o uso da fala, sendo também constantemente atribuída a jovens (Telêmaco, por exemplo).106

102

Cf. CLARKE, 1999, p. 69–70. Cf. ONIANS, 1951, p. 56; CLARKE, 1999, p. 70. 104 Cf. o vocábulo πεπνυμένος em LIDDELL; SCOTT; JONES (1990). 105 Cf. HEUBECK, 1990, v. 1, p. 161 (comentário sobre Od. 3:19–20). 106 Cf. Ibid., p. 372–373 (comentário sobre Od. 8:388). 103

34

Apesar de ter origem etimológica incerta,107 Onians (1951, p. 57-59, 67) relaciona pepnyménos (cuja forma infinitiva perfeita passiva com sentido presente é pepnŷsthai) ao verbo apopneîn, “exalar”, do qual procede tambpem ápneustos, “sem fôlego”,108 e à raiz * pnéō, que significa “respirar”.109 Seu processo reverso, o verbo ámpnyto (ou ampnýthē), é “ter o thymós coletado novamente para a phrḗn”. Portanto pepnyménos pode significar, em um nível primário, “aquele que tem respirado”. Contudo, como a inteligência (phrénes) depende da respiração (thymós) e pensamentos e emoções podem ser soprados sobre alguém (conforme vimos no tópico anterior), pepneuménos pode ser tomado secundariamente por “aquele que tem inteligência, sabedoria”. Onians explica também que, por serem os pulmões “órgãos da mente”, os pronunciamentos ditos pelas pessoas: Surgem com o fôlego, a inteligência neles, e são parte disso; e, quando o ouvinte os deposita, os toma em seu thymós, então os adiciona à sua reserva, ao seu conhecimento. Eles passam de pulmão para pulmão, de mente para mente. Penélope põe o ‘mŷthos pepnyménos de seu filho em seu thymós’ (Od. 1:361 e 21:355) e as palavras são ditas constantemente ser ‘postas nas phrénes’. Não somente a evidente conexão entre respiração e emoção já fora pressuposta, mas também a crença que os pensamentos são palavras e as palavras, fôlego, [...] o que deve levar à crença de que os órgãos da respiração, os pulmões, são os órgãos da mente. (ONIANS, 1951, p.

67–68).

Clarke (1999, p. 101-106) compactua com essa noção, afirmando que alguém “sábio” é aquele que concentra o thymós dentro de si, nas suas phrénes, mesmo entendendo que essa é parte da verdade, já que o sistema no qual os gregos arcaicos estavam inseridos era mais complexo e difícil de ser expressado por meio de uma linguagem moderna. Por isso dizer que alguém tem

107

Onians (1951, p. 56–58) afirma que o verbo pépnymai era interpretado pelos filólogos de sua época como vindo do hipotético verbo *pnýein ou pnýo, de raiz *pny nunca atestada (cf. LUBOTSKY, 2010, p. 1213–1214). Ele diz ainda que *pny aparece em algumas palavras (pnéō, pnoḗ, pnígō e poipnýō) que têm alguma ligação com a respiração. Sobre o último (poipnýō), ele diz que a reduplicação presente neste radical indicava expressividade, fazendo com que o verbo significasse originalmente “apressar-se” e “inquietar-se”, tendo como foco a respiração. Esse verbo é usado em Il. 1:599–600, em que Hefesto aparece “afadigando-se” (poipnýonta) pelos palácios, causando um riso inextinguível nos deuses. Onians então sugere esse verbo pépnymai, poipnýō e outros semelhantes a eles, como anapnéō, tenham sido formados na verdade da raiz pnéō, atestado no grego arcaico, cujo significado é “respirar”. A mudança de ε para υ, ocorrida entre pnéō e pépnymai, é um fenômeno presente também em verbos análogos como chéō (échyto, échýthē e kéchymai). O significado de pnéō posteriormente foi transferido para a esfera intelectual, fazendo com que pepnŷsthai significasse progressivamente “ser fisicamente ativo”, “ser plenamente consciente” e, por fim, “sábio”. O mesmo ocorreu com o verbo anapnéō (e similares), que adquiriu um significado secundário de “recuperar a consciência”. 108 Em uma passagem, ámpneustos e ámpnyto vêm juntos (Od. 5:456–458), possivelmente mostrando a relação, ainda conhecida à época homérica, entre ambos (cf. ONIANS, 1951, p. 57). 109 Cf. CLARKE (1999, p. 84) também apoia essa explicação de Onians.

35

“boas phrénes” (inteligência) é equivalente a dizer que ele é pepnyménos (sábio) (Od. 3:266 e Il. 17:470);110 ou que aquele que pépnytai (respira), emite palavras pepnyména (sábias) (Od. 4:204–206, 19:350–352 e Il. 9:58).111 O contrário disso é quando o thymós se expande e se dissipa, fazendo com que o seu possuidor se torne estulto e imprudente, não possuindo o fôlego concentrado no peito ou em seus pulmões. Essa distensão e flutuação do thymós ocasiona diversas reações como o medo e a covardia112 ou a indecisão diante de dilemas (descrita como o thymós dividindo-se em dois caminhos, como quando Penélope afirma que, dentro de si, “o thymós agita-se [de] duas maneiras, para lá e para cá” (δίχα θυμὸς ὀρώρεται ἔνθα καὶ ἔνθα, Od. 19:524b).

110

Cf. ONIANS (1951, p. 59). Cf. Ibid., p. 67. 112 Isso é chamado também de “mau thymós” (Il. 2:490 e 3:60) (cf. CLARKE, 1999, p. 70). 111

36

3. O Thymós e a Psychḗ O thymós manteve uma relação estreita com diversos membros do aparato mental (por exemplo, phrénes, nóos e ménos), como foi visto no capítulo anterior. Contudo, ele também manteve relação com outro conceito, cuja expressão encontra-se fora do aparato mental, mas que aparece diversas vezes na Ilíada e na Odisseia e cujo estudo é de extrema importância para a compreensão integral do homem homérico: a psychḗ. Serão vistas, primeiramente, as principais definições do termo psychḗ dadas pelos autores destacados neste trabalho. Em seguida, serão vistos tanto a relação entre psychḗ e thymós como os diferentes comportamentos da psychḗ ao longo dos poemas de Homero. Por fim, serão explicadas o modo como as complexas ideias dos aparatos mental e anímico homéricos, estudadas até agora, culminariam no conceito unitário de alma, presente na época clássica. 3.1. Definição de Psychḗ Onians chama a psychḗ de alma-vida113 e “princípio de vida”,114 conforme foi visto nos capítulos anteriores. Usando uma expressão similar, Clarke chama a psychḗ de “sinal de vida” 115; porém, essa referida vida não é aquela usufruída na consciência, mas aquela que é inerte dentro do homem. Bremmer (1983, p. 21) elenca algumas características que definem a psychḗ, tais quais: estar localizada em uma parte não-especificada do corpo; estar inativa (ou não mencionada) quando o corpo está acordado; deixar o corpo, quando esse desmaia; não ter interação física ou psíquica; ser uma pré-condição para a continuação da vida; e representar o indivíduo após a morte. Algo semelhante, mas mais resumido, foi feito por Clarke (1999, p. 42), definindo a psychḗ da seguinte forma: ela é um sinal de vida que é arriscado quando se está em perigo de morte; algo que é perdido no momento da própria morte; e a sombra do morto no Hades.

113

ONIANS, 1951, p. 194. Ibid., p. 93–96. 115 CLARKE, 1999, p. 57–58. 114

37

3.2. Relação entre os Diferentes Conceitos de Psychḗ As características apresentadas acima aproximam a psychḗ das duas definições de alma propostas por Arbman: a alma-vida e a alma-livre,116 como foi sinalizado anteriormente, no capítulo 1. Bremmer (1983, p. 21–22) é da opinião de que originalmente, na época arcaica, psychḗ designava a alma-fôlego; ele chega a essa afirmação a partir da ligação etimológica entre essa palavra grega e o verbo psýchō (soprar, respirar). Richardson (2001, p. 156) diz que algumas passagens sugerem o comportamento de psychḗ como “fôlego”, como “expirou a psychḗ” (ἀπὸ δὲ ψυχὴν ἐκάπυσσε, Il. 22:467).117 É importante chamar a atenção para o uso do verbo kapýō em outras ocorrências, tais como Il. 5:698b e Od. 5:468b – ambas com a mesma frase “expirou o thymós” (κεκαφηότα θυμόν) -, em que ele aparece tendo thymós (uma alma-fôlego)118 como seu objeto. Já o conceito de alma-livre não era expressado, nessa mesma época, pelo termo psychḗ, mas por outra palavra, atualmente desconhecida. Então o termo grego passou gradualmente a adquirir contornos de um tipo de alma-livre,119 ao mesmo tempo que perdia também a sua função física, encerrada no conceito de alma-fôlego.120 A coexistência desses dois conceitos em torno de um único termo já havia entrado em vigor na época de composição dos poemas homéricos, mas seu desenvolvimento chegou ao fim somente durante a época clássica (séc. V a.C.), quando os conceitos anteriores de almas confluíram em

116

Cf. BREMMER, 1983, p. 21. O verbo kapýō, que aparece depois de Homero somente em Quinto de Esmirna (6:523), tem a mesma raiz da palavra kapnós, “fumaça” (cf. CHANTRAINE apud BREMMER, 1983, p. 22; RICHARDSON, 2001, p. 156). 118 Cuja etimologia também se relaciona com “fumaça” (cf. BREMMER, 1983, p. 56). 119 Contudo, segundo Bremmer (1983, p. 18–20), faltam à psychḗ algumas características apontadas por Arbman para a alma-livre, como a atividade em sonhos ou em algum tipo de inconsciência, representando a individualidade de alguém. Ele, porém, não vê um empecilho nisso, pois – afirma ele – os relatos dos sonhos, na poesia homérica, não foram relatados conforme a crença da época, mas possuíam uma estrutura literária fixa e rígida, influenciada pela maneira que os sonhos eram relatados no antigo Oriente Próximo. Assim, Bremmer (1983, p. 19) conclui que “eles não informam sobre o todo da experiência de sonhos real dos antigos gregos” e a ausência dessas experiências com a psychḗ em Homero não significa necessariamente que elas não tivessem ocorrido na realidade. 120 Cf. BREMMER, 1983, p. 24. 117

38

um único conceito, encapsulado também no termo psychḗ. Esse processo de formação da alma unitária grega será visto detalhadamente mais adiante. Apesar de reconhecer também duas acepções do termo psychḗ, Clarke (1999, p. 129–130) se distancia das explicações mostradas acima por objetar contra a teoria arbmaniana sobre as crenças anímicas dos povos primitivos, que, para ele, gera um entendimento errôneo – uma dicotomia de corpo e alma (ou mente), idiossincraticamente pertencente à sociedade moderna – que não leva em conta a unidade de ser humano presente na Ilíada e na Odisseia. A partir da análise contextual de alguns nomes como psýchos (frieza) e psychrós (frio) e verbos como ápopsýchein (deixar de respirar, desmaiar, esfriar), ánapsýeḯn (esfriar, refrescar-se) e psýchō (respirar, esfriar) – da mesma raiz de psychḗ –,Clarke conclui que não há duas concepções diferentes de psychḗ em Homero, mas sim a mesma psychḗ que age de modos diferentes: a psychḗ que se perde no momento da morte é sem vida, fria e vaporosa, semelhante àquela que vive no Hades, “vazia de vigor, que esvoaça sem força ou substância, participando do frio vazio do ar circulante.” (CLARKE, 1999, p. 144–148). Sobre a localização da psychḗ, Onians afirma que ela se encontra na cabeça (kephalḗ). Ele deduz isso a partir do uso alternado das palavras kephalâs e psychás em frases formulares em Il. 11:55 (πολλὰς ἰφθίμους κεφαλὰς Ἄϊδι προϊάψειν, “muitas fortes cabeças ao Hades ter enviado”) e em Il. 1:3 (πολλὰς δ' ἰφθίμους ψυχὰς Ἄϊδι προΐαψεν, “muitas fortes psychaí ao Hades enviou”), respectivamente. Onians vê nessa identificaçãoo o motivo também de a cabeça ter sido reputada por sagrada na sociedade refletida por Homero.121 (ONIANS, 1951, p. 95–102, 115, 193-194).

121

Cf. ONIANS (1951, p. 96). Como sede da vida, segundo Onians (1951, p. 97-99) as atestações em Homero são várias: dando-lhe uma erva contra os encantamentos de Circe, Hermes diz a Odisseu que “Aqui, tome esta boa droga e entre no palácio de Circe./ Isso irá manter o dia mau distante de tua cabeça” (τῆ, τόδε φάρμακον ἐσθλὸν ἔχων ἐς δώματα Κίρκης,/ ἔρχευ, ὅ κέν τοι κρατὸς ἀλάλκῃσιν κακὸν ἦμαρ, Od. 10:287–288); Ájax diz a Menelau que “já não é tanto pelo cadáver de Pátroclo que receio,/ [..] é mais pela minha própria cabeça que temo, por aquilo que poderá/ sofrer, e pela tua [...]” (οὔ τι τόσον νέκυος περιδείδια Πατρόκλοιο,/ [..] ὅσσον ἐμῇ κεφαλῇ περιδείδια μή τι πάθῃσι,/ καὶ σῇ [..], Il. 17:240,242–243). Por ser sagrada, a cabeça era usada como objeto de imprecações e juramentos (Il. 2:259 e 15: 36) e também votos de veneração a alguém (Il. 18:82). Onians (1951, p. 97) diz que “quando uma ação no futuro era pronunciada, um homem, para garantir o cumprimento, acenava sua cabeça; assim, eu sugiro, ele envolvia o cometimento de sua psychḗ, a alma que é a sua vida”. A prática de cortar a cabeça do adversário (Il. 13:202, 17:126) pode estar relacionada à ideia de a cabeça conter a psychḗ ou a vida. Semelhantemente dizer que alguém “enviou muitas poderosas cabeças ao Hades” (Il. 11:55) era equivalente a “enviou muitas poderosas psychaí ao Hades (Il. 1:3). A palavra “cabeça” era usada, por meronímia, para se referir a “pessoa”, como em Il. 8:281. Zeus faz exatamente isso com Hera, dando–lhe a garantia que iria cumprir o que

39

Apesar de reconhecerem a identificação existente entre psychḗ e kephalḗ em alguns lugares dos poemas, Bremmer e Clarke rejeitam a suposição de que isso apontaria para uma real localização da psychḗ.122 Eles explicam que o uso homérico de kephalḗ e psychḗ era intercambiável, usadas diversas vezes para representar o indivíduo como um ser integral. 123 Bremmer entende que, partir das obras homéricas, é possível saber somente que a psychḗ se esvoaçava dos membros (Il. 16:856, 22:362); do corpo, através da boca (Il. 9:409); do peito (Il. 16:505); ou por meio de uma ferida no flanco (Il. 14:518).124 Por entender também que kephalḗ é uma meronímia do homem inteiro, Clarke toma a alternância entre psychaí e kephalḗ nas frases de decida ao Hades como um recurso criativo formular, usado na composição dos poemas para indicar que os indivíduos, fisicamente e integralmente, se dirigiam após a morte ao Mundo Inferior.125 3.3. A Partida da Psyché para o Hades Entretanto, aonde a psychḗ vai? Sobre a psychḗ de Pátroclo, é dito que, no momento em que Aquiles tenta se aproximar dela, “não pega[–a], mas a psychḗ, como uma fumaça, para debaixo da terra/ chiando parte (οὐδ᾽ ἔλαβε: ψυχὴ δὲ κατὰ χθονὸς ἠΰτε καπνὸς/ ᾤχετο τετριγυῖα, Il. 23:100-101a). Chegando ao Hades, a psychḗ de um morto é descrita como skiá, “sombra” (Od. 10:492), aphradḗs, “insensíveis” (Od. 11:476), eídōlon, “simulacro” e desprovidas de phrénes, “intelecto” (Il. 23:10). Esse é o quadro geral das almas no Mundo Inferior (ONIANS, 1951, p. 59). Normalmente, a psychḗ é interpretada como uma alma que deixa o corpo morto e segue em direção ao mundo dos mortos. Clarke, porém, oferece uma nova abordagem sobre a psychḗ no Hades e sua relação com o corpo que permaneceu na terra. Primeiramente, ele diz, após uma série de ocorrências analisadas, que a descida da pysche ao Hades é um recurso imagético, que

ela lhe pedia (Il. 1:524). Por esse motivo, a cabeça também era alvo de ultraje quando alguém era desonrado (Od. 19:91, 22:463). Cf.. 122 Cf. BREMMER, 1983, p. 16–17; CLARKE, 1999, p. 172–178; BREMMER, 1983, p. 17. 123 Cf. BREMMER, 1983, p. 17; CLARKE, 1999, p. 174. Clarke cita, entre outras referências, o verso “Ó Teucro, querida cabeça, ó Telamônio, senhor de povos!” (Τεῦκρε φίλη κεφαλή, Τελαμώνιε κοίρανε λαῶν, Il. 8:281) (cf. CLARKE, 1999, p. 174). 124 Cf. BREMMER, 1983, p. 17; RUPPENTHAL NETO, 2014, p. 26. 125 Todavia, Clarke não ignora também o fato de haver outras concepções a respeito da psychḗ nos poemas, como a separação dela do corpo e sua descida isoladamente para o Hades, como em Il. 7:330 e Od. 10:560 (cf. CLARKE, 1999, p. 177–178).

40

foi usado na composição dos poemas para criar uma alusão sobre o que ocorre com a psychḗ, mas não propriamente uma narrativa de um evento (CLARKE, 1999, p. 168-172). Então, Clarke (1999, p. 157-228) argumenta que, por Homero ter compreendido o homem em sua totalidade, o uso de psychaí no momento da morte representa a identidade plena do “eu” do morto (CLARKE, 1999, p. 205-207), mesmo que sejam usados meronímios (como “cabeças”) ou outros nomes (como a própria psychaí, eídōlon, skiá etc).126 3.4. Relação entre Psychḗ e Thymós A partir do que foi mostrado anteriormente, a psychḗ (ou as duas fases da psychḗ) se diferencia do thymós em vários aspectos, dentre os quais está o do thymós permanecer ativo durante vida consciente, enquanto a psychḗ permanece inerte, não possuindo qualquer relação com a vida consciente ordinária, indo (ou tentando ir), porém, ao Hades no pós-morte (ou desmaios). Este é o caso do desmaio127 de Andrômaca, em que, após ter visto o corpo de Heitor, seu filho, sendo arrastado pelos aqueus pelas ruas (Il. 22:467): τὴν δὲ κατ᾽ ὀφθαλμῶν ἐρεβεννὴ νὺξ ἐκάλυψεν, ἤριπε δ᾽ ἐξοπίσω, ἀπὸ δὲ ψυχὴν ἐκάπυσσε. Sobre os seus olhos desceu a escuridão da noite; caiu para trás e expirou, ofegante, a psychḗ.

Mais a frente, a perícope descreve da seguinte forma a recuperação de Andrômaca (Il. 22:475): ἣ δ' ἐπεὶ οὖν ἄμπνυτο καὶ ἐς φρένα θυμὸς ἀγέρθη Mas ela, em seguida, inspirou e para o phrḗn o thymós foi agregado

126

Clarke diz ainda que, quando narram-se as psychaí voando ao Hades, é dito que elas deixam os próprios homens (autoí) (Il. 1:6) ou, como na descrição da morte de Pátroclo (Il. 16:855–857), a própria a substância corporal do herói (androtêta) (cf. CLARKE, 1999, p. 130). 127 Segundo Bremmer (1983, p. 15), o próprio verbo “desmaiar” no grego clássico era lipopsychḗō, que significa literalmente “deixar a psychḗ”.

41

A partir da comparação desses dois trechos acima, é possível verificar o claro paralelismo existente entre a psychḗ que é exalada, quando Andrômaca desmaia, e o thymós que retorna ao peito, quando ela se recupera do desmaio.128 Entretanto, algumas descrições da psychḗ presentes nos poemas épicos de Homero se assemelham às dadas ao thymós. Onians cita uma explicação na qual vê a psychḗ como uma outra fase do thymós, mas que é rejeitada por ele: Foi sugerido que, enquanto no corpo ativamente vivo, dentro dos confinantes e controladores órgãos da inteligência (os pulmões), a alma, sendo um vapor quente, fora chamada de thymós, mas quando esse se ia com o último fôlego e se tornava ‘frio’, era chamado de psychḗ. Entretanto, temos visto evidências contra tal identidade ou unidade”. (ONIANS, 1951, p. 94).

As evidências às quais Onians (1951, p. 94-95) se refere são: o thymós e a psychḗ saem simultaneamente e separadamente do corpo;129 enquanto a psychḗ deixa o corpo como óneiros (semelhante a um sonho), o thymós é destruído pela morte – drogas mortais são chamadas de thymophthóra (Il. 6:169, Od. 2:329) e a própria morte, de thymoraistḗs, denominações essas que, literalmente, significam “destruidora de thymós”. Outro ponto a favor disso são as próprias características divergentes entre thymós e psychḗ (ONIANS 1951, p. 91), vistas há pouco: enquanto aquele pensa, sente, está ativo nos pulmões ou no peito dos vivos e, mesmo partindo no momento da morte, não é mostrado tendo qualquer ligação com o estado nos domínios de Hades, essa não é descrita pensando, sentindo ou estando dentro do peito ou pulmões enquanto a alguém vive, a despeito de ela ser descrita (como já foi visto) como estando dentro do homem vivente e sendo um “princípio vital”,130 uma força vivificadora que sustenta o corpo e dá-lhe o tom e movimento: por isso que, quando um

128

Outro trecho no qual ocorre esse paralelismo entre psychḗ e thymós, e torna mais claro o sentido do primeiro termo como “alma-vida”, é a descrição do desmaio de Sarpedão, quando é dito que “a psychḗ deixa-o, e uma névoa se derramou sobre os olhos./ Mas logo voltou a si e o sopro do Bóreas o/ reanimou, ele que com dificuldade expirara o thymós” (τὸν δ' ἔλιπε ψυχή, κατὰ δ' ὀφθαλμῶν κέχυτ' ἀχλύς:/ αὖτις δ' ἀμπνύνθη, περὶ δὲ πνοιὴ Βορέαο/ ζώγρει ἐπιπνείουσα κακῶς κεκαφηότα θυμόν., Il. 5:696-698). Cf. BREMMER, 1983, p. 56. 129 Cf. ONIANS, 1951, p. 94. Curiosamente, as perdas de thymós e psychḗ podem ocorrer simultaneamente: Antino profetiza para Odisseu, dizendo que “muitos serão os nobres a quem este arco roubará/ o thymós e a psychḗ, uma vez que é de longe preferível” (πολλοὺς γὰρ τόδε τόξον ἀριστῆας κεκαδήσει/ θυμοῦ καὶ ψυχῆς, ἐπεὶ ἦ πολὺ φέρτερόν ἐστι, Od. 21:153–154) e, quando Diomedes investe contra os troianos, “roubando[lhes] o thymós e a psychḗ” (θυμοῦ καὶ ψυχῆς κεκαδὼν, Il. 11:334). Cf. CLARKE, 1999, p. 134. 130 Cf. ONIANS, 1951, p. 91.

42

guerreiro é abatido, ele tem “perdido tanto psychḗ quanto ménos” (τοῦ δ’ αὖθι λύθη ψυχή τε μένος τε, Il. 5:296b);131 quando o fogo sobrevém dos corpos dos mortos, o thymós sai-lhes dos ossos (Il. 20:406) e a psychḗ esvoaça como um sonho ou fantasma (Od. 11:220–222); Liodes ufana-se que seu arco tiraria “a muitos o thymós e a psychḗ” (πολλοὺς [...] θυμοῦ καὶ ψυχῆς, Od. 21:153a, 154b); “o filho de Tideu, Diomedes famoso de lança,/ do thymós e da psychḗ privou-os” (τοὺς μὲν Τυδεΐδης δουρικλειτὸς Διομήδης/ θυμοῦ καὶ ψυχῆς κεκαδὼν, Il. 11:333334a). Portanto, mesmo aparentando uma unidade, o thymós e a psychḗ são separadas e não são equivalentes: a psychḗ é algo que está dentro do homem vivente, mas que expirado na morte como gasoso que é identificado com skiá, “sombra” ou eídōlon, “simulacro” (ONIANS, 1951, p. 94-95). Assim, a psychḗ abarca não somente o âmbito do homem vivente, mas a uma aparição

ou espírito, imagem de um falecido que irá passar para um estado pós-morte sombrio no Hades (CLARKE, 1999, p. 129–130). Outro ponto também são as ocorrências que usam frases semelhantes para descreverem a partida da psychḗ e do thymós (CLARKE, 1999, p. 133). Por exemplo, é dito sobre a morte de Pátroclo o seguinte: ὣς ἄρα μιν εἰπόντα τέλος θανάτοιο κάλυψε: ψυχὴ δ᾽ ἐκ ῥεθέων πταμένη Ἄϊδος δὲ βεβήκει ὃν πότμον γοόωσα λιποῦσ᾽ ἀνδροτῆτα καὶ ἥβην. Quando assim falava-lhe, cerrou–o o termo da morte: a psychḗ, voando desde a face,132 para o Hades foi, chorando seu destino, deixando para trás a virilidade e a juventude. (Il. 16:855–857)

Esse trecho acima deve ser comparado com o que se segue: [...] ἐπεί κέ τις ὀξέϊ χαλκῷ τύψας ἠὲ βαλὼν ῥεθέων ἐκ θυμὸν ἕληται

131

Cf. Ibid., p. 195. Isso não ocorre somente na morte, mas também em outros momentos: no desmaio, por exemplo, há a perda gradual da consciência e da força vital, representadas pelo thymós e psychḗ respectivamente. A descrição do retorno do desmaio é inversa em Homero: fala-se da recuperação do thymós, omitindo-se frequentemente a recuperação da psychḗ, para então ser descrita a recuperação do vigor físico (cf. Ibid., p. 195). 132 Essa palavra, rhéthos, é traduzida geralmente por “membro”, mas raramente é usada em Homero, tendo o significado no antigo eólico e no ático dos tragediógrafos de “face”, “semblante”. Ela aparece relacionada à psychḗ nos trechos das mortes de Pátroclo e Heitor (Il. 16:856 e 22:362 respectivamente), aparecendo neles a exata frase ψυχὴ δ' ἐκ ῥεθέων πταμένη Ἄϊδόσδε βεβήκει, “a psychḗ dos membros voando foi ao Hades” (cf. CLARKE, 1999, p. 133; ONIANS, 1951, p. 95).

43

[...] depois de alguém pelo bronze afiado, golpeando ou atirando, tomar da [minha] face o thymós (Il. 22:67b–68)

Há ocorrências nas quais a privação de ambos são equivalentes à morte – por exemplo, quando Diomedes despoja os seus inimigos, após tê-los matado, “privando[-os] de thymós e psychḗ” (θυμοῦ καὶ ψυχῆς κεκαδὼν, Il. 11:334a) e quando Antínoo profetiza sobre o arco de Odisseu, dizendo que esse “por meio desse arco irá privar muitos nobres/ de thymós e psychḗ” (πολλοὺς γὰρ τόδε τόξον ἀριστῆας κεκαδήσει/ θυμοῦ καὶ ψυχῆς, Od. 21:153–154a) –, entendendo existir uma quase sinonímia dos termos no momento da morte; morrer, portanto, é dar o último suspiro, perdendo tanto o thymós quanto a psychḗ (CLARKE, 1999, p. 133–134). Outrossim, Clarke (1999, p. 143) dá uma interpretação um pouco diferente, que contém pontos de contato com as propostas anteriores de Onians e Bremmer, resumindo do seguinte modo seu pensamento sobre a psychḗ e sua relação com o thymós: Quando o fôlego exalado é psychḗ e o fôlego retomado é thymós, tanto a afinidade bem como a o contraste entre as duas palavras é revelado. Em seus sentidos mais simples, thymós é o que tanto é tragado como perdido; psychḗ é somente o fôlego perdido, dissipado e destruído. Segue-se que as duas palavras são passíveis de serem estendidas metonimicamente em diferentes modos. Psychḗ é associada à vida e a consciência somente para a amplitude que é um sinal de sua extensão; thymós, por outro lado, permanece não somente para aquele, mas também para a vida contida e gozada, porque é literalmente quente – é a vitalidade que é sugada para os pulmões e surge, thýnei, como que engedrando o vigor do corpo. Mas nós precisamos atentar além antes de podermos ter sucesso em nosso eventual auxílio, para ver como as psychaí volantes de Pátroclo e Heitor emergem desse padrão de imaginário e traduzem a psychḗ perdida na morte para a psychḗ que irá viver no Hades.

Para Clarke (1999, p. 143), a psychḗ, no momento que deixa o corpo, se torna um sinônimo quase idêntico ao thymós, podendo ser traduzido como o “derradeiro fôlego” (como em Il. 14:518). Isso é possível, já que ménos também significa sangue. Porém, faz mais sentido ver aqui a respiração. Isso se torna mais evidente nas duas passagens seguintes: a primeira, “Atingiu–o na zona das phrénes e do coração palpitante./ [...] Enquanto falava, o termo da morte veio cobrir-lhe os olhos/ e as narinas. E Pátroclo pôs-lhe o calcanhar no peito/ e do corpo arrancou a lança; os pulmões vieram atrás./ E assim de uma só vez arrancou dele a alma e a ponta da lança”. (ἀλλ' ἔβαλ' ἔνθ' ἄρα τε φρένες ἔρχαται ἀμφ' ἁδινὸν κῆρ./ [...] ὣς ἄρα μιν εἰπόντα τέλος θανάτοιο κάλυψεν/ ὀφθαλμοὺς ῥῖνάς θ': ὃ δὲ λὰξ ἐν στήθεσι βαίνων/ ἐκ χροὸς εἷλκε δόρυ, ποτὶ δὲ φρένες αὐτῷ ἕποντο:/ τοῖο δ' ἅμα ψυχήν τε καὶ ἔγχεος ἐξέρυσ' αἰχμήν., Il. 16:481, 502–505). Para ele, ainda, “a última linha emerge como uma chocante, mas não um

44

extravagante, imagem se nós víssemos a psychḗ como um ar sibilando do pulmão perfurado” (CLARKE, 1999, p. 135). Onians (1951, p. 94, nota 5), por outro lado, entende que a psychḗ não tem qualquer relação com o peito ou pulmões (e, consequentemente, com a respiração neles), como sugerido por Clarke. A segunda encontra-se no trecho seguinte: “Depois Menelau trespassou Hiperenor, pastor de povos, no flanco, e o bronze fez sair para fora as entranhas, ao trespassá-lo; a psychḗ escapou-se depressa pela ferida aberta e a escuridão cobriu-lhe os olhos”. (Ἀτρεΐδης δ' ἄρ' ἔπειθ' Ὑπερήνορα ποιμένα λαῶν / οὔτασε κὰλ λαπάρην, διὰ δ' ἔντερα χαλκὸς ἄφυσσε/ δῃώσας: ψυχὴ δὲ κατ' οὐταμένην ὠτειλὴν / ἔσσυτ' ἐπειγομένη, τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψε, Il. 14:516–519). Sobre a perda da psychḗ na morte, há os trechos nos quais o guerreiro sempre perde algo na guerra, como os homens que estão em guerra são descritos como “perdendo a suas psychaí” (Il. 13:763). Clarke conclui que: A partir dessa conexão, nós podemos começar a definir psychḗ como um suspiro do fôlego expirado que é frio, vaporoso e insubstancial. Isso ajuda a explicar por que o último fôlego deve ser descrito tanto como thymós como psychḗ: a primeira palavra refere-se à qualidade quente, vital, que foi extinguida pela morte; a segunda refere-se à qualidade fria, evanescente, da morte e de sua própria extinção. Isso faz sentido do mesmo jeito que no desmaio o fôlego expirado deve ser psychḗ, frio e sem vida, mas o fôlego inalado do retorno da vida e consciência era sempre dado pela quentura, vigor e vitalidade do thymós. (CLARKE, 1999, p. 147).

Já Onians (1951, p. 93) vê um uso retórico, que não reflete a realidade do comportamento do thymós.133 Bremmer entende como uma influência do conceito de psychḗ sobre o de thymós,134 como em Il. 5:696-698: τὸν δ᾽ ἔλιπε ψυχή, κατὰ δ᾽ ὀφθαλμῶν κέχυτ᾽ ἀχλύς: αὖτις δ᾽ ἐμπνύνθη, περὶ δὲ πνοιὴ Βορέαο ζώγρει ἐπιπνείουσα κακῶς κεκαφηότα θυμόν. a psychḗ o deixou e uma névoa se derramou sobre os olhos. Novamente respirara, o sopro de Bóreas reanimou, respirando com dificuldade, expirara o thymós.

133

Para ele, o movimento de saída brusca do corpo é costumeiramente uma descrição da psychḗ (cf.). Um exemplo disso é quando a lança é retirada da coxa da Sarpedão e sua psychḗ o deixa, mas, respirando novamente, seu thymós é recuperado (Il. 5:696). Cf. também Od. 5:468 (ONIANS, 1951, p. 45). 134 Bremmer (1983, p. 56) afirma que “o conceito [de thymós deixando o corpo] deve ter sido influenciado pelo conceito de psychḗ”.

45

Já Clarke entende que nesses casos, especificamente na morte de animais e a saída do thymós, é descrito dessa forma porque ela é mais forte que a dos humanos, por isso o thymós é descrito como “voando”, diferentemente da opinião de Onians e Bremmer.135 A partir dessa alternância entre thymós e psychḗ como último fôlego, Clarke (1999, p. 138) explica uma curiosa e debatida passagem, encontrada em Il. 7:129–131, em que o thymós é descrito saindo em direção ao Hades. Ele sugere que Homero ignorara os outros contextos nos quais é a psychḗ que vai ao Hades, entendendo que o uso exclusivo de psychḗ nessa fórmula não é rígida, podendo variar pelos motivos expostos anteriormente. 3.5. O Thymós e as Psychaí no Hades (Od. 11) A partir do que foi visto acima, aparentemente nenhum membro do aparato mental, em especial o thymós, sobrevive à morte, não indo, como a psychḗ, ao Hades. Entretanto, o décimo-primeiro canto da Odisseia relata algo curioso que ocorre com uma personagem, o adivinho Tirésias.136 Quando Odisseu encontra Circe, essa o instrui (Od. 10:500540) sobre a viagem que ele deveria empreender até a borda do mundo, além do Oceano, para que, ali, ele cavasse uma vala e performasse um sacrifício de alguns animais e uma libação de sangue e vinho, dedicadas aos mortos, atraindo assim a presença das psychaí que habitavam o Hades. Elas, mudas, tentariam se aproximar do sangue derramado no chão para bebê-lo, mas Circe instrui também Odisseu para que ele não as permitisse fazer isso antes de Tirésias ser consultado por ele. O adivinho deveria instruir o héroi sobre o seu retorno a Ítaca. Destaca-se a descrição de Tirésias dada por Circe: ἀλλ' ἄλλην χρὴ πρῶτον ὁδὸν τελέσαι καὶ ἱκέσθαι εἰς Ἀΐδαο δόμους καὶ ἐπαινῆς Περσεφονείης, ψυχῇ χρησομένους Θηβαίου Τειρεσίαο, μάντιος ἀλαοῦ, τοῦ τε φρένες ἔμπεδοί εἰσι: τῷ καὶ τεθνηῶτι νόον πόρε Περσεφόνεια, οἴῳ πεπνῦσθαι, τοὶ δὲ σκιαὶ ἀΐσσουσιν.

135

Cf. CLARKE, 1999, p. 152–153. Tirésias (em grego Teiresías) é um adivinho cego, citado algumas vezes na Odisseia. Ele é indicado por Circe, no canto 10, para ser consultado por Odisseu em sua descida ao Hades, o que ocorre no canto 11. Segundo os mitógrafos e tragediógrafos posteriores, ele não somente participou das histórias de Odisseu, mas também do nascimento de Hércules, da vida de Édipo e Narcíso. Pensa-se que ele seja uma incorporação mitológica de alguém não-ordinário (cego) que possui algum dom (adivinhação). Para mais informações, cf. GRIMMAL, 2005, p. 450– 451; GRAVES, 1960. 136

46

Mas é preciso cumprires, primeiro, outra viagem e chegares até o palácio de Hades e da pavorosa Perséfone, para que possas consultar a psyché do tebano Tirésias, adivinho cego, cujas phrénes estão intactos. A ele também Perséfone deu conservar o nóos mesmo depois de ser morto; as demais psychaí esvoaçam quais sombras. (Od. 10:490-495)

Como é possível perceber, Tirésias possuía as phrénes intactas, o nóos dado por Perséfone e, a ele somente, a capacidade de pepnŷsthai, isto é, “ser sábio”, mesmo estando morto, coisas que não foram permitidas para as demais almas, equiparadas a meras sombras.137 Portanto, ele é o único que tem consciência e inteligência (phrénes e nóos) e que pépnytai (respira ou tem fôlego, tornase sábio). Como as demais psychaí, a psychḗ da mãe de Odisseu, Anticleia, não possuía esses atributos. Nessa espécie de nékyia (consulta aos mortos) e katábasis (descida ao Submundo), Odisseu encontra também as psychaí de Elpenor, seu companheiro, e de sua mãe, Anticleia. Aquele não precisou beber o sangue para falar com Odisseu; já essa, muda como as outras psychaí, tenta se aproximar do líquido, mas Odisseu não a permite fazer isso (Od. 11:84-89). Após ter consultado o adivinho, Odisseu vê novamente a psychḗ de sua mãe se aproximar e beber do sangue (Od. 11:150-154), recuperando assim a capacidade de falar. Em um trecho dela, Anticleia descreve o momento da morte, usando as seguintes palavras (Od. 11:218–222): ἀλλ᾽ αὕτη δίκη ἐστὶ βροτῶν, ὅτε τίς κε θάνῃσιν: οὐ γὰρ ἔτι σάρκας τε καὶ ὀστέα ἶνες ἔχουσιν, ἀλλὰ τὰ μέν τε πυρὸς κρατερὸν μένος αἰθομένοιο δαμνᾷ, ἐπεί κε πρῶτα λίπῃ λεύκ᾽ ὀστέα θυμός, ψυχὴ δ᾽ ἠύτ᾽ ὄνειρος ἀποπταμένη πεπότηται. É a lei que está estabelecida para os mortais, quando morrem. Pois os músculos já não seguram a carne e os ossos, Mas vence-os a força dominadora do fogo ardente, Quando o thymós abandona os brancos ossos E a psyché, como um sonho, batendo as asas se evola.

Sobre os trechos acima, Onians afirma que: O profeta Tirésias, apesar de morto, aparentemente não havia sido cremado e retinha seus órgãos e inteligência. [...] As psychaí, podemos notar, de Elpenor e Pátroclo, cujos corpos permaneceram sem cremação, tinham consciência e falavam com Odisseu e Aquiles, do mesmo modo que Tirésias o fez com Odisseu, apesar de as

137

Cf. ONIANS, 1951, p. 59–60, 66.

47

outras psychaí, cujos corpos tinham sido presumivelmente cremados, não falassem ou mostrassem sinal algum de reconhecimento em relação a Odisseu, até que provassem do sangue e então recebessem o fôlego, o thymós, para aquela ocasião. Pois, como temos visto, o fôlego, thymós, era concebido como um vapor em conexão com o sangue. (Onians, 1951, p. 60–61).

Essa suposição, a recuperação momentânea do thymós por algumas almas no Submundo, formulada explicitamente por Onians, é exclusiva dele, não sendo encontrada em nenhum dos autores analisados neste trabalho (Bremmer e Clarke). Algo perto disso foi afirmado por Nagy afirmara ter havido uma sinonímia entre os termos que compõe o aparato mental (acrescido de psyché) em diversos lugares da Ilíada e da Odisseia, conforme visto anteriormente.138 Entretanto, quando ele explica que essa sinonímia se encontrava também no episódio de Tirésias nos domínios de Hades (Od. 11), ele diz algo próximo do pensamento, exposto há pouco, de Onians: Excepcionalmente, a restauração da sinonímia para thymós/ménos/psychḗ pode ter ocorrido no próprio Hades. A psyché do vidente Tirésias (Od. 10:492) é descrita como a única no Hades a ser dotada de phrénes (Od. 10:493), que, como vimos, é a localização física do thymós e do ménos. Consequentemente, a psyché de Tirésias é a única no Hades que reconhece Odisseu sem ter de beber o sangue (Od. 11:91). Para ser constratado são as outras psychaí que, conforme a regra, são aphradḗs, “sem faculdades”, (Od. 11:476), exceto quando elas bebem a libação de sangue (Od. 11:147-149). A razão de eu chamar a atenção para esse ponto é excepcionalidade da psyché de Tirésias quanto a outra palavra crucial, que serve para explicar o porquê de Tirésias ter tido phrénes até mesmo no Hades: Pérsefone tinha-lhe dado nóos (Od. 11:494). Essa palavra, que aqui epitomiza a sinonímia de thymós/ménos/psyché, é a regra usada pela dicção homérica para designar o domínio somente das funções racionais, enquanto que thymós é usado para designar o domínio tanto das funções racionais quanto das emocionais. (NAGY, 1990, p. 90).

Os ritos de inumação e cremação, praticados pelos gregos arcaicos e presentes nas obras de Homero, serviam possivelmente tanto para preservar as honras do morto como para ajudar a sua transição ao Hades (BREMMER, 1983, p. 89). Pátroclo pede, em sonho, a Aquiles para que ele fosse cremado, pois não poderia cruzar o rio até o Hades se não tivesse seus ritos performados (Il. 23:72–6). Na Odisseia, Elpenor, que ainda não tinha sido sepultado, não necessitou de beber do sangue para falar: ele estava morto, mas não tinha se transformado em uma sombra completa (Od. 11:51–83) (BREMMER, 1983, p. 90).

138

Cf. acima, p. 15.

48

3.6. A Psychḗ como Alma Unitária Os gregos conceberam o conceito unitário de alma muito depois da Ilíada e da Odisseia. Mas, apesar de não pertencer diretamente ao escopo deste trabalho, uma ligeira abordagem sobre esse assunto tem a sua importância porque, segundo alguns pesquisadores – dentre os quais encontra-se Bremmer –, o desenvolvimento da alma unitária havia sido iniciado já na época arcaica. Por isso, é possível que haja reflexos dela nas obras homéricas. Hultkrantz diz que os muitos povos antigos tiveram seu conceito de alma-livre absorvido pelo conceito de alma-fôlego: A alma-fôlego é uma alma de grandes possibilidades: Ela é ao mesmo tempo material e imaterial, atada à matéria e ainda livre. [A alma-fôlego e a alma-livre], ambas, são imateriais e instáveis. Do ponto de vista psíquico, a concepção de alma-livre é obviamente idêntica à concepção da imagem-memória da pessoa morta, projetada em uma realidade sobrenatural; e a aérea e etérea forma do falecido é como uma condensação do fôlego humano. A alma sobrevivente e a alma-fôlego, assim, têm qualificações que favorecem um encontro e um amalgamação. Mas a fusão toma lugar somente quando a situação é adequada para isso – quando especulação se inicia ou uma frente dualística tinha se tornado fraca. [...] Parece provável que a alma-vida, em seu caráter de alma-fôlego, emancipou-se de suas funções físicas imediatas e, em consequência de sua consistência aérea, foi assimilada e finalmente absorvida na concepção da alma-livre. (HULTKRANZ, 1953 apud BREMMER, 1983, p. 23).

Assim, a alma-livre “original” fora absorvida pela alma-fôlego (forma como Arbman chamava a alma-vida), que, por sua vez, se desenvolveu em uma alma unitária em torno da própria concepção de alma-livre. Bremmer (1983, p. 23-25, 54, 66) diz que a psychḗ, como princípio de vida ou alma-vida arbmaniana na época de Homero e Hesíodo, já começava a ter ligações com percepções, pensamentos e sentidos, funções que eram originalmente do thymós, relacionada a alma-fôlego arbmaniana. Entretanto, a transição de fato ocorreu com os poetas líricos, especialmente Píndaro (século V a.C.): Por volta do século quinto a.C., os gregos tinham mudado e confundido completamente suas concepções de psychḗ e thymós, de modo que psychḗ, cujo significado originalmente era a alma-vida vaporosa associada particularmente à cabeça, viera a incluir o thymós no peito, e a identidade original de thymós com o fôlego físico foi obscurecida. (ONIANS, 1951, p. 168)

Esse poeta se refere ao thymós e aos órgãos que estavam no peito ainda como sedes do pensamento e sentimentos, mas atribui também as características e comportamentos que são

49

próprios desses termos para a psychḗ, fazendo com que essa seja um membro pleno do aparato mental.139 Os pensadores posteriores, como Platão, Aristóteles e Epicuro disputaram quanto a localização da consciência, se na cabeça, coração, peito respectivamente, o que evidenciaria o desarranjo da dualidade de outrora de psychḗ e thymós e a fusão dessas em uma alma unitária.140 Há, todavia, nessa literatura filosófica tardia resquícios do uso homérico de thymós: no Timeu (69d), Platão141 afirma que a psychḗ mortal, criada pelo demiurgo, continha “a paixão, difícil de apaziguar” (θυμὸν δὲ δυσπαραμύθητον)142 que se localiza na região acima do diafragma, 143 semelhante à localização homérica proposta por Onians. Paralelos desse desenvolvimento pode ser encontrado em diversas culturas antigas (atabascana, indiana, estoniana, finlandesa, russa, woguliana, latina e grega).144 Nos textos védicos indianos, por exemplo, o conceito de alma (ātman, puruṣa) foi precedido “por uma dualidade, onde os atributos escatológicos e psíquicos da alma não tinham sido misturados ainda”.145 Esse entendimento é compartilhado por Onians, que, apesar de não tratar da alma unitária de forma detalhada em sua obra,146 disse que: A psychḗ gradualmente cessou de ser meramente a vida ou alma-vida, tal como era em Homero e Hesíodo etc, e começou a ser concebida e dita como relacionada à percepção, pensamento e sentimento, que eram passados anteriormente como ocupação do thymós, phrénes e kē̂r no peito. Nela, como uma entidade singular, vida e consciência – que anteriormente eram divididas, concentradas na cabeça e peito, respectivamente na psychḗ e thymós – estão agora unidas. (Onians, 1951, p. 116)

Um dos motivos que levou Bremmer a entender que já havia na Época Arcaica esse desenvolvimento são as lendas sobre pessoas cujas almas vagavam durante o transe, o que lançaria a suspeita desse aspecto da alma-livre ter existido na época homérica.147 Para Dodds,

139

Cf. CLARKE, 1999, p. 303–312. Cf. ONIANS, 1951, p. 117. 141 Apud ONIANS, 1951, p. 119. 142 Cf. PLATÃO, 2011, p. 170. 143 Cf. ONIANS, 1951, p. 119. 144 Cf. Ibid., p. 23. 145 Cf. Ibid., p. 9. 146 Cf. ONIANS, 1951, p. 117–119. 147 Cf. DODDS, 1951 apud BREMMER, 1983, p. 25. 140

50

no entanto, o novo desenvolvimento na relação entre o corpo e a alma no final da Era Arcaica se deu por causa da colonização e comércio que fizeram com que os gregos tivessem contato com a cultura xamanista dos cítas do Mar Negro, no século VII a.C. (BREMMER, 1983, p. 2325). Sobre o desenvolvimento que ocorrera entre os gregos antigos, há alguns pontos que devem ser destacados. Antes de Homero, os gregos provavelmente tinham uma palavra para a alma-livre e, segundo Bruno Snell, não possuíam ainda um conceito unitário de alma. 148 Essa, gradualmente, foi sendo substituída pela “alma-vida”, identificada com a psychḗ ou “fôlego”, ao mesmo tempo que começava a perder a sua “pura função física”. Em Homero, esse processo estava desenrolando-se: a psychḗ já havia absolvido o papel da alma-livre (no seu aspecto de alma dos mortos), mas não tinha perdido todas as suas conexões com sua função original como alma-fôlego. Muitos séculos viriam ainda para que a psychḗ se desenvolvesse em uma alma completamente unitária. (BREMMER, 1983, p. 23-25). Depois do final do quinto século, não havia mais o complexo conceito dualístico da alma: a alma-livre representando a individualidade no sono, desmaio e transe sem qualquer contato com as almas-ego: thymós, nóos e ménos149 Isso não significa dizer que, em algumas partes da Grécia, elementos da “primitiva” crença da alma não devessem ter sido prolongados. Na Europa moderna, elementos da primitiva crença da alma ainda persistem em histórias de bilocalização e de almas que vagueiam durante o sono. Isso significa, porém, que, se estes elementos persistiram, existiram simultaneamente os conceitos de alma dualística e o da alma unitária; esse, porém, já ausente no período anterior à reflexão sistemática sobre a alma. (BREMMER 1983, p. 69).

148 149

Cf. SNELL, 1931 apud BREMMER, 1983, p. 8. Cf. BREMMER, 1983, p. 69.

51

4. A Aplicabilidade das Teorias Apresentadas Tendo sido mostradas as propostas de três importantes pesquisadores (Onians, Bremmer e Clarke) sobre as concepções da consciência em Homero, especialmente as definições do thymós, sua relação com os outros termos do aparato mental, a psychḗ, a morte e os domínios de Hades, será visto agora como essas teorias e explicações foram referendadas pelas renomadas obras The Iliad: a Commentary, editado por G. S. Kirk, e A Commentary on Homer’s Odyssey, cujo editor principal é Alfred Heubeck, O propósito disso é saber se os comentaristas usaram as teorias propostas em suas exegeses dos versos homéricos, se elas contribuíram para um entendimento mais apurado de como se comportava o aparato mental homérico, em geral, e o thymós, em particular, e como essas interpretações encaixam-se no contexto maior da Ilíada e da Odisseia. Kirk (1999, p. 379–380), em seu comentário sobre o verso Il. 16:481, afirma explicitamente aceitar as proposições dos autores tratados neste trabalho sobre as phrénes e o thymós, entendendo-os respectivamente como “pulmões” e “fôlego”. Já Heubeck (1990, v. 1, p. 368), ao discutir a passagem Od. 8:320 e citando explicitamente Bremmer, diz que o thymós é a sede da paixão e as phrénes, do sentido e da razão.150 Ele, porém, não se restringe às definições acima, dizendo também que thymós significa “fumaça”, tomando como base a palavra latina fumus, e psychḗ, “espírito”.151 Ainda segundo Heubeck (1990, v. 2, p. 90), o que se reflete por trás da palavra psychḗ utilizada na fala de Anticleia (Od. 11:216-224) é o conceito de alma proposto por Böhme, precursor das ideias de Onians e Bremmer.152 Richardson (2001, p. 86), comentando o verso Il. 21:386, diz que a palavra thymós ali presente pode ser denominada por “espírito–fôlego”. Kirk (2001a, p. 347), ao comentar a passagem Il. 4:152–154, diz que o termo grego pode ser chamado também de “alma-fôlego”. Ao comentar o verso Il. 4:524, ele também diz que a expressão ali, θυμὸν ἀποπνείων (“exalando [seu] thymós”), evidencia o significado básico de thymós como simples “fôlego”153 ou “alma-fôlego”,154 mostrando que as definições

150

Ao comentar sobre Od. 4:809, Heubeck afirma que possivelmente havia, na época homérica, a crença que a psychḗ podia sair de alguém e vaguear por lugares (cf. HEUBECK; WEST; HAINSWORTH, 1990, p. 243–244). 151 JANKO, 1999, p. 253. Ele cita Bremmer para embasar essas definições. 152 Cf. ONIANS, 1951, p. 24 (nota 4); BREMMER, 1983, p. 8 (nota 11). 153 NAGY, 1990, p. 89–90. 154 Sobre Il. 1:193–194, cf. HAINSWORTH, 2000, p. 396.

52

presentes dos comentários da Ilíada são bem próximas daquelas de Onians e Bremmer e distantes daquela de Clarke. Segundo Kirk ainda, esses significados são reforçados quando se atenta para algumas expressões encontradas em trechos como Il. 4:148–152 – em que mostra Menelau se desfalecendo, após ser ferido na batalha, e se recuperando logo em seguida; sua recuperação é descrita como tendo “seu thymós agregado em seu peito novamente” (οἱ θυμὸς ἐνὶ στήθεσσιν ἀγέρθη, v. 154b)155 – e Il. 22:475 – na qual Andrômaca recupera seu thymós após um desmaio.156 Apesar de estar próximo de Onians e Bremmer nesses pontos acima, Kirk se aproxima de Clarke em outros pontos de seus comentários, quando afirma, por exemplo, que o aparato mental homérico era impreciso, já que thymós poderia significar não somente “fôlego”, mas “fúria” (Il. 1:192), “coração”, “mente” ou até mesmo algo mais próximo à phrḗn (“inteligência”, como na fórmula κατὰ φρένα καὶ κατὰ θυμόν, encontrada diversas vezes nos poemas homéricos – Il. 1:193, 18:15, Od. 24:349 etc).157 Conforme os comentaristas, esse uso alternado por termos diferentes se deve à flexibilidade formular dos próprios poemas. Ela era uma ferramenta frequentemente usada pelo bardo para expor um motivo ou uma ideia de seu interesse em diversos versos, sem, contudo, fazer repetições exatas de frases. Por exemplo, quando ele intentara expor o motivo da causa da morte, advinda sobre um guerreiro ferido na batalha, o bardo se utilizava da imagem da psychḗ saindo através da ferida ocasionada pela arma que o atacara.158 Isso pode ser visto no momento da morte de Sarpedão, quando Pátroclo lhe perfura o peito e tira-lhe a psychḗ (Il. 16:502–505), que é imaginada como um fôlego que sai dos pulmões (Il. 16:481). Esse padrão (morte que acompanha a remoção da arma cravada no corpo do inimigo) é encontrado também em Il. 13:574, onde ocorre a remoção da arma somente, e 14:518, onde a remoção da arma é seguida pela saída da psychḗ.159 Já nas mortes de Pátroclo e Heitor, esse padrão também existe, mas é ligeiramente modificado (16:862

155

JANKO, 1999, p. 379–380. KIRK, 2001, p. 347. 157 Id., 2000, p. 73. 158 Sobre Il. 14:517–519, cf. Id., 1999, p. 224. 159 JANKO, 1999, p. 381. 156

53

e 22:367), quando as almas (psychḗ) de ambos são descritas saindo antes da retirada da lança de seus corpos.160 Sobre o próprio termo psychḗ, ele é tampouco rigorosamente repetido nos outros relatos de igual motivo, mas são usados outros termos que têm uma relação semântica com psychḗ, como thymós (fôlego) e aiṓn (vitalidade).161 Por exemplo, em Il. 5:695–698 é mostrada a perda dos sentidos de Pélagon, ocasionada pela saída tanto da psychḗ como do thymós, descritos por frases parecidas, ἔλιπε ψυχή, “a psychḗ [o] deixou” (v. 696) e κεκαφηότα θυμόν, “tendo arfado o thymós” (v. 698).162 Em outras passagens é possível verificar isso de forma mais aguçada, como quando os termos psychḗ, aiṓn e thymós são usados como “equivalentes funcionais” em passagens construídas de forma praticamente idêntica: λίποι αἰὼν, “o aiṓn [o] deixaria” (Il. 5:685 = Od. 7:224), ψυχὴ λίποι, “a psychḗ [o] deixaria” (Od. 18:91) e λίπε θυμός, “o thymós [o] deixou” (Il.4.470).163 Na perícope da fala de Anticleia no Hades aparecem a saída do thymós e da psychḗ: o primeiro termo aparece em uma frase semelhante a que vimos há pouco, “λίπῃ λεύκ᾽ ὀστέα θυμός”, “o thymós deixaria os brancos ossos” (Od. 11:221); já o segundo, o verbo da frase na qual ele aparece muda, ψυχὴ δ᾽ ἠύτ᾽ ὄνειρος ἀποπταμένη πεπότηται, “a psychḗ como um sonho afora voando esvoaça” (Od. 11:222), mas o sentido é semelhante ao do v. 221. Heubeck (1990, v. 2, p. 281), sobre Od. 16:92, comenta o uso alternado de φίλον ἦτορ, ἐνὶ θυμῷ, κατὰ θυμὸν, κατὰ φρένα, μετὰ φρεσί, ἐνὶ φρεσί conforme as acomodações métricas do verso.

Já outros termos têm seus significados primários ignorados, ao serem postos como quasesinônimos nos versos, como ocorre com psychḗ e kephalḗ em πολλὰς δ' ἰφθίμους ψυχὰς Ἄϊδι προΐαψεν, “muitas fortes psychaí ao Hades enviou” (Il. 1:3) e em πολλὰς ἰφθίμους κεφαλὰς Ἄϊδι προϊάψειν, “muitas fortes kephalaí ao Hades ter enviado” (Il. 11:55) respectivamente.164 Isso ocorre também com o motivo da expiração no momento da morte: a expressão usada para isso, ἄϊον ἦτορ, “expirou o ē̂tor”, em Il. 15:252–253, é paralela às frases ψυχὴν ἐκάπυσσε,

160

JANKO, 1999, p. 381. KIRK, 2000, p. 128. 162 KIRK, 2000, p. 128. 163 JANKO, 1999, p. 377. 164 KIRK, 2001, p. 53. 161

54

“expirou a psychḗ” (Il. 22:467), θυμὸν ἀποπνείων, “exalou o thymós” (Il. 13:654) e θυμὸν ἄϊσθε, “soprou o thymós” (Il. 20:403 ≈ Il 16:468). É perceptível, portanto, as referências a Onians e Bremmer na formulação dos significados semânticos dos termos do aparato mental, proposta pelos comentaristas, que é baseada nas crenças anímicas dos povos antigos, estudada e sistematizada por Arbman e seus discípulos. Porém, é igualmente patente a adoção, entre os comentaristas, do entendimento de que havia o uso funcional dos membros do aparato mental e da psychḗ pelos épicos homéricos, conduzido pelas regras da métrica ou da imaginação do bardo e de sua tradição.

55

Conclusão Ao longo deste trabalho, foram vistas exaustivas análises sobre a consciência homérica, em geral, e sobre o thymós, em particular, feitas por diversos pesquisadores, tendo sido dado destaque àquelas feitas por Onians, Bremmer e Clarke. Apesar das divergências entre diversos aspectos das propostas de Onians e Bremmer, de um lado, e das de Clarke, por outro, é perceptível a relevância de todos eles para um entendimento mais completo dos diversos conceitos do mundo homérico apresentados nos capítulos anteriores – como a relação entre o aparato mental (em especial do thymós) e da psychḗ e os significados gerais e especializados de cada um desses termos ao longo dos poemas; a atuação do thymós e da psychḗ no homem vivo e no morto nos domínios de Hades; a recuperação temporária do thymós por Tirésias no episódio da nekýia de Odisseu (Od. 11); etc. Os comentaristas, portanto, não se preocuparam com as divergências dos pesquisadores, mas com a utilização de suas teorias como complementares, compositoras do quadro maior do thymós, do pensamento, do Homem e da vida em Homero.

56

Referências Bibliográficas BREMMER, Jan N. The Early Greek Concept of the Soul. New Jersey: Princeton University Press, 1983. CASWELL, Caroline. P. A study of “thumos” in early Greek epic. Boston: Brill Academic Publishers, 1990. CHANTRAINE, Pierre. Dictionnaire étymologique de la langue grecque: Histoire des mots. Paris, 1977. CLARK, Matthew. Formulas, Metre and Type-scenes. In: FOWLER, R. (Ed.). The Cambridge Companion to Homer. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 114–138. CLARKE, Michael. Flesh and Spirit in the Songs of Horner: A Study of Words and Myths. Oxford: Clarendon Press, 1999. DODDS, E. R. The Greeks and the Irrational, California: University of California Press, 1951. GRAVES, Robert. The Greek Myths. London: Folio Society, 2005. GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Tradução: Victor Jabouille. 5a edição. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2005. HAINSWORTH, Bryan; KIRK, Geoffrey S. (Ed.). The Iliad: a Commentary: Volume III: books 9-12). 3ª edição. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. HEUBECK, Alfred; HOEKSTRA, Arie. A. Commentary on Homer’s Odyssey: Volume II Books IX-XVI. 2a edição, Oxford: Clarendon Press, 1990. ________________; WEST, Stephanie; HAINSWORTH, John. B. A Commentary on Homer’s Odyssey: Volume I - Introduction and Books I-VIII. Oxford: Claredon Press, 1990. HOMER. Iliad: Homeri Opera in five volumes. Oxford: Oxford University Press, 1920 (disponível em ). _______. The Odyssey with an English Translation by A.T. MURRAY, PH.D. in two volumes.

57

Cambridge: Harvard University Press; London, William Heinemann, Ltd. 1919 (disponível em ). HOMERO. Odisseia. Tradução e prefácio: Frederico Lourenço. Introdução e Notas: John Knox. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2011. ________. Ilíada. Tradução e prefácio: Frederico Lourenço. Introdução e Notas: Peter Jones. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2013. HOSE, Martin; SCHENKER, David. A Companion to Greek Literature. 1a edição. Oxford: Wiley-Blackwell, 2015. JANKO, Richard; KIRK, Geoffrey. S. (Ed.). The Iliad: a Commentary: Volume IV - Books 1316. 3a edição. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. KIRK, Geoffrey S. The Iliad: a Commentary: Volume II: books 5-8. 4a edição ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. _______________. The Iliad: a Commentary: Volume I: books 1-4. 7a edição ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. LIDDELL, H. G.; SCOTT, R.; JONES, H. S. A Greek-English Lexicon. Oxford: Clarendon Press, 1990. LUBOTSKY, Alexander. Etymological Dictionary of Greek (Volumes I and II). Leiden: Leiden University Press, 1999. NAGY, Gregory. Greek Mythology and Poetics. New York: Cornell University Press, 1990. ONIANS, Richard. B. The Origins of European Thought: about the Body, the Mind, the Soul, the World, Time, and Fate. 8a edição. Cambridge: Cambridge University Press, 1951. PLATÃO. Timeu-Crítias: Tradução, introdução, notas e índices: Rodolfo Lopes. 1a edição ed. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2011. PROBERT, Philomen. Early Greek Relative Clauses. Oxford: Oxford University Press, 2015.

58

RICHARDSON, Nicholas. The Iliad: a Commentary: Volume VI: books 21-24. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. ROHDE, Erwin. Psyche, the Cult of Souls and Belief in Immortality Among the Greeks. London, 1925. RUPPENTHAL NETO, Willibaldo. A Psyché entre os Gregos: do Mito Homérico às Concepções Pré-socráticas. (Trabalho de Conclusão de Curso - Licenciatura em História). Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2014. RUSSO, Joseph; SIMON, Bennett. Homeric Psychology and the Oral Epic Tradition. Journal of the History of Ideas, v. 29, n. 4, p. 483–498, 1968. SNELL, B. The Discovery of The Mind: The Greek Origins of European Thought. 8a edição. Cambridge: Havard University Press, 1953. ______, Bruno. Homer’s View of Man. In: JONG, Irene J. F. DE (Ed.). Homer: Critical Assessments. 1a edição, Nova Iorque: Routledge, v. 2, 1999. SOUZA, Luciano F. de. Crátilo (Platão): Estudo e Tradução. [s.l.] Universidade de São Paulo, 2010. SULLIVAN, S. D. Psychological Activity in Homer: A Study of Phren. Ottawa: Carleton University Press, 1988. VIDAL-NAQUET, P. O Mundo de Homero. Tradução Jônatas Batista Neto. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. WALLACE, Wes. Psychological concepts in prehistoric Greece. In: WHITAKER, Harry (Ed.); PERNASKI, Casey (Ed.). Approaches to a History of Western Psychology. 4a edição (2016). p. 22–53. Licensiado por Creative Commons Attribution-NonCommercialNoDerivatives

4.0

International

License

(disponível

).

em

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.