O trabalhador do corte de cana no Norte Pioneiro do Paraná_o fim da atividade e os sentidos do trabalho, Luciano Rodrigues-Filho

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

LUCIANO FERREIRA RODRIGUES FILHO

O TRABALHADOR DO CORTE DE CANA NO NORTE PIONEIRO DO PARANÁ: O FIM DA ATIVIDADE E OS SENTIDOS DO TRABALHO

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO 2015

LUCIANO FERREIRA RODRIGUES FILHO

O TRABALHADOR DO CORTE DE CANA NO NORTE PIONEIRO DO PARANÁ: O FIM DA ATIVIDADE E OS SENTIDOS DO TRABALHO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação do Prof. Dr. Odair Furtado.

SÃO PAULO 2015

RODRIGUES-FILHO, Luciano Ferreira. O trabalhador do corte de cana no Norte Pioneiro do Paraná: o fim da atividade e os sentidos do trabalho. São Paulo, 2015. 209 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Orientador: Prof. Dr. Odair Furtado Descritores: 1. Psicologia Social 2. Cortador de cana 3. Trabalho 4. Atividade 5. Dimensão Subjetiva da Realidade

O TRABALHADOR DO CORTE DE CANA NO NORTE PIONEIRO DO PARANÁ: O FIM DA ATIVIDADE E OS SENTIDOS DO TRABALHO

LUCIANO FERREIRA RODRIGUES FILHO

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Odair Furtado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

Prof. Dr. José Agnaldo Gomes Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

Profª. Drª. Rosemeire Aparecida Scopinho Universidade Federal de São Carlos - UFSCar

Dedico este trabalho aos meus avós Nelson e Antonia, que contribuíram com suas histórias de vida no mundo sertanejo.

AGRADECIMENTOS Devo agradecer a todos os trabalhadores envolvidos nesta pesquisa, direta ou indiretamente, sem eles não seria possível conhecer os caminhos traçados por esta dissertação. Suas histórias, atividades, causos, angústias, piadas e aventuras, todos os detalhes foram concedidos com humildade e simplicidade. Ao meu amigo, mestre e orientador: Odair Furtado. Ainda sem as palavras certas para descrever este exemplo de pessoa, soube ensinar os mínimos detalhes utilizando-se de histórias, exemplos e ciências com o maior domínio de conhecimento por mim já visto. É uma história viva da psicologia no Brasil, seus causos de vida, militância e coordenação foram bases para a minha compreensão sobre um projeto ético-político de atuação na psicologia e no mundo. A banca examinadora: Prof. Dr. Odair Furtado, Prof. Dr. José Agnaldo Gomes e a Profª. Drª. Rosemeire Aparecida Scopinho por terem se dedicado na leitura e correções desta dissertação. À Gabriela, com você passei duros momentos até a conclusão deste trabalho, e com você, consegui passar por todos. Com você passei momentos de muita inspiração, felicidade, ternura e amor. Não poderia existir uma pessoa tão especial em minha vida como você, espero passar muitos outros momentos ao seu lado. Aos meus pais: Luciano e Néia, que me apoiaram em todas as decisões da minha vida, sempre incentivando nas muitas loucuras que se passa nesta cabeça, foram eles o porto seguro para as decisões tomadas perante as dúvidas e sempre serão. Em especial: a minha irmã Alessandra e ao meu cunhado Patrick, pelo pouso nos momentos de canseira, pelas noites tranquilas em dias de tormenta, pelo alimento nos dias de barriga vazia, pelas boas conversas à volta da mesa, pelos passeios, pelas sinucas etc. Esta dissertação tem um pouco de vocês em cada página, somos parte destes trabalhadores que batalham todos os dias, mesmo que tenhamos que dividir com muitos outros desconhecidos. Aos meus avós: Dona Antonia e Sr. Nelson, pelos profundos diálogos de ensino sobre a vida, meus filósofos. Souberam me mostrar à arte da verdade, humildade e amor. História viva do trabalho rural, história viva de um cotidiano marcado pela sobrevivência a base de marmita em meio às leiras de café e muito

trouxa lavada à beira do riacho. Sem seus aportes não seria possível sair uma única letra deste trabalho. Aos parentes e familiares: tia Maria, Paula, Priscila, tia Sidy, Daniela, Natália, Olívia, tio Wilson, tio Odilon, ao Átila, a Sônia, aos vizinhos, uns "par de gente" que contribuiu e deu força nesta jornada. A Ana Clara pelo olhar crítico da Língua Portuguesa. Aos amigos do NUTAS, são muitos: não irei citá-los para não correr o risco de esquecer uma única alma viva que contribuiu e contribui com o meu conhecimento, sem vocês não seria possível pensar construir uma pós-graduação. Todos com seus trabalhos de engajamento político, teórico e prático serviram de modelos para fundamentar um estilo prático de atuação profissional, com vocês aprendi a cantar. Aos meus professores, todos eles que me ensinaram sobre a psicologia, que me mostraram a luz, alguns com um pouco de conflito, outros com mais amizade, mas, sem exceção, contribuíram para que este sonho se tornasse uma realidade. Aos amigos de usina: Marcela, Filipe (Lúcia e Gabizinha), Almeida, Luiz Henrique, Douglas, Sr. Carlos, Magrão, Paulo Misquevis, Ricardo, Paulo Adame, Talissa, Clodoaldo, Edson, entre muitos outros que me ajudaram a explicar e ensinar todos os detalhes do funcionamento da coisa. As quintas de muitas picanhas e falação da vida dos outros. A todas as toras, pedras e impurezas que caíram na moenda, a todos os momentos que faltou cana, motorista e gente para entrevistar. A estes agradeço de coração. Éééé, árvore. Ao CAPES e CNPq, pela bolsa de pesquisa nestes anos de estudo, foram essenciais para as passagens, alimentações, livros etc.

Não me proponho escrever uma ode ao desânimo, mas gargantear com o vigor de um galo matutino empertigado no poleiro, nem que seja apenas para acordar os vizinhos. Henry David Thoreau

Em tais momentos, porém, um indivíduo torna-se lírico, pois toda metamorfose é, em parte, um canto de cisne e, em parte, a abertura de um novo grande poema que aspira a adquirir uma postura em cores brilhantes, que estão, porém, ainda desbotadas. Marx, carta ao pai em Trier.

RODRIGUES-FILHO, Luciano Ferreira. O trabalhador do corte de cana no Norte Pioneiro do Paraná: o fim da atividade e os sentidos do trabalho. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social). Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo, 2015. 209 f.

RESUMO

A cana de açúcar faz parte da história do Brasil, sendo influência para a cultura social na identidade brasileira, foi e é matéria prima de produtos importantes para a economia do país, o açúcar e o etanol. No entanto, nos últimos anos, os canaviais do país vêm sendo mecanizados em sua colheita e plantio, resultando na diminuição da mão de obra para o corte de cana. Esta pesquisa tem por objetivo analisar as dimensões subjetivas e os sentidos do trabalho para os trabalhadores do corte de cana frente o fim de sua atividade, no Norte Pioneiro do Paraná, onde se aplica a Resolução SEMA nº 076, de 20 de dezembro de 2010 que dispõe sobre a "eliminação gradativa da despalha da cana-de-açúcar através da queima controlada", com isto, a utilização da mão de obra para o corte de cana se tornam inviável. Pautando-se na Psicologia Sócio-Histórica, que considera o sujeito constituído na relação dialética entre o sujeito e o objeto, esta pesquisa visa compreender a dimensão subjetiva, subjetividade - objetividade, para a constituição do trabalhador do corte de cana e, assim, compreender o sujeito dentro de um contexto sócio-histórico que se modifica. Para isto, foram realizadas várias conversas com trabalhadores rurais, agenciadores, sindicalistas e empresários para ser possível conhecer os determinantes que fazem a mediação com o trabalhador rural. Do mesmo modo, analisando o cenário socioeconômico do país para compreender a importância da cana de açúcar e as medidas políticas para o rumo dos trabalhadores e da produção de açúcar e etanol. Com isto, foi possível identificar o fim da atividade do corte de cana ocorrido pela mecanização dos canaviais, mas também, pelo atual contexto socioeconômico do país que favorece a migração dos trabalhadores para outras atividades, no entanto, a migração de atividade não significa o fim do trabalho precário que o trabalhador canavieiro enfrenta. O trabalhador rural e sua condição de vida legitimada pela ideologia capitalista, não encontram melhorias quanto ao trabalho, tendo eles que se submeterem a outras atividades que oferecem riscos de vida e malefícios a sua saúde, com isto, esta dissertação contribui para esclarecer que o fim de uma atividade penosa, não garante melhorias à vida do trabalhador, da mesma forma que, melhorias na condição do trabalho também não são garantias de maior dignidade no trabalho, estas, muitas vezes, são mecanismo de camuflar e manipular a expropriação do trabalhador. Palavras-Chave: Psicologia Social; Dimensão Subjetiva da Realidade; Cortador de cana; Trabalho; Atividade.

ABSTRACT

Sugar cane is part of the history of Brazil, and influence for social culture in the brazilian identity, was and is the raw material of important products for the country's economy, sugar and ethanol. However, in recent years, the cane fields of the country have been mechanized in harvesting and planting, resulting in decreased labor to cut sugar cane. This research aims to analyze the subjective dimensions and the meanings of work for cane cutting workers faced with the end of his activity in the Pioneer North of Paraná, where it applies to Resolution SEMA No. 076, of december 20, 2010 that provides for the "phasing out of straw removal of cane sugar by controlled burning" with this, the use of labor to cut sugar cane become unviable. Basing on the Socio-Historical Psychology, considering the subject is constituted in the dialectic relationship between the subject and the object, this research aims at understanding the subjective dimension, subjectivity - objectivity, for the constitution of cane cutting workers and thus understand the subject within a socio-historical context that changes. For this, outside held several conversations with rural workers, bookies, trade unionists and entrepreneurs to be able to know the determinants that mediate with the rural worker. Similarly, analyzing the socio-economic scenario of the country to understand the importance of sugar cane and the policy measures to the direction of workers and the production of sugar and ethanol. This made it possible to identify the end of the cane cutting activity occurred for the mechanization of sugarcane, but also by the current socio-economic context of the country that favors the migration of workers to other activities, however, the migration activity is not the end precarious work the sugarcane worker faces. The rural workers and their living conditions legitimized by capitalist ideology, are not as improvements to work, taking them to undergo other activities that pose risks to life and harms their health, thus, this dissertation contributes to clarify that the end a painful activity, does not guarantee improvements to the lives of workers in the same way that improvements in work conditions also are not guarantees of greater dignity at work, they often are camouflage mechanism and manipulate the expropriation of the worker. Key-words: Social Psychology; Subjective Dimension of Reality; Cane cutter; Work; Activity.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11 2. A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA COMO TEORIA PARA A PESQUISA ........ 15 2.1 Aportes teóricos da Psicologia Sócio-Histórica ......................................... 15 2.2 Consciência como reprodução social ....................................................... 20 2.3 Consciência canavieira: metodologia da pesquisa ................................... 23 3. O COTIDIANO DO CORTADOR DE CANA: a atividade ....................................... 30 3.1 Conversas sobre o fazer ........................................................................... 30 3.2 Como se define quem trabalha ................................................................. 64 3.3 Colheita de Fornecedor ............................................................................ 76 3.4 Colheita Mecanizada ................................................................................ 78 4. TERRITÓRIO DE VALORES ................................................................................ 89 4.1 O etanol como produto econômico ........................................................... 89 4.2 Entendendo a crise de 2008 ................................................................... 109 4.3 Os canaviais do Norte Pioneiro do Paraná ............................................. 123 5. ESTADO E SINDICATO ...................................................................................... 133 5.1 Trabalhadores no universo neoliberal ..................................................... 133 5.2 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho - PR...................... 137 6. O FENÔMENO CONCRETO .............................................................................. 148 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 154 8. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 160 8.1 Jornais .................................................................................................... 160 8. 2 Artigos e livros ....................................................................................... 162 8. 3 Sites ....................................................................................................... 172 8. 4 Leis, decretos e resoluções ................................................................... 173 ANEXOS ................................................................................................................. 175 Termo de consentimento livre e esclarecido................................................. 175 Conversa com Antônio.................................................................................. 176 Conversa com Zé Carlos e Iara .................................................................... 183 Conversa com Zé e o João ........................................................................... 188

Conversa com Tião ....................................................................................... 195 Conversa com Celso..................................................................................... 197 Gráficos, tabelas e figuras ............................................................................ 203

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1. INTRODUÇÃO

Exercendo o trabalho como psicólogo no setor de Recursos Humanos de uma usina de açúcar e álcool da cidade de Jacarezinho - PR foi que se teve os primeiros contatos com a atividade do trabalhador rural envolvido com o corte de cana, um contato mais íntimo sobre a condição do trabalhador rural, reconhecidos historicamente como "boias-frias" dentre outros nomes que o colocam a margem de uma sociedade com base econômica na cultura da cana-de-açúcar. O Norte Pioneiro do Paraná é referência estadual no cultivo da cana-de-açúcar, entretanto, a região ainda é marcada pela necessidade de mão de obra nas atividades de corte de cana, plantio, corte de bitucas, ou qualquer outra atividade dentro da organização que não tenha como requisito maiores conhecimentos técnicos. Nesse cenário é que se percebeu a necessidade de ampliar o olhar sobre a condição desses trabalhadores, através de conversas, análises de dados estatísticos, compreensão das singularidades desses trabalhadores, conhecimento dos números e cifras envolvidos com a atividade. Buscou-se construir as dimensões subjetivas que perpassam o cotidiano dos trabalhadores. Esta necessidade tem como objetivo entender as distintas formas ideológicas de captura subjetiva desses trabalhadores como mecanismo de manipulação e multiplicação de sujeitos submetidos aos interesses do monopólio da cana-de-açúcar. No cotidiano com o trabalho com os cortadores de cana, ficou conhecida sua rotina diária dentro e fora da usina, chegando cedo para a árdua tarefa, muitos iniciavam seus dias às 3 horas da manhã preparando a comida do dia, a garrafa do café, dando uma arrumada na casa, e ainda no escuro, caminhavam rumo ao ponto de embarque, subiam nos ônibus rudimentares, sem nenhum banco reclinável, sem nenhuma almofada, às vezes sentados sobre as garrafas térmicas, viajavam longas distância até a fazenda onde seria o corte. Chegando ao local, colocam as armaduras de quem vai para a guerra em campos de canavial: a calça, caneleira, botas, uma ou duas camisas para aguentar as folhas cortantes da cana, luvas, outra veste para proteger a cabeça, a toca árabe para proteger do sol, óculos de segurança e um chapéu ou boné e, por fim, seu instrumento de guerra, o facão. As mulheres com suas pitadas de feminilidade colocam sobre a calça a mini saia, sem esquecer de toda pintura facial, batom, lápis nos olhos e perfume que recendia nos campos.

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Munidos de sua armadura, realizavam a ginástica laboral como meio de eliminar os problemas ocasionados com a repetitiva tarefa, porém, sem muitos avanços. A jornada começa às 7 horas e 30 minutos e ali se passava o dia até às 16 horas, com parada para um café das 10horas, o almoço e o café das 15 horas. O retorno para as casas era no final da tarde, com o corpo cansado. Chegavam às 18 horas ou às 19 horas, sobrava tempo para terminar de arrumar a casa ou para lavar todas as roupas utilizadas no dia de trabalho, as quais chegavam pretas pelas queimadas. Cada trabalhador utiliza de 6 a 8 vestimentas todos os dias. Outros trabalhadores param na esquina para trocar algumas palavras, tomar uma cerveja com os amigos, jogar um baralho, ou só ficar com "conversa fiada", esta é jornada de trabalho. Nesta pesquisa, foi imprescindível a apropriação de uma teoria que abrangesse a subjetividade como resultado de uma relação dialética com o contexto vivenciado pelo cortador de cana, desta forma, a psicologia sócio-histórica foi a corrente teórica que auxiliou na apreensão do fenômeno abordado nesta dissertação, visto que, para a psicologia sócio-histórica, a relação dialética entre o sujeito e o mundo é que se constitui a subjetividade. Essa dissertação está dividida em oito capítulos, sendo que o primeiro capítulo, apresentando a temática, o segundo capítulo expõe sobre o fenômeno abordado: o fim da atividade do corte de cana e a migração do trabalhador do corte de cana para outras atividades. Esse fenômeno é abordado no capítulo focando a importância do trabalho para a teoria sócio-histórica, e como o fenômeno pode ser analisado por esta teoria. O terceiro capítulo analisa as conversas com os trabalhadores de cana, expondo os seus cotidianos como sujeitos que vivem do corte de cana. Esse capítulo contribui para conhecer e compreender a rotina de trabalho e as dimensões subjetivas destes trabalhadores perante o fim da atividade ou sobre as possibilidades de migração de atividade. Também é discutido a forma de se fazer o trabalho dentro de uma usina, dando ênfase para a mecanização dos canaviais e, consequentemente, contribuindo para o fim da atividade. No quarto capítulo, após já entender o fenômeno, é exposto como meio de esclarecer a importância da cana de açúcar para o Brasil, e principalmente, para o Norte Pioneiro do Paraná, os valores econômicos dos produtos gerados pela indústria canavieira, este sendo o açúcar e o etanol. Este capítulo informa as leis, o

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mercado, e os valores obtidos pelos produtos que fazem a mediação com os trabalhadores do corte de cana e com a própria usina. O quinto capítulo, serão apresentadas às conversas obtidas com membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho-PR para conhecer o que esta instituição está fazendo para amenizar a mecanização dos canaviais e para as condições dignas de trabalho, além de contribuir com o futuro destes trabalhadores no engajamento em políticas públicas que favoreçam o trabalhador. No sexto capítulo é exposta a condição dos trabalhadores do corte de cana no atual cenário socioeconômico do país e da região. Este capítulo busca unir as informações apresentadas nos capítulos anteriores para traçar o futuro do trabalhador e o sentido do trabalho para estes sujeitos. O sétimo capítulo, trata das considerações finais desta pesquisa, expondo os resultados obtidos e traçando perspectivas para os trabalhadores do corte de cana, levantando questões pertinentes para novas pesquisas e para pesquisadores que se interessam pelo tema em questão, por fim, o oitavo capítulo com as referências utilizadas nesta pesquisa, além dos anexos expostos no texto. O objetivo dessa dissertação visa pesquisar sobre as dimensões subjetivas da realidade na atividade do corte de cana no Norte Pioneiro do Paraná, perante o fim da atividade ocorrido pela mecanização dos canaviais, seja pelos interesses econômicos ou em decorrência da Resolução SEMA nº 076, de 20 de dezembro de 2010 que dispõe sobre a "eliminação gradativa da despalha da cana-de-açúcar através da queima controlada". Para isto, como objetivos específicos, foi necessário conhecer o cotidiano dos cortadores de cana em diferentes contextos históricos na cidade de Jacarezinho PR e suas ações políticas diante do fim da atividade do corte de cana; compreender os pontos de vistas dos envolvidos com o corte de cana e a classe de trabalhadores, para incluir o fenômeno dentro de um contexto próprio do Norte Pioneiro do Paraná; perceber os rumos dos trabalhadores do corte de cana com o fim da atividade, focando na consciência sobre novas oportunidades de trabalho. As conversas foram feitas com trabalhadores rurais do corte de cana, com aposentados do corte, agenciadores, com os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho e com funcionários de uma usina de açúcar e etanol da cidade de Jacarezinho-PR, porém, a pesquisa não se concentrou apenas nos dados obtidos pelas conversas, mas em muitas outras conversas do cotidiano

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com trabalhadores rurais, pessoas ligadas às atividades, diretores das usinas, diversas outras pessoas que, de alguma forma, contribuíram para traçar as "picadas" desta dissertação. A pesquisa foi cansativa, muitas visitas, agendamentos, encontros mal sucedidos, procura por trabalhadores, esperas, conseguir desvendar os dados numéricos, estatísticos, informações jornalísticas, ocorreram várias aventuras, meio ao cenário urbano, meio as plantações de cana, conforme Spink (2008, p. 73): Não estamos no campo porque fomos para um lugar distante, porque fomos visitar um centro comunitário, passar o dia num posto de saúde ou ficamos na fila para receber senha no serviço de intermediação de empregos. Estamos no campo porque estamos no campo-tema como matriz de questionamento e argumento, de ação e narração (Garfinkel, 1967). Tanto faz se estamos trabalhando com um financiamento científico, trabalhando com organizações advocatórias ou em projetos de pesquisa-ação, escrevendo, conversando, olhando anotações, participando de comissões assessoras, dando palestras ou tomando uma cerveja numa sexta feira à noite e argüindo com amigos; estamos no campo-tema buscando contribuir para o bem coletivo, assumindo a nossa parte numa comunidade moral mais ampla.

O campo-tema foi amplo, uma cidade, porque não uma região imersa na cultura da cana de açúcar, com suas histórias de vidas quase sempre com alguma ligação com a cana de açúcar: um amigo, um parente, um vizinho, um desconhecido, ou o próprio sujeito, todos tem alguma história com a cana de açúcar. Essa pesquisa não trata de abordar sobre um acontecimento, mas de uma história regional e de seu povo sofrido e batalhador, que vê no trabalho rural uma fonte de sobrevivência. Esta é a história do Norte Pioneiro do Paraná.

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2. A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA COMO TEORIA PARA A PESQUISA

2.1 Aportes teóricos da Psicologia Sócio-Histórica

Essa dissertação enfatiza a constituição subjetiva através da relação dialética do sujeito com o mundo pela atividade, por ela, o ser se apropria e transforma as coisas, do mesmo modo, as coisas possuem apropriações do próprio sujeito, por isso, a atividade é categoria fundamental para a compreensão do sujeito no mundo (AGUIAR, 2011) e, é por ela que o sujeito toma consciência sobre o mundo em que vive. Segundo Martín-Baró (1996), A consciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e sentir subjetivo dos indivíduos, mas, sobretudo, aquele âmbito onde cada pessoa encontra o impacto refletido de seu ser e de seu fazer na sociedade, onde assume e elabora um saber sobre si mesmo e sobre a realidade que lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social (p. 14).

Nessa perspectiva, a tomada de consciência se dá nesta relação dialética entre o sujeito e o universal pelo exercício da atividade (trabalho), permeados por particularidades (mediações), no caso do trabalhador rural, sua consciência está atrelada as suas atividades, não, somente, o cortar a cana, mas na condição de sujeito de objetivação. Para Aguiar (2011, p. 98) "a consciência deve ser vista como um sistema integrado, numa processualidade permanente, determinada pelas condições sociais e históricas, que num processo de conversão se transformam em produções simbólicas, em construções singulares". A tomada de consciência é o que difere o homem do animal como afirma Vigotski (1991c), o animal possui ação, ele tem a atividade em seu cotidiano como necessidade de sobrevivência, entretanto sua atividade é instintiva; o animal caça porque sente fome, ele corre, morde, cerca, tem planejamento em grupo como na matilha, o animal até utiliza de instrumentos, o chimpanzé usa paus para alcançar frutos, usa pedras para quebrá-los, usa pedaços de capim para buscar no fundo do buraco uma formiga etc. são instrumentos sofisticados, entretanto não possuem significados (visto mais a frente). O sujeito consciente realiza suas atividades tendo como princípio os conteúdos históricos adquiridos - mediados - em sua relação com o universal, é, portanto, resultado de uma relação dialética do sujeito com o social, como diz Aguiar

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(2011, p. 96) "objetivando sua subjetividade e subjetivando sua objetividade", construindo seus registros psicológicos. Na verdade, o homem transforma a natureza e a si mesmo na atividade, e é fundamental que se entenda que este processo de produção cultural, social e pessoal tem como elemento constitutivo os significados. Dessa maneira, a atividade humana é sempre significada: o homem, no agir humano, realiza uma atividade externa e uma interna, e ambas as situações (divisão esta somente para fins didáticos) operam com os significados. Nessa perspectiva, Vigotski (2001) lembra que o que internalizamos não é o gesto como materialidade do movimento, mas a sua significação, a qual tem o poder de transformar o natural em cultural (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 304).

Ora, como estamos vendo, Vigotski apresenta estudos complexos sobre a conceitualização da consciência, ademais, ele abordou a gênese da consciência para o gênero humano, mesmo porque o sujeito não nasce com uma consciência; ela é construída na relação dialética com o mundo. Assim, como princípio, em seus estudos com os bebês e crianças, percebe-se que a tomada de consciência se dá pela conceitualização das coisas, entretanto deve-se ter alicerce básico na dialética, o bebê não nasce como uma "tabula rasa" onde serão acrescentados conceitos conforme seu desenvolvimento cognitivo, pensando dialeticamente, antes mesmo da concepção do bebê, já existe um arcabouço de significados que irá mediar à relação com o bebê: definição de um nome, um sexo, uma nacionalidade, uma religião, possuindo seu quartinho azul ou rosa, seu carrinho ou sua bonequinha, tudo já pensado e estabelecido sem mesmo ser consultado sobre seus gostos. Deste modo, o bebê nasce mergulhado em um arsenal de valores culturais, nos quais o "desenvolvimento transforma-se, do biológico no sócio-histórico" (VIGOTSKI, 1998, p. 54). O desenvolvimento da criança efetuado pelo salto biológico para o sociocultural, só é possível por um caminho, pela apropriação da linguagem, seu uso como mediador entre o sujeito e o mundo de significados, a linguagem passa a ser um instrumento que irá modificar a própria consciência (VIGOTSKI, 1991d), visto assim, as razões para a linguagem modificar a consciência é de suma importância para o método da psicologia sócio-histórica. Conforme Aguiar et al (2009): Se quisermos aprender o humano e seu processo de constituição, temos de compreender esse processo de relação do humano com o mundo fundamentado nas atividades transformadoras e mediado pela linguagem. O processo é, como afirma Vigotski, de "colossal revolução", representada

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pela reorganização do pensamento que se dá pelo desenvolvimento da linguagem (p. 56).

Sendo a linguagem um determinante para a subjetividade, do mesmo modo, um mediador para a gênese da consciência, ela só será um instrumento de potência caso haja uma reciprocidade na comunicação do Eu para o Outro ou do Eu para as coisas, para isto, faz-se necessário um determinante em comum na linguagem utilizada entre as partes, este algo em comum pode ser entendido pela conceitualização e significação das coisas do mundo, por isso que Uznadze (1996) apud Vigotski (1993, p. 124) diz a "palabra es un instrumento para la compreensión mutua". Para Vigotski a noção dos conceitos é o eixo para a investigação, é ele o mediador social. El concepto se toma en relación con una determinada tarea o necesidad que surge en el pensamiento, en relación con la compreensión o la comunicación, en relación con la ejecución de alguna tarea, o instrucción, cuya realización resulta imposible sin la formación del concepto (VIGOTSKI, 1993, p. 121).

Contudo, o conceito é aprendido com o desenvolvimento da linguagem, consequentemente, com o desenvolvimento cultural da criança. Pensando neste desenvolvimento do bebê, o seu balbuciar emite sons sem nenhum sentido, tampouco algum nexo. O balbuciar é espontâneo, assim como o chuchar durante a mama, entretanto existe um fator externo que "coloca" as palavras na boca do bebê, pode ser a mãe que com o som do bebê, sons simples e espontâneos (má, bá, pá etc.) a mãe faz uma interpretação do sentido da palavra e, assim, o bebê irá se apropriando das palavras e seus significados1 por via dos comportamentos condicionados associados aos balbucios com a fala do outro - o "ma" vira "mãe", o "pa" vira pai -, porém, "aprender palavras y asociarlas con objetos no conduce por sí solo a la formación de conceptos" (Ibidem, p. 123). O salto no desenvolvimento da linguagem para o bebê se dá a partir do momento em que a palavra ganha um significado, mesmo porque a "mera relación 1

Na dissertação de mestrado de Steven Légaré, com o título de "Les origines évolutionnistes du rire et de l’humour", o autor dá importância ao riso como um fator adaptativo no meio social, pensando assim, o riso pode ser um determinante pré-linguístico, como sendo a primeira tentativa de se comunicar com o mundo externo e as primeiras tentativas de apresentar alguma palavra. Pode ser real se compreendermos o choro para a criança como mecanismo para se conseguir alguma coisa, como exemplo, ao chorar o bebê apresenta uma necessidade de fome, o riso como uma aprovação do comportamento.

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asociativa entre las palabras y los objetos es insuficiente para que surja el significado, que el sentido de la palabra o del concepto no es igual a la relación asociativa entre el complejo sonoro y una serie de objetos (Ibidem, p. 126). O surgimento de um significado, ou conceito, só é possível com o fim da associação da palavra com algum objeto, para Vigotski (1993), [...] el origen del concepto y subrayando el hecho de que el concepto sólo puede aparecer y formarse cuando surge una necesidad concreta a la cual responde ese concepto, en el curso de alguna actividad dirigida a alcanzar un fin determinado de sentido, orientado hacia un objetivo determinado o a la resolución de una tarea concreta (p. 126).

Assim, para o surgimento do significado, a palavra deve surgir no pensamento como uma forma objetiva de se cumprir alguma atividade, uma razão para se utilizar a palavra, com isto, a linguagem se torna instrumento para expressar os significados das coisas. Com a apropriação dos conceitos, o sujeito pode utilizar o significado apreendido das coisas para objetivar os seus fins teleológicos, ele torna o abstrato em objeto, segundo Lukács (2013, p. 55) com "natureza e trabalho, meio e fim chegam, desse modo, a algo que é em si homogêneo: o processo de trabalho e, ao final, o produto do trabalho". Contudo, o produto do trabalho, possui características da consciência humana, ora, sendo ele resultado de toda aplicação teleológica do sujeito: com o seu conhecimento sobre as coisas, as próprias necessidades, os meios que contribuíram para a construção, as ferramentas, no produto do trabalho todos estes continentes de razões e meios para o pôr teleológico são refletidos no resultado do trabalho, no objeto. Um exemplo pertinente está no uso de pedras afiadas como objeto de corte dos homens primitivos, para isto, quais foram às condições para se chegar a tal objeto, nenhuma ferramenta, nenhum instrumento de precisão, tampouco lasers de corte específico, o homem primitivo só tinha a natureza e nela aprendeu que algumas pedras são mais duras que outras, são mais afiadas que outras, com este domínio pôde chocar pedra com pedra e conseguir lascas afiadas. Neste simples objeto estava todo o histórico do sujeito, com aparatos básicos e simples determinam as condições precárias da época, entretanto, um salto na consciência humana para o uso do conhecimento cotidiano em prol de construções modernas para aqueles sujeitos. Em uma citação de Lukács (Ibidem) ele esclarece esta passagem:

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[...] a ferramenta, é a chave mais importante para conhecer aquelas etapas do desenvolvimento da humanidade a respeito das quais não temos nenhum outro documento. No entanto, atrás desse problema cognitivo há, como sempre, um problema ontológico. A partir das ferramentas que as escavações descobrem, muitas vezes documentos quase únicos de um período completamente desaparecido, podemos obter, a respeito da vida concreta das pessoas que os utilizaram, conhecimentos muito maiores do que os que parecem esconder-se nelas. O fato é que uma ferramenta pode, com uma análise correta, não só revelar a história da própria ferramenta, mas também desvendar muitas informações sobre o modo de viver, quem sabe até sobre a visão de mundo etc., daqueles que as usaram (p. 58).

A história está contida nos objetos, no material, não apenas no palpável, mas também nos conteúdos invisíveis, como o caso das palavras, assim, a palavra, a linguagem é instrumento da consciência humana, a linguagem e os objetos construídos estão no mesmo nível para o sujeito, ambos são resultados do pôr teleológico do sujeito, da mesma consciência. Para Vigotski (1993): El concepto se toma no en su forma estática y aislada, sino en los procesos vivos del pensamiento, de resolución de la tarea, de modo que toda la investigación se descompone en una serie de etapas aisladas, y cada una de ellas incluye en concepto en acción, en tal o cual aplicación funcional suya en los procesos del pensamiento. Primero tiene lugar el proceso de elaboración del concepto, seguidamente el de traslado del concepto elaborado a nuevos objetos, luego la utilización del concepto en el proceso de libre asociación y finalmente el empleo de los conceptos en la formación de los juicios y la determinación de los nuevos conceptos elaborados (p. 129).

Portanto, a consciência nunca é o princípio básico, ela é decorrente do movimento dialético do sujeito com o universo, ela transforma e é transformada, Lukács (1993, p. 63) diz que "na medida em que a realização torna-se um princípio transformador e reformador da natureza, a consciência que impulsionou e orientou tal processo não pode ser mais, do ponto de vista ontológico, um epifenômeno", contudo, a relação dialética decorrente do ser com o seu meio está designada pelos significados estabelecidos historicamente pelos membros sociais e sua relação com o meio, estes significados é que constituem a cultura social, na qual será posta ao sujeito como modo de vida a ser seguido (leis, ordens, direitos, estatutos, línguas etc.), será por via deste universo cultural o sujeito irá se confrontar. Pensando assim, cabe levantar a questão sobre a cultura capitalista na consciência humana, como disse Lukács (2003) sobre a "falsa consciência" decorrente da situação do sujeito na

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sociedade capitalista, reproduzindo uma ideologia que torna a subjetividade propensa ao desenvolvimento deste sistema.

2.2 Consciência como reprodução social

Para entender os "jeitos" de reprodução do ser social, Lukács (2013) em seu livro "Para uma ontologia do ser social II", explica em dois capítulos com o nome de "A reprodução" e "O ideal e a ideologia", como ocorre a reprodução dos mecanismos ideológicos do capital entre os sujeitos, por meio de manipulação é que a consciência do ser social será fragmentada pelas pseudoconcreticidades. Contudo, segundo Kosik (1991) a história é uma representação teatral, isto é, o princípio do jogo (jeu)2, neste jogo teatral, as relações individuais (eu - outro, eu nós, eles - nós) dão concreticidade à totalidade e, o mais interessante, as relações do ser social é que a história ganha seu caráter, a história para o homem - históriapara-si - e, da mesma forma, a história constrói uma forma de ser social. Pensando assim, indivíduos partilham de um mesmo momento histórico e nele é que constroem suas subjetividades, portanto, o capital impõe um estilo de vida cada vez mais coisificado pelos atributos de mercadoria. Assim, sabe-se que este sistema político capitalista está concretizado no mundo desde o século XVIII e, ainda assim, consegue suas mutações em virtude de sua perpetuação. Ora, para isto, é necessário um comprometimento social para a sobrevivência desde sistema político e, esta sobrevivência, só é possível pela consciência humana e sua ação. Como foi dito, o comprometimento parte do ser social, nada além dele, pois isto figura o sujeito da ação e criação com um fim teleológico, porém, a reprodução reside na criação de complexos sistemas de mediadores no decorrer da história, como o sistema capitalista. Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem estar empenhados em transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca 2

"N. del T.: La palabra francesa “jeu” significa tanto juego como representación teatral. El autor la utiliza indistintamente en ambos sentidos. A efectos de no perder de vista esta circunstancia, optamos por traducir en cada caso según el contexto agregando entre paréntesis la palabra en francés" (KOSIK, 1991, p. 13).

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antes visto, exatamente nessas épocas de crise revolucionária, eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar, com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial (MARX, 2012, p. 25).

Nesse empréstimo do passado que a ideologia é reproduzida pelo ser social, como conteúdo apreendido e conhecido para a objetivação das coisas e do pensamento. A forma do fazer, os significados do trabalho se desenvolvem com o tempo, mesmo realizando sua atividade da mesma forma - cortar a cana -, o desenvolvimento tecnológico que adentrou nas plantações de cana ou no modo de se produzir o álcool ou o açúcar, além das outras inovações são mecanismos para a exploração e expropriação do trabalhador. Contudo, se a reprodução do modo de fazer equipara-se com outros momentos históricos, isto não caracteriza uma consciência estagnada no tempo, pelo contrário, a consciência destes trabalhadores do corte de cana se modificaram, colocando-os numa nova classe de trabalhadores, segundo Lukács (2013): A reprodução física do homem enquanto ser vivo biológico é e permanece o fundamento ontológico de todo e qualquer ser social. Todavia, trata-se de um fundamento cujo modo de existência é sua transformação ininterrupta no social cada vez mais puro, ou seja, é, por um lado, criação de sistemas (complexos) de mediação, visando realizar essas mudanças e ancorá-las na realidade funcionando dinamicamente, e, por outro, retroação desse meio ambiente autocriado - criado pelo gênero humano - sobre o seu próprio criador, dessa vez, contudo - de modo diretamente ontológico -, como retroação que pode ser aplicada a cada homem singular que, a partir de sua própria atividade, é modificado pelos seus objetos, socializado em seu ser biológico (p. 254).

Todavia, essa reprodução não se respalda, apenas, no modo de fazer o trabalho, como foi dito, parte sobre o modelo ideológico de uma sociedade capitalista, o reproduzir é para se manter íntegro dentro dos costumes sociais, fazer parte da cultura, pertencer à mesma comunidade, mas, da mesma forma, traz resquícios de uma procura por reconhecimento, talvez este reconhecimento como uma das formas de necessidade para o pôr teleológico, colocando, assim, o resultado da objetivação não como uma forma palpável, material, mas como uma satisfação psicológica. "O homem é o resultado de sua própria práxis" (Ibidem, p. 286), como também, resultado de sua própria atividade psíquica e, o principal, resultado de uma história social.

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Deste modo, diz Lukács (Ibidem, p. 333), "os pores teleológicos efetuados por homens singulares convertem-se, portanto, em meras partes integrantes de um processo teleológico total já posto socialmente em movimento", tem consciência de que este "já posto socialmente" se refere a uma forma de produção capitalista, na qual, o valor de uso e o valor de trabalho residem na forma "dinheiro". Contudo, o trabalhador singular, como foi dito, apenas executa o trabalho seguindo os moldes de um processo posto em prol do capital, assim, as partes reproduzem a mesma ideologia capitalista. Sendo a totalidade um mesmo mecanismo consciente, a práxis do cotidiano dos envolvidos com o corte de cana procuram estabelecer os mesmo parâmetros para a vivência no continente capitalista, frente à crise estrutural do capital, "salve-se quer puder". Porém, nos alerta Lukács (2013): [...] os pôres práticos mediados, muitas vezes mediados de uma forma bastante complexa, produzidos pela divisão do trabalho, também têm um caráter causal-teleológico, só que com uma diferença muito importante em relação ao próprio trabalho: a de que os fins que os provocam e que por eles são realizados não estão direcionados diretamente para um caso concreto do metabolismo da sociedade com a natureza, mas visam influenciar outras pessoas no sentido de que elas, por sua vez, efetuem os atos de trabalho desejados por quem os põem (p. 358).

Lukács remete ao trabalhador singular, que está submetido às regras impostas dentro da organização, no planejamento, por exemplo, do corte de cana, no modo de fazer, o que fazer, os locais, nos remetendo a um modelo da administração científica formulada no início do século passado por Taylor. Ora, o trabalho do corte de cana também está implicado neste modelo de funcionamento onde o pôr teleológico é realizado por um outro, normalmente aquele que possui um conhecimento técnico sobre o funcionamento administrativo ou por aquele que conhece as ciências agrárias. E nisto reside o problema da falta de atos da práxis humana para substituí-la por um automovimento das coisas, como no movimento das mercadorias no processo de troca: comprador-vendedor (LUKÁCS, 2013), prevalecendo um pôr teleológico baseado nos valores econômicos, a produção como mercadoria contendo seu valor de troca, a objetivação das coisas com um critério econômico sobre o valor de tal coisa, nisto, os pores teleológicos como denominador comum dos homens, "em sua constituição ontológica fundamental dentro e fora do âmbito

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econômico não apresentam nenhuma característica essencialmente distintiva" (Ibidem, p. 399). Esse mecanismo de funcionamento social, donde o pôr teleológico deve conter o valor econômico, se justifica pela fragmentação da consciência humana pela ideologia de manutenção e conservação do capital. Podemos falar de uma ideologia capitalista que impõe uma produção, ou a mercadoria, não como consumo natural para as necessidades reais do ser social (se tem sede bebe água, se tem fome come um alimento), mas uma mercadoria nunca é apenas o objeto, é também uma corrente de significados, um objeto da ideologia (se tem sede bebe uma coca-cola, se tem fome come um lanche do burger king). O objeto adquire um significado conforme um valor de troca, o produto é um objeto cheio de sutilezas e este mundo objetivo é que faz a relação dialética com o sujeito. Portanto, os homens relacionam entre si seus produtos de trabalho como valores não porque consideram essas coisas meros envoltórios materiais de trabalho humano da mesma espécie. Ao contrário. Ao equiparar seus produtos de diferentes espécies na troca, como valores, equiparam seus diferentes trabalhos como trabalho humano. Não o sabem, mas o fazem. Por isso, o valor não traz escrito na testa o que ele é (MARX, 1996a, p. 200).

A reprodução desse modelo de consciência econômica direciona um modelo de cultura pautada nos valores do capital, em qualquer nível social, nessa dissertação este mundo objetivo ficará bem definido conforme se compreende os mediadores dos trabalhadores em sua relação dialética que irá revelar a dimensão subjetiva sobre a realidade.

2.3 Consciência canavieira: metodologia da pesquisa

Sabe-se que, para a Psicologia Sócio-Histórica, a linguagem é ferramenta essencial para a formação da consciência (FURTADO, 2011), desta forma, esta dissertação não pode deixar de ouvir o cortador de cana e outros agentes envolvidos com o corte de cana para se ter conhecimento sobre a dimensão subjetiva do trabalhador desse seguimento. Primeiro, talvez como ponto de apoio para a prática psicológica, é preciso conhecer o fenômeno que causa angústia e sofrimento ao trabalhador, neste sentido, parte-se das pequenas análises sobre "o que chega ao psicólogo". Não se trata de demanda, mas sim, sobre o conteúdo apresentado pelos trabalhadores do

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corte de cana. Na prática psicológica dentro do Recursos Humanos foi possível ter um contato direto com os trabalhadores, desde a contratação, integração, até o desligamento. Na entrevista de desligamento foi possível conhecer o problema enfrentado pelos cortadores de cana frente à mecanização, fazendo com que o trabalhador procure por atividades com maior estabilidade e garantia de trabalho, no entanto, não menos precárias. No período de 04 de fevereiro de 2012 a 17 de junho de 2013, foram realizadas 93 entrevistas de desligamentos, sendo que o número de desligados fora superior ao número apresentado. Das entrevistas, 48 foram demitidos e 45 solicitaram demissão, perguntado se já possuíam outro emprego, 45 trabalhadores disseram já possuírem outro emprego ou iriam trabalhar por conta própria

(estes

45

que

responderam



possuírem

outro

emprego

não,

necessariamente, são os mesmos 45 que solicitaram demissão). Conforme as entrevistas, e a hipótese de procura por estabilidade ou por garantia de trabalho pode ser constatado pelas novas atividades, das 45 entrevistas os maiores lócus migratório estão na construção civil (10), trabalho rural (laranja, café, corte de cana) (10), auxiliar de produção (5) e caseiro de propriedade rural (3). Portanto, não se pode afirmar que existe uma melhora na condição de trabalho ou na condição de vida do trabalhador rural. A precariedade do trabalho continua em outras atividades, na construção civil sem nenhuma segurança a vida do trabalhador, no trabalho rural se mantêm os riscos a saúde, o mesmo para o auxiliar de produção e para o caseiro de propriedade rural, que se confundem com trabalho rural. Neste sentido, para o trabalhador rural, o fenômeno do fim da atividade está vinculado à hipótese da mecanização dos canaviais, desde o plantio até a colheita, porém, se procurarmos uma resposta por via dos sindicatos ou da organização, a hipótese do fim da atividade, consequentemente, da mecanização está sendo ocorrida pela falta de gente para trabalhar, estes migrando para outras atividades ou, como visto na entrevista com o sindicato, pela falta de vontade dos jovens, estes, filhos de cortadores de cana que deveriam conservar o trabalho precário. Contrário a estas afirmações, temos as falas dos trabalhadores que culpam a mecanização pelo êxodo do canavial, assim, são obrigados a procurar novas oportunidades e quando encontram não desejam retornar para o campo na situação de precariedade.

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Ora, temos dois embates, e esta é a luta de classes. Proponho analisar o fenômeno em sua totalidade, um movimento que parte do singular para a totalidade e retorna para o singular, compreendendo a dimensão subjetiva do cortador de cana. No entanto, a pesquisa não envolveu um público de outras regiões do país, apenas do Norte Pioneiro do Paraná, assim descobre-se que a região possui características históricas e sociais próprias, não podendo generalizar o contexto vivenciado pelos trabalhadores daqui com outros Estados, isto porque, cada Estado possui suas legislações designadas para a cultura da cana-de-açúcar. Deste modo, vai se constituindo uma subjetividade de um trabalhador regional e, com as conversas, foi possível conhecer as histórias, as artimanhas, o cotidiano dos trabalhadores

rurais

que

carrega

o

estigma

dos

"boias-frias",

porém,

a

regionalização não rejeita um fenômeno que vem ocorrendo no Brasil, à migração de atividade. As conversas foram realizadas com questões semiabertas, abordando algumas temáticas que direcionavam para o fenômeno da pesquisa, porém, não se rompia a conversa quando se extraviava do assunto, como diz González-Rey (2011, p. 207): A narrativa não é uma expressão de linguagem comprometida somente com o contexto relacional, ela é uma expressão dos sujeitos que as constroem, na mesma medida em que é uma expressão dos interlocutores desse sujeito dentro do espaço social em que a narrativa aparece (p. 207).

Nas conversas, pôde ser percebido o quanto as emoções fazem parte da construção de uma consciência, como diz Sawaia (1987, p. 266) "o homem se afirma no mundo objetivo, não só no ato do pensar, mas com todos os sentidos, até com os sentidos mentais (vontade, amor e emoção)", assim, as narrativas traziam muito mais que conteúdos para a dissertação, traziam também histórias carregadas de aventuras e sofrimentos, as expressões como marcas da condição precária da labuta: cicatrizes, rugas, marcas de sol, peles ressecadas, mãos calejadas etc. eram formas visíveis e invisíveis para descrever a consciência canavieira. Entende-se também que, na narrativa, ou melhor, na conversa, mesmo tendo algumas perguntas direcionadas para o tema, o conteúdo da resposta não necessariamente trata desse tema, ora, concebemos que existem conteúdos latentes do sujeito, conteúdos próprios que lhe causa a angústia, isto foi visível, por exemplo, nas

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conversas com o seu Zé e o João, que estavam indignados com a atuação do sindicato e com os programas de benefícios do governo. E se não tivesse esse negócio de máquina, o senhor conseguiria contratar 10 turmas? Não, não consegue, porque pro pessoal sair do lugar que tá fichado é difícil, e outra coisa que acabou com o povão é o negócio de bolsa, tanta coisa que o governo manda pra esse povo que, sabe como é que é? (Não quer trabalhar) Bolsas benefícios? Mando essas coisas pro povo, pra por a máquina no lugar, é pra enganar o povo, tá entendendo? Dá "deiszão" pra você fica parado e põe outro no lugar, maioria do povo que tá parado vive deste negócio aí. Se sabe disto né? Ou não sabe? (Zé, 20 jan 2014)

Deste modo, a dissertação foi construída com enfoque nos mediadores do corte de cana: vida dos trabalhadores, questões econômicas do etanol e cana de açúcar, o sindicato dos trabalhadores rurais, as resoluções, leis e normas sobre o trabalhador rural, utilizando as conversas, porém não se trata de uma análise do discurso, mas um enlace entre a objetividade com o tema latente dos entrevistados, assim foi possível compreender o fim da atividade para o trabalhador e entender os principais determinantes que fazem a relação dialética com sua subjetividade. Não se trata de afirmar que é o melhor método, mas entende-se que foi o método que melhor esclareceu sobre o mundo do corte de cana. Nessa pesquisa, diretamente, foram utilizadas quatro narrativas de cortadores de cana e de um agenciador, conhecido como "gato", responsável por formar as turmas de cortadores de cana, um destes trabalhadores é aposentado, achou-se interessante para a pesquisa conhecer o cotidiano de um cortador de cana logo no início de funcionamento das usinas no Norte Pioneiro do Paraná e, com isto, compreender algumas transformações históricas da atividade. Indiretamente, durante a prática no setor de Recursos Humanos foram ouvidos centenas de trabalhadores que, de alguma forma, contribuíram para esta dissertação, alguns desses relatos estarão expostas como Diário de Campo colhidas por entrevistas de desligamentos ou conversas. No anseio de compreender a totalidade do fenômeno, não poderia deixar de escutar um diretor de uma usina de produção de açúcar e etanol, localizada na cidade de Jacarezinho-PR, no Norte Pioneiro do Paraná, esta usina fora escolhida, primeiro, pela facilidade do pesquisador ainda atuando dentro do Recursos Humanos e, segundo, por ter uma história de pioneirismo na cultura canavieira

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dentro da região pesquisada. Esta entrevista foi mais focada do que a dos trabalhadores, pois nessa conversa não se pretendia conhecer a subjetividade de um diretor de usina, mas sim de conhecer o modo de agir e os processos administrativos, financeiros e agrícolas envolvendo o trabalho do cortador de cana. Os conteúdos das conversas não estão diretamente expostos na dissertação, pois, entende-se que foi mais uma conversa sobre os procedimentos, que alguma entrevista com conteúdo de análise. Por fim, foi realizada uma visita ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho-PR para conhecer as medidas envolvendo a atividade do corte de cana, focando no fim da atividade relacionada à proibição da queima dos canaviais, porém não se baseou em uma visita, mas em duas entrevistas com os membros do sindicato. A primeira conversa, com questões semi-abertas, foi realizada com o presidente do sindicato, no entanto, não foi satisfatória, uma que o entrevistado estava com inúmeros "escudos" contra qualquer ação de má fé do entrevistador, segundo, pela falta de conhecimento legislativo sobre o trabalho do corte de cana, com isto, decidiu-se realizar uma conversa com o advogado do sindicato, esta rendeu bons conteúdos de análise. Os entrevistados conheciam o objetivo das entrevistas assinando um Termo de Consentimento com aprovação do comitê de ética da Plataforma Brasil. Assim, estavam livres para utilizar seus nomes originais ou fictícios, na dissertação estão apresentados como:

Antônio

Cortador de cana aposentado.

Zé Carlos

Cortador de cana safrista e mototaxista.

Iara

Cortadora de cana safrista e dona de casa.

Tião

Celso

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho. Advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho.



Agenciador de turma de trabalhadores rurais.

João

Cortador de cana.

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A narração vista nesta dissertação é entendida como dois processos relacionados, não podendo ser divididos e compreendidos isoladamente, este é o erro

cometido

pelas

investigações

primitivas

descritas

Vigotski

(1998),

complementando, o autor diz que "nenhum dos quais tomados em separado possuiria as propriedades do todo" (Ibidem, p. 119), portanto, o método utilizado por Vigotski trata de, [...] uma nova abordagem do problema e substituímos a análise em elementos pela análise em unidades, cada uma das quais retém, sob uma forma simples, todas as propriedades do todo. Encontramos esta unidade do pensamento verbal no significado da palavra (Idem).

Porém, Vigotski realça prudência nesse método, pois ele "não é uma verdadeira análise que nos seja útil para resolver problemas concretos, antes conduz à generalização" (Idem), e isto não nos interessa nesta pesquisa, já que, buscamos

resolver

os

problemas

concretos,

fugindo

das

possibilidades

pseudoconcretas do significado da palavra quando analisada isoladamente, por isso, a análise não foca somente na narrativa, mas faz uma apuração das falas buscando interrogá-las com o contexto sócio-histórico da objetividade. Analisar apenas as palavras, ou realizar um recorte sobre as falas, estaria correndo o risco de limitar o sentido da expressão, de balizar a concreticidade do pensamento sobre o tema apresentado pelas questões semiabertas. O método se assemelha à Análise do Discurso, que "propõe o entendimento de um plano discursivo que articula linguagem e sociedade, entremeadas pelo contexto ideológico" (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005, p. 308), mesmo porque esse método trata a produção de linguagem como "produto do encontro entre um eu e um outro, segundo formas de interação situadas historicamente" (Ibidem, p. 317). No entanto, o discurso não fora analisado isoladamente, como já foi dito, ele foi interpretado conforme o contexto sócio-histórico de cada narrativa, buscando relacioná-las com os significados de sua época, sendo a expressão (narrativas) como produto dialético do sujeito com o universal, este universal deve ser compreendido com o seu contexto ideológico, conforme dito por Rocha e Deusdará. Além das narrativas, entende-se que a totalidade do fenômeno, os mediadores e determinantes são de muita relevância para o objetivo desta

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dissertação, mesmo porque, foram por eles que tornaram possível compreender os mecanismos ideológicos que se relacionam dialeticamente com o sujeito. Método é aqui entendido, para além de sua função instrumental, como algo que nos permite penetrar no real, objetivando não só compreender a relação sujeito/objeto, mas a própria constituição do sujeito, produzindo um conhecimento que se aproxime do concreto, síntese de múltiplas determinações (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 300).

Entende-se que um determinante essencial do fenômeno é o valor econômico dos produtos da cana-de-açúcar: etanol e açúcar. Os produtos, em questão, são para a economia brasileira uns dos principais produtos ofertados pelo país, representando elementos essenciais para a aquisição de renda financeira, oferta de trabalho, mercado de máquinas e implementos agrícolas, químicos etc. Para compreender como funciona este determinante, foi necessário recorrer aos antecedentes históricos do como foi a implementação industrial para a produção de álcool e açúcar no Brasil, bem como dos mediadores legislativos que direcionavam as organizações no que condiz a própria produção, bem como na Consolidação das Leis Trabalhistas.

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3. O COTIDIANO DO CORTADOR DE CANA: a atividade

3.1 Conversas sobre o fazer

Sob qualquer abordagem no tratamento de um fenômeno com base teórica na psicologia sócio-histórica, o cotidiano do cortador de cana exige um conhecimento além do próprio singular, sabendo que o ser é fruto de uma relação dialética entre ele e o mundo, só é possível conhecer concretamente a consciência do ser com/da mesma forma que se tem o conhecimento do mundo a qual ele está inserido. Sendo a consciência decorrente do ser social, conforme Lukács (2003), o ser social só pode ser tratado assim, na objetivação de seu pensamento teleológico, no trabalho (atividade). Para tanto, o ato de objetivar, de tornar palpável (real) é possível pelo conhecimento do mundo a sua volta, com isto, ele pode dar forma (modelar e transformar) o mundo das coisas para a construção do objeto teleologicamente pensado, mas, para isto, ele necessariamente deve conhecer o mundo que está a sua disposição (natureza). Tendo isto como fundamento básico (e descrito grosso modo), o desvendar da consciência terá, necessariamente, de conhecer os caminhos do mundo objetivo e histórico a qual o ser está inserido, conhecer a "sociedade como totalidade concreta" (ibidem, p.137). Visto isto, o fenômeno aqui abordado sobre as configurações do trabalhador rural dentro do cenário do corte de cana na atualidade, ultrapassa as barreiras singulares do próprio trabalhador e sua atividade. De modo ampliado, sua atividade está relacionada com um mundo desconhecido pelo próprio ser (concreto), que envolve uma rede de fenômenos que tece o universo em que vivemos (natureza, ideologias, ciências, política) e assim, será possível conhecer os fenômenos e seus determinantes para a análise da consciência do ser social, contribuindo para a noção da dimensão subjetiva da realidade. Desta forma, fica a tarefa de compreender a totalidade do fenômeno envolvendo o corte de cana e suas transformações atuais3 na qual o trabalhador rural está envolvido, para isto, a questão inicial reside no "por onde iniciar?" a descrever sobre as dimensões subjetivas dos trabalhadores rurais, sabendo que a 3

Em toda a dissertação estaremos fazendo a relação entre o singular e o universal, dando enfoque sobre a universalidade do fenômeno nos capítulos 1, 2 e 3.

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rede de fenômenos envolvidos é infinitamente complexa e muitas vezes desconhecida. Dando continuidade, sabendo da importância de se conhecer este cenário, a autora Betty Oliveira (2005) informa uma possível saída para responder o "por onde iniciar?". Segundo ela "a universalidade se concretiza histórica e socialmente, através da atividade humana que é uma atividade social - o trabalho" (p. 26). Seguindo seu pensamento, a compreensão de trabalho advém do conceito filosófico elaborado por Marx (1996a) que o define como sendo, "[...] a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e natureza, condição natural e eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais" (p. 303).

Portanto, para se ter a compreensão do sujeito que está sendo estudado deve-se resgatar a concepção do trabalho executado por estes sujeitos, assim, construindo a singularidade destes indivíduos mergulhados nas mediações provenientes do universo do fenômeno. Tal procedimento não retira a complexidade, mas norteia o "por onde iniciar?". Se partirmos do pressuposto de que a atividade irá contribuir para a construção universal, isto não quer dizer que a simples ação de cortar a cana, despontá-la e amontoá-la em grandes montes é, propriamente, o trabalho. Utilizando o entendimento de Marx (1996a) sobre o que vem a ser trabalho, tem-se como definição, um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1996a, p. 295).

Assim, o trabalho, grosso modo, parte de uma relação fecunda entre subjetividade e objetividade. Mas que, no decorrer dos aprimoramentos do sistema capitalista, este sujeito perde-se seu lugar de agente transformador da natureza,

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para se tornar um mero objeto que age em prol da reprodução e manutenção do sistema capitalista. O indivíduo não é apenas aquilo que ele próprio crê nem o que o mundo crê; é também algo mais: é parte de uma conexão em que ele desempenha um papel objetivo, supraindividual, do qual não se dá conta necessariamente (KOSIK, 2011, p. 72).

Para tal sobrevivência do capitalismo, o de se reproduzir de forma coerente e motivacional, torna a prática da manipulação ser um adjetivo para a concretização de suas finalidades. A manipulação da realidade concreta - pseudoconcreticidades -, distorcendo o real e criando desfoques sociais em prol do capital. Tal manipulação gera novas formas de relação do eu com o mundo que, muito bem elaborada, inverte toda uma corrente de pensamento sobre a realidade. O real se torna em utópico e o falso se transforma em verdade absoluta e inquestionável. A captura das subjetividades pelo capital. O preocupar-se é manipulação (de coisa e homens) na qual as ações, repetidas todos os dias, já de há muito se transformaram em hábito e, portanto, são executadas mecanicamente. O caráter coisificado da praxis, expresso pelo termo preocupar-se, significa que na manipulação já não se trata mais da obra que se cria, mas do fato de que o homem é absorvido pelo mero ocupar-se e "não pensa" na obra. O ocupar-se é o comportamento prático do homem no mundo já feito e dado; é tratamento e manipulação dos aparelhos no mundo, mas não é criação do mundo humano (KOSIK, 2011, p. 74) (Grifos do autor).

Nesta ordem, o mundo manipulado e falso se torna um hábito. O pagamento por tonelada de cana cortada, a constatação da falta de possibilidades pela escolaridade, o sucesso pelo trabalho árduo, a crença de que "Deus ajuda quem cedo madruga", que o uso de EPI's é, apenas, para o bem da saúde do trabalhador, de que a empresa tem bons "benefícios", são fontes manipuladas e aceitas pelos sujeitos, com poucos questionamentos. Distorcendo a realidade, a vida, inventando uma nova forma de se relacionar no cotidiano. Com isto, o cotidiano acaba sendo um determinante importante para compreender estas relações, é nela que os fenômenos ocorrem, e, é por ela que ocorrem as multiplicações e a formação do ser social, "o comportamento cotidiano do homem é começo e final ao mesmo tempo de toda atividade humana" (LUKÁCS, 1966, p. 11).

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Para reproducir la sociedad es necesario que los hombres particulares se reproduzcan a sí mismo como hombres particulares. La vida cotidiana es el conjunto de actividades que caracterizan la reproducción de los hombres particulares, los cuales, a su vez, crean la posibilidad de la reproducción social (HELLER, 1987, p. 17).

A atividade não basta ser conceituada pelo fazer, mas também, pelo cotidiano, ou como Michel de Certeau chamou em seu livro "A invenção do Cotidiano” (1998) de "maneiras de fazer". Não é apenas a atividade específica da ação do trabalhador de cortar, despontar e amontoar a cana. É sua cotidianidade, o cotidiano e suas infinitas "maneiras de fazer" que constrói o ser social. O café da turma na parte da manhã, a conversa sobre o vizinho, a escola das crianças, a lembrança sobre a pescaria no rio Jacaré, o casamento do fiscal de turma, o mutirão para a construção da casa de fulano, a "pelada" no final de semana, a "cervejinha" com os amigos, a discussão sobre talhão, as advertências por faltas, a divisão dos eitos. A vida cotidiana é o ponto de partida e o ponto de chegada: é dela que provém a necessidade de o homem objetivar-se, ir além de seus limites habituais; e é para a vida cotidiana que retornam os produtos de suas objetivações. Com isso, a vida social dos homens é permanentemente enriquecida com as aquisições advindas das conquistas da arte e da ciência (FREDERICO, 2000, p 303).

Como aponta Frederico, é nas relações corriqueiras do cotidiano que o sujeito "conversa" com o mundo externo, averiguando as possibilidades e as diferentes "maneiras de fazer". Para fazer seu alimento o ser ara a terra, planta, cultiva e colhe; para se locomover derruba uma árvore, serra a madeira, lixa, prega os pregos, coloca as rodas e faz uma carroça; para conhecer, faz medidas, instrumentos, cálculos, experiências e descobre a distância até o sol. Cada coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser encarada sob duplo ponto de vista, segundo qualidade e quantidade. Cada uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob diversos aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos modos de usar as coisas é um ato histórico. Assim como também o é a descoberta de medidas sociais para a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas de mercadorias origina-se em parte da natureza diversa dos objetos a serem medidos, em parte de convenção (MARX, 1996a, p. 165).

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Nesta relação dialética entre sujeito e objeto, constante e fluída, que o ser social toma sua forma, um ser de consciência. Para Furtado; Svartman (2009), é na atividade que se configurarão a dimensão histórica do campo dos significados, por meio da ação concreta, e a singularidade das escolhas possíveis dos repertórios da cultura, que constitui o contorno peculiar de cada pessoa. É nessa relação dialética que se realiza a práxis e que se constitui a consciência (p. 83).

A práxis da pessoa registrada como Trabalhador Rural é o de cortar cana, plantar e cortar as bitucas rentes ao solo. É exigido muito mais do físico do que da abstração. A atividade está em fazer o que é determinado por homens que planejam, eles indicam onde será a ação, o lugar muda a cada final de colheita, hoje na Fazenda São Vicente, amanhã na Fazenda Olho de Peixe, isto é determinado pelo planejamento, não se volta no lugar depois de já ter realizado a colheita, o lugar é um breve momento no período de safra. Possui seu ciclo com os trabalhadores rurais, eles plantam a cana, colhem e preparam o terreno, um envolvimento conjunto com outras funções: tratoristas, motoristas, fiscais, supervisores, balanceiros, agrônomos, equipe de fertirrigação, equipe de controle de pragas, tudo estipulado pelo planejamento. O planejamento possui seus objetivos, a mais-valia, são formas no modelo de gestão organizacional para tirar o máximo proveito da força de trabalho, do uso das ferramentas, das máquinas. A gestão organizacional interligada com as práticas do recursos humanos direciona para o controle dos trabalhadores rurais, seja ele no âmbito da saúde, como nas formas de fazer o seu trabalho, conforme Scopinho (1996, p. 78): [...] a atual política de recursos humanos do setor sucroalcooleiro visa, sobretudo, formar opinião pública favorável à reestruturação produtiva, ao mesmo tempo em que adequa e submete a força de trabalho ao capital, no sentido de elevar os índices de produtividade com máxima qualidade. Ao discurso científico, aparentemente consensual e pretensamente humanístico, contrapõe-se uma prática organizacional racionalista, que concilia autoritarismo com paternalismo e assistencialismo com manipulação moral e cultural.

Assim, o planejamento organizacional segue uma pedagogia empresarial com objetivos de capturar a subjetividade do trabalhador, vinculando-o a práticas individualistas e competitivas, estabelecidas por metas e pelo medo da demissão.

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O planejamento é um conjunto de regras existentes que deram certo no passado, algumas correções, algumas melhorias, mas nada fora do estipulado e calculado pelas causalidades postas. Da mesma forma temos as causalidades naturais4, ocorrida pelas intempéries do tempo, determinante essencial e primordial para culturas agrícolas, estas nem o planejamento podem conhecer em exatidão, é estatístico. Sem ele não há plantação: necessita de sol o bastante para o crescimento, precisa de chuva para irrigar, poucos ventos para não "deitar" a cana, não gear para não matar as mudas etc. o clima é essencial para o planejamento: janeiro a março período com maiores índices de chuva para o plantio, abril a novembro período de colheita com poucas chuvas para não interromper o corte. O clima interfere e corresponde a vários fatores de mediação no campo: se muito sol o trabalho deveria ser interrompido, por trazer malefícios insalubres, mas o Projeto de Lei 234/075 foi rejeitado; se muita chuva não é possível cortar a cana6, seja pelas condições próprias do cortador ou pela impossibilidade das máquinas e caminhões entrarem no canavial. Além do clima típico da região ser um inerente fundamental para o cultivo da cana-de-açúcar, conforme será destacado no próximo capítulo. Ao mesmo tempo em que essas causalidades oferecem riscos, elas também são responsáveis pela procura do ser em sanar suas dúvidas e seus problemas referentes às "leis da natureza", mas isto não retira das causalidades como um determinante para delinear o movimento da vida cotidiana, assim como, "a essência do trabalho humano consiste no fato de que, em primeiro lugar, ele nasce 4

No final de junho de 2012 ocorreu uma série de chuvas que afetou toda a região, com enchentes e alagamentos, foram 351 mm de chuva durante o mês todo, isto impossibilitou a colheita e para a empresa foi um mês parada, com a empresa tendo que arcar com os gastos salariais. Este acontecimento interferiu na safra toda, pois, no final da safra, o que era para ser colhido durante o mês de junho acumulou para o final da safra a fim de cumprir com as metas estabelecidas para o ano. Com isto, no mês de dezembro, a empresa teve que contratar temporariamente (40 dias) trabalhadores rurais, montar mais uma turma de trabalho e conseguir amenizar as perdas, o clima só pode ser encarado no planejamento com os dados estatísticos do passado, sabe que o índice de chuva mantêm-se na média anual entre os 1250 mm/anual, mas em 2012 o tornaram atípico, com 1579 mm/ano, isto ocasionou toda uma mudança organizacional da empresa e na vida cotidiana das pessoas, já que seus salários dependem de sua produção, como o caso de J. H. L. que pediu demissão por estar descontente com o salário, para ele "o preço não ajuda" (ED com J. H. L., 11 jun 2013). 5

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público rejeitou na quarta-feira (8) o Projeto de Lei 234/07, que reconhece a atividade de cortador de cana como penosa e insalubre. Com a mudança, os cortadores passariam a ter direito a 40% de adicional sobre a remuneração, além de jornada especial de 6 horas diárias ou 36 semanais (AGÊNCIA CÂMARA, 2013). 6

Na entrevista com o sr. Antônio, a única morte que ele viu no campo foi de uma moça que levou um raio cortando cana, não se sabe o certo a data do acontecido, em discussão parece ter ocorrido na década de 90.

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em meio à luta pela existência e, em segundo lugar, todos os seus estágios são produto de sua autoatividade" (LUKÁCS, 2013, p. 43), como descrito por Michel de Certeau (1998) em seus dois volumes de "A invenção do cotidiano" sobre a construção dos acontecimentos corriqueiros e rotineiros pelas causalidades impostas pelo mundo e pela natureza. A plasticidade e flexibilidade do aparato de busca - adaptativo - do ser vivo e a amplitude de suas necessidades combinam-se de modo a constituir níveis de complexidade orgânica e de mobilidade diante do meio. Uma planta, por exemplo, cujo aparato adaptativo a fixa em determinado meio geográfico, está circunscrita às ofertas nutricionais que esse meio específico lhe oferece e, portanto, ajusta-se exclusivamente a ele. Já um animal, pela possibilidade de locomoção, pode, em princípio, ampliar seu meio geográfico e se adaptar a ambientes mais diversos. O movimento de buscar a sobrevivência, ajustando-se às condições do meio, movimento esse presente em todo e qualquer ser vivo, é o protótipo do trabalho (SALGUEIRO, 2013, p. 83)

Quando a invenção do cotidiano se torna rotineira, o uso, o fazer começa a ser espontâneo; se somos iniciantes no corte de cana, iremos errar os primeiros golpes de facão, iremos cansar fácil, surgirão bolhas na mão, aprenderemos que o corte deve ser rente ao solo, que não se pode fazer uso do "telefone"

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no canavial.

Com o tempo e o aperfeiçoamento de técnicas o fazer não necessitará de grande investimento abstrato do como está sendo feito. O mesmo acontece nos casos onde o ser utiliza a probabilidade no cotidiano, (também no caso das causalidades naturais), mas, por outro lado, no cotidiano o ser utiliza de sabedorias adquiridas do passado ou dos discursos do passado, é desta forma que o cortador de cana impõe seu ritmo de trabalho, já que, ele, não tem conhecimento do complexo cálculo realizado para o seu pagamento, assim, ele usa a probabilidade. Na vida cotidiana, o homem atua sobre a base da probabilidade, da possibilidade: entre suas atividades e as consequências delas, existe uma relação objetiva de probabilidade. Jamais é possível, na vida cotidiana, calcular com segurança científica a consequência possível de uma ação. (HELLER, 2008, p. 48).

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Cada cortador de cana é responsável por cortar um eito que contêm 5 ou 7 linhas de cana, normalmente é de 5, com isto o cortador deve levar as 5 linhas emparelhadas, no "telefone" o cortador corta 3 linhas até o final e depois retorna cortando as 2 restantes. Não é aceito isto porque as linhas restantes ficará por cima das outras 3 deixando a despalha da pontas por cima.

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A probabilidade adquirida historicamente - entre erros e acertos - é quem dita o movimento da vida cotidiana, sabe-se que cortando aquele montante de cana o salário será de tal valor, cortando acima o salário aumentará, abaixo correrá o risco da baixa produção. É este, basicamente, o saber sobre o seu fazer, mas isto não retira a consciência sobre o fazer - produção - mesmo que sua atividade seja parte de um todo - divisão do trabalho - o sujeito tem a noção do seu fazer, ele é cortador de cana, estes "são sempre indivíduos determinados, com uma atividade produtiva que se desenrola de um determinado modo, que entram em relações sociais e políticas determinadas" (MARX; ENGELS, 2012, p. 93) e quanto está se falando de trabalhadores/cortadores, sendo colocado no plural, o fazer deixa de ser singular para ser coletivo, para além, histórico. Neste ensejo que Marx; Engels salienta quando referimos "ao 'homem' em vez de se referir aos 'homens históricos reais'" (p. 30). Precisamente, a consideração das diferenças bastante importantes mostra a afinidade essencialmente ontológica, pois exatamente nessas diferenças se revela que o trabalho pode servir de modelo para compreender os outros pores socioteleológicos, já que, quanto ao ser, ele é a sua forma originária (Urform). O fato simples de que no trabalho se realiza um pôr teleológico é uma experiência elementar da vida cotidiana de todos os homens, tornandose isso um componente imprescindível de qualquer pensamento, desde os discursos cotidianos até a economia e a filosofia (LUKÁCS, 2013, p. 47).

Com as citações acima, temos o trabalho do corte de cana como protótipo para modelo de compreensão dos "pores socioteleológicos", consequentemente, Marx; Engels nos encaminha para encontrar a concreta compreensão sobre a consciência de classe, inferida dentro da própria história da classe, em nosso caso, da história da classe dos trabalhadores rurais. A materialidade deste movimento não deve ser buscada apenas no seu aspecto físico/orgânico, apesar de que ninguém ainda tenha conseguido formar qualquer representação sem cérebro ou um sistema nervoso central, mas no fato de que a consciência é gerada a partir e pelas relações concretas entre os seres humanos, e destes com a natureza, e o processo pelo qual, em nível individual, são capazes de interiorizar relações formando uma representação mental delas (IASI, 1999, p. 17).

Desta forma, a particularidade do fazer está relacionada à história da classe de trabalhadores rurais, a história do fazer: "a consequência disto é que em cada processo de trabalho concreto e singular o fim regula e domina os meios" (LUKÁCS,

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2013, p. 57). O fazer, neste sentido, poderia ser resumido em três ações: cortar, despontar e amontoar, como sempre foi feito, mas não, sendo um processo de "trabalho concreto e singular" necessariamente o pôr teleológico "regula e domina os meios", ora, afinal, qual é o pôr teleológico em uma produção pautada na produtividade? Consequentemente é o que se faz/ganha com o fim no valor histórico de seu trabalho (valor de uso?). Neste sentido a particularidade do fazer não poderá estar relacionada com os resultados obtidos com o seu trabalho, isto poderá ser tratado em outro capítulo, neste momento, a particularidade do fazer faz referência sobre a atividade nos diferentes momentos históricos - o processo histórico -, aí sim é possível traçar uma consciência de classe. Neste processo histórico, será possível compreender as diversas facetas do trabalho no canavial em seu correr histórico, mesmo que estas mudanças não trouxessem, de fato, a plena "humanização do trabalho canavieiro" (GOMES, 2012), mas sim, como afirma Scopinho (2010, p. 600) como "um paliativo para aliviar os sintomas provocados pela intensificação do trabalho". A atividade, em toda a história do Brasil e, por que não, do mundo, sempre fora realizado pelos marginalizados, ora por escravos, ora por trabalhadores em situação precária. Mesmo assim, estes trabalhadores possuem uma consciência sobre o que significou e significa o corte de cana para suas vidas, e é desta forma que esta pesquisa ganha vida, não só pautando em números e estatísticas, mas também nos discursos da vida. Conversamos com pessoas que são cortadores de cana, já foram ou estão envolvidos. O senhor Antônio, com 56 anos, morador da Vila Rosa, reside em uma pequena casa, ainda com os tijolos de 6 furos a vista. Desde 2009, o senhor Antônio está aposentado, iniciou sua carreira nos canaviais, nem lembra quando, talvez pelas décadas de 70 ou 80, não se recorda. Embaixo de um telhado de Eternit, chego às 14 horas e, como combinado, está lá a figura cansada dos dias de lida, esperando em sua cadeira, restando outra vazia. O senhor Antônio aguarda o pesquisador com certa curiosidade e receio sobre o que há de importante na vida de um ex-cortador de cana. Outras duas conversas são do senhor Zé Carlos e da dona Iara, um casal, ambos com 42 anos, moradores da Vila Setti, cortadores desde o final da década de 80, ainda hoje aguardam serem chamados para o início da safra de 2014, por enquanto vão levando a vida, ele como mototaxista, ela como dona de casa. A conversa ocorre na sala de sua casa, bem mobiliada, dando destaque para a TV tela

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plana de 32'' comprada pelo suor do trabalho de segunda a segunda na safra passada. Foi agendado para as 19 horas. Chego no horário marcado, ainda aguardo o Zé chegar do trabalho, talvez se atrasou por uma última corrida em sua moto, mas ele chega, entrando na casa já escuto a panela de pressão e o cheiro do feijão vibrante no ar. Por fim, temos mais dois sujeitos de muita experiência, o senhor Zé e o seu João. Do João nada pode ser constatado, apareceu assim, de repente, meio a conversa, mas não pode ser deixado de lado, já que, suas histórias demonstram a verdadeira história sofrida de um homem que sobrevive do trabalho rural, ainda mais carregada de tanta injustiça e pobreza, o João precisava ser ouvido, ele precisa soltar pra fora tudo aquilo que sentia. Com o Zé tinha sido agendado, como é um homem de "negócios" no dia seguinte era para aparecer no escritório, o Zé é agenciador, possui cinco ônibus, por enquanto está parado, aguarda um acerto com uma usina ou com alguma fazenda para a colheita de laranja. Chegando ao escritório, nada me tirava da cabeça que não se passava de uma casa sem residentes, apenas um "cão de guarda", não morde, só late. Depois da chuva, o terreiro estava um lamaçal, queria sentar ali mesmo, em cima de umas tábuas, fomos para a rua, sentados no meio fio com o João já de frente sentado a rua, no Jardim São Luiz, bairro calmo, passava ali algumas pessoas, ora o carro de som anunciando a madeireira, ora algumas motos com escapamento furado. Estas pessoas contribuíram de forma brilhante para completar com várias peças a totalidade que envolve o corte de cana, como disse Gomes (2012, p. 212) "o canavial não produz mestres com habilidades especiais", mas produz gente com simpatia e generosidade, que contribui com um desconhecido e atrevido estudante, o jeito caboclo e simples possa ter ajudado, mas o que de fato contribuiu foi o mesmo sentimento de raiva e angústia com um sistema selvagem e perverso que arrasa a "dignidade humana". Com todos estes meus parceiros, existe um agradecimento para a atividade, sendo ele precário ou não, foi com o corte de cana que puderam sobreviver ou conquistar alguma coisa na vida. Como diz Lukács (2013) o trabalho parte, em primeira instância, para sobreviver, e de fato foi o que aconteceu em todo o processo histórico de quem depende do corte de cana, se hoje conseguem alguma coisa, não é sem um esforço imenso típico de um batalhador.

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Comecei com uns 22 anos mais ou menos. Eu era pedreiro mesmo profissional em São Paulo, aí em vim pra cá, não tinha serviço fui obrigado a entrar cortar cana (Antônio, 9 jan 2014). Quanto tempo vocês estão trabalhando no corte? Ah faz tempo, é que a gente sempre trabalho no corte depois saí, muda um pouco volta, Eu estou desde 88, 88 não, 98, 97 é 88 meu primeiro registro foi na cana, 88, é isso mesmo. A maioria das vezes é no Estado de São Paulo, Usina São Luiz, Agreste, como safrista. Registrado (Zé Carlos, 20 jan 2014).

Para o senhor Antônio, o mais antigo cortador entrevistado, o trabalho tem como compromisso tirar os filhos daquelas condições precárias, o que não quer para si, não quer para os filhos. O trabalho possibilita trazer uma renda que mantêm os filhos em formação ou profissionalização para seguir outro rumo na vida, como nos lembra Maciel (2012), Ainda bem que as famílias batalhadoras sabem a verdade sobre o mundo do trabalho, Ele é cruel com quem não estuda, cobra o preço da dignidade como um feitor dos tempos de escravidão, com chicotadas proporcionais ao tamanho do erro do escravo. Como o escravo apanhava quase sempre injustamente, o batalhador também paga injustamente com seu corpo pelas adversidades econômicas de seu tempo (p. 111).

E a fim de libertar os filhos do cotidiano do corte de cana, o senhor Antônio inicia sua atividade, como ele mesmo diz: "obrigado", mas com orgulho de poder criar os filhos, dar estudo, só isto já basta. Ou seja, o senhor Antônio levou inúmeras chicotadas em seu tempo, mas em troca a carta de alforria foi dada para seus filhos, ou é isto que ele espera. Aí fui obrigado a entrar. Foi bom pra mim, criei todos meus filhos cortando cana, estudaro. Estudaro até quando deu lá, pra mim foi bom. Trabalhei mais na Usina Jacarezinho, pode contar 18 anos que faz muito tempo e nós passava direto (Antônio, 9 jan 2014). Não tinha entressafra? Não tinha, era meio diretão, não tinha férias, não tinha nada. Agora tem né, agora pára, tem férias, mas naquele tempo não tinha não (Antônio, 9 jan 2014).

Só em um ponto o senhor Antônio não acerta, "agora tem, né", pois bem senhor Antônio, agora ainda não tem, se mantêm. Um pouco mais camuflado, um pouco mais rigoroso, mas ainda tem, e isto não foi há 10 anos ou 5 anos atrás senhor Antônio. Ano passado (2013), em pleno século XXI, o "homem é sujeito de suas ações" como diria Enriquez, este homem sujeito de suas ações "escolhe" o não

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ter férias, não ter paradas, não ter descanso. Se não trabalha em casa, trabalha cortando cana. E em dia de folga o que faz normalmente? Descansa né rapaz, mulher ainda trabalha mais limpando a casa, trabalha lá e trabalha aqui, mas geralmente descansa mesmo. Chega domingo você não nem vontade de sair pra lado nenhum, não tem nem vontade de ir pra casa de parente. Quando não tinha o tal de "dobra" lá em dia de domingo, a gente ia em todos. E como funcionava isto? Se trabalhava semana inteira se já ganhava no domingo, daí eles precisavam de cana e já avisava no sábado, amanhã se vim é 100% o preço da cana, não era obrigado a ir não, se você quisesse, só que ganhava bem e já vinha com o dinheiro no bolso. Pagava no dia, se você cortasse R$ 50,00 você ganhava R$ 100,00 era dobrado o preço da cana, o tempo que andava precisando, que andamos comprando umas coisa, nós íamos em todos, foi 7 a 8 meses, quase uma safra (Zé Carlos, 20 jan 2014).

Não se pode dizer que é uma escolha, talvez seja uma obrigação para conseguir sair das dívidas acumuladas no período que não se trabalha. Não se trata de questionar a causa destas dívidas: se é para comprar comida, se é para comprar uma tv ou para comprar um carro. No submundo da negligência organizacional para a mais-valia, manter este trabalhador fora da empresa no período que não se colhe ou quando não corta o mínimo necessário, o trabalhador é eliminado, jogado para fora sem ao menos ter uma explicação, um motivo se quer8. Saímos de bastante dívida, agora nós paramos e volto de novo, porque só eu trabalho, a mulher não trabalha. Paramos em junho na cana, faz 7 meses (Zé Carlos, 20 jan 2014). E quanto anos o senhor já esta nesta lida? Ah faz tempo que to nesta lida, uns 20 anos que eu lido com este troço, agora que parou. Parou ou aposentou? Não, não parei ainda, só to esperando voltar. Só numa fazenda trabalhei 18 anos, Destilaria Ponte Preta, entrei em 88, antes eu dirigia, era motorista (Zé, 20 jan 2014).

Submetidos às condições precárias do canavial, seja para pagar as dívidas acumuladas pelo consumo de bens, seja para dar um futuro aos filhos, o fazer, o realizar a atividade possui um sentido-valor. Esta realização do fazer tem em seu pôr teleológico uma razão causal estabelecida pelas causalidades postas pelo mundo capitalista, o consumo ou a sobrevivência andam juntos para a conservação do 8

Das 46 demissões de trabalhadores rurais ocorridas em uma usina de Jacarezinho, 43% dos demitidos não sabem o motivo do desligamento (Diário de campo, 2012 e 2013).

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capitalismo, são subterfúgios para livrar das próprias algemas da crise estrutural do capital, tal como os escritos de Furtado; Svartman (2009, p. 95), "os movimentos produtivos, as crises, as formas de consumo, a transformação e a destruição do mundo, tudo isso está determinado por leis objetivas às quais os homens se submetem". E se submetem as condições mais impróprias. Os questionamentos de Marx (1996a; 1996b) sobre a mais-valia absoluta ou mais-valia relativa estão nesta ordem de submissão, algumas vezes inconsciente, outras por necessidade. No trabalho, o trabalhador não possui horários específicos, ele até pode fazer as suas 8 horas estabelecidas pela CLT, isto se tem sorte de estar em uma empresa que segue as leis, de outra forma, seu itinerário é estabelecido sobre sua produção, o tempo encurta, mas a produção aumenta. Sant'Ana (2012) em seu livro "Trabalho bruto no canavial", revela a participação de centros de pesquisas para o desenvolvimento produtivo dos canaviais, as transformações das espécies de cana-de-açúcar para reter maior sacarose, canas mais leves e eretas, acompanhadas das mudanças no corte de cana, como a diminuição de sete ruas para cinco ruas são invólucros para maior produtividade do trabalhador rural. Dentro os invólucros, o trabalhador "ganhou seu espaço", deixando de responder a um intermediário, o agenciador, muito comum nas décadas passadas, e ainda, com muita frequência nos campos de laranja do Estado de São Paulo. Estes empreiteiros ou gatos ou agenciadores faziam a ponte entre empresa-empregado, seriam responsáveis em apenas fornecer os números de cabeças conforme estipulado pelo planejamento, um trabalho que nos lembra o feitor dos tempos de escravidão, descrito por Gilberto Freyre (2003) em "Casa-grande & senzala", a captura de escravos para o trabalho nas fazendas de cana-de-açúcar ou tabaco eram precipitados de "maneira infernal". As capturas eram acompanhadas de "grande desperdício de gente: talvez maior que na captura e transporte de africanos" (p. 240), em sentido aos grandes massacres que ocorriam nas capturas. As mudanças ocorreram; a captura fora trocada por agenciamento, nome pomposo e menos degradante, as chibatadas foram substituídas por palavras doces, não se ordena, agora se pergunta: quer trabalhar? Naquele tempo, os empreiteiro que vinham atrás da gente, precisava de tantas pessoas, e eles vinham atrás, pegava os documentos da gente, levava lá na usina, aí a usina registrava nós. E a gente ia lá pra assinar as coisas (Antônio, 9 jan 2014).

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Eu era agenciador. As usinas que nos encarrega, ela chama a gente no escritório pra fazer o contratar o pessoal pra trabalhar pra eles (Zé, 20 jan 2014).

Não se pretende caracterizar o agenciador de hoje com a personalidade bruta e estúpida do feitor dos tempos de escravidão, pelo contrário. Hoje, agenciadores e trabalhadores estão no mesmo barco para sobreviver ao mar tumultuoso do capitalismo selvagem, se é que existe um capitalismo humano. A tarefa do agenciador nos remete a um resquício das épocas de escravidão, assim como o próprio cortador de cana e os senhores de engenho, já que, a própria indústria mantém o velho sistema de produção: engenho, moinhos, caldeira etc. A recompensa - salário - do agenciador era/é de bom grado, mesmo porque a sua atividade se resume em "fica dentro do ônibus e o fiscal toma conta deles" (Zé, 20 jan 2014), para isto - correr atrás do pessoal -, o agenciador recebe, 40% do serviço do pessoal, 40% do bóia fria. A fazenda chama a gente e já deixa certo já os 40% (Zé, 20 jan 2014).

E quando afirmamos que todos estão no mesmo barco, todos acabam sendo enganados e manipulados para a mais-valia, ora, de qual outra forma se conseguiria obter os lucros esperados sem explorar a classe trabalhadora. Está aí à razão dos trabalhadores do corte de cana não terem os requisitos de "talentos, criatividade e atualização profissional permanente" (GOMES, 2012, p. 210), diriam os chefes de recursos humanos: "deixem seus cérebros do lado de fora da empresa", como teria dito Taylor (idem). O salário, como será explicado mais a frente, está pautado no peso da cana cortada, tendo a tonelada como medida de peso, mas quem sabe este peso? O cortador não carrega uma balança debaixo dos braços, muito menos uma balança que tem sua medida em toneladas. Resta e eles acreditar nas modernas e exatas balanças das usinas (com ou sem aspas já que a exatidão só tem um lado). Mas como o sr. sabia quanto dava, o peso? Não, nós não sabe. Eles não falam, eles não falam nada pra ninguém. Fazendeiro não fala nada pra ninguém, é tudo combinado com o sindicato, eles é uma quadrilha, tá entendendo? Os fazendeiro junto com o sindicato e óh na turma (ferro). Assim que é o negócio, eles pensa que o sindicato é a favor do pessoal, mas o sindicato não é a favor do pessoal, o sindicato é a favor do fazendeiro, tá entendendo? Por isso que dá zebra pro lado do pessoal, tá tudo parado aí, se o sindicato quisesse não deixava a máquina entrar na fazenda, na propriedade, o sindicato não deixava, né João?

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Maquiamento lá na usina Dacalda pra corta cana, tinha que por gente, porque que eles não fizeram isso? Na Usina Jacarezinho, porque que não fizeram isso? Não, tem que por a turma, tão ponhando máquina, tão tudo parado aí (Zé, 20 jan 2014).

Isto quando recebe o pagamento disfarçado e de complexo cálculo, do contrário, a vida árdua fica sem o merecido e suado salário, Saímos em junho (2013) da Usina Bandeirantes e até agora não acertaram, ponhamo no sindicato e até agora não resolveu nada, faz 7 meses já (Zé Carlos, 20 jan 2014). Ih rapaz numa fazenda que trabalhei no Estado de São Paulo, nunca vi uma fazenda desgraçada como aquela, olha rapaz perdi mais de 100 mil conto lá, não achei um direito, ninguém pra receber isso aí. Ainda pegou fogo dentro ainda, dois bujão pegou fogo lá. No ônibus? Não rapaz, na usina. Ah nos tanque. É, nos tanque, lazarento, perdi mais de 18 anos trabalhando lá (Zé, 20 jan 2014).

Não se pode deixar enganar, os números apresentados pelos agenciadores normalmente são de 6 dígitos após a vírgula, para confirmar, só fazer uma conta simples como ele nos explicou: 40% do peso de cana cortada de cada trabalhador (quase a metade), multiplica por 50 pessoas dentro de um ônibus, conforme o número de ônibus de cada agenciador, multiplique por 5, 6 ônibus ou até mais9. Nesse jogo, cabe ao agenciador montar a melhor equipe de corte, como a famosa Turma 17 da usina destacada nesta dissertação10, sempre batendo recordes: maiores toneladas cortadas, menores índices de acidentes no trabalho, menores índices de faltas etc. tudo em prol da produtividade, como foi o motivo apontado por uma trabalhadora demitida na usina que acredita ter sido trocada "só para o empreiteiro ganhar dinheiro" (Diário de campo, 10 mar 2013). Com o salário por produção, o discurso acaba sendo levado para a individualidade, o "só depende de mim" torna a ideologia seguida dentro dos canaviais, "a rede humana com fios soltos, sem nós, extremamente individualizados 9

Quando as usinas foram dispensar o uso dos agenciadores, muitos deles receberam uma quantia acima dos R$ 700.000,00, como acerto para não entrar com processo trabalhista, já que os agenciadores trabalhavam sem registro. No caso do Zé, ele diz que perdeu 18 anos por não ter recebido este acerto (anotações do Diário de campo, 2012, para acerto com a turma do William). 10

Funcionário: _ A turma 17 está com 32 (trabalhadores). Precisamos chegar nos 60. Pra isto vamos dispensar outras turmas e contratar para a 17 (Diário de campo, fev 2013. Em 08 mar 2013 a turma 44 foi dispensada inteira, 47 trabalhadores rurais foram demitidos).

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e concorrenciais (GOMES, 2012, p. 210). Sempre foi assim, conforme a produção é o tamanho do prato de comida ou o salário obtido, com um diferencial, antes os escravos renunciavam a tais condições, fugiam ou morriam. Hoje, as condições são aceitas sem questionamentos, a classe-que-vive-do-trabalho tem sua subjetividade captura pelas ideologias do mundo capitalista (ANTUNES, 2011), o sucesso só depende do trabalhador rural, se foi demitido é porque "não atingia a meta" (Diário de campo, 7 jul 2012), sendo assim, a demissão está na razão. E o sr. prefere salário por produção ou salário fixo? Ah eu acho melhor por produção né, porque produção é melhor né. Ganha mais, o cara se esforçar ganha mais, se não esforçar não ganha nada, ganha só aquilo mesmo (piso salarial) (Antônio, 9 jan 2014).

O senhor Antônio mais uma vez se engana, não "ganha só aquilo mesmo", o piso salarial não rende a empresa a mais-valia esperada, a demissão é certa. Talvez o senhor Antônio estivesse se referindo há anos, quando a produtividade não estava em estudo e pouco importava a quantidade cortada. Em conversas com os amigos da usina, contaram que nas décadas passadas, antes da mecanização, a média de corte era de 3 ou 4 toneladas, com o avanço tecnológico no canavial, como já foi dito pela Sant'Ana (2012) e pela mecanização, a concorrência aumentou, aumentando também a produção, consequentemente, a saúde do trabalhador piorou. Sentindo na pele as dores do esforço, necessitam no final da safra de um descanso. E para na safra ou continua? Agora eles para, melhor pra descansar um pouco. Naquele tempo não deixava descansar não, não tinha férias não tinha nada. Na entre safra carpia, plantava cana. Mas não era todos não, só os melhor, eles escolhia lá. Mas os outros voltavam depois? Voltava. Voltava porque não tinha máquina (Antônio, 9 jan 2014).

Por outro lado, sendo o trabalhador registrado pela empresa, sem a mediação dos agenciadores, este descanso não aparece, pois o trabalhador deve cumprir a jornada de trabalho estipulada por lei, o descanso só vem com as férias de 30 dias, isto se é que tem direito. Esta prática do descanso, motivo de greves e reivindicações, se trata de uma artimanha feita pelos próprios trabalhadores, como pode ser acompanhado no final da safra 2012 na usina. Estes trabalhadores, com o fim do corte, acabam recebendo o piso salarial da categoria (abaixo do salário mínimo), desta forma preferem ser demitidos para poderem fazer seus "bicos" sem

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registro, além de receber o seguro desemprego por 6 meses até o final da entressafra (contando também outros valores da rescisão: férias, 13º, FGTS, Seguro desemprego, benefícios). Com o valor, muitas histórias são que eles dão entrada na compra de algum bem (investimento): os tijolos que estavam faltando para a casa, alguns eletrodomésticos, na compra de um terreno, um sítio, até em umas vacas ou garrotes para aqueles que já têm sítio. Esses trabalhadores rurais são adaptados ao funcionamento do capitalismo, procuram de adaptar aos novos cenários (fim da atividade), tentam não só sobreviver, mas também, crescer profissionalmente, se empenham em várias jornadas de trabalho e em vários locais de trabalho, para eles não tem fim de semana, não tem feriado, se não trabalham na empresa trabalham em casa, no sítio, no vizinho, fazem seus bicos. Esses trabalhadores buscam aprender, vão às escolas no período noturno, fazem cursos, como é o caso da Tatiane que pediu demissão do corte para "mudar de profissão e voltar a estudar" (Entrevista de desligamento, 29 jun 2012), do Reginaldo que foi "trabalhar com granja de frango, área de sua formação" (Entrevista de desligamento, 4 out 2012), do Thiago que já tem "curso de eletromecânica" (Entrevista de desligamento, 24 set 2012) e de muitos outros que buscam alçar voos maiores, neste cenário, estes batalhadores buscam se desgrudar da "ralé" brasileira (SOUZA, 2009). Estes batalhadores são como os guerreiros medievais: vestem as armaduras feitas de roupas esfarrapadas que serão sujas pelo pó das queimadas; colocam seus capacetes chamados de "touca árabe"; colocam as perneiras, as botas para proteção das lâminas afiadas, dos animais peçonhentos; as luvas feitas de fios de aço e, por fim, suas espadas, facões bem amolados para aguentar os 95 golpes por minutos. Os cavaleiros modernos não tem cavalos, eles montam em caminhões ou ônibus, a batalha inicia ainda com o céu escuro, na madrugada. Acordava cedo, 5h tinha levantar pra pegar a condução, 6h tem que estar no ponto, naquele tempo era caminhão, os caminhão pegava nóis. Depois que foi vir o ônibus estas coisas aí. Eu gostava sim. Naquela época já tinha equipamento de segurança, EPI's? Não, no começo não. Depois que começou a vim estas coisas aí, luva, caneleira, estas coisas (Antônio, 9 jan 2014). E o horário de trabalho ia até que horas? Era das 7h as 5h. Só que naquele tempo que comecei a trabalhar, não tinha este negócio de descansar 1 hora, você que fazia sua hora, não tinha negócio não descansava, se eu quisesse trabalhar, trabalhava. Hoje tem horário, horário de almoço, café. Naquele tempo tinha também, só que a

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gente não fazia, pra ganhar mais. Nós não fazia horário (Antônio, 9 jan 2014). Quando a gente estava lá, que é mais longe, a gente acordava 4h aqui, levanta faz o almoço e vai, o almoço era 11h, no almoço se parava pra almoça e depois, as 14h era o café, depois tinha mais 30 min de café, e depois parava que era bem longe lá (Zé Carlos, 20 jan 2014).

Nestas duas falas, podem-se comparar as duas situações vivenciadas pelo Antônio e pelo Zé Carlos, quase 30 anos de diferença entre os modos de trabalho de para os modos atuais. Deixando em evidência a constituição histórica da consciência destes dois trabalhadores, bem diferentes, um mais "inocente" outro mais ciente dos fenômenos universais que envolvem sua vida. Esta inocência fácil de ser manipulado pelos capitalistas, como cordeiros frente aos lobos famintos, como o caso do senhor Antônio em sua aposentadoria, diz ele ter sido muito bom para a empresa, "trabalhei 17 safras na usina, num levei gancho, advertência", como mérito de sua bondade, diz ele: "Me deram até uma carta quando eu sai daí, não dei trabalho", quando ele foi buscar a carta voltou com um certificado do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Senar, por ter realizado o curso de corte de cana em 1995, e com o manual do corte de cana. Sua bondade com a empresa lhe garante uma felicidade e uma procura pelo reconhecimento pelas 17 safras sem gancho, se é uma vitória para o senhor Antônio, com certeza quem realmente saiu ganhando foi a empresa. Este é pra saber com a gente fazia (como tinha que fazer). Pra açúcar é bem tirado, agora pra álcool é meio por cima, e isto é pra gente como fazia (o manual do corte). E o sr. sabe ler? Olha sei male má assinar o nome. Mas como que o sr. fazia com o livrinho? Ah eu via (as figuras). E serviu para alguma coisa? Ah serviu, agente aprende né. Que nem aqui... (mostra a figura, mas não conclui). Uns par de livros eles me deram. Olha aqui, aqui é um monte, quando se vai pegar o eito, o eito é 5 rua. Eles já avisam que é monte (amontoar a cana para a motocana carregar o caminhão) quando é esteira, eles já avisam também (Antônio, 9 jan 2014).

Mesmo porque, não fora sua bondade que lhe manteve no trabalho, foi sua capacidade produtiva direcionada pelo manual do corte de cana ou pelos fiscais atentos na qualidade do serviço, única e exclusivamente, do corte de cana, uma parte do todo. Se os questionamentos sobre a divisão do trabalho como mecanismo de fragmentação do saber humano sobre o trabalho, no canavial a forma de fazer

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mais parece com o sistema fordo-taylorista, no qual sempre existe a figura do ser hierarquicamente acima do trabalhador rural que dita às formas de fazer, dando maior fragmentação no trabalho - fragmentação do fragmentado. O processo de trabalho passa a ser fragmentado numa proporção antes inimaginável, dividi-se em operações abstratas e mecânicas, interrompendo a relação do trabalhador com o produto e reduzindo sua tarefa a uma parte especializada de um conjunto muitas vezes incompreensível. O trabalho é planejado sobre a base de um cálculo racional de lucratividade e, dessa forma, realizam-se uma previsão e um cálculo cada vez mais exatos de todos os resultados a serem atingidos, decompõe-se os conjuntos nos seus elementos, separam-se as prescrições das habilidades e conhecimentos particulares (FURTADO; SVARTMAN, 2009, p. 96).

O trabalhador perde sua potencialidade de ação sobre a sua atividade, substituindo o seu pôr teleológico referente ao fazer, por de um pôr teleológico de outro, conforme Fernando Braga da Costa (2008, p. 378), "a dominação de humanos sobre humanos pode ser explicada segundo diversas razões. Na era da cultura fabricada e embalada para venda e compra, a autorização para uns governarem outros, a autorização para exercer a força e o comando, parece ser atribuída ao controle da técnica e do conhecimento formalizado". Para o trabalhador, esta perda de possibilidade faz com que o dever-ser se apresente incompleto, sem sentido, estranhado. A divisão de trabalho passa a ser substituída com uma pequena apresentação da empresa na integração, que não integra, só dissimula a grande cisão entre lugares e pessoas. O produto apenas em sua objetividade, "Ah faz o açúcar e o álcool, geralmente é isto mesmo" diz o Zé Carlos, sem poder contribuir com um conhecimento sobre o processo de objetivação a stricto sensu. O seu conhecimento pauta-se "só o produto final. Eu mesmo nunca trabalhei dentro da usina, sempre no campo", acrescenta o entrevistado sobre o seu processo de trabalho com a fragmentação do trabalho já fragmentado - fragmentação do fragmentado. E porque eles preferem eito pareio e não telefone? Isto que também não entendi até agora, serviço mal feito não é porque se tem que cortar do mesmo jeito. Tem uns que corta 3 pra e desponta e depois joga as duas em cima e quando vai desponta corta uns toco das outras, aí desperdiça, isto quando corta, as vezes nem corta, encobre de qualquer jeito e vai. Eu sei que eles não gostam do telefone, não sei se nas outras eles aceitam. Se não fazer o telefone se não faz nada. Aceitam, se não fazer não tem rendimento, porque se tem que levar pareio, olha pra você vê, se tá pegando aqui e tem que pular 5 sulco e pegar a quinta rua lá e jogar aqui. Então você levando 3 rua trabalha pertinho, e depois se pega duas e

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trabalha pertinho, não precisa se tá cruzando sulco, só anda em linha reta. Agora é ruim se levar 5 rua, tem lugar que as vezes o fiscal vem e fala que tem que levar pareio porque é cana de fornecedor,o cara é exigente, aí tem que levar pareio. Mas tem dia que cai 50% da produção cai, e muita gente desanima (Zé Carlos, 20 jan 2014).

A divisão do trabalho consiste na "decomposição de uma atividade", o processo de produção de qualquer objeto é suprimido a pequena parte que compõe a totalidade do objeto, como no processo de fabricação de automóveis, os quais cada trabalhador possui sua "restrita escala de ação", conforme explica Marx (1996a), esta forma de executar as atividades elimina os "poros" na jornada de trabalho, ocasionado pelas mudanças de locais de trabalho, mudanças de instrumentos etc. com a divisão cada trabalhador pode se aperfeiçoar - "trabalhador detalhista" - no seu ofício e no uso de suas ferramentas. Para Marx (ibidem, p. 455), a execução "dependente da força, habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual no manejo de seu instrumento", neste caso, o uso do facão pelo trabalhador é sua única e exclusiva atividade, sendo necessário executá-la com perfeccionismo (rente ao solo, desponta correta, tempo na execução, entre outros), não sobrando "poros" para outros afazeres. A atividade do cortador de cana é "a transformação do trabalho parcial na profissão por toda vida de um ser humano" (idem). Esta divisão do trabalho não necessariamente resulta em um estranhamento com o mundo do trabalho, tal precondição parte da retirada do ser a capacidade de teleológica sobre o objeto, exemplificando, caso conteste a existência do estranhamento para os trabalhadores que foram retirados da capacidade de pensar o objeto, como os exemplos de Marx (1996a) sobre os artesãos que produziam suas carroças, a partir de um certo momento histórico a possibilidade de produzir seu objeto foi restringido a uma pequena parte de todo o processo. Para tanto, com as mutações do trabalho, o ser atual já se insere no mercado de trabalho com a divisão do trabalho já estabelecida, ou seja, sua dimensão subjetiva já foi construída de forma fragmentada. Com isto, como podemos pensar o estranhamento para o ser dos fragmentos consolidados como a totalidade de sua atividade? Onde se encontra o estranhamento em uma atividade que para o trabalhador sua objetividade consiste nas canas cortadas? Qual a construção ontológica do ser social dentro da divisão do trabalho?

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Para tentar responder estas questões a compreensão essencial está no salto de Lukács, na interpretação dos textos de Marx dispostos na "Ontologia do ser social". Primeiro, o estranhamento é característico de uma particularidade histórica, o estranhamento para Lukács é um "fenômeno exclusivamente histórico-social, que emerge em certos picos do desenvolvimento em curso, assumindo a partir daí formas historicamente sempre diferentes, cada vez mais marcantes" (LUKÁCS, 2013, p. 577). Assim, as mutações na relação do ser com o trabalho faz emergir diferentes

aplicações

de

estranhamento.

Contudo,

o

estranhamento

está

diretamente calcado nas bases ontológicas do ser social. Não resulta, unicamente, da divisão do trabalho, mas sim, nas impossibilidades de se objetivar. "Um ser não objetivo é um não ser" (MARX, 1982 apud LUKÁCS, 2013, p. 579). O fato de objetivar trabalha com todo um processo construtivo de como será feito, teleologia - objetivação - objeto, e o objetivar é a possibilidade concreta do ser colocar em prática o pôr teleológico. Para Lukács, o processo do pôr teleológico, consiste em um "dever-ser" - Sollen -, ou seja, no "desejo de objetivar", tendo consciência de que seu conceito "é muito mais complexo" (MÉSZÁROS, 2013, p. 45). O "dever-ser" ou o "desejo de objetivar" não estaria relacionado com um "caráter teleológico", de uma simples tarefa teleológica de fazer o que vem a mente, Lukács (2013) enfatiza que o pôr teleológico tem um "caráter causal", o processo ontológico tem uma causa como princípio e um objeto como fim. Os pores teleológicos singulares constituem pontos de partida para cadeias causais singulares que se concentram no processo global, recebendo nele também novas funções e determinações, que, no entanto, jamais poderão perder seu caráter causal (LUKÁCS, 2013 p. 580).

Todavia, a gênese causal tem pertinência histórica, somente no dado momento histórico é que se terá a possibilidade de serem resolvidas as causalidades que surgem pela dialética entre o singular e o universal, como no projeto utópico de Leonardo da Vinci em desejar voar, conforme exemplo de Lukács (2013, p. 57), tal possibilidade só foi possível anos mais tarde. O que se pode entender é que não basta apenas um "dever-ser", as causas para tal efeito só é possível com reais possibilidades de concretizar o objeto, porém, as possibilidades estão concisas com os meios, a possibilidade de concretizar só é possível com o conhecimento da natureza, dos instrumentos, das ferramentas, uma "investigação

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dos meios" (idem). Leonardo da Vinci não conseguiu o voo por não conhecer as leis da natureza (física), e por não ter instrumentos para impulsionar a sua invenção (o motor), por isso, o processo ontológico, a priori, consiste em conhecer o uso dos meios, e (para mim) é a grande "sacada" de Lukács, pois os meios acabam sendo até mais importante que o próprio objeto; pois os meios (instrumentos, ferramentas etc.) persistiram na história, terão o seu valor de uso. De fato é a grande "sacada", já que, de que vale o trabalhador rural em sua atividade resultar em cana cortada se seu uso não lhe proporcionar nenhum valor de uso, mesmo que a cana-de-açúcar seja utilizada para o simples grado do doce paladar após uma refeição, o produto cana-de-açúcar irá se dissipar na história, dissolve, acaba, enquanto que o instrumento para o corte de cana irá permanecer vivo nas próximas gerações como um meio para tal atividade. Uma vez que a investigação da natureza, indispensável ao trabalho, está, antes de tudo, concentrada na preparação dos meios, são estes o principal veículo de garantia social da fixação dos resultados dos processos de trabalho, da continuidade na experiência de trabalho e especialmente de seu desenvolvimento ulterior. É por isso que o conhecimento mais adequado que fundamenta os meios (ferramentas etc.) é, muitas vezes, para o ser social, mais importante do que a satisfação daquela necessidade (pôr teleológico) (LUKÁCS, 2013, p. 57)

Retornando as questões sobre o estranhamento, o efeito estranhado para o trabalho consiste na impossibilidade de objetivar, nem tanto da divisão do trabalho, mas da reclusa do agir ontológico no trabalho, em certa "proibição" em pensar o fazer, como no início deste capítulo, um planejamento realizado por pessoas específicas. A ação reside aos supervisores, como Taylor nos instrui "deixem seus cérebros do lado de fora da empresa" (GOMES, 2012, p. 210). O estranhamento consiste em um pulo da causalidade direto para o objeto estranhado, já que o trabalhador não contribuiu para o pôr teleológico. Por outro lado, o gênero humano, a vida genérica, possui sua essência na vida produtiva, para Marx (2008, p. 84) a "atividade conscientemente livre é o caráter genérico do homem", portanto, é possível pensar em um homem que cria artimanhas para mostrar vitalidade produtiva no trabalho, aquele ser malandro no bom sentido, das engenhosidades, das "gambiarras", do jeitinho brasileiro, do cortador de cana que coloca uma pedra ou um tronco de árvore no monte para aumentar o peso, dos montes de desponta para dar volume etc. O trabalhador

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pensa em como tirar proveito das condições precárias do trabalho, mesmo que seja no boicote, na quebra das máquinas, nas greves. No passado, para o trabalho, como disse Antônio, era tudo "meio largado", dava-se um jeito para trabalhar, mesmo realizando uma parte do todo, a vida produtiva do ser não pode parar, dá-se um jeito, "era cento e pocas pessoas no caminhão. Aquele tempo era meio largado. [...] Colocava um toldo em cima, colocava uns encerado em cima, uns banco de tábua" e pronto, já ia trabalhar. Pode-se dizer que o processo de objetivar tinha um pouco mais de "atividade conscientemente livre". Com a mecanização dos canaviais, a situação complicou como diz os entrevistados, o "princípio subjetivo da divisão é suprimido na produção mecanizada" (MARX, 1996b, p. 15), a linha de produção realizada pelas máquinas acaba sendo mais perfeita (horários, produtividade, velocidade, agilidade etc.), mesmo sendo péssimo para os tratos culturais, a colheitadeira já é uma realidade nos campos, mesmo apresentando seus problemas, isto só é parte de uma adaptação tecnológica. Para o trabalhador, "a máquina atrapalhou tudo, cheguei a ver quando chegou três máquinas ali na Jacarezinho, ficou parada ali, vinha gente de fora pra pilotar a máquina, naquele tempo não tinha ninguém daqui que pilotava" (Antônio, 9 jan 2014). Nesse bojo, a atividade vem sendo realizada pela máquina, o trabalho que já estava fragmentado, não tem como fragmentar mais, é o mínimo da atividade, "agora a máquina entra colhe tudo" (João, 20 jan 2014), resta ao trabalhador procurar novas atividades para o sustento de suas famílias e, por enquanto, vai "levando" no corte de cana, realizando alguns "bicos". Espera aposenta na cana? Ah, acho que não né, a gente só vai porque não tem outra opção mesmo. Ah quem sabe né, no futuro pertence a Deus né (Zé Carlos, 20 jan 2014). Porque a sra. acha que não tem outra saída? Porque não tem né, pessoa que tem estudo aí está sem serviço, aí a gente que não tem piorou, é o que sobrou mesmo. Mas já tentou outra coisa, procurou? Aqui, certinho, aqui é só negócio de roça mesmo. Tem a Seara, mas se vai trabalhar na Seara o salário lá é o mínimo, trabalha viu. Este salário aí pra nós não dá, nosso gasto aqui é alto, aí o salário lá é mais, aí nós vamos lá. A gente deixa a usina aqui e vai lá, é 90 km, esta usina daqui paga mal. Aqui na região, no Paraná é fraco, porque na Bandeirantes é pior que aqui, lá é explorado, onde já se viu ganhar R$ 9,00 por dia, trabalhar o dia inteiro e ganhar R$ 9,00, R$ 7,00 (Iara, 20 jan 2014).

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Durante as conversas, muitas vezes o entrevistado se contradizia em suas falas, principalmente com o Antônio. Isso faz lembrar as análises feitas por Max Pagès et al (2008) que foram publicadas no livro “O Poder das Organizações”, sobre as empresas hipermodernas. Para o autor, O educador do homem da organização não são tanto as pessoas com as quais ele se relaciona, seus chefes, os formadores da empresa, são a própria organização, suas regras, seus princípios, suas oportunidades, suas ameaças, que estruturam sua vida, o fazem tremer, esperar e gozar, e das quais os chefes não passam de servidores e intérpretes, eles próprios submetidos como todos à divindade (p. 37).

As contradições partem de conflitos psicológicos sobre a realidade do trabalho; as empresas hipermodernas com suas ideologias jogam para os trabalhadores toda a responsabilidade de suas ações, eliminando de si todos os compromissos com o funcionário. Em um desses momentos, o senhor Antônio nos fala que no início de sua carreira foi o melhor período de trabalho. E em todos em anos, qual foi o que o sr. sentiu que estava melhor? Logo no começo, eu achava que nóis ganhava bem na época. Depois foi fracassando mais (Antônio, 9 jan 2014).

Com o andamento da conversa, parece que o mundo reflexivo vai se abrindo, com os questionamentos sobre a atualidade, com a obrigatoriedade do uso dos EPI's, com os equipamentos cedidos pela empresa (botas, óculos, marmita), o cumprimento dos horários, etc. Estas questões levam o senhor Antônio a pensar o como foi e o como está, colocando-se como sujeito histórico que vivenciou o passado e o presente. Com a questão novamente, Escolhe trabalhar naquela época ou agora o que o sr. prefere? Agora né, agora ganha tudo (Antônio, 9 jan 2014).

O que antes poderíamos pensar nas contradições pelos jogos ideológicos inventados pelo sistema capitalista - liofilização organizativa e neoliberalismo podemos partir do ponto onde o trabalhador apresenta um "discurso fragmentado", ora se o "pensamento se realiza na fala" (AGUIAR, et al, 2009, p. 55), a conversa, o expor sua história possibilitou ao senhor Antônio estruturar o seu pensamento, com isto, tomou uma noção consciente sobre a realidade do trabalho do corte de cana,

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eliminando os pseudoconceitos existentes na fala inicial: o passado já não é tão bom quanto agora. Para Vigotski, a relação entre pensamento e linguagem é estreita. A linguagem (verbal, gestual e escrita) é nosso instrumento de relação com os outros e, por isso, é importantíssima na nossa constituição como sujeitos. Além disso, é através da linguagem que aprendemos a pensar (Ribeiro, 2005).

O discurso fragmentado decorre de um pensamento mal elaborado sobre a totalidade do fenômeno, com o contato com o externo. Nesse caso, o entrevistador e suas questões, o pensamento é remetido a um conflito sobre a realidade concreta, o que antes estava submerso, agora está consciente11. Desta forma, o discurso fragmentado, é decorrente de um pensamento mal elaborado na qual apresenta o sujeito com uma "consciência fragmentada" (FURTADO; SVARTMAN, 2009) sobre a realidade - pseudoconcreticidade. Mas o fato de "colocar para fora" como forma estruturante do pensamento, não se efetiva com um pensamento concreto sobre a realidade, podendo o ser apresentar uma "falsa consciência" nos moldes de Lukács (2003). Entretanto a "falsa consciência só seria invertida através do conhecimento da totalidade histórica. Neste caso, perceba a dificuldade do trabalhador rural para conseguir desenvolver uma consciência concreta tendo sua própria realidade apresentada e conduzida de forma manipulada e enganada. Era por produção também? Por produção. Sempre foi? Sempre foi. Agora não sei, que mudou tudo, mas na época era por produção. Agora é tudo por conta da usina, nem sei. Naquela época não era por conta da usina? Era por conta da usina, mas só que o empreiteiro levava lá, o empreiteiro que mandava, era mais por conta do empreiteiro, mandava em nóis. Agora é a usina que manda nos empregado (Antônio, 9 jan 2014).

Entretanto, as formas ideológicas do universo não podem ser o único e perpétuo conteúdo apresentado pelo sujeito, mas as ideologias só podem ter seus significados pelo sujeito, pois é certo que as ideologias possuem um signo. Para

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"É por meio de outros, por intermédio do adulto que a criança se envolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no comportamento da criança está fundido, enraizado no social. [E prossegue:] Assim, as relações da criança com a realidade são, desde o início, relações sociais. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o bebê é um ser social no mais elevado grau (VIGOTSKI, 1982-1984, p. 281 apud IVIC, 2010).

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tanto, a ideologia reflete algo externo ao sujeito e por ele a reproduz, como uma ideologia nazista que após 60 anos ainda hoje é reproduzida pelos sujeitos, mas que parte da exterioridade do sujeito. Nenhum ser nasce com uma ideologia, mas todo ser pode apresentar seus símbolos: cabeça raspada, tatuagens, discursos, vestimentas etc. Assim, os conteúdos ideológicos adquirem sua própria realidade (é justo matar inúmeros judeus, já que a ideologia lhe garante como verdadeira realidade), dá mesma forma a dupla realidade significativa que possui os instrumentos, como exemplo, a foice. A foice pode representar um signo de trabalho, compromisso, sustento, como também pode significar a morte, a ceifadora de vidas, neste sentido o instrumento adquiro dupla realidade (BAKHTIN, 2006). Quando o instrumento assume um signo, e quando o instrumento só é reconhecido pelo signo, de nenhuma forma há a possibilidade de um se tornar o outro e vice-versa, o pão e o vinho e seu significado de corpo e sangue de Cristo, é tão homogêneo que nos parece impossível dividi-los. Contudo, o pão e o vinho são apenas pão e vinho, nada mais. Da mesma forma com os produtos consumidos, o produto tem seus significados, como a marca da Nike para os amantes de futebol. Mas não se pode dizer que o consumismo é puramente um signo, a ideologia do consumo está no signo criado nos produtos, caso contrário, só o fato de consumir já resolveria as questões ideológicas, livrando as marcas de bilhões de dinheiro em propaganda e marketing. Se fosse só o consumo bastaria comprar os tênis mais baratos, mas não, tem que ser da Nike. É neste sentido que Bakhtin (2006) revela o universo dos signos. Os signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos, todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico (p. 30, grifos do autor).

Retornando ao tema do salário por produção, as condições atuais de consumidor do trabalhador rural, conquistando "bastante coisa" como diz o Zé Carlos, o sentido ideológico não está no fato de consumir, mas no que se consome e nas condições da totalidade em que o ser está inserido, ora, se o modelo

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organizacional preconiza o trabalhador "polivalente, multifuncional e qualificado" (RODRIGUES-FILHO, 2011), estas características estão sendo trazidas para o contexto familiar: polivalente, trabalha em vários setores, faz dupla jornada, trabalha e estuda a noite, cuida dos filhos; multifuncional trabalha com um função na empresa, mas faz "bicos" como pedreiro, roçador, servente, babás etc.; e qualificado, "de tudo a gente fazia um pouco" (Sebastião, 22 jul 2013) ou "agente aprende né" (Antônio, 9 jul 2014). Desse modo, o trabalhador rural em conjunto com uma ideologia que dita o sentido de valor das coisas, utiliza das mediações que são possíveis a ele para assumir um lugar na escala social logo acima da "ralé" brasileira, lugar este que já foi confundida com a nova classe média. Com isto, o salário por produção lhe garante possibilidades que nunca antes poderia ter conseguido, como o senhor Antônio irá falar mais a frente. Por outro lado, a complexidade da questão salarial está envolvida com outros complexos complexo dos complexos -, por exemplo, para o cálculo racional de lucratividade que deve estar amarrado com os interesses organizacionais para a mais-valia, ofuscando a mínima dúvida existente pelo trabalhador quanto ao salário, de tal modo que suas dúvidas devem fazem parte de uma ideologia hipermoderna, afinal, o trabalhar é único e exclusivo responsável pelos seus atos. Na sequência, a fala do Antônio discorrendo para um salário melhor no início de sua carreira, por outra, temos o Zé Carlos indo contra a corrente dizendo que "o salário também melhorou bastante", mas sempre estava pautado na produção: "sempre por produção". E era informado o jeito que era o pagamento? Era, no começo era por semana, aí passou por quinzena, daí fui a outro canto já era por mês. Era por tonelada, não sabia nem ninguém falava nada. Eles podiam enganar a gente, e enganava, eu acho que enganava. Esse negócio de tonelada nóis não sabe nada. Porque na época aqui na usina, tinha que cortar era 7 tonelada por dia o mais fraco, mas tinha gente que cortava 14, 12 tonelada. Eu mesmo cheguei a cortar, mas quando eu tava bom mesmo eu cortava. Mai enganava a gente sim, eu acho que enganava. O empreiteiro ou a empresa? A empresa mesmo, porque pesava lá né, carregava de cana e levava pra lá, não sabe (Antônio, 9 jan 2014).

E como era feito este pagamento? Normalmente dia 20 dão 40% adiantamento e no dia 5 o pagamento (60%). O pagamento é da mesma forma (uso do compasso), só aumentou o salário. E como funciona o pagamento por produção? Por produção é que você produz, se você ganhar R$ 50,00 por dia é somado todo dia e no domingo o descanso é pago também. E é do mesmo

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jeito, por quinzena, tem lugar que é por semana, quando é sem registro paga até por semana, mas... Mas você não sabe quanto você cortou? Sabe, você pergunta pro fiscal quantos metro deu, ele te fala, talvez não sabe o preço do dias, mas no outro dia já tem o preço. Geralmente, todo lugar eles dão o talhãozinho, por exemplo hoje você cortou 1500 metros a R$ 0,30 aí você tem o talhãozinho. Mas neste preço é fácil ser enganado ou não? Ah mudou bastante, eles te dão o preço hoje aqui dai no dia de receber, depois que é moída a cana, pesada, daí da menos, geralmente as vezes da mais as vezes da menos, mas sempre dá menos (Zé Carlos, 20 jan 2014).

Sobre o salário por produção, é "chover no molhado" dizer os problemas envolvidos quanto à saúde do trabalhador neste sistema de pagamento, a própria jornalista Cida de Oliveira (2013) retratou na matéria "Cortadores de cana adoecem e morrem por conta de pagamento por produção", o cenário de morte e adoecimentos gerados nos canaviais, Ademais, o excesso de trabalho não é realizado apenas para alcançar esse salário, mas também para atingir as próprias metas fixadas pela usina (cerca de 10 a 15 toneladas diárias), a fim de garantir ao trabalhador que lhe seja oferecido a vaga na próxima safra. E, para que o trabalhador possa atingir essa meta, é obrigado a trabalhar invariavelmente cerca de 10 horas diárias, senão mais”, escreveu o juiz Renato da Fonseca Janon, da Vara do Trabalho de Matão, em sua sentença do final do ano passado (2012) que proibiu a Usina Santa Fé S.A., de Nova Europa, na região de Araraquara, a remunerar seus empregados do corte de cana por unidade de produção (s/p.).

Neste sentido, está o Fernando que solicitou demissão para ir "procurar outro emprego que não afete sua saúde" (Diário de campo, 2 jan 2013), mas como ele existem poucos, muitos continuam a se arriscar no canaviais e sofrem com as consequências. Para estes, o Ministério Público do Trabalho busca abolir a prática do pagamento por produção com a aplicação de ações contra usinas que utilizam a prática por produção, como foi o caso no Estado de São Paulo onde foram abertas nove ações contras usinas da região de Araraquara e Araçatuba (Folha de São Paulo, 29 jan 2013). Tal medida espera que "a decisão abre um precedente para que outros juízes tenham o mesmo entendimento, e também proíbam esse sistema de remuneração em outras localidades do Estado", no entanto, utilizando-se de um discurso evasivo e histórico, a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) disse, em nota, que "é surpreendente a preocupação demonstrada pelo Ministério Público do Trabalho com uma prática trabalhista centenária, amparada pela legislação vigente e que caminha para a erradicação". Sendo assim, uma prática centenária

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poderia continuar vigorando era a prática da escravidão, e se já que caminha para a erradicação porque não o Ministério Público não interferir na usurpação neste "restinho de tempo" que falta. No artigo do professor Francisco Alves (2006), "Por que morrem os cortadores de cana?", há uma estimativa de 14 mortes só na safra de 2004/2005 e 2006/2007, ocasionadas pelo ritmo de trabalho por produção. Ainda assim, o pagamento recebido pelos trabalhadores se sobressai às condições degradantes de trabalho, como o Zé Carlos nos fala: E ainda hoje a cana é a melhor saída, o melhor trabalho? Pra gente aqui é, ano passado chegamos a trabalhar na Agreste chegamos a ganhar quase R$ 4000,00 nos dois por mês. Agora aqui rala, fala pra você, ficar o dia inteiro em cima de uma moto pra ganhar R$ 40,00, R$ 35,00 (Zé Carlos, 20 jan 2014). No Paraná, não é bom o ganho não, tanto faz aqui (urbano) ou na roça, não é bom não. Estado de São Paulo é melhor (Iara, 20 jan 2014).

Já que, com este salário o Zé Carlos e a dona Iara conseguem comprar algumas coisas que, antes, o próprio senhor Antônio esclarece o que conseguiu: "olha fala procê, não consegui nada não. Consegui criar os filhos só, estudaro. Mas graças a Deus né, consegui criar eles". É notável a diferença periódica vivenciada entre o Zé Carlos e o seu Antônio, mas mesmo podendo almejar crescimento profissional, criar melhorias no bem estar social, não se pode concluir que as conquistas são frutos do salário por produção. E com a cana o que vocês conseguiram? Ah bastante coisa, saímos de bastante dívida, agora nós paramos e volto de novo, porque só eu trabalho, a mulher não trabalha. Paramos em junho na cana, faz 7 meses (Zé Carlos, 20 jan 2014).

A conquista de um bem estar, mesmo sendo o básico, é acompanhada de determinantes da totalidade que envolve o cortador de cana. O ser social é dialético, o universo a sua volta também está envolvido nas mudanças dialéticas com o ser, como também com a própria evolução natural (o sol um dia deixará de brilhar), as melhorias no bem estar do trabalhador rural estão acompanhado dessas mudanças universais que interferem em sua vida. "Com sol pode trabalhar, não pode é com chuva, com chuva não. Achei que melhorou bem, depois que estas leis... mas num lembro quando começou, num lembro" (Antônio, 9 jan 2014). E neste movimento dialético, as mudanças seguem um parâmetro histórico, o que não era possível há

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alguns anos, hoje já é; o que era tabu, hoje já faz parte do cotidiano. O movimento dialético é histórico, assim como as possibilidades de concretizá-las. Assim como a vida do cortador de cana, o movimento traz melhorias, como também precariedades (mais-valia relativa, captura subjetiva, liofilização organizativa). No entanto, a história apresenta

uma

dialética

interessante,

e

possível

de

conduzi-la

para

o

estranhamento, uma dialética para entre sujeito - objeto, mas pensando na realização do outro. O que de fato acontece é a mesma repetição do planejamento para o outro executar - se é que podemos falar de espelhamento -, o que no passado a função ontológica realizada pelo artesão, por exemplo, envolvia apenas ele e sua atividade, poderia escolher o que fazer, escolher a cor da pintura, o tamanho, o jeito, a relação dialética de identificação com o objeto era possível. Hoje, esta relação dialética vem em forma de um obstáculo científico, dominada pelas tecnoestruturas com "domínio científico-tecnológico" sobre o universal. Como deuses no monte Olímpo planejando e determinando o futuro dos povos, de vez em quando, o trabalho surge dentro de uma "caixa de Pandora", encanta-se pelos discursos, mas quando se abre percebe as nefastas organizações. Ah mudou muita coisa, principalmente segurança no trabalho, mudou pra melhor, principalmente EPI's, porque antes o pessoal cortava até de chinelo cortava cana quando nós comecemo, hoje mudou bastante (Zé Carlos, 20 jan 2014). A não ser com as leis, mas não sei se as leis foi bom ou ruim. Acho que foi bom, naquela época não tinha nada, naquela época tinha gente que não tinha um calçado pra trabalha, hoje tem tudo né. Tem botina, sei lá se dão ou desconta. Na sua época eles descontavam? No começo não davam não, depois que de uns tempos começaram a dar. Começaram a dar caneleira, botina, luva. No tempo que eu comecei não tinha nada disto. Era tudo por conta do senhor? E o facão eles davam ou não? No final agora eles davam, no começo não davam não, agente comprava por conta. Eu acho que melhorou bem sim (Antônio, 9 jan 2014). E o que senhor recorda que foi legal, um dia? A num tem (Antônio, 9 jan 2014).

O movimento histórico, às vezes, é muito cruel. O resultado dialético realizado pela cúpula dominante acaba respingando no trabalhador rural, e toda mudança gera

uma nostalgia,

uma

insegurança, um

estranhamento,

pois não foi

ontologicamente executado pelo trabalhador, se trata de uma imposição de sabe lá de quem e de onde vem. Tal como o fim das queimadas previstas por leis, uns

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dizem ser para evitar a poluição, outros dizem ser para a saúde do trabalhador, mas para o próprio trabalhador a queimada é "bom a queimada né. Na palha é perigoso também, cobra, nunca vi perto de mim, mas tem". Como somos a parte, a ponta mais fraca, temos que aceitar e criar soluções, porque questão ambiental isto é óbvio, tinha que parar de queimar a cana. E cortar cana sem queimar é realmente complicado, muito risco para o trabalhador e para a empresa também não compensa economicamente. Que uma cana queimada o cortador deslancha, corta rapidinho 7, 8, 10 toneladas por dia, um cortador médio, na cana (sem queimar) não chega nem 1/3 disto daí. É risco com animal peçonhento, cobra, vespas, abelhas, é complicado. E corte também, vai ter que ter mais equipamento, pois a folha da cana tem um mineral que é como uma lâmina, corta. Por isso tem que entender por que a queima da cana (Celso, 22 jul 2013).

Para se livrar deste "ter mais equipamento" ou dos gastos com saúde do trabalhador, a mecanização substitui o trabalhador, conforme acha o senhor Antônio. Para ele, o número de trabalhadores do corte "diminuiu bastante, por causa da máquina diminuiu, e diz que vai diminuir mais ainda né". Assim como para o Zé Carlos, a mecanização "tirou muita gente do serviço". A dialética dominante, da alta cúpula legislativa ou dos capitalistas, impôs suas regras de jogo sem compreender o lado do trabalhador, sem compreender o território, sem mesmo o próprio movimento da classe trabalhadora. Com isto, continua o Zé Carlos, a mecanização foi ruim até para as usinas, "porque a máquina corta e deixa toco desta altura assim, daí aquela cana não brota mais, ela seca, vai brotar uma outra do lado ali. Por exemplo na manual dá 5 corte, na mecanizada dá 3, estraga muita cana. Eles deixam, mas dá fraca, outro ano dá mais fraca. Replanta mais rápido". Com a maquinaria nos canaviais, e porque não com a "maquinaiada de colhe cana, algodão, café, só falta inventa máquina pra colher laranja" (João, 20 jan 2014), que também já foi inventada, o presente histórico não possibilita melhorias na qualidade do serviço mecânico, ainda necessita de pesquisas, como o Celso nos diz, a mecanização "é uma coisa natural, como o próprio trator substituiu as enxadas, o corte de cana será substituído pela máquina, isto é óbvio, é a realidade e não tem como voltar atrás, isto também porque é mais correto, porque é muito desgastante o corte de cana, então é natural isto dai". O discurso da eliminação de uma atividade tratado com naturalidade, uma naturalidade que, para o capitalista, se torna um exército de massa excedente.

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Mas é apenas na maquinaria, e no emprego do novo sistema de máquinas sobre o qual se funda a mecanização das oficinas, que a substituição do trabalhador por uma parte do capital constante (aquela parte do produto do trabalho que se toma novamente meio de trabalho) se coloca, produzindo genericamente um excedente de trabalhadores como tendência expressa e apreensível, que atua e se estabelece em larga escala. O trabalho passado surge aqui como meio para substituir o trabalho vivo ou como aquele meio de fazer diminuir o número de trabalhadores. Esta diminuição do trabalho humano aparece como especulação capitalista, como meio para aumentar a 12 mais-valia (MARX, 1982, p. 103).

Se o surgimento da máquina nos canaviais traz inúmeros contratempos sociais, econômicos e culturais, isto sem dúvida, cabe salientar uma frase de Vigotski (1991, p.8) no qual afirma que "mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na "natureza humana'". O que, neste caso, não se trata apenas do maquinário, mas também dos processos de estranhamento, alienação, melhor, pelas circunstâncias ontológicas do não objetivar, para além das reificações do ser ocasionado pela "atitude contemplativa diante de um processo mecanicamente", conforme Lukács (2003, p. 204) cita ainda em sua fase de transição estilística para o marxismo (MÉSZÁROS, 2013), com seus estudos, o reificado se torna um problema ontológico do ser. Apresentado já no fim de sua vida, Lukács publica em a "Ontologia do ser social" a complexa dialética entre singular universal, de forma a compor neste quadro as questões de um ser abstrato. Aqui não podemos observar provisoriamente que qualquer experiência e utilização de conexões causais, vale dizer, qualquer pôr de uma causalidade real, sempre figura no trabalho como meio para um único fim, mas tem objetivamente a propriedade de ser aplicável a outro, até a um fim 12

A citação foi extraída dos "Manuskript 1861-1863", publicado pelo projeto MEGA em 1982, pela editora Dietz Verlag, conforme consta nas referências. Segundo a nota de rodapé desta citação este manuscrito foi traduzido por Jesus Ranieri, à dúvida está sobre o livro traduzido deste autor chamado "Manuscritos Econômicos - Filosóficos", publicado pela Boitempo, em 2004, que tem seu título original sendo "Ökonomisch-philosophische manuskripte", que também foi publicado pelo projeto MEGA, em 1982, mas são originários dos manuscritos de 1844. Enfim, uma dúvida é respondia, se uma obra foi escrita em 1944 e a outra em 1961-63, então não são as mesmas obras, mesmo que tenham a mesma data de publicação. Outra curiosidade surge na nota desta citação, na qual informa que o artigo intitulado de "Maquinaria e trabalho vivo (Os efeitos da mecanização sobre o trabalhador), retirado dos "Os Manuscritos de 1861-63" foram redigidos entre março e maio de 1863 que são compostos de 23 cadernos, na qual, o fragmento consta dentro do caderno XX, com título de "A mais-valia relativa - acumulação", ora os "Manuscritos Econômicos - Filosóficos", traduzido por Jesus Ranieri só trata até o caderno III, assim, onde estão publicados no Brasil os restantes deste Manuscrito de 1961-63? Ou será possível que o artigo faz parte do livro "O Capital" (1996b), da seção IV, "Produção da mais-valia relativa", no subtítulo 3 - "Efeitos imediatos da produção mecanizada sobre o trabalhador" ou foi apenas um esboço? No currículo de Jesus Ranieri informa que os Manuscritos de 1861-1863 foram traduzidos por ele e publicados pela Expressão Popular, em 2005, em contato com a editora eles não possuem este livro e desconhecem, nestas incertezas, acredita-se que a referência correta é as informada pelo próprio Jesus Ranieri em seu currículo lattes. Ou pode ser revisto a publicação da Editora Autêntica (MARX, 2008b).

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que imediatamente é por completo heterogêneo. Embora tenha havido, durante muito tempo, apenas consciência prática, uma utilização que teve êxito em um novo campo significa que de fato foi realizada uma abstração correta que, na sua objetiva estrutura interna, já possui algumas importantes características do pensamento científico (LUKÁCS, 2013, p. 60).

Por tanto, a "consciência prática" deixa de significar apenas o externo, para transpor as barreiras visíveis para a consciência interna / abstrata, "essa novidade consiste na realização do pôr teleológico como resultado adequado, ideado e desejado" (LUKÁCS, 2013, P. 61). Isto não quer dizer que há uma mudança no conceito de "consciência fragmentada", pelo contrário, mantém sua conceituação tomando como princípio a fragmentação do (também) não objetivar pelo fato de desconhecer os meios de mediação. Com isto, ainda sem saber se é correto afirmar, na atual sociedade do universo manipulado para os interesses capitalistas, do cálculo de rentabilidade, todo ser possui uma consciência fragmentada sobre a realidade concreta. Se, como Vigotski (1998, p. 89) diz, "a tomada de consciência de uma operação mental significa uma transferência dessa operação do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, implica que se recrie essa mesma operação na imaginação, para que ela possa exprimir-se por palavras", o que caracteriza uma consciência fragmentada do ser, é as diferentes noções conceituais sobre algum fenômeno, conceito, ciência, nas próprias conversas pode encontrar diferentes formas de se conceituar um fenômeno, até mesmo, as atividades do sindicato diferem dos ideais do trabalhador; na empresa existem diferentes compreensões sobre o trabalho e o trabalhador, para alguns supervisores a atividade é apenas os meios para os resultados obtidos (conseguir fazer uma curva de nível sem instrumentos, conseguir enviar os caminhões antes da chuva etc.) são desafios que extrapolam, por exemplo, as condições do trabalhador. São fragmentos de uma pequena parcela da totalidade dos fenômenos, é um complexo dos complexos. Ora, pode-se perguntar: sobre quem tem ou deveria ter uma consciência concreta sobre a totalidade? Para responder esta questão recorremos a uma citação de Engels (1984, p. 191): O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da Idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável

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contradição com ela própria e está dividida por antagonismos inconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.

Esta citação de Engels é utilizada para explicar o nascimento do Estado, não caracteriza a defesa de um Estado, pelo contrário, mesmo faltando maiores investigações, parece claro que mantendo um órgão acima teremos um conceito de dominância, como explica Lênin (2007, p. 4) "para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submisso de uma classe por outra; é a criação de uma 'ordem' que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes", para tanto, a citação de Engels, chama a atenção para o Estado (ou partido) exercendo uma função de manter a sociedade dentro dos limites de ordem, aqui já sem aspas. Contudo, nem neste capítulo, nem nessa dissertação esse tema será esclarecido e estudado a fundo. Neste momento, é importante ter em mente a noção de consciência concreta sobre a totalidade, retornando a citação de Engels, na qual ele e o próprio Marx (MARX; ENGELS, 1981) afirmam sobre os antagonismos sociais, para eles este antagonismo entre classes, reafirmadas pelo poder das classes do Estado (burguesia), faz parte de uma consciência social instituídas na história (gregos e escravos, reis e plebeus, castas índias, burguesia e proletariado, ricos e pobres etc.), assim, esclarece os autores, estas formas de consciência impregnada "só se dissolverão completamente com o desaparecimento total dos antagonismos de classe" (ibidem, p. 41). Tal forma de consciência que se manteve no presente momento histórico, talvez com maior intensidade (captura subjetiva) e com maior desenvolvimento do capitalismo (capitalismo clássico e nacional para um capitalismo complexo e globalizado) deve ser compreendido e combatido da mesma "forma consciente" que Marx e Engels escreveram no século XIX para que, Uma vez desaparecidos os antagonismos de classe no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produção propriamente dita nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se constitui forçosamente em classe, se se converte por uma revolução em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as

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antigas relações de produção, destrói, justamente com essas relações de produção, as condições dos antagonismos entre classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação de classe (ibidem, p. 44).

Desta

forma,

pode-se

pensar

em

uma

sociedade

"onde

o

livre

desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos" (idem), com isto, se é que se pode concluir algo no momento, a consciência fragmentada seria dissolvida frente a uma consciência concreta sobre a totalidade, diferenciando até mesmo da consciência de classe descrita por Lukács (2003), dissolvendo também a instituição do Estado que, no parece mais justo, deveria estar realizando essa consciência total em prol da sociedade em geral, e não estar em prol de uma economia ou de algumas pessoas.

3.2 Como se define quem trabalha

Neste caso, a práxis sendo uma atividade teleológica, na qual a atividade perpassa pela possibilidade de pensar, refletir e imaginar o objeto após o processo de objetivação. Isto "distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha", pois o arquiteto ao construir o seu favo, ele, primeiramente, "construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente" (MARX, 1996a, p. 298). Entretanto, esta práxis no cotidiano, sofreu alterações no decorrer das mutações capitalistas. Como já se sabe, a Revolução Industrial possibilitou inventar novas formas de produzir, a inserção das máquinas, das rotinas organizacionais, da captura subjetiva, fez com que o homem perdesse sua possibilidade de criar, ele apenas faz conforme ditam os regulamentos, protocolos e manuais organizacionais. O pensamento cotidiano orienta-se para a realização de atividades cotidianas e, nessa medida, é possível falar de unidade imediata de pensamento e ação na cotidianidade. As idéias necessárias à cotidianidade jamais se elevam ao plano da teoria, do mesmo modo como a atividade cotidiana não é práxis. A atividade prática do indivíduo só se eleva ao nível da práxis quando é atividade humano-genérica consciente; na unidade viva e muda de particularidade e genericidade, ou seja, na cotidianidade, a atividade individual não é mais do que uma parte da práxis, da ação total da humanidade que, construindo a partir do dado, produz algo novo, sem com isso transformar em novo o já dado. (HELLER, 2008, p. 49).

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O cotidiano é regido e orquestrado conforme o sistema capitalista para a produção, com o objetivo da acumulação de lucros. O cortador de cana nada mais é que um corpo que executa suas ações em prol de poder alimentar as moendas que produzirão açúcar ou etanol. A cana cortada não é sua, não faz parte de sua produção, não recebe nada, além, daquilo que foi "concordado" entre as partes organização e cortador. O trabalhador do corte de cana desconhece todo processo de produção, não sabe os cálculos complexos e manipulados do esforço de seu trabalho, seus direitos são camuflados, não possui alma nem história, são meras ferramentas do processo que facilmente são repostas, trocadas e descartadas, sua saúde apenas sob forma de dados estatísticos13, se tem dor é fingimento, se tem doença é licença médica, afastamento seguido de demissão. Sem possibilidades de retorno a empresa. O trabalho, mesmo nos dias atuais14, ainda é precário e penoso (GOMES, 2012). O cotidiano é restringido, enquanto que a práxis dá "condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las", o fenômeno inventado pelo sistema "não proporcionam, a compreensão das coisas e da realidade (KOSIK, 2011, p. 14) (Grifos do autor). O cotidiano de sua atividade passa a ser o cortar, despontar e amontoar, nada além do esforço físico. Não importa o que pensa, o que sente e suas ideias. Um ser limitado. O reflexo próprio da vida cotidiana pressupõe um materialismo espontâneo: os homens intuitivamente percebem que o mundo exterior existe de modo independente de sua consciência. Mas o conhecimento das coisas fica bloqueado por uma outra característica da cotidianidade: a vinculação imediata entre teoria e prática, que conduz a uma imediatez do comportamento restrito à aparência manipulável das coisas, e desconhecedor da essência constitutiva dos fenômenos (FREDERICO, 2000, p 304).

Um ser limitado por pseudoconcreticidades criadas para enganá-lo sobre as manipulações. Afinal, porque o trabalhador deve ser manipulado? Porque o trabalhador deve ser limitado frente aos conhecimentos dos procedimentos? Para 13

A Norma Regulamentadora 31, só foi criada em 2005, depois de séculos de trabalho precário. Nela dispõe sobre as partes responsáveis pela segurança e saúde no trabalho rural. 14

Com a atividade tendo um histórico de exploração, no dias atuais já foram criadas leis e decretos com o objetivo de fornecer direitos a estes trabalhadores. Mas isto não garante ao trabalhador que elas são executadas, muitas das vezes são manipuladas. Por outro, ainda é necessário criar melhorias para a condição de trabalho, como o fim do salário por produção. Em vez disto, tem-se a prática de mecanizar o canavial, dando fim aos problemas enfrentados com estes trabalhadores e diminuindo os gastos salariais.

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ser iludido e ludibriado. A ganância do capitalista pensa nos mais maquiavélicos cálculos para obter seu ganho, assim, o salário do trabalhador é manuseado em prol da "necessidade da vitória do capitalista" (MARX, 2008, p. 23). O apego à aparência fenomênica faz com que o homem, no cotidiano, se relacione com um mundo heterogêneo e descontínuo. Todas as atenções são mobilizadas nesse relacionamento, mas a fragmentação do mundo aparencial impede o homem de relacionar os fenômenos entre si (FREDERICO, 2000, p 304).

Nem por isto, pode-se dizer que o ser vive na ilusão, em um mundo fantasmagórico. O cotidiano é constituído pela mescla do real e do manipulado. O manipulado acaba se tornando o "real". Assim, o fenômeno é composto por infinitas mediações que fazem parte do cotidiano do ser, mediações estas que possuem pinceladas de verdades e mentiras. Como método, cabe quebrar estas pseudoconcreticidades para limpar a imagem fosca que encobre o concreto. De modo seguro para que a singularidade não seja denegrida com o simples fato de ser/estar "enganado"; de modo cauteloso para que o cotidiano não perca seu significado. O pensamento comum é a forma ideológica do agir humano de todos os dias. Todavia, o mundo que se manifesta ao homem na praxis fetichizada, no tráfico e na manipulação, não é o mundo real, embora tenha a "consciência" e a "validez" do mundo real: é "o mundo das aparências" (Marx) (KOSIK, 2011, p. 19). Os fenômenos e as formas fenomênicas das coisas se reproduzem espontaneamente no pensamento comum como realidade (a realidade mesma) não porque sejam os mais superficiais e mais próximos do conhecimento sensorial, mas porque o aspecto fenomênico da coisa é produto natural da práxis cotidiana (Idem).

Neste ponto, os argumentos indicam que para cada singularidade existe uma cotidianidade. Cada indivíduo deste mundo possui sua própria rotina, o seu cotidiano, isto é fato. No caso dos trabalhadores do corte de cana, cada qual possui sua rotina, uns vão para casa após a exaustiva jornada de trabalho, outros para o bar, para o culto religioso, outros preferem dormir, uns comem ao chegar, outros dormem de barriga vazia. Existem inúmeros cotidianos, mas que estão ligados a um determinante comum: todos estão inseridos em um sistema capitalista.

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O núcleo motor de todas as vidas é dirigido pelo capital, sem exceções. O cotidiano é da base capitalista. Com isto, a peça chave deste quebra-cabeça é a forma com que o capital intervém no cotidiano das pessoas. Quais são os mediadores que informam esta imposição dos valores capitais nas vidas das pessoas? Como age a ideologia capitalista? E, principalmente, como a subjetividade é capturada pelo capital? Tais questões estão escondidas no cotidiano, seja dos trabalhadores como, também, por mim15. Conhecer e unir as particularidades que mediam a relação do singular com o universo, isto não quer dizer que a totalidade do fenômeno será conhecida, impossível, mas possível compreender como se estrutura os agentes do sistema capitalista, como afirma Mészáros (2011), a verdadeira relação ontológica entre humanidade e natureza é totalmente deturpada, com consequências potencialmente devastadoras, a serviço da eternização do mundo do capital, de forma que não haja a menor esperança de fugir dele nas circunstâncias históricas em mudança (p. 40).

Se a condição ontológica do ser social é deturpada, assim é por causalidades16 que determinam a objetividade. Causalidades com base na "eternização do mundo do capital", que institui as necessidades e limitam as possibilidades17. Nesta dicotomia, o sujeito ludibriado pelos benefícios das necessidades submete-se às suas possibilidades impostas e determinadas pelo capital. O trabalhador sem escolaridade, sem escolhas possíveis18, advindo de uma família miserável só lhe resta à possibilidade do corte de cana. O sistema cria um

15

Muitas vezes é necessário refletir, apagar e reescrever os argumentos deste texto. Perceber o que é concreto e o que é uma pseudoconcreticidade não é uma tarefa fácil, mesmo porque, partes deste quebra-cabeça são desconhecidas por mim, como é o caso de questões jurídicas, econômicas e técnicas do setor de açúcar e álcool no Brasil. 16

As causalidades aqui referidas são as naturais como as postas. O ditado que "aqui só não fazemos chover, de resto fazemos tudo" está cada vez mais sendo desbancada com projetos tecnológicos que interferem e modificam a própria natureza: já é possível fazer chover. Se não modificam a natureza do universo, criam sistemas que podem ser manipulados conforme a natureza desejada, como é o caso das estufas de hortaliças. 17

As necessidades são apresentadas e inventadas, isto não quer dizer que todos têm a possibilidade de acesso. Como o caso da ralé brasileira, de Jessé de Souza, que não tem possibilidade de acesso ao mínimo para a sobrevivência. 18

Em uma cidade pequena, como é o caso de Jacarezinho - PR, são poucas as possibilidades de trabalho em outras condições que não seja do corte de cana, isto para sujeitos com as características

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enquadre, na qual este trabalhador se identifica, e deste enquadre só será possível sair dele com muito "esforço e dedicação", já que "o trabalho enobrece o homem". O cotidiano não é feito pelo sujeito, ele é imposto pelo sistema, como no "mito da caverna" onde os sujeitos são algemados e levados a crer que a realidade é a sombra refletida no fundo da caverna. O cotidiano "é o mundo da intimidade, da familiaridade e das ações banais" (KOSIK, 2011, p. 80). O ser está familiarizado com um cotidiano sistematizado e doutrinado pelo "mundo do capital", na qual ele faz parte não como um sujeito portador de uma subjetividade crítica deste sistema, mas como uma ferramenta de ação para a sobrevivência

do

capital, alienada ao sistema

"formado de aparelhos e

equipamentos que ele próprio determinou e pelos quais é determinado" (KOSIK, 2011, p. 74) (Grifos do autor). O sujeito passa a ser objeto, a dialética é entre objetoobjeto, "a particularidade foi superada e substituída pela universalidade absoluta" (KOSIK, 2011, p. 76). O sujeito é apenas um objeto identificado pelos seus números: número de identificação, tonelada cortada, absenteísmo, turn-over. Tudo delimitado no início da safra, o cálculo é complexo e, como aponta Furtado; Svartman (2009), o trabalho é planejado sobre a base de um cálculo racional de lucratividade e, dessa forma, realizam-se uma previsão e um cálculo cada vez mais exatos de todos os resultados a serem atingidos (p. 96).

A lucratividade passa pelo número de contratados conforme o dossiê histórico do sujeito, basicamente da tonelada cortada e números de faltas. A tonelada cortada deve ser acima de 8 ton/dia, diferenciando entre homens e mulheres, dando destaque para aqueles que conseguem ganhar perto dos R$ 2.000,00 mensais, abaixo dos R$ 800,00 é descartado, se durante os 90 dias de experiência19 não conseguir chegar na média, também é descartado, procedimento realizado para os trabalhadores que não possuem histórico de passagem pela empresa. O sistema determina o cotidiano dos trabalhadores. Para Heller (2008), "a vida cotidiana não está 'fora' da história, mas no 'centro' do acontecer histórico: é a verdadeira 'essência' da substância social" (p. 34). impostas pelo capital: sem escolaridade e sem condições (políticas públicas) de aprimoramento e conhecimento em outras atividades. 19 Conforme Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Atualizada em dezembro de 2011.

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Para saber quem fará parte das turmas do corte de cana e a quantidade necessária para a safra também não á fácil. E neste cálculo que está o futuro das pessoas, serão integradas ou não ao grupo de trabalhadores do corte de cana. Basicamente está pautado no total de áreas plantadas, para que se tenha o número de hectares a ser colhido no ano. Sabendo disto, há o cruzamento com os números da indústria, que trabalha na potência máxima, conforme a capacidade de moagem de 7,2 mil20 toneladas/dia. Estes 7,2 mil são divididas em colheita mecanizada, colheita manual e colheita de fornecedor. Antes de esclarecer sobre o cotidiano e sobre a consciência do trabalhador do corte de cana e seus mediadores, é importante destacar o como os outros meios de colheita interferem na rotina dos trabalhadores rurais. Sabe-se que das 7,2 mil toneladas de capacidade diária da indústria: 2 mil toneladas são de fornecedores (não importa como), 3,2 mil de colheita mecanizada (funcionando 24 horas, apenas com trocas dos operadores) e que, o restante, 2 mil toneladas deve ser por meio de colheita manual, na qual, a produção da mais-valia ganha maior destaque. Cabe explorarmos o cálculo racional de lucratividade (FURTADO; SVARTMAN, 2009). A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital (MARX,1996b, p. 138)

Neste instante não se fala em corpos, apenas nos números; nada palpável, e sim, calculado; usa-se planilhas, estatísticas, capacidades, calculadoras, médias, índices etc; nada escapa, nem mesmo as causalidades naturais, ela faz parte das médias: chuva, sol, desastres etc. Um dado já se sabe: o corte manual deve ser responsável por colocar dentro da indústria 2 mil toneladas de cana por dia. Neste ponto, o corpo bom é o que produz muito, quase não tenha faltas e de poucas incidências com problemas de saúde. O cálculo é complexo, mas útil para o planejamento da lucratividade. Primeiro, a indústria trabalha 24 horas por dia e 7 dias por semana, ou seja, no período de 20

Os cálculos e valores informados são referentes ao planejamento e capacidade da empresa para a safra de 2013.

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safra21 a indústria não para, só em caso de quebras. Como a empresa deve respeitar os Direitos Trabalhistas - CLT e os Acordos Coletivos, o trabalhador deve seguir as normas básicas: jornada de 8 horas de trabalho, parada para almoço e descansos22. Transformando em números a média da capacidade de corte de cada trabalhador é de 7 toneladas por jornada de trabalho, mas o trabalhador não trabalha no domingo, ou seja, deve compensar em sua jornada de trabalho. Com a meta de 2 mil ton/dia dentro da indústria, multiplicado por 7 dias, teremos 14 mil ton/semana. Como não trabalham no domingo, esta quantidade é dividida em 6 dias23, totalizando 2.333 toneladas24. O que antes era de 2 mil, passa a ser 2,3 mil toneladas diárias. Deste montante, sabe-se qual o número parcial de trabalhadores: 2,333 mil divididos pela média de corte de cada trabalhador: 7 ton. Resultado: tem a necessidade de 333,33 trabalhadores, mas não se encerra por aí, tem sempre trabalhadores que faltam, que estão afastados, em serviço leve25, estes são inclusos nos números de absenteísmo26, que está em 8%. Longe de chegar ao final, soma-se o valor de absenteísmo ao número parcial de trabalhadores: 333,33 + 8% = 359 trabalhadores necessários para o corte de cana. Temos o número de cortadores, continuando a complexidade, para este grupo de trabalhadores executarem sua atividade, necessita-se de outros corpos: motorista do ônibus, banheirista, fiscais. Corpos do mesmo estigma, que ocupam espaço, espaço este que poderia ser ocupados por quem produz, espaço que tem seu custo. Os cortadores são divididos em grupos formando as turmas, normalmente cada turma possui seu ônibus, como a lei é cumprida, cada ônibus tem a capacidade de 21

Em 2013 foi de abril a dezembro.

22

Não obrigatório.

23

Segunda a Sábado. Não se pode esquecer os valores das casas das dezenas e centenas. Faz uma grande diferença no final do cálculo. 24

25

São os trabalhadores que não podem exercer o trabalho do corte por motivos de saúde, mas podem realizar atividades leves: montar barracas, cuidar do acampamento, instalar banheiro, etc. 26

(S + A + J) * MP =

P

100 S - Serviço leve A - Afastados J - Ausência no trabalho últimos anos P - Índice de Absenteísmo

MP - Média de Absenteísmo nos

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acomodar 50 pessoas, este é o espaço de custo. Dentro do ônibus um lugar é garantido: o motorista. A empresa também necessita do fiscal, pois é ele quem irá fazer o controle no campo, este pode ser 1 ou 2, conforme o tamanho e a capacidade da turma; e, por fim, o banheirista, responsável por montar os banheiros, normalmente realizado por trabalhadores em situação de "trabalho leve". Enfim sobra-se 4627 lugares específicos para os trabalhadores do corte de cana. Se dividir os 359 trabalhadores necessários para o corte pelo número de lugares, tem-se a necessidade de 7,80 turmas/ônibus. Como o espaço tem seu custo, o ônibus também tem o seu custo28, desta forma, procura-se amenizar o máximo possível. Agora, com a finalidade de se ter o número exato, soma-se os trabalhadores que cortam/bituca29 mais os que realizarão o trabalho de plantio, que também podem realizar o corte/bituca, na qual, fora constatado a necessidade de 100 trabalhadores30. Concluindo: serão necessários 459 trabalhadores envolvidos com o corte de cana, que ocupam 9,97 turmas/ônibus, ou seja, 10 turmas31 que devem ser provenientes de cidade mais próximas possíveis, a fim de evitar custos altos com km/rodado, e em cidades onde o agenciador consiga montar uma turma completa. Desta forma o quadro de proveniência das turmas ficou da seguinte forma:

Tabela 01. Nomes das turmas de cortadores de cana e sua cidade de procedência Turmas

27

Proveniência

Turma 17

Andirá - PR

Turma 22

Sto. Antonio da Platina - PR

Turma 32

Sto. Antonio da Platina - PR

Número variável.

28

Valor em R$ por Km rodado, o transporte é terceirizado. Corta o restolho de cana que fica plantado para que fique rente a terra e amontoam o restolho já cortado para ser moídos. 29

30

O pesquisador desconhece o cálculo para esta atividade. Este número fora relatado em reunião de planejamento com muitos questionamentos, se era o bastante ou não, com o objetivo de amenizar o máximo possível, este número está sendo o mínimo. Caso necessite de mais trabalhadores durante a safra, poderá ser feito a contratação desde que a direção aprove, com questionamento. Pois esta necessidade já deveria estar estipulada e dentro do planejamento da safra (Diário de Campo, todo o mês de fevereiro de 2013). 31

O final da safra de 2012 encerrou com 11 turmas, conforme Diário de Campo de abril/2013, esta turma fora toda demitida, por não terem necessidade conforme o planejamento demonstrado.

72

Turma 34

Andirá - PR

Turma 36

Andirá - PR

Turma 38

Cambará - PR

Turma 39

Sto. Antonio da Platina - PR

Turma 40

Andirá - PR

Turma 41

Sto. Antonio da Platina - PR

Turma 43

Ribeirão do Pinhal

Com o fim do planejamento já se sabe o número exato para o cumprimento das metas, cabe montar quem fará parte da turma, neste momento não importa a subjetividade, mas a sua produção. Com uma ficha cadastral - modelo de currículo entregue a todos que chegam no RH - na qual é preenchido pelo próprio agenciador, pois muitos não sabem escrever nem ler, ou quando a letra é perfeita, sabe-se que foi a filha ou algum parente que auxiliou, não se percebe escolaridade, funções exercidas, históricos de vida, cursos etc., nada é visto, com o seu nome o sistema é acionado e se for um candidato que já passou pela empresa terá seu dossiê arquivado, dois dados: número de faltas e número de toneladas de corte. Caso se enquadre está dentro da empresa. Candidatos que não possuem um dossiê são aceitos, conforme idade, porte físico e, de preferência, do sexo masculino. Se cumprirem a meta nos 90 dias de avaliação, continuam, caso contrário, são demitidos e contratados outros para o lugar, o mais rápido possível. A racionalidade instrumental e as estratégias financeiras atingem, pois, o objetivo: utilizar o sujeito, que acredita ser em grande parte autônomo, para super explorá-lo e aliená-lo. O processo de alienação é tão mais insidioso que muitas pessoas colaboram com a própria alienação. Tornam-se utensílios manuseados pelos dominantes no alto de sua potência (ENRIQUEZ, 2006, p. 6).

É desta forma que se dá a sustentação de que o cotidiano das pessoas está permeado pelo sistema capitalista, visando o lucro, dão-se as coordenadas de quem irá ou não fazer parte do grupo de trabalhadores do corte de cana. O cotidiano, a priori, "não se manifesta ao homem como realidade por ele criada, mas como um mundo já feito e impenetrável, no seio do qual a manipulação se apresenta como engajamento e atividade" (KOSIK, 2011, p. 75) (Grifos do autor). Se entender que este Cálculo Racional de Lucratividade não possui nenhum resquício manipulado, que apenas são cálculos com base em números reais,

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precisos e estatísticos, de fato tem razão caso a base seja encarada como pseudoconcreticidades existentes na totalidade do fenômeno. Resgatando a crítica de Lukács (2012) sobre a matematização da totalidade, provenientes de um pensamento positivista/neopositivista, portanto corre-se o risco de fazer da realidade apenas o calculável, dos números, esquecendo-se de fatores/fenômenos que afetam a ontologia do ser social. Como pólo oposto e complementar, vê-se, de outro lado, que métodos teóricos também teoricamente corretos, fecundos, indispensáveis, podem ao mesmo tempo afastar os seres humanos da apreensão verdadeira do ser. Aponto apenas para a matemática. Sua importância revolucionariamente progressista para o desenvolvimento da produção social, para a imagem correta do ser dos homens, não precisa ser detidamente mencionada. Mas, se buscamos uma concepção correta do ser, não podemos esquecer o quanto a teoria matemática pitagórica, como modo verdadeiro de existência do ser, levou à sua incompreensão. Exatamente essa espécie de falseamentos do ser por excessos da “razão matemática” já não é mais eficaz, como também não o é a secular matematização de nexos astrológicos, às vezes de valor puramente matemático. Esta última vale a pena ser lembrada em um discurso metodológico apenas para deixar bem claro que tratamentos matemáticos mais completos, sem falhas internas, imanentemente muito valorizados de um nexo ontologicamente não existente não podem em absoluto transformá-lo em um verdadeiro ser. É útil lembrar isso hoje, pois tanto os métodos de manipulação de mercado do atual capitalismo como os planos grosseiramente manipuladores e disposições táticas dos herdeiros espirituais dos métodos stalinistas desenvolveram igualmente o hábito mental de interpretar um desenvolvimento ontológico como um processo cujo conteúdo pode ser determinado, endereçado e assim por diante, supostamente sem falhas, mediante extrapolações “corretamente” aplicadas (LUKÁCS, 2010, p. 44).

A matematização manipulada da média de corte sendo 7 toneladas diárias, esquecendo-se que no campo encontramos pessoas que ultrapassam as 10 toneladas, e que 2 cortadores com média de 10 toneladas faz o trabalho de 3 pessoas de 7 toneladas de média. Há a determinação das 7 toneladas apenas como ponto mínimo na curvatura estatística de um gráfico "Gaussiano", fora dele o sujeito está demitido, acima disto é mais-valia. Não obstante disso, temos a negação de mortes ocasionadas pela precariedade do trabalho, conforme apresentado pela Gazeta do Povo (2013b) "As causas das mortes nos boletins de óbito são quase sempre parada cardiorrespiratória e acidente vascular cerebral, mas nós acreditamos que isso se dê pelas péssimas condições de trabalho excessivo", alegou Cândida que participou na quarta-feira (13) de audiência pública na Câmara dos Deputados para falar sobre o documento (GAZETA DO POVO, 2013b, s/p).

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Estes e outros fenômenos ocorrem dentro das empresas sem o conhecimento do público fora dele, demissões realizadas por motivos de contenção de despesas, sem justa causa, mas que, na verdade, se trata de baixa produção, mentiras a fim de evitar processos trabalhistas por danos morais; contratações barradas pelo ambulatório médico que constata um problema na coluna, na qual, camufla a pesquisa feita no sistema do RH constatando baixa produção e faltas; demissões ou não contratações de trabalhadores por algum motivo inventado, substituindo um histórico de greves e lutas que, por sinal, um direito do trabalhador, conforme artigo nº 9 da Constituição de 198832; entre outras. Estes dados e o cotidiano dentro da empresa só revelam uma função puramente matematizada, a qual a saúde possui seus índices, como apresentado no documentário "Carne, Osso" (CAVECHINI; BARROS, 2011) sobre o desgaste físico dentro das empresas frigoríficas. O ambulatório desses frigoríficos se pautam numa estatística do tempo que um funcionário aguenta na atividade sem apresentar problemas de saúde (5 anos), após isto o funcionário começa a apresentar Lesões por Esforço Repetitivo - LER, o que é feito com esta estatística, perto dos 5 anos o funcionário é demitido e qualquer outro problema que surgir após não é caracterizado como problemas ocasionados pelo trabalho. No caso da empresa estudada não foi constato esta "psicose organizacional", por outro lado, a idade e o índice de afastamentos são examinados para uma possível contratação e, consequentemente, apresentando o dossiê algum histórico de afastamentos e idade avançada o trabalhador não é aceito, inventa-se algum motivo para isto. Percebe-se que se trata de uma singularidade fragilizada pelo sistema, a ponta de baixo do iceberg, lugar onde a mais-valia "come solta", atividade com mais de 500 anos de existência sempre da mesma forma e com as mesmas precariedades, que possui data de encerramento da atividade, São Paulo em 2014 e no Paraná em 2030, e só em 2005 foi pensado nas questões de saúde do trabalhador com a Norma Regulamentadora 31 (MTE, 2005). Ora, porque só agora já que a profissão está para acabar? A fragilidade do singular envolvido no corte de 32

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei (BRASIL, 1988).

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cana não tem espaço para pensar nestas questões, tampouco possui um lugar de debate, nem encontra forças coletivas para levantar seus facões e lutar por direitos e melhorias em sua situação de trabalho. Por quê? Tal interrogação recai-se sobre o entendimento ontológico do ser social de Lukács (2012), tendo o singular imperativo de uma ciência neopositivista ou existencialista poderia, facilmente, ser respondida por um "porque sim", ou "porque Deus quer que seja". Pensar o próprio singular no universal é afastado da vida cotidiana, transformado na ciência filosófica, separado da política, matemática, biologia, psicologia, sociologia; a filosofia como ciência pura apartada das outras, compreendida apenas na matéria de filosofia. Assim como temos a divisão do trabalho que fragmenta o saber do singular, tem-se a divisão do conhecimento em ciências, fragmentando o saber total do sujeito. A totalidade neste caso é substituída pelas leis divinas ou, mais recentemente, pelas ciências em conformidade não mais pelo desconhecido, mas pelo manipulado. O coletivo é fragmentado em indivíduos, o público passa a ser privado, o "trabalho depende da pessoa, se fizer tudo certo" (Entrevista de Desligamento com S. G. M., 07 jul 2012)33 terá sucesso, caso contrário, será desligada da empresa, qual o motivo? "Acha que não atingia a meta" (S. G. M.). De fato, pouco importa o grau de consciência dos seres humanos singulares em ação; cada ser humano realiza cada uma de suas ações dentro da realidade, e suas consequências, tanto as externas como as internas, estão inseparavelmente ligadas à realidade, razão pela qual a imagem que o sujeito da práxis em questão possui desta realidade (de seu caráter ontológico) jamais pode ser indiferente aos motivos, às consequências previstas etc. da própria ação. Jamais a decisão de um ser humano se passa no espaço vazio de um imperativo categórico, de uma livre decisão existencialista; ademais, deve-se considerar ainda que tal ponto de referência "puramente moral", puramente interior, para as decisões possui pressupostos ontológicos extremamente concretos. Esse é o campo mais amplo e mais importante das relações entre ontologia e práxis (LUKÁCS, 2012, p. 104).

Suas decisões "puramente interiores" não fogem a sua individualização, não importa a situação do coletivo, não importa as particularidades do singular - a precariedade -, acredita-se que a saída é puramente individual se "fizer tudo certo" um dia irá melhorar - a "ética do sofrimento" de Weber (2004).

33

Entrevista de Desligamento do dia 07 de julho de 2012. Será apresentado como: ED com "abreviação do nome", data da entrevista. Dados guardados em diários de campo.

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3.3 Colheita de Fornecedor

Alguns fornecedores de cana têm sua própria empresa que cuida da alimentação da matéria-prima na indústria. Eles são os que possuem seus próprios meios de colheita (manual ou mecanizada), sua frota de caminhões, tratores, comboios etc., ou seja, para a empresa contratante só espera a matéria-prima, nada mais. Neste caso, as contratações são mais precárias e com possibilidades de periculosidade, já que a fiscalização no uso de EPI's é de grande precariedade. Assim, destes 7,2 mil toneladas/dia as empresas fornecedoras/terceirizadas são responsáveis em alimentar a usina com 2 mil toneladas/diárias, não importa como. Um dos motivos para que os fornecedores tenham seus próprios meios de colheita é quanto à qualidade de colheita, como assim? Caso os fornecedores deixassem nas mãos das empresas a colheita e todos os tratos culturais, isto não quer dizer que as empresas realizariam um trabalho desmazelado, pelo contrário, seria feito com boas bases técnicas de tratos com a terra. O que se sente, neste sentido, é a procura destas empresas em mecanizar o canavial, com isto, a colheita sendo feita por máquinas, mesmo possuindo suas vantagens e rapidez, acaba afetando o canavial, conforme será apresentado no próximo tópico, acarretando trabalhos extras de correção de solo e perdas de matéria-prima, como é apresentado por Fabiana Batista, jornalista do Valor Econômico: Nos últimos cinco anos, as usinas e fornecedores de cana investiram R$ 14 bilhões para mecanizar a colheita. Essa modernização, porém, trouxe um problema inesperado - a redução da produtividade dos canaviais. João Guilherme Iglézias, diretor da Agroterenas, uma das maiores fornecedoras de cana para usinas, diz que a produtividade nos últimos três a quatro anos caiu de 85 toneladas por hectare para 70 toneladas, sendo 8 a 10 toneladas em razão da mecanização - a diferença foi efeito do clima. "Tivemos que reescrever os manuais de manejo". Só agora surgem variedades mais adaptadas às máquinas, como por exemplo, as que "ficam mais em pé" e brotam melhor sob a palha. O setor testa ainda técnicas para reduzir a compactação do solo provocada pelas máquinas e reduzir as impurezas trazidas pela colheitadeira para dentro da usina (BATISTA, 2013c, s/p).

Sendo assim, muitos fornecedores optam pela corte manual de trabalhadores que para tirarem vantagens (lucros) oferecem trabalhos precários e de riscos ao trabalhador. Essas situações de trabalho, caracterizada ou seguindo os moldes da terceirização, visa o "aumento da produtividade e a redução da remuneração"

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(GALIANO; VETTORASSI; NAVARRO, 2012, p. 58) acarretando problemas sérios de saúde ou/até a morte (ALVES, 2006; PERES, 2009; RODRIGUES-FILHO, 2011; ALESSI; NAVARRO, 1997). Cinco pessoas morreram e outras 21 ficaram feridas ontem à tarde, 7, quando um ônibus que transportava trabalhadores rurais apresentou problemas mecânicos atingindo um grupo de operários que trabalhavam no acostamento do quilômetro 43 da rodovia BR 369, no trecho entre Andirá e Bandeirantes. Cinco trabalhadores morreram na hora e outras 21 pessoas, entre trabalhadores rurais e operários ficaram feridas (MARTINS, 2013, p. 6).

É com esta preocupação que a justiça tem feito algo, punindo ambas as partes - quem terceiriza e quem é terceirizado - como foi o caso do Acórdão/Decisão registrado sob nº 03626230 no Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos de Agravo de Instrumento n° 0080274-68.2011.8.26.0000, da Comarca de Araraquara, em 27 de julho de 2011. O cerne da questão prende-se à solidariedade passiva verificada entre a agravante, XXXX, e a correquerida, YYYYY. Dispõe o art. 275 do Cód. Civil que "o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto". Assim, em se tratando de solidariedade passiva o credor poderá, em execução, direcionar a pretensão a ambos ou a qualquer uma delas.

Este efeito da terceirização sobre os trabalhadores não fora resolvido conforme a notícia da Gazeta do Povo (2013a) que tem como título "Lula assina acordo que acaba com trabalho terceirizado no corte de cana", nada disto, o acordo não acaba, pelo contrário, só mascara a terceirização. Este acordo se trata de um documento com 50 medidas dispostas no "Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar"34. Esse documento visa dar um selo as empresas participantes que, "segundo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, 305 das 403 usinas do país aderiram ao compromisso, que é voluntário". Sendo voluntário, não são obrigatórias, com isto, as

34

O Compromisso Nacional é um acordo firmado entre representantes dos empresários, trabalhadores e governo federal para melhorar as condições de trabalho dos cortadores de cana-deaçúcar. A adesão é voluntária e para verificar o cumprimento das cerca de 30 práticas estabelecidas no documento as empresas passam por um processo de verificação. Estando em conformidade com o pacto, as usinas recebem o selo "Empresa Compromissada" (VIEGAS, 2012, s/p).

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práticas de terceirização nos canaviais ainda ocasionam problemas de saúde e morte, conforme a notícia de Martins (2013), logo acima.

3.4 Colheita Mecanizada

Entende-se que a mecanização da colheita de cana é um instrumento que modificou centenas de anos de uma produção pautada no esforço físico. A priori, deve-se compreender que as leis que regem o trabalho na cana-de-açúcar são instituídas para serem cumpridas no nível da União, Estado e, também, Municipal. Isto possibilita que cada Estado possua sua própria lei em referência ao trabalho com a cana-de-açúcar, assim, para esta dissertação foram utilizada as leis que são regidas no Estado do Paraná, conforme será esclarecido nos próximos capítulos. Mas, nem por isto serão negados os moldes e leis de outros Estados para compreensão do fenômeno no país. Para início dos efeitos da mecanização nas plantações de cana-de-açúcar, vale destacar a Lei nº 11.24135, de 19 de setembro de 2002, que dispõe "sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas", dentro do Estado de São Paulo. Com isto, "os plantadores de cana-de-açúcar que utilizam como método de pré-colheita a queima da palha são obrigados a tomar as providências necessárias para reduzir a prática", conforme as seguintes tabelas:

Tabela 02. Cronograma das metas estabelecidas para o fim da queimada em áreas mecanizáveis no Estado de São Paulo Ano

Área mecanizável onde não se pode efetuar a queima da cana

Percentagem de eliminação

1º ano (2002)

20% da área cortada

20% da queima eliminada

5º ano (2006)

30% da área cortada

30% da queima eliminada

10º ano (2011)

50% da área cortada

50% da queima eliminada

15º ano (2016)

80% da área cortada

80% da queima eliminada

20º ano (2021)

100% da área cortada

Eliminação total da queima

35

Artigo 1º - Esta lei dispõe sobre a eliminação do uso do fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar.

79

Tabela 03. Cronograma das metas estabelecidas para o fim da queimada em áreas não mecanizáveis no Estado de São Paulo 36

Área não mecanizável , com percentagem Ano

de eliminação declividade superior a 12%

Onde não se pode efetuar a

e/ou da queima menor de 150 hectares

queima

10º ano (2011)

10% da área cortada

10% da queima eliminada

15º ano (2016)

20% da área cortada

20% da queima eliminada

20º ano (2021)

30% da área cortada

30% da queima eliminada

25º ano (2026)

50% da área cortada

50% da queima eliminada

30º ano (2031)

100% da área cortada

Eliminação total da queima

Ou seja, dentro do Estado de São Paulo, as empresas de cana-de-açúcar teriam que se adaptar até 2021 ou até 2031, respectivamente, em áreas mecanizadas com terreno sem declividade ou não mecanizadas em terrenos com declividade. No entanto, por algum motivo, longe de ser em prol do meio ambiente ou pela saúde do trabalhador, este período foi encurtado para 2014. Segundo a Coletiva de Imprensa da União da Indústria de Cana-de-açúcar - UNICA, de 20 de dezembro de 2012, a colheita mecanizada no Estado de São Paulo foi de 87% do total de área plantada37, no Mato Grosso do Sul foi de 95%, Mato Grosso foi 90%, ao todo, a região do Centro-Sul38 contabilizou 85% de área onde a colheita foi mecanizada. Por motivos ambientais e trabalhistas, as usinas sucroalcooleiras já conseguiram mecanizar 85% da colheita e 53% do plantio de cana da região Centro-Sul, responsável pela maior parte da produção brasileira de álcool e açúcar. O indicador é um alívio para dezenas de municípios que há até poucos anos sofriam com períodos anuais de queima da planta, que gera uma "neve negra" de cinzas prejudiciais à saúde, apesar das disputas pendentes na Justiça para a prorrogação dessa prática (BARROS, 2013, s/p).

36

Na Lei nº. 11.241, de 19 de setembro de 2002 vem descrito detalhado o que vem a ser área não mecanizável, bem como o grau de declividade do terreno da plantação. 37

Estes números são referentes a área plantada das usinas, não inclui os fornecedores.

38

São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

80

Em contrapartida, as empresas de açúcar e álcool do Estado Paraná, seguem outras diretrizes, vinculados a Associação dos Produtores de Álcool e Açúcar do Paraná - Alcoopar, estes estão condicionados a Resolução SEMA nº 076, de 20 de dezembro de 2010, que dispõe sobre "eliminação gradativa da despalha da cana-deaçúcar através da queima controlada". Para isto, as empresas devem se enquadrar ao seguinte cronograma: Art. 3º – Os plantadores de cana-de-açúcar que utilizem a queima controlada como método para a despalha de cana-de-açúcar são obrigados a eliminar a prática, nas áreas mecanizáveis, nos seguintes prazos e percentuais: l – até 31 de dezembro de 2015 – 20% (vinte por cento) do total da área mecanizável de plantio da cana-de-açúcar; ll – até 31 de dezembro de 2020 – 60% (sessenta por cento) do total da área mecanizável de plantio da cana-de-açúcar; lll – até 31 de dezembro de 2025 – 100% (cem por cento) do total da área mecanizável de plantio da cana-de-açúcar.

Para terrenos não mecanizáveis, fica disposto que: Art. 4º – Nas áreas não mecanizáveis, a utilização da queima controlada deverá ser eliminada até a data de 31 de dezembro de 2030, desde que exista tecnologia viável.

As diferenças de período entre Estados estão relacionados ao tipo de relevo, basicamente, enquanto que os Estados vinculados ao Centro-Sul possuem terrenos de baixo declínio e arenoso, no Estado do Paraná os terrenos possuem grandes declives com um solo argiloso. Neste caso, se enquadra no artigo nº 4 e esperam por uma tecnologia capaz de colher em terrenos em declive. "Nos terrenos com declividade acima de 12%, onde as limitações técnicas não permitem mecanizar, a proibição torna impraticável a colheita, o que atingiria mais de 30% da área atual do Paraná, inviabilizando inclusive o funcionamento de algumas usinas" (Miguel Tranin, presidente Alcoopar) 39 (JORNAL DO PARANÁ , 2013, p. 13). "No Nordeste do País, onde prevalece uma topografia mais acidentada, a situação é ainda mais complicada. Apenas 39% dos canaviais podem ser colhidos por máquinas, segundo a União Nordestina dos Produtores de 39

O Jornal do Paraná é uma publicação realizada em parceria com a Associação dos Produtores de Álcool e Açúcar do Paraná - Alcoopar, sendo assim, suas publicações podem ser vulneráveis, conforme os interesses a classe dos produtores.

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Cana (Unida). A situação implicaria na extinção de 218 mil postos de trabalho. E como a produção regional é substancialmente em regime de econômica familiar, a lei provocaria uma reforma agrária às avessas, obrigando o pequeno produtor a vender suas terras" (JORNAL DO PARANÁ, 2013, p. 13).

Como a empresa discutida nessa dissertação está localizada no Estado do Paraná, a mesma sofre com a falta de tecnologia para ter 100% da colheita mecanizada, localizada em uma região de grandes declives e com solo "roxo" (os habitantes são chamados de "pé vermelho"), assim, a empresa ainda necessita dos trabalhadores do corte manual. Pensando nisto, Marx (1982) relata sobre o avanço do maquinário nas empresas, Além disso e sem dúvida, simultaneamente à maquinaria desenvolve-se também a agricultura em larga escala, que funciona de fato como produção mecanizada, dado que tanto a transformação da terra arável em pastagens, como o uso de melhores instrumentos e cavalos, aqui, tanto quanto na maquinaria, faz com que o trabalho passado surja como meio para substituição ou diminuição do trabalho vivo (p. 105).

Com o uso de suas palavras, o uso das máquinas40 visa diminuir e substituir o trabalho vivo, conforme Antunes (2009) esta forma de desenvolvimento maquinário e de mudanças estruturais e administrativas das organizações fazem parte de uma “engenharia da liofilização”, da qual a terceirização se torna um modo para a lucratividade. Enxugando o quadro de funcionários e aprimorando as tecnologias e máquinas faz-se cada vez mais a fragmentação do Ser pela divisão do trabalho e sua substituição por máquinas, dá-se fim a cooperação entre os homens (MARX, 1996) e do conhecimento do fazer em sua totalidade. O Ser conhece apenas uma particularidade do produto todo. Partindo por este pressuposto é que a terceirização das máquinas nos canaviais vem como uma "luva" para a economia organizacional. Ainda devagar, pois lhe faltam grandes tecnologias para certos tipos topográficos, mas que em médio prazo está dominando os canaviais, como já ocorre no CentroSul. Para dar formas concretas à potencialidade das máquinas, utiliza-se dos cálculos de produção41. Uma máquina colhedora é capaz de colher 6 hectares/dia, 40

Consideram-se como maquinário as colheitadeiras ou colhedoras, tratores reboques, transbordo, caminhões, equipamentos de plantio e de tratos culturais, entre outros. 41

Números referentes à empresa analisada nesta dissertação.

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com uma média de 80 toneladas/hectares, no final do dia (24 horas) uma máquina é responsável por colher 480 toneladas de cana, como são utilizadas 7 máquinas nesta usina em estudo, no final do dia a indústria mói 3,2 mil toneladas de cana colhidas mecanicamente, ou seja, 61,5% de toda colheita de cana própria42 é realizada mecanicamente, enquanto 38,5% é por meio de colheita manual. Se a média de corte de um trabalhador manual é de 9 toneladas de cana43, a máquina está substituindo 53 empregados, isto trabalhando 24 horas, enquanto que o cortador de cana trabalha apenas 8 horas/dia, totalizando 373 cortadores de cana substituídos. Aqui, portanto, com maior evidência aparece o estranhamento das condições objetivas do trabalho - do trabalho passado - em oposição ao trabalho vivo como sendo aquela contradição imediata na qual o trabalho passado - e, por conseguinte, as forças sociais gerais do trabalho que compreendem tanto as forças da natureza quanto as da ciência - se apresenta diretamente como uma arma que atira à rua o trabalhador, transformando-o num sujeito supérfluo; que rompe e dilui com sua especialização, sufocando aquelas necessidades nela fundadas, e que submete o trabalhador ao despotismo acabado e organizado da forma de ser da fábrica (Fabrikwesen) e à disciplina militarizada do capital (MARX, 1982, p. 108)

Transformando em valores é possível que não seja tão rentável a mecanização, por um motivo simples: a tecnologia de uma máquina ainda é muito nova tornando-a cara na compra e em sua manutenção. Uma máquina de colher cana pesa cerca de 20 toneladas e custa, em média, R$ 900 mil. Quando quebra, o prejuízo à usina é enorme, já que, por dia, serão 500 toneladas de cana que deixarão de ser colhidas. O mesmo acontece com outras máquinas da operação agrícola. Por essas e outras, ainda hoje o corte da cana pode ser a única solução (BATISTA, 2013a, s/p). Uma colheitadeira de cana substitui os braços de 80 a 100 trabalhadores, dependendo da produtividade do cortador. Nos últimos cinco anos, as usinas e fornecedores de cana investiram cerca de R$ 14 bilhões para alavancar a substituição do homem pela máquina, mas, até agora, o resultado não agradou. A razão é que a mecanização mudou o patamar de produtividade dos canaviais, provocando um declínio sistêmico de rendimento. Produtores com décadas de experiência no setor estão tendo que "reaprender" o manejo da cultura. E, quatro anos depois, o setor está apenas no meio de um a reação, afirma João Guilherme Iglézias, diretor de operações agrícolas da Agroterenas (BATISTA, 2013b, s/p). 42

43

Não inclui de fornecedores.

Há casos de um cortador ter a média em 12 toneladas, conforme a qualidade e o alinhamento da plantação. Há casos no Estado de São Paulo onde a média de um cortador está entre 19 a 21 toneladas de cana por dia.

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Com a mecanização, além de ter que estruturar todo o campo para o plantio e colheita, o uso das máquinas acaba gerando outros problemas como a compactação do terreno, ocasionado pelo peso das máquinas; perdas de pedaços de cana que poderiam ser moídos e ficam jogados no campo; por impurezas (terra, pedras e outros materiais44) que se tornam um peso inutilizável e que gera gastos e quebras nas máquinas da indústria; por pragas que antes eram queimadas junto com a palha e, com a mecanização, a palha que retorna ao campo em forma de um colchão de adubo ao solo, acaba sendo um local de procriação destas pragas. A palha forma um colchão que traz impactos positivos como maior proteção do solo contra erosão, conserva a umidade, aumenta as taxas de infiltração de água no solo e a capacidade de retenção, além de reduzir a amplitude térmica nas camadas superficiais do solo e evaporação. Mas o acúmulo de palha no solo também traz impactos negativos, disse a pesquisadora (Rafaela Rossetto, pesquisadora da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio - Apta), como os riscos de incêndio, falha na brotação principalmente em regiões mais frias, aumento de pragas como cigarrinha e dificuldades para executar operações de cultivo (AIRES, 2013a, p. 6). Estudos mostram que uma tonelada de palha tem 40% de celulose e rende 287 litros de etanol por tonelada de palha através da hidrolise. Com isso além dos 7 mil litros de etanol por hectare a partir do caldo da cana, dá para produzir 7 mil litros a partir do bagaço e da palha, já que o poder calorífico da palha é semelhante ao do bagaço (AIRES, 2013b, p. 7).

Com essas notícias, revelam que o setor ainda está em adaptação e muitos estudos e pesquisas estão sendo feitos para melhor rentabilidade da cana-deaçúcar. No caso da empresa deste estudo, os números aqui discutidos acabam interferindo na colheita manual, já que os números de máquinas - valor e produção são conhecidos e mais estáveis. A ponta mais frágil é do trabalhador do corte de cana manual, de onde pode ser retirada a mais-valia que alimenta o bolso dos usineiros. Após algumas reflexões, retorno a este ponto para buscar realizar o papel científico dessa pesquisa. Não se pode concluir esta temática da mecanização sem ao menos discutir sobre o seu efeito frente à produção de sentidos para o trabalhador do campo. Não é certo de que a pesquisa em psicologia social, principalmente do estudo sobre os sentidos, tire conclusões sobre o fenômeno utilizando dados estatísticos e matemáticos, como está sendo feito até o momento, 44

Já aconteceu de aparecer um tronco de árvore que, após investigação, foi constatado que o tronco fora escondido embaixo do monte de cana para dar maior volume e, consequentemente, aumentar o peso colhido.

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fazendo isto, estaríamos retornando a uma ciência positivista, tal como a crítica de Lukács (2012), Durante longo tempo, a teoria do conhecimento foi um complemento e um acessório para ontologia: sua finalidade era o conhecimento da realidade existente em si e, por isso, a concordância com o objeto era o critério de todo enunciado correto. Somente quando o em-si foi declarado teoricamente inapreensível a teoria do conhecimento torna-se autônoma, e os enunciados precisam ser classificados como corretos ou falsos independentemente de tal concordância com o objeto; ela está centrada unilateralmente na forma do enunciado, no papel produtivo que nela desempenha o sujeito para encontrar os critérios autônomos, imanentes à consciência, do verdadeiro e do falso. Este desenvolvimento culmina no neopositivismo. A teoria do conhecimento transforma-se por inteiro numa técnica de regulação da linguagem, de transformação dos signos semânticos e matemáticos, de tradução de uma “linguagem” em outra. Com isso o elemento matemático impõe cada vez mais que a ênfase seja transferida, exclusiva e crescentemente, para o caráter formalmente não contraditório dos objetos e métodos da transformação e para que os próprios objetos sejam utilizados como mera matéria das possibilidades de transformação (p. 58).

Desta forma, o retorno para este capítulo faz-se necessário para que o objeto não seja matematizado, como se os números e cálculos sejam apenas fórmulas para descrever/confirmar uma práxis com uma "finalidade concreta determinada" (ibidem, p. 56). Se o objetivo deste capítulo é de mostrar como o universo e suas particularidades - planejamento organizacional - fundamentam o cotidiano das pessoas utilizando como princípio a lucratividade, constituindo uma dimensão subjetiva - cortador de cana - será um absurdo fatídico esquecer que a própria mecanização é determinante de construção de sentidos, ora basta ver nos jornais e noticiários sobre a mecanização como ameaça ao fim do trabalho. O flamenguista José Araújo dos Santos, de 52 anos, corta oito toneladas de cana das 7h às 15h todos os dias com seu afiado facão nos canaviais da Usina da Pedra, em Serrana, região de Ribeirão Preto, a principal produtora de açúcar e álcool do país. Como recebe R$ 4,15 por tonelada cortada, chega a ganhar pouco mais de R$ 1 mil por mês. Mas ele não reclama de ganhar pouco e trabalhar exaustivamente sob um sol escaldante. Pelo contrário, ele está preocupado é com o fim dos cortadores de cana. Hoje as máquinas já colhem 90% da cana plantada na região e no ano que vem esse índice deve ser de 100%. As usinas vão dispensar os cortadores. Só vai ter emprego quem souber pilotar as máquinas. Como sou analfabeto, não tenho como aprender. Sem emprego, vou morrer de fome se continuar aqui. Vou ter que voltar para a Bahia, de onde vim para cortar cana. Meus amigos estão indo trabalhar na construção civil, em Ribeirão Preto - disse José dos Santos, que corta cana com a mulher Terezinha, de 42 anos, que também deve ficar sem emprego no ano que vem (OLIVEIRA, 2013).

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Sabe-se que, para a Psicologia Sócio-Histórica, o trabalho é determinante para formação do ser social, "por isso a práxis está inseparavelmente ligada ao conhecimento; por isso o trabalho, conforme procuraremos mostrar no capítulo indicado45, é a fonte originária, o modelo geral, também da atividade teórica dos homens" (LUKÁCS, 2012, p. 56). Sem ele não é possível falar em um ser social. Não se trata, neste caso, de falar que o trabalhador do corte de cana sem o seu emprego irá perder a potencialidade de objetivação, isto é infindo, o que acontece é que a produção de sentidos pelo trabalho irá ocasionar mudanças subjetivas metamorfoses - nos significados das coisas e de si, pois é a atividade mediada pelos significados que constrói a consciência (AGUIAR; et al, 2009, p. 56). Portanto, não é a teoria que determina a redução do homem à abstração; é a realidade mesma. A economia é um sistema e uma regularidade de relações nas quais o homem se transforma continuamente em "homem econômico" (KOSIK, 2011, p. 95) (Grifos do autor).

O homem econômico como sendo uma célula pertencente à incógnita das frações e dos cálculos, incógnita importante para a obtenção dos lucros e de sua fragmentação frente ao conhecimento da realidade que, após a dominação do sistema capitalista, vê-se mergulhado em um mundo manipulado transformando a realidade

em

pseudoconcreticidades

creditadas

pelo

sujeito.

Em

pseudoconcreticidades como a do desenvolvimento através do estudo, de sua situação social - cortador de cana - como resultado da falta de formação educacional. Trabalhador Rural: _Queria trabalhar como vocês, dentro da sala com arcondicionado. Funcionária do RH: _É fácil, só estudar pra conseguir chegar aqui no meu lugar. (Diário de Campo, set. 2012. Contratação da turma do Polaco).

Ou na crença de que estes trabalhadores estão sendo treinados e preparados para ocuparem as cabines das colheitadeiras, dos tratores, pensando que uma máquina necessita de 3 ou 4 operados, e que elas fazem o trabalho de 80 pessoas, como fica a situação de 76 trabalhadores? Em pseudoconcreticidades de que as empresas estão pensando em capacitar estes trabalhadores para ocuparem outros 45

Capítulo 1 do livro "Para uma ontologia do ser social II" de Gyorgy Lukács (2013). Lançado em outubro de 2013 pela Editora Boitempo.

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cargos e funções dentro da própria usina, como é o caso da notícia "Cortador troca o facão pelo volante", do jornal Tribuna do Vale (DAMÁSIO, 2013, p. 5), onde faz menção a capacitação profissional de um único trabalhador rural chamado Paulo Henrique Nunes Adão, que fala: “Sempre falei que dava certo e hoje todos veem que eu consegui atingir meu objetivo. Iniciei no corte de cana por falta de opção, mas tomei a iniciativa, consegui ser tratorista e vou continuar investindo na minha carreira”

Não sabe ele que é o único trabalhador no meio de 459 que fora recrutado para realizar o curso de tratorista e que os outros trabalhadores do corte de cana fazem sempre no início de safra os cursos de "Cana Motivacional"46, "Corte de Cana Básico" e "Avançado"47, "Corte de Cana - Apontamentos"48, entre outros, nenhum em sentido de capacitação para ocuparem outros cargos e funções, todos os cursos para aumentar a produtividade do corte de cana; não sabe ele que a empresa paga todos os seus gastos de transporte e não seria rentável pagar para aos outros este mesmo custo de transporte; não sabe ele que a matéria fora manipulada junto com a jornalista e um dos sucessores da empresa; não sabe ele que 44 trabalhadores rurais foram demitidos em abril de 2013, nesta mesma empresa em que este jornal escreveu a matéria "Mão de obra escassa acelera mecanização da cana-de-açúcar" em março de 2013 (DAMÁSIO, 2013); não sabe ele que será demitido se não mudar para uma das cidades situadas no eixo de transporte da empresa, como ocorre com todos os outros.

46

Objetivo: Aprimorar comportamentos pessoais e profissionais que auxiliem em uma melhor qualidade de vida. Conteúdo programático: Desempenho pessoal; motivação; auto-imagem; desempenho profissional; capacidade de mudança; trabalho em equipe e relacionamentos; conhecimento da produção e fatores econômicos da usina; básico de funcionamento das regras internas da empresa; prevenção dos riscos do trabalho. 47

Objetivo: Executar o corte de cana de açúcar, com boas condições de segurança pessoal e com qualidade. Conteúdo programático: Tipos de cana crua e queimada; Tipos de corte (esteira e monte); ferramentas de trabalho para corte; prevenção dos riscos do trabalho; uso correto dos EPI's; eito: definição e tipos; como cortar cana, condições de higiene e estratégias de ganho de rendimentos; segurança; reconhecimento de um eito; corte de cana crua e queimada; apresentação da barraca sanitária. 48

Objetivo: Realizar os apontamentos necessários para a condução do trabalho do corte de cana de açúcar. Conteúdo programático: Fiscalização de qualidade; medição; higiene do trabalho; mapas ou croquis; noções de qualidade do corte; equipamentos utilizados (compasso, blocos de anotação, pranchetas e calculadoras de bolso); conceito de apontamento.

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Segundo Scopinho e Marques (2012, p. 14), a qualificação profissional está atrelada as políticas que "visam adaptar, técnica e comportamental, a força de trabalho às necessidades do capital", portanto não se restringe a uma "boa ação" ou uma

assistência

ao

trabalhador

frente

ao

desemprego

ocasionado

pela

mecanização, mas sim, uma reestruturação produtiva para a otimização da produção, enxugando o quadro de trabalhadores e informatizando/mecanizando o canavial. Para Scopinho (2000, p. 97), “[...] a mecanização da colheita não é apenas uma opção tecnológica; é também uma opção política, uma reação empresarial às conquistas político-organizativas obtidas pelos trabalhadores na década de oitenta”. A pseudoconcreticidade da boa conduta das empresas que são vistas e entendidas como organismos vivos maternos: estende a mão em um abraço fraterno e carinhoso, mas que sabe punir com severos "tapas" caso não se dê bem no desenvolvimento profissional. Afinal, o sucesso está nas "suas mãos" e não nas empresas, nada pode ser feito se você não busca o sucesso. Mas o sucesso é buscado, se prepara, faz cursos, se profissionaliza, tem certificados de todos os tipos e cores, possui o boné do Senar49 etc. O resultado nunca é o esperado, como aponta o Sr. Antonio: Há 15 anos é o que ele faz. Na usina onde trabalha (Univalem), todos os anos são abertas turmas de qualificação para operador. Mas Aparecido ficará na operação manual até ela acabar. "Tenho curso de mecânica, fui motorista e tratorista. Mas a cobrança é grande. Se a máquina quebra, a empresa acha que você é o culpado". Ademais, acrescenta ele, o ganho mensal de um cortador (R$ 1,2 mil, em média) equivale ao de um operador iniciante de máquina (BATISTA, 2013, s/p.).

Este e outros motivos ocasionam a procura de operadores, não porque não tem pessoas qualificadas, afinal, de 80 pessoas muitas delas podem ocupar as cabines das máquinas, mas não tem "delicadeza", os anos de trabalho rústico e de ritmo forte, tornou o tônus muscular rígido e bruto, assim, a procura deve ser em outras áreas, como informa Genésio Lemos Couto, Diretor de Pessoas e Sustentabilidade da Odebrecht Agroindustrial, devem ter delicadeza, de preferência mulher, pois são cuidadosas, evitam quebrar a máquina.

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Serviço Nacional de Aprendizagem Rural. Todos os participantes devem utilizar o boné para divulgar a instituição.

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UDOP: Um dos grandes desafios é transformar o cortador de cana em operador de colhedora, treinando-o em equipamentos modernos e que exigem um grau de cuidado e conhecimento que ele nunca precisou ter? Genésio Lemos Couto: O processo de mecanização e qualificação destes profissionais foi um desafio imenso porque esses profissionais trabalhavam 50 com facões que custavam R$ 300,00 e passaram a operar máquinas caríssimas. Então, foi muito difícil formar esses integrantes. Nós tivemos que buscar mão de obra feminina em supermercados, no comércio. A delicadeza e o cuidado feminino são necessários nessa função. Hoje, as mulheres representam 17% do efetivo da companhia (MENDONÇA, 2013, s/p.).

Com isto, tem-se uma pequena compreensão de como o "capital depende absolutamente do trabalho – no sentido de que o capital inexiste sem o trabalho, que ele tem de explorar permanentemente" (MÉSZÁROS, 2011, p. 31), para conseguir sobreviver no mercado, não importando as subjetividades, estas transformadas em meras incógnitas - x, y, z - na qual não tem necessidade alguma saber que o "x" se trata de pessoas com nomes, histórias, sentimentos, desejos - de uma subjetividade.

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Em uma pesquisa em sites de ferramentas especializadas em cana-de-açúcar, estes mesmos facões podem ser encontrados por até R$ 30,00, até mais baixo, sabendo que um facão não dura mais que 1 mês. E que o caríssimo exposto se trata de 600 a 800 mil de reais. A linguagem utilizada busca amenizar as desvantagens.

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4. TERRITÓRIO DE VALORES

4.1 O etanol como produto econômico

Em 1973 eclode a crise do petróleo, países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP51 ocasionaram a redução das quotas de produção, promoveram embargos de exportações para os Estados Unidos e alguns países da Europa e triplicaram os preços do petróleo, esta série de acontecimentos causou uma crise mundial afetando diretamente os Estados Unidos. Antes de discutirmos o mercado global, é importante formalizar a implantação do mercado de combustíveis e óleos dentro do Brasil, percebendo um caminho paralelo com os acontecimentos do mercado interno com o externo. Resgatando um artigo de autoria de Celso Fernando Lucchesi (1998), que na época de sua publicação era superintendente executivo de Exploração e Produção da Petrobrás, o autor apresenta a história do Petróleo no Brasil. Interessante perceber a participação do governo em pesquisas para descobrir bacias de óleo e gás. Para o autor, a exploração no Brasil está relacionada com a legislação do petróleo no Brasil, na qual, ele a divide em fases: Período Pré-Petrobrás (1858 - 1953), Período de exclusividade da Petrobrás (1954 - 1997) e o Período pós-lei 9478/97– A transição (1997 em diante). Com o intuito de descrever sobre os órgãos empenhados no assunto, vale destacar a corrida pela tecnologia para a exploração do petróleo com medidas legislativas para o trabalho envolvendo a produção de óleos e derivados, isto confluente - consciente ou não - do mercado estrangeiro, assim, averigua-se que neste capítulo muitos dados podem ser ajustados ou até mesmo duplicados no capítulo sobre a participação do Estado. Retornando aos estudos de Lucchesi, a primeira fase, chamada de Período Pré-Petrobrás (1858 - 1953), esta é marcada por duas etapas, a primeira de 1858 até 1938 que pouco se mostrou ao Brasil em respeito à qualidade de um real e próspero produtor de petróleo. Pelo contrário, todo o período ficou a cargo da iniciativa privada, a de pesquisa e de abertura de bacias que, só entre 1892 e 1897 o "fazendeiro Eugênio Ferreira de Camargo perfurou em Bofete (SP) o que foi

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Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela.

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considerado o primeiro poço petrolífero do Brasil, tendo sido reportada a recuperação de dois barris de petróleo" (LUCCHESI, 1998, p. 20). Dentro desta mesma etapa, foi criado o Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro - SGMB -, em 1907, que aumentou as atividades de perfuração, através de novas tecnologias, como as sondas e de profissionais da área de engenharia e geologia. Ainda com poucos incentivos financeiros e tecnológicos, em 29 de abril 1938, o então presidente Getúlio Vargas, promulga o Decreto-Lei nº 395 que, em seu art. 4º, cria o Conselho Nacional de Petróleo - CNP, incumbida de autorizar, regular e controlar tudo a que se refere ao petróleo em "defesa dos interesses da economia nacional", além de autorizar as operações financeiras das empresas; fiscalizá-las, bem como as operações mercantis (BRASIL, 1938). Com isto dá-se início a segunda etapa do Período Pré-Petrobrás, mas sem muitos avanços na produção de petróleo, apenas com aberturas de poços de pequena produção de óleo e gás e de importantes pesquisas para descobertas de bacias petrolíferas. O Período de exclusividade da Petrobrás (1954 - 1997) deu início com a criação da Petrobrás que, [...] foi criada, após longa campanha popular, para servir de base à indústria do petróleo no Brasil e para exercer, em nome da União, o monopólio de exploração, produção, refino, transporte e comercialização do petróleo e seus derivados. Fazia parte de um ciclo histórico no qual se tentou montar as bases industriais brasileiras por meio da criação de estatais nas áreas de siderurgia, metalurgia e petróleo. A empresa tinha como missão suprir o mercado interno com petróleo e seus derivados, fosse pela produção nacional, fosse pela importação. Criada pela lei 2004 (3/10/1953) e instalada em 10/5/1954 (ibidem, p. 21).

Neste período, divido em fases que, em sua primeira (1954/1968), foi caracterizada pela instalação da Petrobrás. Para isto, foram contratados técnicos estrangeiros para pesquisas no Recôncavo Baiano e na Amazônia, em especial, do geólogo norte-americano Walter Link que foi contratado para implantar uma estrutura organizacional nos moldes da indústria norte-americana, talvez como parte de uma "política de divisão dos lucros" e que acionava o Brasil como “área de teste para os modernos métodos científicos de desenvolvimento industrial baseado no capitalismo intensivo”, pautando-se na “americanização do Brasil”, conforme as

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palavras de Gerald Haines52 (CHOMSKY, 1999, p. 15). Em 1960, foi fundada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP53 -, do mesmo modo que, em 1961, foi divulgado o Relatório Link que apresentava resultados negativos quanto a bacias de grande porte em áreas terrestres (LUCCHESI, 1998, p. 22). Este período, marcado pela Guerra Fria que acarretou na maior guerra pós a II Guerra Mundial, a Guerra do Vietnam (1961 - 1975), travada entre o Vietnam do Sul e os EUA com o Vietnam do Norte para tentar (sem sucesso) evitar que as forças comunistas e nacionalistas unificassem o país. Nesta mesma época, os Estados Unidos, governado pelo democrata John Kennedy, aplicavam a "Aliança para o Progresso" (1961), programa assistencial para a América Latina, destinado a combater o antiamericanismo decorrente da vitória da revolução cubana. Em 1962, é criado a Organização dos Estados Americanos - OEA, que exclui Cuba da organização, por manter relações políticas com a União Soviética e combate movimentos "subversivos de ideologia marxista", fazendo com que a "'política norteamericana para o Brasil' como 'extremamente bem-sucedida', 'uma verdadeira história de sucesso americano'" (CHOMSKY, 1999, p. 15). Neste bojo, a "política norte-americana para o Brasil" deu continuidade nos próximos anos de governo militar, do mesmo modo caminhou as políticas para o Petróleo no Brasil com a segunda fase (1969 - 1974), sem muito sucesso nas bacias terrestres, em 1972 o Brasil cria a Braspetro para trazer do exterior o petróleo que o Brasil não produzia, neste ponto, um dos principais acordos do Brasil foi firmado com o Irã54 em 1971 (FARES, 2007). Com o novo cenário criado pela primeira crise do petróleo, o Iraque vinha sendo considerado um dos melhores mercados do mundo árabe pelo governo brasileiro. Como era de se esperar, não havia uma política única para todos os países do Oriente Médio. A “opção iraquiana” parecia, desde o princípio, se não a melhor alternativa para o Brasil entre os produtores de 52

Especialista em história da diplomacia e antigo historiador da CIA: “Depois da 2ª Grande Guerra, os Estados Unidos assumiram, por interesse próprio, a responsabilidade pela prosperidade do sistema capitalista mundial” (CHOMSKY, 1999, p. 11). 53

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Formada originariamente por Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela.

A relação Brasil - Irã pode ser controvérsia sob a perspectiva do Brasil em relação aos Estados Unidos, já que este possui forte rasco ao Oriente Médio. Cabe lembrar que até 1979 o Irã era governado por Mohamed Reza Pahlevi que mantinha boas relações com os Estados Unidos, talvez por "políticas de trocas de favores". Com a crise econômica a ocidentalização do país, o governo de Pahlevi entrou em crise e em 1º de abril de 1979 o aiatolá Ruhollah Khomeini assumiu o governo transformando o país em uma república islâmica, dando fim as relações com os Estados Unidos e aplicando as políticas "religiosas" por nós conhecidas, como a aplicação estrita da lei do Alcorão.

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petróleo, aquela com excelentes perspectivas para o futuro. A ação diplomática brasileira tornou-se pró-ativa em relação ao Iraque. Afinal, o país necessitava importar praticamente tudo, de alimentos a manufaturados e, ao mesmo tempo, era grande exportador de petróleo, produto do qual o Brasil dependia (ibidem, p. 131).

Dependia e muito, "o Brasil era o maior importador de petróleo entre os países em desenvolvimento e o sétimo em escala mundial, sendo necessários cerca de 40% das exportações brasileiras para pagar a importação somente desse produto" (SANTOS, 2000, p. 56.). Desta forma, necessitava haver uma saída que poderia ser resolvida com a produção de álcool, assim, o governo brasileiro assumiu o compromisso de regular a produção de combustível a álcool, talvez como uma saída aos altos custos do petróleo externo. Em 6 de agosto de 1966, publicam o Decreto-Lei nº 16, na qual, se dá o total controle da produção de álcool e açúcar ao governo que designa a produção de forma "clandestina" (BRASIL, 1966). Este decreto dá o controle do açúcar e do álcool à autarquia do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que procura "corrigir as irregularidades havidas nesse setor da economia", já que a produção "não têm proporcionado resultados eficazes que a conjuntura atual exige". Ou seja, ao invés de ser uma política para sustentar / alavancar o mercado (interno / externo) numa possível crise (7 anos depois), este controle é para uma "conjuntura atual" que, no momento, estava buscando aliviar os gastos com a compra do petróleo externo como uma fonte energética alternativa. Com isto, grande parte das usinas e destilarias se regularizaram mediante os órgãos públicos, como é o caso das seis usinas e destilarias existentes e extintas na região do Norte Pioneiro do Paraná: Usina Bandeirantes, localizada na cidade de Bandeirantes - PR, que se inscreveu no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica no dia 26 de agosto de 1966; a Companhia Agrícola Usina Jacarezinho, hoje Grupo Maringá, situada na cidade de Jacarezinho - PR, tem seu CNPJ inscrito do dia 20 de julho de 1966; Usina Cambará S/A - Bioenergética, da cidade de Cambará - PR, com CNPJ inscrito em 29 de agosto de 1966. Após 1966, temos a Dacalda Açúcar e Álcool Ltda., da cidade de Jacarezinho - PR, inscrita em 20 de novembro de 1973; Destilaria Americana S/A, da cidade de Nova América da Colina - PR, inscrita em 25 de maio de 1981; Dail S/A Destilaria de

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Álcool Ibaiti, da cidade de Ibaiti - PR, inscrita em 09 de setembro de 199355 (RECEITA FEDERAL, 2013). Enfim, a crise de 1973 eclodiu após a Guerra do Yom Kippur envolvendo israelenses e árabes que, de forma irônica, Yom Kippur é o dia dedicado ao perdão e à expiação de culpas para os judeus, como muçulmanos nada têm a ver, ocorre a luta de setembro a dezembro encerrando com a intervenção da ONU (não é de se assustar que os Estados Unidos também estavam envolvidos no confronto). Este conflito gerou uma série de medidas impostas principalmente pela OPEP e pelos países exportadores de petróleo do oriente médio que elevaram o preço do barril de petróleo (de US$ 3 para US$ 12) afetando toda a economia mundial dos países importadores, dentre eles, o Brasil56. Para Mészáros (2011a; 2011b) as crises ocorridas na década de 1970 culminou numa "crise estrutural do capital", na qual foi o estopim para eclodir uma nova mudança ideológica (ibidem, 2004), dando fim a toda uma ideologia pós-guerra nos moldes dos estudos keynesianos57, além do mais, foi o colapso do Estado de bem-estar. Nesta década, há o surgimento de um "novo estado industrial", título do livro de Galbraith (1967-1971) superando o "cenário keynesiano do desenvolvimento e do progresso econômico" afundando o sonho da soberania capitalista já que era o "modelo insuperável para o futuro" (MÉSZÁROS, 2004, p. 131). No período de 1969-73, os Estados Unidos adotam uma política monetária frouxa, e a capacidade de imprimir moeda, em qualquer montante que parecesse necessário para manter a economia estável, contribui para a 55

Dados coletados pelo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, pelo Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral, da Receita Federal. 56

Como exemplo do aumento do preço do barril, no caso do Iraque "o aumento no preço do barril do petróleo, o governo iraquiano tinha dinheiro e determinação suficientes para investir em infraestrutura com vistas ao projeto de modernização do país e fazer pesados investimentos militares. Do ponto de vista financeiro, o país passava a faturar mais que o triplo em 1973 quando comparado ao ano anterior. Em 1974 esse número havia se multiplicado em cerca de dez e, em 1980 (ano de maior pico nas receitas com o petróleo), em cinqüenta, tendo como base ainda 1972. Tudo isso teve repercussões claras na política externa iraquiana" (FARES, 2007, p. 130). 57

"A essência da fórmula keynesiana consiste em deixar as decisões particulares sobre a produção, mesmo as que envolvem preços e salários, aos homens que atualmente executam. A área de ação do homem de negócios não fica de modo algum restringida. A decisão centralizada só é aplicada em relação ao clima em que estas decisões são tomadas: assegura apenas que os fatores que influenciam a decisão livre e inteligente conduzam a uma ação privada que contribua para a estabilidade econômica. Portanto, em épocas de depressão, o aumento dos gastos do governo ou a redução da tributação provocarão ou permitirão um aumento na demanda. As decisões empresariais resultantes quanto à produção e ao investimento, embora não submetidas a um controle, resultarão em aumento de produção e emprego" (GALBRAITH, 1963 apud MÉSZÁROS, 2004, p. 131, n.r.).

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onda inflacionária. Observa Harvey (1992, p. 135): "O mundo capitalista estava sendo afogado pelo excesso de fundos; e, com as poucas áreas produtivas reduzidas para investimento, esse excesso significava uma forte inflação". Além disso, a formação do eurodólar na década de 1960 colabora para a redução do poder norte-americano de regulação do sistema financeiro internacional (ALVES, 2011, p. 13).

É neste cenário que também ocorre uma crise no modelo fordo-taylorista de produção, o declínio de uma "administração científica" que coloca a ciência a favor da opressão e da exploração dos trabalhadores dentro das fábricas, conforme as palavras de Taylor (1990, p. 53): "um dos primeiros requisitos para um indivíduo que queira carregar lingotes de ferro como ocupação regular é ser tão estúpido e fleumático que mais se assemelhe em sua constituição mental a um boi". Nessas condições de "bovino", o trabalhador fica incapaz de questionar o próprio trabalho, de "entender a ciência que regula a execução desse trabalho", para isto, cabe ao "homem mais inteligente" treinar o trabalhador e ditar as ordens do processo. Algo se assemelha com os trabalhadores rurais? Com o colapso do modelo fordo-taylorista e econômico na década de 70, pautado na máxima produção de bens, que surge com Eiji Toyoda e seu engenheiro Taiichi Ohno o modelo toyotista de administração organizacional, tendo como pontos fundamentais: eliminação de desperdício e fabricação com qualidade; assim seu sistema faz com que haja um maior comprometimento e envolvimento do trabalhador não só na produção, mas também no processo de decisão (RODRIGUES-FILHO, 2011). Segundo Antunes (1999, p. 54) o toyotismo utiliza-se de, Novas técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, das “células de produção”, dos “times de trabalho”, dos grupos “semiautônomos”, além de requerer, ao menos no plano discursivo, o “envolvimento participativo” dos trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do trabalho alienado e estranhado.

Neste sentido, a mudança comportamental do trabalhador passando de um subalterno para um trabalhador polivalente, multifuncional, qualificado e de decisão, rompendo

com

as

grandes

pirâmides

hierárquicas

para

uma

estrutura

horizontalizada, neste novo processo que surge com a "crise estrutural do capital" é que Castillo (1996 apud ANTUNES, 1999, p. 52) emprega a expressão “liofilização organizativa” para um padrão de acumulação flexível.

95

Segundo David Harvey, a acumulação flexível caracteriza-se a partir do confronto direto com a rigidez do fordismo. Aquela se apoiaria na "flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo" e "caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional" (HARVEY, 1992, p. 138. Para ele, o conceito de acumulação flexível envolveria também rápidas mudanças nos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores (por exemplo, o crescimento do emprego no chamado setor de serviços) como entre regiões geográficas (o surgimento de conjuntos industriais completamente novos na Terceira Itália, no Flandres e nos vários vales e gargantas do silício, na Califórnia, e a vasta profusão de atividades em países recém-industrializados) (ALVES, 2011, p. 13).

É seguindo esta flexibilidade que há a mudança ideológica, não só com o trabalhador, mas em todo o cenário social mundial descrito por Meszáros, justificando o "poder da ideologia" para a soberania do capitalismo. Visto isto, podese questionar sobre estas mudanças estruturais do capital visando à abertura de uma economia por meio da "profusão

de atividade em

países

recém-

industrializados". Ora, se pegarmos o seguimento automobilístico no Brasil, conforme o gráfico 1, perceberemos que esta procura por "países recémindustrializados" não ocorrera na década de 70 e 80 no Brasil de forma impactante. Analisando o gráfico, é possível ver que a instalação das empresas automobilísticas ocorrera em 4 períodos: o primeiro período (57 - 59), foi com as políticas de industrialização do governo de Juscelino Kubitschek, dando destaque à produção de caminhões e ônibus, já que neste governo procurou-se diminuir as barreiras regionais no Brasil com construção de estradas e rodovias. Como marco, a construção de Brasília, onde seria a futura sede do governo federal a partir de 1960; o segundo período (76 - 83), é o momento que ocorre a mudança "estrutural do capital", principalmente nos Estados Unidos da qual a crise fez com que suas empresas procurassem expandir o mercado, a globalização. Nesta ânsia em cruzar fronteiras, nos parece que o Brasil não foi um país de interesse das montadoras de veículos, já em outros seguimentos (caminhões, ônibus e comerciais leves), a instalação ocorreu de forma tímida; se foi de forma tímida na década de 70 e 80, ao invés disto, ocorrera na década de 90 e 2000, mais precisamente de 1996 a 2002, o terceiro período, que ganha destaque por ter o incentivo do governo liderado por Itamar Franco, que assume o poder após o impeachment de Fernando Collor com a

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missão de combater a alta inflação, para isto, nomeia Fernando Henrique Cardoso como Ministro da Fazendo, após várias tentativas de indicação. Em fevereiro de 1993, Itamar Franco assina o protocolo do carro popular que aplica o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sendo de 0,1%, com isto buscou levantar a economia tendo o "Fusca Itamar" como exemplo a ser seguido com o seu motor 1.0 custando menos de R$ 8 mil (CR$ 700 mil), é neste período que se dá a "implantação e sustentação" do modelo econômico neoliberal, sendo que, para os países latinos é caracterizado como modelo econômico neoliberal periférico, para Filgueiras (2006) é chamado de periférico por ser, [...] resultado da forma como o projeto neoliberal se configurou, a partir da estrutura econômica anterior do país, e que é diferente das dos demais países da América Latina, embora todos eles tenham em comum o caráter periférico e, portanto, subordinado ao imperialismo (p. 179, n. r.).

Nada incomum em ser subordinado ao imperialismo (norte-americano), mesmo por que já éramos alvo em outros tempos de uma "americanização do Brasil", conforme já vimos acima. O sucesso do projeto neoliberal só foi possível após as classes trabalhadoras não conseguirem "tornar hegemônico seu projeto nacional, democrático e popular"58, dando brechas "à unificação das diversas frações do capital em torno do projeto neoliberal - classes dominantes e interessadas (ibidem, 2006). Como pode ser visto desde a década de 90 até o presente momento, o fim das grandes greves lideradas pelo, então, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luis Inácio Lula da Silva. Com o governo de Fernando Henrique Cardoso, o acordo com as empresas automobilísticas de manter o IPI em 0,1% até dezembro de 1996, conforme o acordo, não se manteve. Em fevereiro de 1995 o IPI subiu para 7%, nem por isso as empresas deixaram de investir no Brasil durante os dois mandatos de FHC, mesmo enfrentando fortes crises, como a quebra dos Tigres Asiáticos. Até o momento, o que nos parece convincente é que, em momentos de crises que afetam as grandes economias (Estados Unidos, Europa e Japão), os olhos dos investidores são voltados para os países subdesenvolvidos, como foi em 2008 com o declínio 58

Após "intensa atividade política desenvolvida pelas classes trabalhadoras na década de 1980 – que se expressou, entre outros eventos, na constituição do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), na criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT) e na realização de cinco greves gerais entre 1983 e 1989" (ibidem, ano, p. 181).

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imobiliário nos Estados Unidos, naquele período, os investidores focaram, principalmente, nos países supostamente com potencial, os BRICS59. Em 2002, vence as eleições Luís Inácio Lula da Silva, Decidido a evitar o confronto com o capital, Lula adotou política econômica conservadora. Nos dois primeiros meses de 2003, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou os juros de 25% para 26,5%. De modo a pagar a dívida contraída com essa elevação, o Executivo subiu a meta de superávit primário de 3,75% em 2002, já considerada alta, para 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) e anunciou em fevereiro enorme corte, de 14,3 bilhões de reais, no orçamento público, quase 1% do produto estimado para aquele ano. O poder de compra do salário mínimo foi praticamente congelado em 2003 e 2004. Para completar o pacote, em 30 de abril de 2003 o presidente desceu a rampa do Planalto à frente de extensa comitiva para entregar pessoalmente ao Congresso projeto com reforma conservadora da Previdência Social. Entre outras coisas, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) acabava com a aposentadoria integral dos futuros servidores públicos (SINGER, 2012, p. 5).

Já em seu segundo mandato (2006 - 2010) as coisas mudaram, mesmo passando pela crise de 2008 (discutida mais a frente), Lula tinha o desígnio de acabar com a miséria, a luta entre "direita e esquerda" é substituída por "ricos e pobres", e como mudanças consegue trazer novas empresas para o Brasil mesmo com momentos de crise, mas repetindo, de forma tímida, aproveitando (hipótese) das condições atuais da sociedade brasileira - "nova classe trabalhadora". [...] passados oito anos, o cenário era outro. Em dezembro de 2010 os juros tinham caído para 10,75% ao ano, com taxa real de 4,5%. O superávit primário fora reduzido para 2,8% do PIB e, “descontando efeitos contábeis”, para 1,2%. O salário mínimo, aumentado em 6% acima da inflação naquele ano, totalizava 50% de acréscimo, além dos reajustes inflacionários, entre 2003 e 2010. Cerca de 12 milhões de famílias de baixíssima renda recebiam um auxílio entre 22 e duzentos reais por mês do Programa Bolsa Família (PBF). O crédito havia se expandido de 25% para 45% do PIB, permitindo o aumento do padrão de consumo dos estratos menos favorecidos, em particular mediante o crédito (SINGER, 2012, p. 5).

59

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

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Gráfico 01. Ano em que as montadoras automobilísticas iniciaram suas ativi atividades dades no Brasil, por seguimento

Arte: O autor. Fonte: Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2013 - (ANFAVEA, 2014).

99 Gráfico 02. Valor do barril de petróleo no período de 1970 a 2008

Fonte: Revista Istoé, de 18 jun 2008.

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Retornando a década de 70, assim como Keynes e Galbraith, muitos outros economistas "quebraram a cara" com o tal modelo keynesiano quando se propunha certa "independência" das empresas privadas, colocando-as como responsáveis por "decisões livres e inteligentes" a partir da "centralização" do comando aos "homens de negócios" em prol da "estabilidade econômica". Ao contrário disto, percebeu que as indústrias dependiam muito mais do Estado do que se imaginava, como no caso do Brasil injetando minas de dinheiro em prol da estabilidade econômica (compra do petróleo estrangeiro, investimento na produção de álcool, produção automobilística a álcool, propagandas etc.), na década de 70 e, mais recentemente, com os empréstimos cedidos pelo BNDES. Com o início da terceira fase (1975 - 1984) do Período de exclusividade da Petrobrás, ainda com poucas bacias de exploração e com uma pequena produção, o Brasil ainda não era autossuficiencia na produção de petróleo, assim, o governo providenciou avanços na produção de álcool como uma fonte alternativa, criando em 14 de novembro de 1975 o Programa Brasileiro de Álcool - Proálcool60, pelo Decreto n° 76.593. Com o programa a produção alcooleira cresceu de 600 milhões de l/ano (1975-76) para 3,4 bilhões de l/ano (1979-80). Com este aumento coube ao governo incentivar a produção de carros movidos a álcool, o então ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, lançou o blend ecológico: meia dose de álcool em um litro de gasolina (CHRISTO, 2013)61, com o famoso Fiat 147 (1978) o primogênito da turma movido a álcool. 60

"Com o objetivo de estimular a produção do álcool, visando o atendimento das necessidades do mercado interno e externo e da política de combustíveis automotivos. De acordo com o decreto, a produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou de qualquer outro insumo deveria ser incentivada por meio da expansão da oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de unidades armazenadoras" (BIODIESELBR, 2013, s/p.). 61

"Feitas às contas, o País aparece como maior produtor mundial de cana, de açúcar e de álcool; o maior exportador de açúcar e seu segundo maior consumidor. Atualmente, sem contar os 3,5 milhões de veículos ainda movidos a álcool hidratado, cada litro de gasolina consumido pelos brasileiros está devidamente batizado com um copo de álcool anidro. Na safra 1999/2000, 316 unidades produtoras transformaram 300,3 milhões de toneladas de cana em 17,6 milhões de toneladas de açúcar e 12,1 bilhões de litros de álcool, posicionando em 2% a participação da cadeia sucroalcooleira no PIB. E dando emprego a cerca de 1milhão de brasileiros. Em 1980, com 120 milhões de habitantes, a população brasileira havia crescido 30% numa década. Nesse ano, cerca de 22% das famílias brasileiras tinham automóveis, contra 10%, em 1970. O consumo de combustíveis automotivos (gasolina e diesel) mantinha inércia forte, baseada no modelo de transporte rodoviário alimentado pelos baixos preços do petróleo, pela rápida maturação dos investimentos em estradas, pela implantação da indústria automobilística, na década de 50, e pela necessidade contínua de novas fronteiras de produção primária para o desenvolvimento industrial. Se o petróleo está caro, vamos

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Com isto, em 1982 os carros movidos a álcool já ultrapassavam a dos movidos a gasolina (Gráfico 03), ou seja, o investimento na produção de álcool foi de grande êxito para a produção de carros que, em 1980, fez com que a produção atingisse a marca de 1.165.174 unidades montadas no Brasil, enquanto que, em 1970, a produção foi de 416.08962, segundo o relatório do ano de 2013 da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - Anfavea (2014). Desde então, já foram produzidos cerca de 5,6 milhões de veículos a álcool (1975 a 2000), números que eliminam cerca de 11,5 bilhões de dólares com importação de petróleo (BIODIESELBR, 2013).

Gráfico 03. Número de autoveículos leves produzidos por combustível entre os anos de 1977 a 1987¹

1.001.174 1.000.000

800.000

697.731

600.000

400.000 218.803 200.000

0 1977

1978

1979

1980 Gasolina

1981

1982

Etanol

1983

1984

1985

1986

1987

Diesel

¹ - Automóveis e comerciais leve Fonte: Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2013 - (ANFAVEA, 2014) fazer álcool. Em 1984, 19 de cada 20 carros (94,4%) saí dos das montadoras rodavam com álcool puro. A política de subsídios cruzados e paridade com os preços do açúcar mantinha uma relação vantajosa entre o preço desse combustível e o da gasolina, em até 40%. Com a queda dos preços internacionais do petróleo, mudaram as contas, diluíram-se as vantagens. Daí em diante, a briga era o dinheiro: governo; dono dos preços e empresários, donos de canaviais e destilarias. A falta de álcool, em 1989, foi um golpe que atingiu o consumidor e faz sangrar o programa até hoje. Em 1999, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) registrou a venda de 10.942 veículos a álcool (CHRISTO, 2013). 62

Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus.

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Ainda nesta fase, ocorreu à segunda crise do petróleo (1982) quando o Ayatollah Khomeini assume o poder no Irã e passa a controlar a produção de petróleo, isto fez com que acelerasse os investimentos do governo na procura de petróleo em território brasileiro. Com novas tecnologias a Petrobrás pode realizar pesquisas em águas profundas que contribuíram para o cumprimento da meta de 500 mil barris/dia em 1984, para isto "a Petrobras investiu US$ 18,5 bilhões em exploração e US$ 24,1 bilhões em desenvolvimento da produção" (LUCCHESI, 1998), marcando o início da quarta fase (1985 - 1997). Com esta segunda crise estava por ser cravada de uma vez por todas "a estaca no coração" do Estado de bem-estar social, tendo como marco a derrubada do muro de Berlim que representava a divisão entre dois mundos distintos representados por Estados Unidos e União Soviética, que mantinham uma luta de décadas, ambas com seus próprios modelos econômicos, capitalismo e socialismo stalinista, respectivamente. Com a derrubada do muro, rompe-se com as fronteiras existentes, a Alemanha que estava dividida, surge como um estado independente, a união das partes representa o mundo simbólico da globalização, enfim, o mercado não tem mais fronteiras - em partes, a soberania ainda é do império americano. O mercado de capitais, especialmente nos EUA, foi o segmento mais estimulado por essas mudanças, por ser, tradicionalmente, menos regulamentado que o setor bancário e, no caso americano, por ser o mais maduro e promissor à época. As novas regras, na prática, significaram liberdade para os bancos ingressarem neste mercado. Uma das principais portas de entrada foram as operações de securitização de dívidas, que estreitaram as conexões entre os mercados de crédito e de capitais, já que grande parte do que se negocia neste último depende, indiretamente, do desempenho do primeiro (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 139).

No Brasil, estas mesmas "fronteiras econômicas" estavam em processo de ruptura, seguindo a moda global, tendo na mão direita o petróleo advindo da Petrobrás e, na mão esquerda, o controle da produção de álcool e açúcar, com este controle, poderia ser feito o jogo conforme os interesses econômicos do Brasil. Por certo, o Brasil não representava grandes coisas no cenário econômico mundial, aliás, sofreu duras crises que afetaram o mercado interno com a elevação das taxas de inflação. Este jogo plausível (economia interna) para o governo brasileiro, só foi possível após a descoberta do potencial petrolífero do país, principalmente com a bacia de Campos, em águas profundas, podendo ser retirado mais de 1 milhão de

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barris/dia de petróleo, conforme a meta estipulado na época, consequentemente, a Petrobras dá a abertura de seu capital em 1986. Com a promulgação da Constituição de 1988, os contratos de risco foram banidos, mesmo porque o Brasil já estava produzindo 60% de seu consumo interno, isto colocava o país em uma situação de "conforto", já que não sofria tanto com as agitações do mercado internacional do petróleo, esta mesma zona de "conforto" fez com que os programas voltados para o álcool, como uma fonte alternativa não tivessem muito investimentos na década de 80. Não obstante, o Proálcool enfrentou vários desafios, tendo sua legitimidade atacada em diversos momentos ao longo dos anos 1980 e 1990. A eficiência deste Programa sempre esteve condicionada às cotações do petróleo, sendo que, em situações de baixa, os custos de manutenção do Proálcool não pareciam se justificar. No início dos anos 1990, mesmo sob as altas cotações do petróleo devido ao conflito no Golfo Pérsico, outras forças trouxeram questionamentos à existência de políticas de proteção ao álcool de cana-de-açúcar. A onda liberal observada no início do governo Collor promoveu a desregulamentação da maioria das cadeias agroindustriais brasileiras, o que levou à extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e mudou completamente a forma como o governo atuava na cadeia. Ainda assim, alguns pilares deste Programa, como a mistura de álcool anidro à gasolina, permaneceram intocáveis. A diminuição do número de automóveis a álcool nos anos 1990 dificultava ainda mais a manutenção desta política (SHIKIDA; PEROSA, 2012, p. 249).

Da mesma forma, com o governo de Collor dando indícios de um sistema econômico neoliberal (privatizações, restrição às importações etc.), aprovou a Lei nº 8.029, no dia 12 de abril de 1990, que dispõe sobre a "extinção e dissolução de entidades da administração Pública Federal" (BRASIL, 1990)63, dentre elas o 63

Art. 1° - É o Poder Executivo autorizado a extinguir ou a transformar as seguintes entidades da Administração Pública Federal: I - Autarquias: a) Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste - SUDECO; b) Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul - SUDESUL; c) Departamento Nacional de Obras e Saneamento - DNOS; d) Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA; e) Instituto Brasileiro do Café - IBC; II - Fundações: a) Fundação Nacional de Artes - FUNARTE; b) Fundação Nacional de Artes Cênicas - FUNDACEN; c) Fundação do Cinema Brasileiro - FCB; d) Fundação Nacional Pró-Memória - PRÓ-MEMÓRIA; e) Fundação Nacional Pró-Leitura - PRÓ-LEI TURA; f ) Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos - EDUCAR; g) Fundação Museu do Café; III - Empresa Pública:

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Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA, que passou a ser administrado pela Secretaria do Desenvolvimento Regional da Presidência da República; nesta mesma lei, o art. 4º aprova a privatização de uma série de empresas64, fazendo jus a sua política neoliberal com o objetivo de amenizar a inflação e a dívida externa cada fez mais alta pelos seus juros. Com a extinção do IAA, o governo deixa as usinas livres no mercado, sofrendo com os preços do mercado internacional e com a falta de tecnologia capaz de competir no mercado externo. Assim, muitas usinas se fundiram ou fecharam suas portas, as que se mantiveram buscaram novas tecnologias para o canavial, para isto, assumiram o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), antes controlado por um pequeno grupo cooperadas da Copersucar, em conjunto com o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (Planalsucar). Ambas as instituições realizaram pesquisas para o setor de grande expressão, como o aumento da capacidade de produção por hectare, aumento da qualidade da cana-de-açúcar, aproveitamento dos subprodutos como é o caso do bagaço para produzir energia ou mesmo para o álcool, além de mudanças na organização do trabalho (SHIKIDA; PEROSA, 2012). Outra medida criada pelo governo Collor, é a Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, na qual trata como crime "adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes" (BRASIL, 1991), além de criar o Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis - SINEC, que iria comprar e armazenar todo tipo de combustível, talvez prevendo a crise ocasionada pelo preço do petróleo com a Guerra do Golfo e pelos problemas econômicos enfrentados - Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMBRATER. IV - Sociedade de Economia Mista: - Banco Nacional de Crédito Cooperativo S. A. - BNCC. 64

Art. 4° É o Poder Executivo autorizado a dissolver ou a privatizar as seguintes entidades da Administração Pública Federal: I - Empresa de Portos do Brasil S. A. - PORTOBRÁS; II - Empresa Brasileira de Transportes Urbanos - EBTU; III - Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras - CAEEB; IV - Petrobrás Comércio Internacional S. A. - INTERBRÁS; V - Petrobrás Mineral S. A. - PETROMISA; VI - Siderurgia Brasileira S. A. - SIDERBRÁS; VII - Distribuidora de Filmes S. A. - EMBRAFILME; VIII - Companhia Brasileira de Infra-Estrutura Fazendária - INFAZ.

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dentro do Brasil, já que o Decreto nº 238 apenas indica a estocagem para "assegurar a normalidade do abastecimento nacional" (BRASIL, 1991). Vejamos neste ponto, o enfraquecimento do Estado quanto um mediador social, a política aplicada extrai, como diz Mészáros (2004), sua "estrutura hierárquica de comando" que, ainda no governo Collor, este processo de enfraquecimento estava apenas iniciando. O Estado é essencialmente uma estrutura hierárquica de comando. Como tal, extrai sua problemática legitimidade não de sua alegada "constitucionalidade" (que invariavelmente é "inconstitucional" em sua constituição original), mas de sua capacidade de impor as demandas apresentadas a ele. Mas, se existe uma disjunção (ou rompimento) entre os recursos reprodutivos materiais da sociedade e o papel do Estado de fazer uso deles, nesse caso o Estado perde a capacidade de impor as demandas - contraditórias - que lhe são apresentadas, o que resulta numa grave crise (MÉSZÁROS, 2004, p. 19; 493).

Se por Mészáros foi diagnosticado o início de uma grave crise pela perda do comando, para o governo ela seria a saída da crise pelo Decreto nº 99.288, de 6 de junho de 1990, que fornece a correção monetária das demonstrações financeiras determinando o lucro real (base de cálculo do Imposto de Renda das pessoas jurídicas), tendo como base o Fator de Atualização Patrimonial (FAP), este sendo atualizado mensalmente com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) (BRASIL, 1990). Esta medida iria "expressar, em valores reais, os elementos patrimoniais e a base de cálculo do Imposto de Renda de cada período-base" (Art. 3º), promovendo, se é que pode ser chamado, de controle social descrito por Mészáros (2011a, p. 983; 2011b, p. 4765). Em um aprofundamento reflexivo, percebe-se que outras medidas também têm o efeito de controle social, como Lei n° 8.176, já citada acima, conforme o "Art. 2° - Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo" (itálico para destacar). Após o impeachment de Collor, acusado de corrupção na CPI que investigou o "esquema PC", em alusão ao tesoureiro da campanha presidencial Paulo Cesar Farias (PC Farias), assume seu vice Itamar Franco que buscou no álcool, ou nas montadoras automobilísticas a saída para a crise. Com a retomada de produção do 65

O artigo "Necessidade de controle social" pode ser encontrado nos livros de Mészáros (2011a; 2011b) publicado pela editora Boitempo sem nenhuma diferença textual em suas edições.

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carro popular e a contribuição da Lei n° 8.723, de 28 de outubro de 1993, elevou a utilização do álcool, já que o Art. 9° determinou a mistura de 22% de álcool anidro à gasolina, conforme pode ser visto pelo Gráfico 3 (BRASIL, 1993). Interessante destacar que esta mesma lei tem como foco principal a emissão de poluentes em veículos automotores, dando prazos de três e quatro anos para as fábricas produzirem veículos dentro dos limites de emissão dos poluentes estipulados, ora, como uma "luva" para a preocupação com que Mészáros destaca sobre a proposta para a "sobrevivência da espécie humana", "pois o que esta em causa não é se produzimos ou não sob alguma forma de controle, mas sob que tipo de controle; dado que as condições atuais foram produzidas sob o 'férreo controle' do capital que nossos políticos pretendem perpetuar como força reguladora fundamental de nossas vidas" (MÉSZÁROS, 2011b, p. 53), tal qual é a preocupação para os problemas ecológicos no mundo66. Durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), foi realizada a principal mudança para a regulação dos combustíveis no Brasil, através da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (BRASIL, 1997), criou a Agência Nacional do Petróleo - ANP67 e o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE68, na qual estas duas agências teriam o controle total de políticas envolvendo os combustíveis brasileiros. Dentre os inúmeros deveres da ANP, cabe destacar os seguintes: V - autorizar a prática das atividades de refinação, liquefação, regaseificação, carregamento, processamento, tratamento, transporte, estocagem e acondicionamento; VI - estabelecer critérios para o cálculo de tarifas de transporte dutoviário e arbitrar seus valores, nos casos e da forma previstos nesta Lei; VII - fiscalizar diretamente e de forma concorrente nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal as atividades integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato; 66

Como exemplo maior desta preocupação com a ecologia foi o Protocolo de Quioto que iniciou discussão e negociação em 1997, no Japão. No Brasil temos uma série de leis e decretos visando uma política ambiental. 67

Art. 8º - A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. 68

Art. 2° - Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas a: (vide Lei).

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IX - fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente; XV - regular e autorizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. XVI - regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios; XVII - exigir dos agentes regulados o envio de informações relativas às operações de produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, destinação e comercialização de produtos sujeitos à sua regulação;

Com esta lei, o Estado sela de vez o poder de controle e comando dos combustíveis, não importando os lados: Petrobrás ou usineiros, os dois lados e seus produtos estão de acordo com as normas estabelecidas pelo Estado e pelo controle social, sendo tais medidas para regular a alta inflação que importunava desde o mandato de Sarney, fruto de uma dívida externa com o Fundo Monetário Internacional - FMI, que acompanha o país desde Juscelino Kubistchek com o empréstimo para sua política de "50 anos em 5" até o primeiro mandato do governo Lula69. Na busca pelo controle da inflação para evitar novas crises econômicas, a Lei nº 9.478, coloca como "carta da manga" o Art. 10º como recurso financeiro, o artigo diz:

69

Como o autor pouco entende de política econômica, principalmente internacional, esta nota é apenas um adendo para uma pesquisa mais profunda sobre o Fundo Monetário Internacional. Primeiro, o FMI é criado em um momento histórico em que as maiores potências mundiais estão arrasadas pela II Guerra Mundial, aproveitando do momento é criado o "plano Marshall", para "ajudar" na recuperação econômica da Europa. De acordo com Mészáros (2004) estes projetos idealizados pelos EUA tinham como objetivo disseminar as "ideologias norte-americanas", para o autor "a nova ideologia "anti-ideológica, com sua íntima ligação com as ideologias norte-americanas há muito professadas e as práticas industriais correspondentes, não poderia ser difundida com sucesso em uma Europa profundamente dilacerada pelo conflito nos anos posteriores à guerra" (p. 121); segundo, os dois modelos propostos para uma política econômica estavam pautados no Plano Keynes, do economista inglês John Maynard Keynes ou o Plano White, americano, qual foi escolhido? Terceiro, sobre as organizações envolvidas em Bretton Woods, por exemplo, a Eximbank que funciona como uma agência governamental americana, com "objetivo de facilitar o financiamento de exportações de produtos e serviços americanos" (GLOBALCAPITAL, 2014, s/p).

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Art. 10 - Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente. Parágrafo único - Independentemente da comunicação prevista no caput deste artigo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade notificará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção por infração da ordem econômica cometida por empresas ou pessoas físicas no exercício de atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, no prazo máximo de vinte e quatro horas após a publicação do respectivo acórdão, para que esta adote as providências legais de sua alçada.

A partir da Lei, coube a ANP realizar suas manipulações no preço e na quantidade de produção do álcool, uma destas jogadas pode ser visto na tabela 4 que dispõe sobre os decretos que determinam a porcentagem de álcool anidro a ser misturado com a gasolina nos últimos anos70.

Tabela 04. Decretos que determinam a porcentagem de mistura de álcool anidro na gasolina % de álcool anidro na

Nº do Dec./Res./Port.

Data do Decreto

Decreto nº 2.607

28 de maio de 1998

24%

Decreto nº 3.552

4 de agosto de 2000

20%

Decreto nº 3.824

29 de maio de 2001

22%

Resolução CIMA nº 35

22 de fevereiro de 2006

20%

Resolução CIMA nº 37

27 de junho de 2007

25%

11 de janeiro de 2010 Resolução MAPA n° 7

(fev, mar e abr)

mistura com a gasolina

20%

Após abril de 2011

25%

Portaria MAPA nº 678

31 de agosto de 2011

20%

Portaria MAPA nº 105

28 fevereiro de 2013

25%

Fonte: Portal NovaCana (2014).

70

Cabe entender que os carros com motores flex full, nada interfere na porcentagem da mistura do álcool na gasolina, pelo contrário, só contribuiu para o declínio dos motores a álcool, mas, de outra forma, alavancou o número total de produção de automóveis no Brasil (tabela 3).

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Além destas mudanças referentes à mistura de álcool na gasolina, poucas leis foram publicadas com grandes efeitos, as que foram aprovados tinham o intuito de incrementar ou atualizar a Lei nº 9.478 de 1997. Para a Petrobras, a lei significou uma fase de mudanças, igualmente, pois seria a fase de inserção da empresa no mercado comercial, "a nova legislação prevê para a Petrobras uma fase de transição para a conclusão de projetos exploratórios já em andamento. Também para as recentes descobertas, que ainda não estejam produzindo efetivamente, a lei dá um prazo de três anos para o início da produção comercial", explica Lucchesi (1998, p. 30) que define o início do Período pós-lei 9478/97– A transição (1997-2000), aproveitando para dar ênfase ao Pré-sal, discutido e comercializado na década de 2000, mas que ainda não se tornou rentável. Por fim, com a comercialização do petróleo, os biocombustíveis e o gás natural em suas mãos, o governo tem a possibilidade flexível de regular a economia brasileira.

4.2 Entendendo a crise de 2008

Como José Paulo Netto (2009, p. 9) nos lembra, "Marx descobriu a impossibilidade de o capitalismo existir sem crises econômicas". Conforme o gráfico 2 deste texto, irá perceber que algo ocorreu nos meses que antecederam janeiro de 2002 que acabaram elevando o preço do barril de petróleo mundial até culminar numa crise em 2008. Neste período, o preço do barril saltou de US$ 32 em 2002 para US$ 138 em 2008, um crescimento de 431% em 7 anos. Poderia ter em mente o acontecimento de 11 de setembro de 2001, mas, de fato, o que tem a ver com a maior crise mundial desde o nascimento do capitalismo? A priori, nada, como será demonstrado a seguir, o 11 de setembro só foi uma válvula de escape para amenizar a economia americana. Não se trata de afirmar se o ataque de 11 de setembro foi manipulado, de fato não é possível ser provado, mas que veio a calhar muito bem para uma possível "saída", isto não se pode negar71.

71

Trabalharemos sobre o 11 de setembro mais a frente confrontando com os textos de Mészáros do seu livro "Para além do capital" (2011a), especificamente, no capítulo "A necessidade do controle".

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Gráfico 04. Número de veículos produzidos por combustível entre os anos de 1975 a 2012 4000000 3500000 3000000 2500000 Total Gasolina

2000000

Etanol Flex Fuel

1500000

Diesel 1000000 500000

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

0

Arte: O autor. Fonte: Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2013 - (ANFAVEA, 2014)

111

Sinceramente, a compreensão da crise para um leigo em economia é complexa. Utilizando-se de várias fontes busca-se compreender e completar o quebra-cabeça do movimento econômico que sucede os anos críticos e os anos da própria crise, para isto, a melhor forma de iniciar uma explicação a um leigo é através de metáforas. O que me vem à cabeça é o período da infância quando um amigo possuía o pote cheio de bolas de gude, de todos os tamanhos e cores e como você não possuía bolas de gude ou tinha esquecido em casa, você emprestava de seu amigo uma e, contando com sua capacidade, rapidamente ganharia outras bolas do adversário e, assim, poderia pagar o amigo que tinha lhe emprestado, até poderia pagar em dobro. Ora, a metáfora apresentada cabe como uma "luva" para os assuntos de economia que sucedem a crise de 2008. Entre você e seu amigo acontecia uma relação de confiança, assim como a "atividade econômica e as relações financeiras que a viabilizam, derivam e dependem de um 'sistema de confiança'", conforme explica Jennifer Hermann (2008, p. 29), uma das autoras do "Dossiê da crise"72. Se tentarem recordar o que foi repetido inúmeras vezes nas últimas duas semanas sobre a crise atual, há uma palavra que se destaca, encobrindo todos os demais diagnósticos apregoados e os remédios correspondentes. Essa palavra é confiança. Se ganhássemos uma nota de dez libras a cada vez que essa palavra mágica foi oferecida para consumo público em todo o mundo, sem mencionar a sua continuada reafirmação desde então, estaríamos todos milionários [...] (MÉSZÁROS, 2011b, p. 18).

Continuando a metáfora, se você tem a confiança do amigo, você consegue o empréstimo necessário para fazer parte da brincadeira. Caso seus resultados não sejam milagrosos, tal como um milagre econômico, você começaria a perder bolinhas, e, se perdesse aquela única emprestada passaria a ter dívidas com o amigo, se é que ele ainda é seu amigo ou apenas tem interesses. Com isto, deveria dar um jeito de conseguir uma ou arrancar do seu pote que ficou esquecido em casa. Se for um jogador de azar, ou não possui grandes habilidades no jogo, perde a confiança muito rápido e não consegue nenhum empréstimo. Por outro lado, existem pessoas que fazem empréstimos de duas bolinhas e só ganham uma, ou emprestam quatro e ganham uma, neste caso, a inadimplência para com o amigo é inevitável, com isso, "cresce a inadimplência no crédito e/ou desvalorizam-se os títulos negociados no mercado de capitais, cujos retornos, afinal, dependem dos lucros das 72

Publicado pela Associação Keynesiana Brasileira.

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empresas (inclusive instituições financeiras) emissoras" (HERMANN, 2008, p. 30), caso estas empresas não apresentem nenhum retorno, os bancos são obrigados a "ajustarem seus balanços à nova situação, por exemplo, elevando as exigências de capital (pela regra de Basiléia, face ao aumento do risco dos ativos), de provisões contra créditos duvidosos, ou mesmo de índices mínimos de liquidez" (idem). [...] o nosso único problema seria então o que fazer com os nossos milhões subitamente adquiridos. Pois nenhum dos nossos bancos, nem mesmo os nossos bancos nacionalizados recentemente - ao custo considerável de não menos do que dois terços dos seus ativos de capital -, poderia fornecer a lendária "confiança" necessária ao depósito ou ao investimento seguro (MÉSZÁROS, 2011b, p. 18).

Confirmando que "um quadro de crise financeira sistêmica73 só se configura se a crise de crédito der origem a uma crise de confiança (HERMANN, 2008, p. 30). Foi desta forma que os EUA foram pegos pela crise econômica, não pela perda de capitais, mas sim foi a "liberalização financeira o ventilador que se encarregou de espalhar seus ativos para todo o mundo" (ibidem, p. 33)74. Para explicar este fenômeno Peter Gowan (2009) recorre aos últimos 25 anos e faz uma análise sobre os bancos americanos. Voltando a metáfora, se você fosse o dono das bolinhas e conseguisse ganhar outras bolinhas só com os juros dos empréstimos aos amigos

73

Para explicar melhor o que estava acontecendo nos EUA, recorremos ao professor de Economia e Finanças da EBAPE/FGV, Rogério Sobreira (2008, p. 35), que esclarece: "a fim de entendermos adequadamente o que se passou e avaliar os potenciais impactos sobre a economia real, é preciso entender o funcionamento das operações derivativas e de securitização que estão por trás do ocorrido. Em tempos recentes, os grandes bancos internacionais desenvolveram instrumentos de investimento chamados de conduites. Tais instrumentos tratam-se essencialmente de títulos (notas promissórias) lastreados em ativos – financeiros ou não – também conhecidos como asset-backed commercial papers. Estes títulos são emitidos tendo por base uma linha de crédito de um outro banco, normalmente uma linha de crédito barata e renovada em períodos muito curtos, a qual é usada para comprar ativos que pagam uma elevada taxa de juros, tais como obrigações “colateralizadas” ou com lastro em garantias (collateralised-debt obligations). Estas obrigações, por seu turno, eram emitidas tendo como principal garantia os títulos hipotecários norte-americanos de primeira e segunda linha (subprime). Daí porque a crise atual também ficou conhecida como crise do mercado hipotecário norte-americano". 74

"Agora, que os “malefícios da globalização” alcançaram, finalmente, os países ricos, o discurso oficial começa a mudar: o problema não é mais a má gestão macroeconômica e financeira – embora ela seja mais evidente no caso norte-americano que em muitos emergentes que afundaram na crise dos anos 1990 –, mas sim o “modelo” de (des) regulamentação. O governo G. W. Bush e o FMI já falam em reforma do sistema financeiro internacional (O Globo, 13/10/08); o ex-Presidente do FED e “guru” da política monetária no mundo, Alan Greenspan, admitiu que errou ao defender a desregulamentação financeira durante seus 18 anos à frente do Banco Central dos EUA (O Globo, 24/10/08); e até o mega-investidor George Soros pede mais regulamentação dos mercados (O Globo, 19/10/08)!" (HERMANN, 2008, p. 33).

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(empresto uma em troca pago duas75), sendo o dono das bolinhas iria promover o maior números de jogos possíveis para conseguir emprestar aos amigos. É desta forma que os bancos americanos faziam, chamado de New Wall Street System, os bancos entraram no mercado de títulos realizando empréstimos de fundos para investidores. Para que o faturamento em empréstimos fosse cada vez maior, os bancos necessitavam estimular maior números de jogos, elas faziam isto através das especulações - gerar bolhas - e depois as estouravam ganhando muito com empréstimos aos investidores76. Isso parece implicar uma autoridade financeira formidavelmente centralizada operando no coração desses mercados. De fato: o Novo Sistema de Wall Street era dominado por apenas cinco bancos de investimento, reunindo mais de US$ 4 trilhões em ativos e capazes de requisitar ou literalmente mover outros trilhões de dólares das instituições por trás deles, tais como os bancos comerciais, os fundos monetários, os fundos de pensão, e assim por diante. O sistema estava muito distante do mercado descentralizado, com milhares de atores, todos obedientes aos preços que lhe são impostos, retratado pela economia neoclássica (GOWAN, 2008, p. 3).

O efeito bolha só seria o início de um déficit de dívidas junto aos bancos americanos, mas o "x" da questão está no porque dos bancos estenderem seus empréstimos. Para Peter Gowan (2008), existem duas hipóteses, a primeira consiste em contemplar seus acionistas, já que os resultados positivos de valores obtidos reduziam o patrimônio das ações, resultando na baixa do rendimento por ações. A segunda hipótese consiste no acirramento do mercado competitivo pela maior depreciação nos negócios, ou seja, emprestar o máximo de dinheiro para que certo ponto o negócio se enfraqueça (demanda e procura)77. Enfim, para Hermann (2008), tal "liberalização financeira" faz parte de uma política econômica

resultante dos

"malefícios da globalização" - mercados livre. Visto isto, tem uma noção dos fundamentos da crise que tem seu princípio na política financeira ainda na década de 70, quando o EUA abandona o tratado de 75

De fato acontecia isto em minha infância, por sinal ainda tenho meu pote de bolinhas, muitas delas ganhas neste sistema. 76 Um exemplo deste funcionamento pode ser visto no filme "O lobo de Wall Street" (SCORSESE, 2013). 77

Poderíamos compreender o inverso: se você tem um negócio imobiliário, caso o banco seda empréstimos para investidores, a procura seria tanta que você poderia subir o preço de seu estabelecimento. Neste caso ocorre o contrário, são tantos empréstimos e tantas escolhas que seu estabelecimento fica defasado frente a outras oportunidades de negócios. Para que comprar o seu imóvel se encontro um mais em conta do outro lado da rua?

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Bretton Woods, dando início a um novo sistema monetário internacional, na qual as taxas de câmbio são flutuantes, e não mais fixas - liberalização econômica. Desta forma, quando Mészáros aborda sobre a crise estrutural do capital (2011b), de fato, não se trata de uma crise ocorrida no mercado imobiliário norte-americano, mas sim, no próprio sistema financeiro. Quanto dinheiro especulativo se movimenta pelo mundo? Segundo uma análise da Mitsubishi UFJ Securities, a dimensão da "economia real" global, na qual bens e serviços são produzidos e comercializados, é estimada em US$ 48,1 trilhões [...] Por outro lado, a dimensão da "economia financeira" global, o montante total de ações, títulos e depósitos, eleva-se a US$ 151,8 trilhões. Portanto, a economia financeira inchou mais de três vezes em relação à dimensão da economia real, crescendo de forma acelerada durante as últimas duas décadas. O fosso é tão grande quanto US$ 100 trilhões. Um analista envolvido nessa estimativa disse que cerca da metade desse montante, US$ 50 trilhões, mal é necessário para a "economia real". Cinquenta trilhões de dólares valem bem mais de 5000 trilhões de ienes, um número demasiado grande para eu realmente compreendê-lo (KAZUO, 78 2008 apud MÉSZÁROS, 2011b, p. 21) .

Com ensejo, entramos na relação com o 11 de setembro e, da mesma forma, no Protocolo de Quioto e outras preocupações79 com a ecologia mundial que darão sustento a política envolvendo o etanol no Brasil, sem esquecer a crise da década com ênfase nas políticas brasileiras. De momento, pode-se haver um equívoco nestas relações, porém, lembre-se das palavras de Mészáros (2011a) sobre o capital e seu círculo vicioso que, aparentemente não há fuga, passando o capital por um processo de reprodução expandida, como a água que corre as montanhas sem barreiras e permeia pelas brechas mais profundas e ríspidas, causando grandes erosões e desmoronamentos, derrubando casas e matando gentes, "enquanto existir objetivamente espaço para a livre expansão, o processo de deslocamento das contradições do sistema pode avançar sem empecilhos" (p. 176). É desta forma que o Oriente se torna um campo para a reprodução expandida, assim como acontecera

78

Em tom sarcástico, Mészáros (2011b, p. 22) escreve sobre este número, "imagine apenas um infeliz contabilista dos tempos romanos, a quem fosse pedido nada menos que escrever no seu quadro-negro o número de 5000 trilhões de ienes em algarismo romanos. Ele cairia em desespero total. Simplesmente, não poderia fazer isso. E mesmo que tivesse à disposição algarismo arábicos, algo impossível à época, precisaria de 17 zeros após o número 5 para registrar tal cifra (p. 22). 79

Em nosso caso, com as queimadas no canavial e seus riscos a saúde do trabalhador e poluição ocasionada pelas cinzas.

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em outros momentos envolvendo80 os EUA que, de forma manipulada, toma um tom discursivo em prol da democracia e dos direitos humanos. O 11 de setembro, manipulado ou não, serviu como desculpa para a invasão do território afegão, assim como em outros tempos e atualmente. "Crescimento e expansão são necessidades imanentes ao sistema de produção capitalista, e quando os limites locais são atingidos não resta outra saída a não ser reajustar violentamente a relação dominante de forças", afirma Mészáros (2011b, p. 65). Nas entrelinhas, o que o Oriente tem em abundância que em outras regiões do mundo não possuem em demasia? Na mesma corrente surgem os protocolos ecológicos, um deles é o Protocolo de Quioto que iniciou seus "falatórios" em 1997 e aplicado "realmente" em 2005, com a ideologia barata e comprada pelos subdesenvolvidos e miseráveis, destinados a terem seu reconhecimento heroico em defesa da "sobrevivência da espécie humana". Enquanto uns economizam o nível de CO2, outros vendem suas parcelas de CO281, os que compram continuam a afetar a ecologia freneticamente, sem deixar suas indústrias pararem, desenvolvendo até um mercado de carbono82 para continuar nesta pulsão necessitam de energia para movimentar os "moinhos demoníacos", voltemos à questão do início do parágrafo, o oriente possui as maiores reservas de petróleo do mundo (gráfico 5). Com este petróleo e seus derivados é possível produzir quase tudo que existe em nosso meio, desde sacolas plásticas, cd's, garrafas pet, jaquetas impermeáveis, energia, gases

80

Desde o século XX, os EUA interferiram nos seguintes combates: I Guerra Mundial (1914-1917), II Guerra Mundial (1940-1945), Guerra da Coréia (1950-1953), Guerra do Vietnam (1961-1975), Guerra do Yom Kippur (1973), Guerra do Golfo Pérsico (1991), Guerra do Afeganistão (2002), etc., além dos conflitos sociais que culminaram em quedas de governos: El Salvador, Primavera Árabe, etc. e, atualmente, Guerra civil na Síria. 81 "O Brasil ocupa a terceira posição mundial entre os países que participam desse mercado, com cerca de 5% do total mundial e 268 projetos. A expectativa inicial era absorver 20%. “Nós temos histórico nesse mercado. Somos um dos países destaque no MDL em qualidade e em números de projetos”, afirma a diretora do Departamento de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Karen Suassuna. Ainda segundo ela, o mecanismo incentivou a criação de novas tecnologias para a redução das emissões de gases poluentes no Brasil" (Portal Brasil, 2014, s/p.). 82

"Dentro do Protocolo de Quioto, foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que certifica as baixas emissões de gases poluentes na atmosfera, com isto, os países podem comercializar no Mercado de carbono (mercado de créditos) as taxas estabelecidas aos países desenvolvidos, enfim, os países desenvolvidos podem continuar a poluir desde que sua parcela de contribuição esteja sendo feita por outro país, o Brasil é um destes países que comercializam. Possibilidade esta já que “o ecossistema não tem fronteira. Do ponto de vista ambiental, o que importa é que haja uma redução de emissões global”, aponta Antonio Carlos Porto Araújo consultor de sustentabilidade e energia renovável" (Portal Brasil, 2014, s/p.).

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para eletrodomésticos etc83. Deste modo, percebe a importância desse produto e seus derivados para o mercado da produção de bens, principalmente para o automobilístico que quase tudo é produzido pelos derivados do petróleo, além de ser conduzido, pelos combustíveis. Com isto, cabe analisar o lugar do automóvel para a economia nacional, na mesma corrente a importância de se produzir o petróleo eliminando a dependência do mercado externo, e, pensando nisto, o respeito dado pelo governo a fim de políticas para o desenvolvimento deste seguimento. Pois bem, a crise ocasionou uma mudança fundamental para o fenômeno analisado nesta dissertação, com ela foram criadas políticas para os valores envolvidos no etanol e no açúcar e, da mesma forma, a crise favoreceu a criação de novas linhas de crédito para a sociedade brasileira, como veremos a seguir. A crise estourou nos Estados Unidos, como já vimos, pelo excesso de dívidas decorrentes de empréstimos para investidores no mundo todo, basicamente, o boom da bolha imobiliária - subprime84 - estadunidense que afetou com as bolsas do mundo todo. Da mesma forma aqui no Brasil, entretanto, para os países subdesenvolvidos fora uma "oportunidade" (mesmo sendo momentânea) e isto ocorreu com o mesmo pensamento que provocou a crise, pois os países subdesenvolvidos se tornaram os olhos dos investidores85 e foi desta forma que "destacam-se entre os países emergentes os quatro que formam o Bric – Brasil, Rússia, Índia e China –, tendo o último se convertido na terceira maior economia do mundo" (SINGER, 2009, p. 2). Como os bancos da América Latina e Caribe não se envolveram nas hipotecas, e o medo de perderem seu dinheiro eleva suas cautelas, para tanto, no Brasil, a crise fez com que o governo criasse políticas de resgate para não se afundar neste terreno "ríspido e traiçoeiro", uma delas foram as novas linhas de crédito dos bancos públicos, com o menor juros possível.

83

Os principais usos do petróleo são: 35% em climatização, 29% transporte, 22% energia, 4% plásticos, 3% químicos, 7% outros (Revista Istoé, de 18/06/2008). 84 Crédito para famílias de renda baixa e sem comprovação e garantias. 85

Veja no gráfico 2 o números de montadoras automobilísticos que se instalaram no Brasil.

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Gráfico 05. Os 20 maiores países com reserva de petróleo

Arte: O autor. Obs.: Nos números do Brasil não constam as reservas de Tupi, Júpiter e Carioca. Fonte: Petrobrás.

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Para Singer (ibidem), Políticas igualmente importantes para o combate à crise são as sociais, que visam reduzir a pobreza e a exclusão social. Fazem parte dessa categoria a construção de habitações para as camadas de baixa renda, a ampliação da rede escolar pública, o calçamento das ruas e a reurbanização de favelas nas periferias das cidades, e assim por diante. Quase todos os governos latino-americanos e caribenhos estão realizando programas dessa espécie, evidentemente dentro dos limites dos seus orçamentos e da possibilidade de expansão da dívida pública (p.3).

E é desta forma que surgem sistema de créditos como "minha casa, minha vida", Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf, compra de automóveis, pequeno empreendedor, além dos programas do governo em prol de "um Brasil sem misérias"86, parte do slogan que acompanha o Brasil desde 2002 no trabalho para um "país rico, é país sem pobreza", como é o caso do Programa Bolsa Família e Bolsa Escola (CAMPELLO; NERI, 2013). Com estes trends mundiais, o Brasil tomou medidas com o mesmo objetivo, retornando as questões ecológicas, como já foi abordada no segundo capítulo, a Lei 11.241, sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2002), no Mato Grosso do Sul previsto pela Lei nº 3.357, de 9 de janeiro de 2007 (MATO GROSSO DO SUL, 2007) e no Paraná previsto pela Resolução SEMA nº 076, de 20 de dezembro de 2010 (PARANÁ, 2010), seguindo o mesmo interesse, além de outras mudanças direcionadas para a produção de biocombustível87, em especial, o etanol88. A partir da safra 2000/01 observa-se uma terceira fase, na qual o álcool combustível passou a conviver com uma perspectiva de elevado crescimento, em função da crescente necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (a produção de álcool da cana-de-açúcar e o consumo desse produto, enquanto substituto da gasolina, oferece vantagens neste aspecto) e com uma inovação que mudou consideravelmente a dinâmica do setor, a introdução do carro bicombustível – que permite tanto o uso da gasolina quanto o de álcool, ou de um mix entre ambos os combustíveis (SHIKIDA; PEROSA, 2012, p. 249).

86

Plano do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS (2011 - 2014).

87

O biocombustível é derivado de biomassa renovável, tal como biodiesel, etanol e outras, diferente de bicombustível, esta se refere a motores de veículos com combustão feita por dois combustíveis, normalmente, etanol e/ou gasolina. 88

Só em 1º de abril de 2009, com a Resolução ANP nº 9, o termo etanol foi imposto seu uso pelos postos de abastecimento, como forma de seguir a nomenclatura padrão internacional e promover o etanol como produto brasileiro.

119

Com os novos motores flex fuel (desde 2003 no mercado, gráfico 3), com a instalação de novas empresas montadoras automobilísticas no país (gráfico 1) e com os créditos concedidos pelos bancos, estas medidas e muitas outras fizeram com que acelerasse o crescimento na produção de veículos no Brasil (gráfico 4), da mesma forma, colocou o Brasil na sétima posição das maiores economias mundiais. Mas isto não significa uma melhora no seguimento do etanol, visto que a crise pegou em cheio as usinas, empresas quebraram, entraram em recuperação judicial, por falta de uma política para o setor e, como diz Miriam Leitão (2013, s/p.), "não adianta oferecer mais dinheiro, é preciso definir uma política para o setor". A indústria tem medo de investir, porque não vê horizonte, não sabe com o setor estará daqui a dez anos, por exemplo. As perguntas básicas não foram feitas ainda: o que o governo quer com o etanol? Ele será parte importante da matriz energética? Nos últimos anos, o que houve foi uma política de incentivo à gasolina. [...] Todos, da cortadora até o representante da indústria, pediram perspectivas. Qual será o futuro do etanol? O governo, que tem subsidiado a gasolina, precisa ter mais clareza na sua política de combustíveis. [...] Além disso, quando o governo fizer o pacote, não deve pensar só no grande empresário, mas em cada etapa do processo de produção, inclusive na Dona Rosa, que ainda é contratada por tempo determinado e, ao fim de cada safra, é demitida (idem).

Em referência ao discurso do ex-presidente Lula em 2010. Lula ainda elogiou os empresários do setor sucroalcooleiro, um dos setores que mais recebeu apoio do governo federal em seus dois mandatos, e disse que os incentivos irão continuar. "Da parte do governo federal vamos continuar a fazer todo o incentivo, porque nós no Brasil não apenas falamos em um mundo menos poluído, mas cumprimos a nossa parte", disse. "Quando alguém quiser utilizar a palavra energia limpa, tem de olhar para o mapa e ver que aqui a gente não fala, mas faz a energia mais limpa do planeta", concluiu (PORTO, 2013, s/p.).

Pensando nesta política para o setor89, cabe salientar que o investimento do governo nas empresas de açúcar e álcool estava sendo para amenizar os problemas

89

De acordo com o Relatório da União da Indústria de Cana-de-açúcar - UNICA (2013a), a safra de 2007/2008 o endividamento bruto das empresas de cana-de-açúcar com o setor bancário e cooperativo chegou a 138%, na safra seguinte a 128%, enquanto que, esta dívida, na safra de 2002/2003 foi de 38%. Em sua última estatística deste relatório estava em 98% durante a safra de 2011/2012. Conforme os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, o setor do etanol cresceu 160% de 2006 para 2007. Dos 50 maiores desembolsos para a área industrial nos últimos 12 meses, 18 são para o setor sucroalcooleiro. Sua carteira de empréstimos para esta indústria ultrapassa os U$ 3 bilhões (Plataforma BNDES, 2008).

120

enfrentados com a crise que estava ocorrendo (conforme n/r 40), na qual o setor encontrava dificuldades para exportar seus produtos, principalmente, o açúcar (UNICA, 2013a)90. Mesmo assim, o crescimento da produção de cana-de-açúcar para suas diferentes utilidades91 é inquestionável, para a safra 2012/2013 a estimativa é de que haja um crescimento de 8,9% referente à safra de 2011/2012 para a produção de açúcar, da mesma forma a estimativa para a produção de álcool anidro é de crescimento em 18,5%, enquanto que o álcool hidratado decresce em 4,8% decorrente da baixa utilização do etanol nos motores flex fuel, já que, o consumidor na hora de abastecer encontra a gasolina com um preço equiparado com o etanol, com isto, sua preferência acaba sendo a gasolina que possui melhores vantagens no rendimento do motor (dados apresentados até o presente momento desta dissertação, 2014). Com este crescimento no setor, coloca o Brasil na primeira colocação dos países que mais produzem cana-de-açúcar no mundo, conforme tabela 5, visto pelas condições territoriais e pelo clima tropical, sendo que sua produção encontra melhores condições em regiões como centro-sul e litoral nordestino, por se tratar de regiões com relevo pouco elevado ou plano e com épocas de chuvas bem definidas, conforme figura 1.

Tabela 05. Ranking dos países produtores de açúcar, estimativa de 2013 Rank

Country

Production (1000 MT¹)

1

Brazil

37.500,00

2

India

25.630,00

3

EU-27²

16.390,00

4

China

14.580,00

5

Thailand

9.930,00

6

United States

8.006,00

7

Mexico

6.008,00

8

Russian Federation

4.850,00

9

Pakistan

4.670,00

10

Australia

4.300,00

¹ - MT - Tonnes - Toneladas. ² - Países membros da União Européia, desde 1 de janeiro de 2007. Fonte: IndexMundi (2013).

90

91

Até o final desta dissertação nada pôde ser constatado sobre novas políticas para o setor.

Além de açúcar e álcool, é possível produzir energia pelo uso do bagaço, ração animal também pelo bagaço, óleos, etc.

121

Da mesma forma, com a produção de etanol o Brasil se encontra na segunda colocação, perdendo apenas para os Estados Unidos que tem sua produção de etanol através dos grãos de milho. Com respeito à produção de biodiesel92, o país se encontra na quinta colocação, perdendo para países como Alemanha, Espanha que tem seus territórios bem menores que a do Brasil (Tabela 6), na qual, tem em seu território agricultável apenas 5% ocupada pela cultura da cana-de-açúcar (5 mil de hectares) (CHRISTO, 2013).

Tabela 06. Ranking dos países produtores de etanol e biodiesel, estimativa de 2013 Top Countries, Ethanol Production Capacity Million

Million

Liters

Gallons

United States

51.415,97

2

Brazil

3

Rank

Country

1

Top Countries, Biodiesel Production Capacity Million

Million

Liters

Gallons

Rank

Country

13584,14

1

United States

5.912,17

1.562,00

26.887,52

7103,70

2

Germany

5.047,81

1.333,64

China

2.699,48

713,20

3

Spain

5.023,19

1.327,13

4

France

1.821,03

481,12

4

Indonesia

4.262,31

1.126,11

5

Canadá

1.494,50

394,85

5

Brazil

4.160,28

1.099,15

6

India

1.420,92

375,41

6

Malaysia

4.091,18

1.080,89

7

Poland

1.079,00

285,07

7

China

3.906,09

1.031,99

8

Germany

916,97

242,26

8

Argentina

3.636,28

960,71

9

Thailand

868,50

229,46

9

France

2.926,11

773,08

10

Jamaica

832,70

220.00

10

Thailand

2.771,00

732,10

Fonte: Global Biofuels Center (2013).

92

Lei nº 9.478, Art. 6º, XXV - Biodiesel: biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil (BRASIL,1997).

122

Figura 01. Quantidade de produção de cana-de-açúcar no Brasil.

Fonte: IBGE (2013).

Visto o potencial das regiões brasileiras para a produção da cana-de-açúcar, esta pesquisa tem como campo de estudo a região do Norte Pioneiro do Paraná, que tem como agricultura principal a cana-de-açúcar.. Antes de falar sobre a mesorregião do Norte Pioneiro, Pioneiro, vale apontar a importância do Estado do Paraná na produção da cana-de-açúcar açúcar. Conforme a tabela 7,, a produção de cana-de-açúcar no Estado faz com que ele esteja na 4º colocação dos maiores produtores do Brasil, tendo em primeiro São Paulo, seguido de Minas Gerais e Goiás.

123

Tabela 07. Total de produção de cana-de-açúcar e seus produtos primários nos Estados do Brasil Rank

Estado

Cana-de1 açúcar

Açúcar

53

Etanol

1

2

Anidro

Hidratado

Total

0

0

3

3

27705

2348

348

325

673

23º

Acre



Alagoas

19º

Amazonas

287

15

0

6

6

12º

Bahia

2557

124

67

51

118

21º

Ceará

120

0

0

8

8

10º

Espírito Santo

4180

122

143

81

224



Goiás

45220

1752

668

2009

2677

14º

Maranhão

2266

9

148

30

177



Mato Grosso

13154

398

321

523

844



Mato Grosso do Sul

33860

1588

431

1200

1631



Minas Gerais

49781

3238

781

1303

2084

18º

Pará

666

15

17

22

39



Paraíba

6723

270

150

208

357



Paraná

40506

3008

368

1034

1402



Pernambuco

17642

1482

188

170

358

17º

Piauí

992

60

36

2

37

15º

Rio de Janeiro

2174

130

0

76

76

11º

Rio Grande do Norte

2973

201

58

48

106

22º

Rio Grande do Sul

95

0

0

7

7

20º

Rondônia

157

0

0

12

12

24º

Santa Catarina

0

0

0

0

0



São Paulo

304230

21068

4755

6842

11598

13º

Sergipe

2548

96

40

93

133

16º

Tocantins Brasil

1366

0

77

34

111

559215

35925

8593

14088

22682

1

- Mil toneladas 3 - Mil m Fonte: UNICA (2013b). 2

A partir destes dados, iremos discorrer sobre o contexto atual da mesorregião do Norte Pioneiro do Paraná, a fim de podermos situar o lugar da pesquisa como campo de compreensão para o fenômeno estudado.

4.3 Os canaviais do Norte Pioneiro do Paraná

A cultura da cana-de-açúcar no Paraná só chegou a estas terras durante o século XVII, nas regiões onde hoje estão as cidades de Antonina e Paranaguá e sua produção se destinava quase que exclusivamente para o aguardente. Com o

124

desenvolvimento e a grande escala dos canaviais nordestinos, a produção no Paraná, que era pequena, entrou em declínio, dando lugar para a pecuária e a produção de grãos como fonte principal da economia do Estado. Somente na década de 1940, com o incentivo do governo é que algumas usinas iniciaram a produção de açúcar, destacando a Usina Jacarezinho93 como uma das pioneiras no Estado (RIBEIRO; ENDLICH, 2008). Tendo o Estado um relevo e um clima impróprio para o cultivo da cana-deaçúcar, apenas uma faixa territorial tem se destacado para extensas áreas de cultivo, esta faixa inicia em Jacarezinho, Norte Pioneiro do Paraná e se estende até o oeste do Paraná, sendo está faixa apenas na região do norte do Estado. A produção das outras regiões do Estado é destinada para o trato de animais ou pequenos alambiques, como pode ser visto na figura 4. Dentro dessa faixa, o Norte Pioneiro do Paraná se destaca pelo seu clima e por suas terras férteis para a cultura, na qual, no início do XX quando começou a ser desbravada, grandes fazendeiros se instalaram nesta região, até mesmo o príncipe de Orléans, descendente da princesa Izabel com o Conde D'Eu. Como aponta Caio Prado Junior (1981), a produção da cana-de-açúcar só é rentável com grandes plantation, assim, a região se tornou polo do café, tornando um referencial dentro do Paraná. O que é compreensível: sobravam as terras, e as ambições daqueles pioneiros recrutados a tanto custo, não se contentariam evidentemente com propriedades pequenas; não era a posição de modestos camponeses que aspiravam no novo mundo, mas de grandes senhores e latifundiários. Além disso, e sobretudo por isso, há um fator material que determina este tipo de propriedade fundiária. A cultura da cana somente se prestava, economicamente, a grandes plantações. Já para desbravar convenientemente o terreno (tarefa custosa neste meio tropical e virgem tão hostil ao homem) tornava-se necessário o esforço reunido de muitos trabalhadores; não era empresa para pequenos proprietários isolados. Isto feito, a plantação, a colheita e o transporte do produto até os engenhos onde se preparava o açúcar, só se tomava rendoso quando realizado em grandes volumes. Nestas condições, o pequeno produtor não podia subsistir (PRADO JUNIOR, 1981, p. 19).

Ou, como Marx (2014a) para o jornal The International Herald, n.° II, de 15 de junho de 1872, sobre a nacionalização da terra, afirmando que a "propriedade do solo é a fonte original de toda a riqueza" (p. 1) e acrescenta sobre as grandes plantações,

93

Após inúmeras negociações, hoje a usina faz parte do Grupo Maringá, tendo este o seu nome.

125

Todos os métodos modernos - tais como irrigação, drenagem, aradura a vapor, tratamento químico etc. - devem ser aplicados à agricultura em grande. Mas, o conhecimento científico que possuímos e os meios técnicos de agricultura que dominamos, tais como maquinaria etc., não podem ser aplicados com êxito senão cultivando a terra numa larga escala (ibidem, p. 2)

O Norte Pioneiro do Paraná está localizado no norte do Paraná, divisa com o Estado de São Paulo (figura 2), possui uma área de 15.718,917 km2, onde vive 546.224 mil habitantes, sua economia está pautada, principalmente na área de serviço, seguido pela agricultura de cana-de-açúcar, soja, trigo, café e pecuária, além de suas indústrias.

Figura 02. O Estado do Paraná dividido pelas mesorregiões.

Fonte: IBGE (2010).

Essa região é dividida em cinco microrregiões: Assaí, Cornélio Procópio, Ibaiti, Jacarezinho e Wenceslau Bráz, que contam com 46 municípios, onde localizam 6 unidades sucroalcooleiras (figura 3). Desta mesorregião iremos destacar a importância da cidade de Jacarezinho, onde estão situadas duas unidades sucroalcooleiras, responsáveis por fornecer 4.184.700 toneladas de cana-de-açúcar (IBGE, 2011).

126

Figura 03. Cidades da mesorregião do Norte Pioneiro do Paraná onde estão localizadas suas usinas.

Arte: Autor Fonte: UDOP (2013).

Com o desempenho das usinas nessa região, acaba colocando o Norte do Paraná como destaque na produção de cana-de-açúcar no Paraná, sendo ela uma das mais, se não a mais produtiva em cana-de-açúcar do Paraná. O início do cultivo da cana-de-açúcar direcionada especialmente para a produção de açúcar ou etanol se dá em grande escala a partir da década de 70, conforme já fora apresentado. Antes disto, a cultura agrícola da região estava concentrada no café, com suas imensas fazendas e sedes, encontrando o fracasso após o longo declínio do produto em nosso país, resultando das imensas queimas de montes de café que até hoje são lembradas pelos mais antigos. Além do colapso do preço do café, a região

127

contou com a famosa geada de 64, que afetou outras regiões do Brasil, ocasionando a morte de grandes plantações de café, quando ainda a cana-de-açúcar só servira para os tratos dos animais ou para os pequenos alambiques. Após os incentivos financeiros do governo, principalmente com o Programa Proálcool, o cenário rural do norte pioneiro toma outra cor. A figura 4 mostra o verde forte dos canaviais do Norte Pioneiro do Paraná e que Fernandes (2012, p. 20) ratifica, "no Paraná, em vinte anos, o plantio de cana praticamente triplicou, assim como também quase triplicou o volume da produção de cana moída".

Figura 04. Produção de cana-de-açúcar no Estado do Paraná no censo de 2011.

Fonte: IBGE, (2011).

E quando Fernandes fala em triplicar a produção da cana-de-açúcar, ele está sendo cauteloso, de 1981 para 2011 a produção mais que quintuplicou, passou de 45.804 hectares de área plantada em 1981 para 246.431 hectares em 2011, com tendência a aumentar na safra 2014/2015. No gráfico 6, é possível averiguar este crescimento da quantidade de área colhida no Norte Pioneiro do Paraná, dando ênfase para os períodos de 2005 até 2011, nos quais a safra quase que duplicou em 7 anos. Mesmo após uma leve decaída na safra de 2004/2005 decorrente dos anos que antecedem a crise de 2008, mesmo assim, após este ano, a indústria

128

sucroalcooleira não parou de crescer, teve sim alguns momentos de estabilização, mas que foram compensados por uma política de investimento financiado pelo governo, ainda com a presidente Lula, através de empréstimos cedidos pelo BNDES, como já foi apresentado acima.

Gráfico 06. Número de hectares de cana-de-açúcar colhidos entre o período de 1981 até 2011 no Norte Pioneiro do Paraná 300.000 250.000

246.431

200.000 166.698

150.000 100.000 50.000

45.804

2011

2009

2007

2005

2003

2001

1999

1997

1995

1993

1991

1989

1987

1985

1983

1981

0

Fonte: IBGE (2011).

Este mar verde de cana-de-açúcar, direcionada para, apenas, cinco usinas da região e uma usina de Cambará que decretou falência94, sendo que duas estão localizadas em Jacarezinho com 24.600 ha de área colhida (24% da região) e outras que passam por problemas financeiros, estão compelidas a concorrência por áreas de produção, principalmente por áreas mecanizáveis, já que a região não oferece muitas áreas planas (tabela 8). Além de possuir um acirramento por mão de obra especializada em funções específicas (caldeira, destilador, fábrica de açúcar etc.), com isto, muitas vezes, a mão de obra é escassa até para a própria região tendo que procurar trabalhadores especializados em outros Estados. Da mesma forma, existe uma concorrência por mão de obra para o trabalho rural (corte de cana) já que ainda existem os patrões terceirizados/fornecedores que possuem sua própria equipe de trabalhadores rurais.

94

Mesmo com as portas fechadas a usina possui suas terras para plantação da cana-de-açúcar.

129

Tabela 08. Área colhida, quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção de cana-de-açúcar, segundo os municípios do Norte Pioneiro do Paraná em 2011 CANA-DE-AÇÚCAR MUNICÍPIOS

NORTE PIONEIRO PARANÁ

Área Colhida (ha) DO

Abatiá Andirá Assaí Bandeirantes Barra do Jacaré Cambará Carlópolis Congonhinhas Conselheiro Mairinck Cornélio Procópio Curiúva Figueira Guapirama Ibaiti Itambaracá Jaboti Jacarezinho Japira Jataizinho Joaquim Távora Jundiaí do Sul Leópolis Nova América da Colina Nova Fátima Nova Santa Bárbara Pinhalão Quatiguá Rancho Alegre Ribeirão Claro Ribeirão do Pinhal Salto do Itararé Santa Amélia Santa Cecília do Pavão Santa Mariana Santana do Itararé Santo Antônio da Platina Santo Antônio do Paraíso São Jerônimo da Serra São José da Boa Vista São Sebastião da Amoreira Sapopema Sertaneja Siqueira Campos Tomazina Uraí

Quantidade produzida (t)

Rendimento médio (kg/ha)

Valor da produção (R$ mil)

102.902

8.546.554

3.338.106

464.478

800 4.750 700 8.780 3.800 16.000 50 3.100 600 2.470 80 50 700 12.000 5.180 200 24.600 300 100 50 100 230 1.430 1.300 280 100 5 80 115 1.130 100 470 260 4.510 6 4.750 790 300 6 2.120 0 0 200 80 220

64.800 383.352 61.600 767.372 311.600 1.312.000 4.250 244.900 30.000 214.890 4.000 2.500 66.500 876.000 445.480 10.000 2.091.000 15.000 9.000 3.000 8.500 20.700 121.550 107.900 23.800 5.000 350 6.960 10.350 89.270 6.000 37.130 22.100 405.900 390 451.250 67.940 23.700 390 186.560 0 0 10.000 4.000 18.920

81.000 80.706 88.000 87.400 82.000 82.000 85.000 79.000 50.000 87.000 50.000 50.000 95.000 73.000 86.000 50.000 85.000 50.000 90.000 60.000 85.000 90.000 85.000 83.000 85.000 50.000 70.000 87.000 90.000 79.000 60.000 79.000 85.000 90.000 65.000 95.000 86.000 79.000 65.000 88.000 0 0 50.000 50.000 86.000

2.935 19.895 2.956 39.826 18.696 68.224 255 14.938 1.830 10.314 225 152 3.012 53.436 23.120 610 125.460 915 432 135 385 993 5.834 5.179 1.142 305 15 334 621 4.043 271 1.782 1.060 19.483 18 20.441 3.261 1.337 18 8.954 0 0 453 244 908

130

Wenceslau Braz Fonte: IBGE (2011).

10

650

65.000

31

Dando continuidade sobre o que mais nos interessa agora, a mão de obra de trabalhadores rurais, específicos do corte de cana, passa por uma ocasião curiosa, talvez, já prevista pelas condições sócio-econômicas do Brasil, como iremos apontar nos próximos capítulos, com o surgimento de uma nova classe trabalhadora. Vale enfatizar a mecanização, como visto no segundo capítulo, é tratada pelos trabalhadores rurais como uma das principais causas para a falta de mão de obra, em partes isso é verdadeiro já que, hoje uma das usinas conta com 7 máquinas para a colheita. Ao utilizarmos o cálculo descrito no capítulo anterior, sentiríamos falta de, mais ou menos, 560 funcionários, sim, seria muito significante acusar a mecanização há 3 ou 4 anos atrás, mas o que se tem visto é um outro fenômeno que contribuiu para o declínio da atividade do corte de cana. Analisando algumas entrevistas de desligamentos da safra de 2012/2013, iremos perceber um equilíbrio entre demitidos e pedidos de demissões, total de 48 e 45 respectivamente. Revendo o motivo destes que solicitam demissão, 75% possuem outro emprego ou mudaram de cidade para outras oportunidades, ou seja, temos a hipótese de que este trabalhador rural está conquistando algumas melhorias para a vida, porém, não está descartado o medo do desemprego ocorrido pela mecanização. Este medo faz com que o trabalhador rural procure alguma garantia, seja em trabalhos menos desgastantes, com maiores salários, mas também, em trabalhos precários, como a colheita de laranja ou no cafezal. Mesmo os que foram demitidos95, 28% deles já possuem emprego ou trabalharam por conta própria, isto pode ser confirmado pelos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, instrumento do Ministério do Trabalho e Emprego, ferramenta que mostra o número de admitidos e demitidos registrados pelas empresas, lembrando que não consta nas estatísticas os trabalhadores sem registro, trabalhando na informalidade e para terceiros. Segundo o Caged, o número de trabalhadores rurais admitidos nos últimos 6 anos caiu 70%, representando quase que 8 mil trabalhadores, número maior que a população de muitas cidades do Norte Pioneiro do Paraná. A diminuição nas contratações está atrelada a mecanização dos canaviais e na forma de gestão das empresas que 95

Muitos trabalhadores que querem sair da empresa tentam se demitidos para que possam receber o seguro desemprego e outros valores.

131

prevalecem sobre o aumento de produção do trabalhador rura rural, sabendo das consequências à saúde do trabalhador. Estes dados fornecidos pelo Caged podem ser vistos no gráfico 7 (IBGE, 2011).

Gráfico 07. Números de empregados do corte de cana admitidos e desligados na região do Norte Pioneiro oneiro do Paraná de 2007 a 2012 20

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. Emprego Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CAGED (MTE, 2013).

Pode-se achar controverso no ano de 2012 o número de admitidos ser maior que o de demitidos, mas isto é explicável, pois, neste ano, algumas usinas de Jacarezinho, começaram aram a eliminar o uso de agenciadores, pondo fim a atividade dos chamados "gatos", nos quais muitos dos trabalhadores exerciam suas atividades para esses es terceiros e não para a usina, com a crescente das leis trabalhist trabalhistas, uma delas é a Norma Regulamentadora 31, descrita pela Portaria MTE n.º 2.546, de 14 de dezembro de 201196 (BRASIL, 2011), os trabalhadores passaram a ser registrados pela empresa. empresa Entretanto,, isto não quer dizer que o cenário dos trabalhos ilegais mudou, mudou ainda não, pelas conversas as é possível saber que o exercício da ilegalidade ainda existe. Enfim, ainda com graves problemas em relação aos direitos e respeito trabalhistas (SCOPINHO, COPINHO, 2010), o livro do ex-cortador cortador de cana e hoje doutor em 96

Data da qual foi publicada a alteração da Norma Regulamentadora 31 que foi publicada no dia 3 de março de 2005. "Esta Norma Regulamentadora tem por objetivo estabelecer os preceitos a serem observados na organização e no ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o desenvolvimento das atividades da agricultura, pecuária, silvicultura, exploração fflorestal e aqüicultura com a segurança e saúde e meio ambiente do trabalho (MTE, 2011).

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Psicologia, pela Universidade de São Paulo - USP, o professor José Agnaldo Gomes (2012) lança a questão para a "dignidade humana", sendo que, para isto, "'humanizar' o trabalho canavieiro significa humanizar o capitalismo?" Um capitalismo humanizado seria um "capitalismo decente", substituto do capitalismo selvagem. Talvez fosse mais adequado falar em "capitalismo menos indecente", menos explorador, menos expansivo, menos alienante (ibidem, p. 205).

Para tanto, o autor traz a dúvida: a dignidade humana, só será possível com a saída do canavial ou com as saídas no canavial? E complemento, a saída do canavial não será sendo reproduzida em outras atividades? Não será outra forma manipulada pelo capitalismo? Talvez questões assim possam ser respondidas até o final da dissertação ou servirão para nos colocar as "pulgas atrás de nossas orelhas".

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5. ESTADO E SINDICATO

5.1 Trabalhadores no universo neoliberal

No capítulo anterior foi possível entender as particularidades históricas que formaram o atual cenário sócio-econômico do Brasil, tomando como partida as relações de mercado externo com as políticas implantadas dentro do país, principalmente, para o setor de álcool e açúcar. Por outro lado, vale lembrar as palavras de Lukács (2012, p. 285) "o fato de a economia ser o centro da ontologia marxista não significa, absolutamente, que sua imagem do mundo seja fundada sobre o 'economicismo'". Não tendo essa dissertação bases de cunho econômico, o capítulo irá abordar o que os fatos relacionados no capítulo anterior interferiram no cotidiano das pessoas, colaborando para a totalidade histórica da consciência de classe dos trabalhadores rurais. Percebe-se que muito do que for tratado neste capítulo faz parte da realidade objetiva do trabalhador rural, e que esta objetividade irá servir de fundamento para a consciência do ser, conforme pauta os estudos de Iasi (1999, p. 17) "a consciência seria o processo de representação mental (subjetiva) de uma realidade concreta e externa (objetiva), formada neste momento, através de seu vínculo de inserção imediata (percepção)", ou como ele resume, sendo "uma realidade externa que se interioriza". Da mesma forma, o externo que se interioriza possui relação com as regras que delineia o cotidiano, por exemplo, a jurisdição. Não distante disso, a jurisdição em prol ou envolvendo o trabalhador rural pode-se dizer que faz parte de um conjunto de lutas da classe trabalhadora, sendo esta operária ou camponesa que reivindicavam os direitos trabalhistas e reconhecimento para a classe trabalhadora em geral97 (ALVES, 1991) através da participação efetiva dos sindicatos. Deste modo, a participação dos trabalhadores,

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Coloca-se "em geral" para um sentido de massa de trabalhadores, sem a distinção entre classe operária, camponesa, etc., pois pela compreensão do método utilizado, não seria possível realizar esta distinção dentro da classe trabalhadora. Como apresentado por Gramsci (1977, p. 69), "não somos, pois, como linha de princípio, contra a origem de novos sindicatos. Os elementos revolucionários representam a classe no seu todo, são o momento mais altamente desenvolvido da sua consciência com a condição de estarem com as massas, de lhes dividirem os erros, as ilusões, os desenganos. Se uma disposição dos ditadores reformistas obrigasse os revolucionários a sair da Confederação Geral do Trabalho e a organizarem-se a parte (o que naturalmente não pode excluirse), a nova organização deveria apresentar-se e ser verdadeiramente dirigida com o único objetivo de obter a reintegração, de obter novamente a unidade a classe e a sua vanguarda mais consciente".

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consequentemente, a instituição dos sindicatos, caminharam juntas com a história dos governos brasileiros, mostrando-se uma forte aliança no combate e na luta pelas desigualdades e precariedades dentro da empresa, como também, fora dela. Nisto resultou mudanças na relação tríade entre estado - empresa - trabalhador com os direitos e deveres de ambas as partes estabelecido pela Constituição Nacional. Entretanto, no início da década de 90, visto no capítulo anterior, o governo de Fernando Collor apresenta uma série de mudança com o objetivo de abaixar as altas taxas de inflação, mudanças que foram pautadas em um sistema econômico neoliberal que deflagraram em uma "precarização do trabalho". Segundo Giovanni Alves (2009), A experiência da precarização do trabalho no Brasil decorre da síndrome objetiva da insegurança de classe (insegurança de emprego, de representação, de contrato etc.) que emerge numa textura histórica específica – a temporalidade neoliberal. Ela é elemento compositivo do novo metabolismo social que emerge a partir da constituição do Estado neoliberal. Possui como base objetiva, a intensificação (e a ampliação) da exploração (e a espoliação) da força de trabalho e o desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa; além, é claro, da fragmentação social nas cidades, em virtude do crescimento exacerbado do desemprego total e a deriva pessoal no tocante a perspectivas de carreira e de trabalho devido à ampliação de um precário mercado de trabalho (p. 189).

A precarização do trabalho em um sistema neoliberal faz jus a diversas mudanças econômicas e dos processos da administração organizacional, uma decorrente a outra, um efeito cascata que só pode ter sua efetivação decorrente das formas neoliberais de relação com o mercado global. A abertura do mercado brasileiro para os grandes investidores do exterior ocasionou uma crise no mercado interno já que as empresas não conseguiam competir com as potências financeiras dos grandes blocos econômicos no mundo. Além do mais, a "'Reforma do Estado', compreendendo a criação do 'Estado mínimo', isto é, desregulação, privatização, abertura de mercados, favorecimento de fusões e aquisições de empresas nacionais por transnacionais" (IANNI, 2000, p. 52), acarretou no fechamento de inúmeras empresas que, em conjunto com as tecnologias provenientes destas indústrias mundiais ocasionaram um "exército de mão de obra". Na verdade, a nova temporalidade histórica do capital, marcada pela precarização do trabalho no Brasil, tende a reconverter a “cultura de greve” para o âmbito das empresas. Consolida-se um defensivismo de novo tipo

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que irá marcar a cultura sindical sob a era neoliberal. A nova territorialidade das greves, restritas à empresa e não mais à dimensão da categoria de trabalhadores assalariados (ou mesmo da classe social) é expressão da nova morfologia social da precarização do trabalho. Esta “nova ordenação socioespacial” das greves é um traço explícito do particularismo sindicalcorporativo em seus rebatimentos territoriais, que contribui para alimentar a ideologia do sindicalismo propositivo (ALVES, 2009, p. 192).

Do ponto de vista sindical, a flexibilização no plano organizacional que sufocou a massa dos trabalhadores dentro da empresa, sucumbiu os sindicatos da mesma forma. A falta de um Estado intervindo nas relações entre empresa trabalhador feriu gravemente os meios para ações sindicais com a empresa, o neoliberalismo coloca a empresa como potência máxima nas suas políticas internas, pensando apenas na sobrevivência dentro de um mercado competitivo e concorrente. Com isto, o trabalhador é principal agente para a sobrevivência das empresas, destacando-se ao máximo dentro de uma política para o favorecimento da mais-valia cada vez mais subjetiva. Sem a força dos trabalhadores, do operariado fabril e dos trabalhadores rurais, o sindicato não encontrou outros meios de sobreviver dentro de um sistema neoliberal sem fazer acordos com as empresas, tornando assim um sindicato - organização. A base objetiva da precarização do trabalho se caracteriza pela intensificação (e a ampliação) da exploração (e a espoliação) da força de trabalho, pelo desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindicalcorporativa; e pela fragmentação social nas cidades em virtude do crescimento exacerbado do desemprego em massa (ALVES, 2009, p. 189).

Um dos marcos para o aparecimento do sindicato-organização foi a Constituição Federal de 1988, que contribuiu para a fragmentação do poder da força trabalhadora com a dissolução da centralidade dos sindicatos em prol da classe trabalhadora em geral. Na constituição vale destacar o artigo 8º, que estabelece a criação de novos sindicatos desde que tenha o consentimento e a autorização do Estado, caso necessário, o Estado pode intervir na organização sindical conforme os seus interesses, valendo para qualquer forma de organização de trabalho, conforme o Parágrafo único em respaldo aos trabalhadores rurais. Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;

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II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer (BRASIL, 1988)

A fragmentação do poder sindical deixou a luta pela classe trabalhadora instaurada em nível de categoria salarial, perdendo sua estrutura horizontalizada (classe trabalhadora) para uma estrutura sindical verticalizada (categoria salarial, exemplo: sindicato dos psicólogos, sindicato dos bancários, sindicato dos trabalhadores rurais etc.). Desta forma, o sindicalismo no Brasil é afetado em sua base de cunho social, significando uma "regressão relativa do sindicalismo no Brasil, principalmente no tocante à sua capacidade de agitação social e de militância política" (ALVES, 2002, p. 92). O sindicato-organização com sua ação verticalizada, necessita modificar sua forma de relação com a empresa, não mais com lutas, manifestações, greves, mas com uma forma de parceria, empresa e sindicato dando as mãos para ambas sobreviverem dentro de um sistema neoliberal. Como afirma Gramsci (1977), décadas antes sobre o sindicalismo na Itália: O sindicalismo revelou-se nada mais do que uma forma da sociedade capitalista, não uma potencial superação da sociedade capitalista. Organiza os operários não como produtores, mas como assalariados, isto e, como criaturas do regime capitalista de propriedade privada, como vendedores da mercadoria trabalho (p. 60).

Neste novo cenário de ações sindicais, temos a fragmentação da classe trabalhadora rural, não mais com uma ação para os trabalhadores rurais em geral, mas dividida por territórios (Inciso II, Art. 8º da Constituição Federal de 1988), como é o caso do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho - PR, que tem suas

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ações focadas apenas nos trabalhadores de Jacarezinho - PR, não importando trabalhadores de outros lugares, ou mesmo, dos trabalhadores da cidade que atuam em

outras

regiões.

Para

conhecimento

das

atuações

do

Sindicato

dos

Trabalhadores de Jacarezinho - PR, foram realizada entrevistas com seus representantes para uma compreensão desta noção de fragmentação sindical e de um Estado mínimo.

5.2 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho - PR

No

Sindicato

dos

Trabalhadores

Rurais

de

Jacarezinho-PR

foram

entrevistados dois representantes da instituição, identificados como sendo o Tião, presidente do sindicato, e o senhor Celso, advogado do sindicato. Tendo como norte da entrevista a atual situação dos trabalhadores rurais do corte de cana e o fim da atividade estabelecido por lei estadual (Resolução SEMA nº 076, de 20 de dezembro de 2010). Está dupla está à frente do sindicato desde 1985 (28 anos) sem interrupção. O sindicato conta com 250 sócios que possuem direito a voto, sendo os trabalhadores rurais parte do convênio firmado com as empresas, estes não possuem direito a voto (parceria). Temos o associado e o conveniado: o associado tem o direito a voto, a ser votado e a votar para fazer parte da diretoria do sindicato. Para sobrevivermos fizemos este convênio, outra modalidade que foi criada para manter a sobrevivência do sindicato, porque é difícil a conscientização para poder sindicalizar o trabalhador, então fazemos convênios com as empresas, os empregados autorizam o convênio, e nos repassam o dinheiro em detrimento (não é certeza esta palavra) médico, odontológico (Celso, 22 jul 2013).

Dentro deste contexto de flexibilizações, nos quais os direitos trabalhistas são destruídos pela maçante adequação da legislação social às exigências do sistema global do capital (ANTUNES, 2006), os moldes estruturais dos sindicatosorganizações procuram sobreviver em um mundo que prioriza o capital para além do próprio ser. Nas reestruturações para o capital global os sindicatos esquadrinham modos para sobreviver, criando novas formas de intermediar a relação empresa trabalhador com convênios. Neste tom, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho busca seus convênios com as empresas da cidade, para o conceito de convênios temos como sinônimos: alianças, pactos, acordos, contratos etc. O que

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antes estava mais por significar lutas, greves, batalhas, prisões, mortes, paralisações, piquetes, protestos. Hoje, para manter a sobrevivência se faz os tais "acordos coletivos". Atuando desde 1968, o sindicato realiza "fiscalização das empresas através de convenções coletivas de trabalho e acordo coletivo. Além dos benefícios médicos, odontológicos, exames, jurídico" (Tião, 22 JUL 2013), ora fiscalização não é acordo, mas o que se tem que destacar neste trabalho é "lacuna do Estado", Conscientização dos direitos, a fiscalização das condições de trabalho, fornecimento de EPI's pelas empresas ou empreiteiros que contratam, isso e tudo mais, o registro em carteira que é uma prioridade, desde 84 pra cá que começamos uma campanha "violenta" em cima disto aí, não temos ninguém trabalhando sem registro e quando temos vamos "em cima". E como o governo deixou uma lacuna em relação ao atendimento médico nós preenchemos esta vaga, como você pode ver temos exames laboratoriais, consultas médicas, odontológica, acabamos realizando este tipo de assistência ao trabalhador rural (Celso, 22 jul 2013).

Assim, se descobre as distintas formas de atuação sindical, ocupando uma ação de dever do Estado, porém, encontrou nas indisposições das empresas e da precarização do Estado, atender o trabalhador na sede do sindicato em uma função estabelecida pela Lei Federal 4.870: Art. 36. Ficam os produtores de cana, açúcar e álcool obrigados a aplicar, em benefício dos trabalhadores industriais e agrícolas das usinas, destilarias e fornecedores, em serviços de assistências médica, hospitalar, farmacêutica e social, importância correspondente no mínimo, às seguintes percentagens a) de 1% (um por cento) sobre preço oficial de saco de açúcar de 60 (sessenta) quilos, de qualquer tipo, revogado o disposto no art. 8º do Decreto-lei nº 9.827, de 10 de setembro de 1946; b) de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria; c) de 2% (dois por cento) sobre o valor oficial do litro de álcool de qualquer tipo produzido nas destilarias. (BRASIL, 1965).

Nesta indisposição das empresas e no precário atendimento do Estado em um direito do trabalhador - lacuna organizacional - que o sindicato pode sanar com os acordos do atendimento: "como você pode ver temos exames laboratoriais, consultas médicas, odontológica, acabamos realizando este tipo de assistência ao trabalhador rural” (Celso, 22 jul 2013).

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Pode-se dizer que existe uma crise do sindicalismo no Brasil, cujo principal sintoma político-ideológico é, por um lado, o desenvolvimento do sindicalismo neocorporativista de participação e, por outro lado, a ineficácia estrutural das estratégias sindicais “obreiristas”, de confronto, intrínsecas ao sindicalismo de classe (ALVES, 2000, p. 122).

Com o assistencialismo médico, a fiscalização junto às empresas reside em ações como o "registro em carteira que é uma prioridade, desde 84 pra cá que começamos uma campanha "violenta" em cima disto aí, não temos ninguém trabalhando sem registro e quando temos vamos "em cima" (Celso, 22 jul 2013). Aqui é importante compreendermos o campo de atuação do sindicato, que cabe fiscalizar "o trabalho realizado no município de Jacarezinho, pode ser empresa de fora, mas que vem trabalhar aqui, nos fiscalizamos e autuamos (Celso, 22 jul 2013), ou seja, quando "eles trazem gente de Cambará ou Andirá para trabalhar aqui, onde nós vamos lá e autuamos eles" (Celso, 22 jul 2013). Resumindo, a autuação é feita nas empresas situadas no município, não importa a procedência do trabalhador (é claro que se for sócio ou conveniado as coisas ficam melhores), mas quando se tem o discurso do "não temos ninguém trabalhando sem registro" o próprio advogado comete um erro, pois temos na região trabalhadores terceirizados trabalhando nas empresas de cana-de-açúcar sem registro, como é o caso de trabalhadores de Cambará-Pr, com respeito a isto, diz Celso, "Cambará é complicado, a região é complicada", portanto, Celso diz que o trabalho é apenas nas empresas do município, enquanto que os terceirizados de outros municípios, mas que realizam suas atividades para a usina de Jacarezinho não são fiscalizadas. Quando questionados sobre a Resolução SEMA Nº 076, de 20 de dezembro de 2010, que dispõe sobre eliminação gradativa da despalha da cana-de-açúcar através da queima controlada e, com isto, estabelecer que até 31 de dezembro de 2025, 100% (cem por cento) do total da área mecanizável de plantio da cana-deaçúcar não utilize mais a prática da queima e nas áreas não mecanizáveis, a utilização da queima controlada deverá ser eliminada até a data de 31 de dezembro de 2030, desde que exista tecnologia viável. A questão, por parte do presidente, deixa claro a falta de conhecimento ou política de intervenção em prol do trabalhador, simplesmente foi respondida como "tem muito bicho peçonhento, espero que passe" (que a resolução não seja aprovada). Hoje espera que passe, antes se ia para as ruas realizando grandes manifestações e paralisações, travava

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disputas com o Estado etc., neste caso não se trata de uma característica única do sindicato de Jacarezinho, mas é realidade nacional, com o decorrente declínio da força sindicalista pelo neoliberalismo. Por parte do advogado, com um discurso mais elaborado, Pois é, prevendo isto daí já, nós temos uma escola de informática que é para os filhos dos cortadores de cana e para os próprios cortadores de cana terem uma visão diferente da realidade que está se adensando. Porque os próprios filhos dos cortadores de cana não querem fazer o que os pais faziam, tanto é que há uma dificuldade em contratar cortador de cana, embora o pessoal acha que é a máquina que está expulsando do campo,é o contrário, os filhos dos cortadores de cana não querem mais saber de cortar cana, querem saber de outras profissões, por isso nós temos a escola de informática pra ajudar nesta nova profissão. Tanto é que os filhos dos cortadores de cana estão se tornando motoristas, mecânico, indo pra outras áreas que não seja o corte de cana, operador de implementos agrícolas, a própria colheitadeira ou outro tipo de trator, ou implemento, ou outro tipo de caminhão. E isto é uma coisa natural, como o próprio trator substituiu as enxadas, o corte de cana será substituído pela máquina, isto é óbvio, é a realidade e não tem como voltar atrás, isto também porque é mais correto, porque é muito desgastante o corte de cana, então é natural isto dai (Celso, 22 jul 2013), (negrito do autor).

Neste sentido, se existe algumas medidas quanto ao fim da atividade, nada pode ser feito além de uma escola de informática, medida que está sendo voltada para os filhos dos cortadores de cana, enquanto que, os mais afetados, que são os cortadores de cana, são revestidos de um poder ideológico, na qual, os coloca na situação de completa responsabilidade por suas condições de vida: "Deus ajuda quem trabalha", "o trabalho enobrece o homem". Esses discursos retiram qualquer encargo do Estado e da organização, se quer mudar sua condição de vida deve batalhar, o sindicato pode indicar o caminho, pois se tem uma "escola de informática", a condição humana de sacrifícios, de precariedade, de mortes deve sofrer alterações, "é natural" e nada foi e será feito para o trabalhador, apenas para manter a sobrevivência do sindicato. Ainda sobre o fim da atividade, continua, Não teremos extinção, porque vai ter a mão de obra rural, vai ter que ter, isto é imperativo, menos, mas vai ter que ter. Porque você pega uma Usina Jacarezinho (hoje Grupo Maringá, mas fica na memória das pessoas de Jacarezinho seu nome antigo), a metade das terras de Jacarezinho pertence à Usina Jacarezinho, tem uma grande quantidade de terras, o relevo é diferente também, tem o plantio mecanizado, mas o manual ainda é o melhor, tem gente ainda no plantio. O corte de cana, embora tenha o mecânico, o manual ainda é melhor, por que é melhor? Porque no manual ela dá sete rebrotas, no mecanizado no máximo duas ou três, já sai

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"ralinho", e o plantio para refazer esta lavoura de novo custa caro, então nós sempre... E dependendo do solo nós temos a compactação do solo mecanizado, temos muito disto aí. Então vai ter, sempre vai ter, problema é arranjar gente para trabalhar, este é o problema nosso ultimamente, porque até pro café está difícil conseguir, então esta é a dificuldade. Então é que tem gente saindo daqui para trabalhar nas lavouras de laranja no Estado de São Paulo, porque lá não encontram gente para trabalhar. E muita gente não quer mais saber do corte de cana, porque na laranja o serviço é mais leve, ganha mais também, o único problema é o deslocamento, é uma hora e meia ou duas para chegar até lá e mais duas para voltar, são quatro horas, este é o problema, se não fosse isto o pessoal não queria mais saber do corte de cana não (Celso, 22 jul 2013).

Em conversas com trabalhadores rurais, eles dizem o contrário, que o trabalho na lavora de laranja é mais cansativo: carregar escadas e sacos de laranja, não tem descanso, conforme é determinado por lei para o corte de cana, ainda continuam no salário baixo por produção e, muitas vezes, trabalham sem registro já que a precariedade da condição de vida acaba sendo impossível recorrer aos seus direitos trabalhistas em outro Estado, por outro lado, há uma verdade em sua fala quanto à falta de mão de obra para outras atividade, seja na colheita de laranja, seja no corte de cana. Para o momento, a migração de função ocorre por vários fatores, um deles é que "procuram melhorias na cidade, melhoria de salário" (Tião, 22 jul 2013). Deixando de ser a mecanização como o principal determinante para o fim da atividade. A nossa preocupação é profissionalizar esta mão de obra, o governo não tem interesse nenhum, infelizmente o governo largou em nossas mãos. E as empresas têm consciência sim, porque as próprias empresas, estou falando das grandes empresas que é a Usina Jacarezinho e a Dacalda, que nem mecânico de implemento agrícola não se acha, então eles estão treinando os próprios cortadores de cana para trabalhar nesta área e os filhos deles para trabalhar nesta área (Celso, 22 jul 2013).

Como já foi apresentado em outro capítulo, o treinamento das empresas citadas não são direcionadas aos trabalhadores rurais, tampouco oferecem estes cursos para os trabalhadores rurais, mesmo porque os cortadores de cana da usina, em particular a Dacalda, não residem em Jacarezinho, assim não é possível serem contratados pela falta de condução até o local de trabalho. No início deste ano, foi publicado uma notícia no jornal Tribuna do Vale (DAMÁSIO, 2013), sobre esta qualificação, é apenas um único caso que a Dacalda está arcando com seus gastos de transporte, de Santo Antonio para a usina, situação esta utilizada para amenizar as notícias sobre o desemprego do restante dos trabalhadores.

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Inclusive refrigeração que você pega este caminhões modernos que tem agora, todos eles tem ar-condicionado dentro, você não consegue achar gente para mexer nisto daí, as próprias empresas estão em treinamento para este pessoal, é uma opção para o cortador de cana (Celso, 22 jul 2013).

Na Dacalda os únicos cursos para os cortadores de cana são: Corte de cana motivacional, Corte de cana básico e Corte de cana avançado em parceria com o Senar. Por isso nós fizemos esta escola de informática, para o pessoal entender de informática, porque hoje tudo é informatizado, assim o pessoal tem uma noção de como é que mexe com equipamento eletrônico (Celso, 22 jul 2013). Intromissão do Tião na entrevista com Celso: aqui trabalhamos na parte jurídica, assistencialismo (conforme já foi dito, o trabalhador é conveniado, ele paga pelo convênio), o assistencialismo do governo... vai nos postos de saúde para você ver como funciona, vem na parte da manhã para você ver como é (o sindicato possui um ambulatório) (Tião, 22 jul 2013)

Quanto às ações realizadas pelo sindicado junto com o governo municipal, estadual ou federal em realizar ações de políticas públicas para amenizar as dificuldades enfrentadas pelo trabalhador rural com o fim de sua atividade, mostrase a inexistência de alguma luta na região, estas ações são transferidas para "as Federações que depois repassam para o sindicato. O sindicato de Jacarezinho é representado pelo Fetaep"98. A respeito da Resolução SEMA Nº 076, que põe fim a queimada, o sindicato é contra (não poderia ser outra a decisão) "a favor que se mantenha no campo. Tem que ter queima" (Tião, 22 jul 2013). Como somos a parte, a ponta mais fraca, temos que aceitar e criar soluções, porque questão ambiental isto é óbvio, tinha que parar de queimar a cana. E cortar cana sem queimar é realmente complicado, muito risco para o trabalhador e para a empresa também não compensa economicamente. Que uma cana queimada o cortador deslancha, corta rapidinho 7, 8, 10 toneladas por dia, um cortador médio, na cana (sem queimar) não chega nem 1/3 disto daí. É risco com animal peçonhento, cobra, vespas, abelhas, é complicado. E corte também, vai ter que ter mais equipamento, pois a folha da cana tem um mineral que é como uma lâmina, corta. Por isso tem que entender por que a queima da cana (Celso, 22 jul 2013).

98

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná.

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Nestas duas falas encontramos divergências dentro do próprio sindicato, o presidente é a favor da queimada, o advogado é contra. Fica claro que nem o próprio sindicato sabe responder questões sobre a totalidade do fenômeno e ter uma conclusão sobre o assunto. Como Gramsci (1977b) aponta: A teoria sindicalista faliu completamente na experiência concretas das revoluções proletárias Os sindicatos demonstraram a sua orgânica incapacidade para encarnar a ditadura proletária. O desenvolvimento normal do sindicato e assinalado por uma linha de decadência do espírito revolucionário das massas: aumenta a força material, enfraquece ou esgota completamente o espírito de conquista, fragmenta-se o impulso vital, à intransigência heróica sucede a prática do oportunismo, a prática "do pão e da manteiga" (p. 59).

Mesmo com esta política "do pão e da manteiga", o sindicato reconhece a penosidade de um trabalhado rural e o êxodo dos canaviais. Não é mecanização, eu não vejo, nós não vemos que é a mecanização, mesmo porque nós temos que criar a mecanização para o trabalho rural, por quê? Porque demanda esforço, há estudos que comprovam que o esforço do cortador de cana é quase que como o esforço de um maratonista pra correr a maratona de 42 km, então na prática o cortador que corta cana faz uma maratona por dia que ele corre, o desgaste físico é muito grande. É por isso que os filhos não querem mais saber da profissão do pai (Celso, 22 jul 2013).

Sabendo, mas não conhecendo uma história de lutas e reivindicações, como Alves (2000, p. 111) explica que "homens e mulheres sem consciência do passado não podem construir o futuro", mesmo em uma pequena cidade no Norte Pioneiro do Paraná. Sendo assim, cabe ao sindicato de Jacarezinho "seguir as convenções coletivas do trabalho. Já está "escrito" na cartilha, só seguir" (Tião, 22 jul 2013), mesmo porque "o bom relacionamento vem pelas confederações" (Tião, 22 jul 2013). Perante este direcionamento as determinações da Fetaep e suas convenções não se consideram a realidade regional de Jacarezinho e o Norte Pioneiro, na qual aponta o Ministério do Trabalho e Emprego através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, que o número de trabalhadores rurais da cultura da cana-de-açúcar está em declínio. Enquanto que em 2007 foram contratados 11370 empregados, em 2012 foram 3429, sem contar os trabalhadores irregulares. Para o sindicato, não se trata de um êxodo da atividade rural para o urbano (prestação de serviços, trabalho industrial, construção civil etc.), o

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fundamento reside na falta de mão de obra para recompor (manutenção e conservação) o quadro de trabalhadores rurais. Não é êxodo, que nem eu falei... que nem, você pode constatar, quem está na lavoura de cana: homens são os mais velhos, mulheres geralmente com filho, porque precisam, não acham, último recurso que tem e pessoal de idade no corte de cana que gostam, pegam afinidade. Mas os jovens não querem mais saber do corte de cana de jeito nenhum (A.S).

Mesmo porque, O cara que corta cana não colhe café, o que colhe café não corta cana, o que colhe laranja não corta cana nem colhe café, então ele não sabe, tem gente que sabe abanar café, mas não sabe colher laranja e o que sabe colher laranja não sabe abanar café (Tião, 22 jul 2013).

Isto quer dizer que trabalhador rural só sabe fazer aquilo, não existe outra possibilidade, não existe outra saída, se nasceu envolvido no corte irá morrer na mesma. Controverso já que o próprio presidente do sindicato foi um trabalhador rural, "o exemplo que sempre dou é o Tião. O Tião cortava cana, colhia café, até pouco tempo atrás (28 anos) ele era funcionário da Fazenda Flora, cuidava da parte da cana" (Celso, 22 jul 2013), pois para sobreviver: "de tudo a gente fazia um pouco (Tião, 22 jul 2013). Ao relembrar a própria história, os fatos servem para mostrar uma vida dura, árdua e, ao mesmo tempo, heroica, de sucesso, levada para o outro que mantêm a sobrevivência do sindicato acaba sendo um fracasso, pois "ele não sabe" (Tião, 22 jul 2013). Consequentemente, as dificuldades enfrentadas no campo são transpostas para os filhos, estes que sucedem a rede de conservação do trabalho precário. Então, como o pessoal vem tudo morar nas periferias da cidade... e quando você morava no campo, as crianças com oito, nove anos de idade já começava a cuidar da criação de galinha, criação de pequenos animais, plantava uma "hortinha", sempre tinha coisa para fazer, na cidade o pessoal é proibido de trabalhar na zona rural antes dos 18 anos, então é onde o pessoal fica em casa e depois de 18 anos quem vai querer saber de zona rural, ninguém vai querer saber. Há esse declive também pela mecanização, mas eu acredito mais que o jovem não quer mais saber de zona rural, a gente constata isto dai (Tião, 22 jul 2013).

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Esta saída do homem que trabalha no campo99, referente a novas possibilidades na cidade, faz enfraquecer cada vez mais o sindicato dos trabalhadores rurais, pendendo adesão ou conveniência destes que um dia já fizeram parte (de alguma forma) do sindicato. Isto porque, não existe uma política para o campo, pelo contrário, as novas possibilidades nas cidades fomentadas por políticas de microcrédito e de benefícios contribuem para este êxodo rural, como é o caso dos programas de habitação que, de acordo com Batista (2013) fazem a construção civil ser a principal opção para o trabalhador que sai do campo. Visto isto, para o sindicato a construção civil não interfere na estrutura dos trabalhadores rurais, mesmo porque a cidade não possui grandes centros habitacionais que demandam muitos trabalhadores, para eles: Pois é, para nós aqui a construção civil é irrelevante, que é muito pouco, a gente tem conhecimento aqui que o pessoal vai para servente de pedreiro, os acidentes que acontecem aqui são pequenos, não é o que acontece nos grandes centros que nos prédios de lá, o pessoal despenca morre. O que a gente sabe é que o trabalhador rural vem para servente de pedreiro, constrói casa, cada um tem sua casinha (Tião, 22 jul 2013).

Neste caso, a construção civil não deveria ser irrelevante já que servente de pedreiro faz parte desta categoria. Quanto à possibilidade de construir sua casa, é decorrente das várias políticas de Estado que contribuem para este investimento (SOUZA, 2012). Retomando a situação do sindicato para o futuro, com este declínio de sócios e de conveniados, cabe ao sindicato "fechar as portas" (Tião, 22 jul 2013), ou esperar por um milagre divino, "vamos pedir a Deus, primeiramente, protegido e bem amparado" (Tião, 22 jul 2013). Em um primeiro momento, a resposta foi imediata que fecharia as portas, mas depois solicitou que não colocasse esta resposta, e sim, em referência a Deus que não irá ser aprovado a resolução. Estamos sempre procurando alternativas (risos), não podemos ficar parados, sempre procurando alternativas: convênio médico, hospitalar com as empresas é uma delas. As empresas irão precisar de operador de máquina agrícola que faz parte da nossa categoria, motorista que também faz parte da categoria. Temos que sobreviver de um jeito ou de outro (Celso, 22 jul 2013).

99

Diferenciando do "homem do campo", este que morava na zona rural já deixou o campo há muitos anos, decorrentes também de uma economia neoliberal que deu abertura a empresas estrangeiras no Brasil desde a década de 70.

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É conversas, sempre tem o pessoal aqui no sindicato, orientando da melhor maneira possível, questão de higiene, questão de saúde, dar uma vida melhor para o trabalhador (Celso, 22 jul 2013).

Percebe-se que as ações do sindicato possuem muito vínculo com o "assistencialismo" a saúde do trabalhador, esquecendo-se do projeto inicial do sindicato de um "espírito revolucionário", sendo que a sobrevivência acaba sendo o principal fator de ações (acordos), para isto, o melhor parceiro é a organização. O sindicato pelego em outros tempos, não faz alianças com o Estado, mas sim, com o seu antigo rival, a empresa. Com as empresas nós temos um bom contato e sempre procuramos resolver o problema do trabalhador. Com o governo, sem contato algum, é difícil, o governo lança (a lei) e acabou. O governo vive uma realidade totalmente diferente com o que acontece aqui, tomam umas decisões lá sem avaliarem as consequências, e nós temos que procurar solução (Celso, 22 jul 2013).

Este acordo explica a crise na estrutura sindical brasileira, conforme Almeida (1996, p. 130) expõe: a estrutura sindical brasileira "tem as limitações de um sindicalismo que, sendo de massas, organiza um contingente minoritário dos assalariados e que está assentado em uma estrutura organizativa em que o poder de comando é fragmentado e centrífugo". Tendo uma estrutura organizativa, sua mentalidade passa a ser como de uma organização que tem por objetivo principal obter lucros e resistir a um mercado competitivo e selvagem, nem que para isto encontre novos "mercados". Eu acredito que logo, logo teremos a laranja em nossa região, porque em Uraí abriu uma fábrica de suco de laranja. Se percorrer por aí, você vai encontrar pequenos sítios abandonados e tem que fazer terra produzir, sempre vai ter alternativas. Gado, o gado, é complicado, realmente expulsa o trabalhador, coloca 1 trabalhador para cuidar de 1000 cabeças de gado, isto sim espanta o trabalhador. Mas nós temos aqui o abacate que precisa do trabalhador, banana tem que ter mão de obra, não tem como mecanizar, o próprio café que estamos tendo agora, com o aprimoramento dos grãos, tem que ser colhido manualmente. Granjas de frango nós temos várias, que necessita de mão de obra (Celso, 22 jul 2013).

A realidade vivenciada pelo sindicato de Jacarezinho, procura atuar numa perspectiva de novas fontes de trabalho, na qual o trabalhador rural pode ser inserido, no caso do cortador de cana, ela não necessariamente precisa depender do corte de cana, mas com outras alternativas que surgem no município.

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Neste tom, temos a crise da estrutura sindical, bem como, uma crise ideológica da gênese sindical que, acima de tudo, tem o trabalhador rural como causa principal de suas "lutas revolucionárias", dando forma um "sindicalismo de resultados". Conforme cita Giovanni Alves: Essa cegueira analítica das determinações ontológico-históricas do processo de constituição da subjetividade operária é que impede a perspectiva politicista de apreender os nexos essenciais da crise do sindicalismo em nossos dias, que se caracteriza não apenas pelo surgimento do sindicalismo de participação de cariz neocorporativo, como temos procurado salientar, mas pelo enfraquecimento estrutural da eficácia política da prática sindical “obreirista” de confronto com o capital no campo da produção, diante de um novo (e precário) mundo do trabalho (ALVES, 2000, p. 120).

Com isto, o trabalhador deve buscar formas de sobreviver as suas próprias custas, o sindicato que antes encontrava apoio do próprio trabalhador, hoje encontra este trabalhador capturado subjetivamente.

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6. O FENÔMENO CONCRETO

Caminhando para o fim da análise dissertativa, cabe a nós retornar ao sujeito para definir sua dimensão subjetiva sobre a realidade como cortador de cana. O retorno está carregado de significados sobre mediadores que envolvem o trabalhador rural, desde um discurso inicial sobre o efeito da mecanização na vida destes trabalhadores até o real invólucro do fenômeno do fim da atividade. Perante tal quadro, a questão discutida e respondida por Jessé de Souza sobre a ebulição de uma nova classe média ou uma nova classe trabalhadora, nos parece eixo central para a classe de trabalhadores do corte de cana. Quando o discurso de que a vida melhorou (e de fato melhorou) é apresentada na conversa pelo Zé Carlos e dona Iara: comprou uma moto, televisão, casa, geladeira etc. O discurso pode apresentar uma ascensão financeira que não foi vista tempos atrás com o sr. Antonio, este só deixou aos seus filhos a possibilidade de estudo, portanto, se não estivéssemos atentos ao discurso decairia sobre uma ascensão de classe: antes baixa, agora classe média, ou neste meio. Entretanto diz Souza (2012): Essa classe social é sempre esquecida como classe com gênese e destino comum, e só é percebida no debate público como um conjunto de "indivíduos" carentes ou perigosos, tratados fragmentariamente por temas de discussão superficiais, dado que nunca chegam sequer a nomear o problema real, tal como violência, segurança pública, problema da escola pública, carência da saúde pública, combate à fome etc (p. 25).

Assim é esta classe, como se estivesse num estado invisível, como aponta o autor (SOUZA, 2009), mas que, pelo contrário, são bem vistos aos olhos dos grandes capitalistas, porém esquecidos pelas políticas públicas, diz Souza (Ibidem): [...] essa nova classe média compõe-se de milhões de pessoas que lutam para abrir ou para manter pequenos empreendimentos ou para avançar dentro de empresas constituídas, que estudam à noite, que se filiam a novas igrejas e a novas associações, e que empunham uma cultura de autoajuda e de iniciativa. Quase desconhecida das elites do poder, do dinheiro, e da cultura, já estão no comando do imaginário popular. Representam o horizonte que a maioria de nosso povo quer seguir (SOUZA, 2012, p. 9).

Contudo, não se trata de uma nova classe média. O trabalhador rural não ascende socialmente, ele ainda é desvalorizado e mantêm-se em um trabalho penoso, mesmo mudando de atividade, como o caso da colheita de laranja que, no

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caso do Zé Carlos, também trabalha com dobras (domingo a domingo), ou de outros casos que mudam de atividade para ocupações sem garantias, sem registros, e com graves riscos à saúde e a vida como no caso da construção civil. Mesmo dentro da organização, os trabalhadores rurais do corte de cana almejam ser tratoristas, motoristas, líder de turma, para isto são disciplinados, com poucas faltas, nenhuma advertência e alta produção (SCOPINHO, 1996), porém, só isto não basta, nem lhe é garantido, realizam cursos ofertados pelo Senar de tratoristas (para poucos trabalhadores), esperam dirigir uma colheitadeira ou um caminhão; se apegam aos programas motivacionais e econômicos da empresa, entretanto não percebem a violência simbólica por traz deste cotidiano capitalista organizado pelos dirigentes organizacionais. Estes trabalhadores, como o caso do Zé Carlos, dona Iara, seu Zé e o João, não têm hora para o trabalho: acordam cedo, preparam a marmita, andam quilômetros de ônibus, trabalham exaustivamente no corte da cana ou na colheita de laranja e, quando retornam para casa tem que limpar a casa e fazer mais alguns "bicos", como levantar uma parede de construção, fazer uma laje, ser mototaxista etc., domingo a domingo, caso tenha as dobras ou nos "bicos". Em todos os casos há união, normalmente marido e esposa compartilham do mesmo eito de cana, em muitas turmas pesquisadas existem familiares, vizinhos, todos compartilham do mesmo sentimento: de mudar de vida, melhorias na condição dos filhos, um futuro aos filhos, contudo, as pequenas conquistas são acompanhadas de penosos dias de trabalho e problemas de saúde. A procura por oportunidades de trabalho que irão garantir melhores condições de vida não está justificada por este ou aquele trabalho somente pelo salário e benefícios adquiridos, mas também pelas condições de trabalho, como o quanto a nova atividade é cansativa, descansos, bem para a saúde, entre outros.

Neste

sentido, o trabalhador rural procura melhorias para a vida, em um mundo onde se afirma que o sucesso só é possível pelo esforço, em uma ideologia de que todos têm a mesma chance na vida, o cortador de cana possui a mesma chance que o diretor da usina, cabe ele saber aproveitar, estudar, aperfeiçoar; caí-se no discurso da funcionária do RH, já apresentado nesta dissertação: Trabalhador Rural: _Queria trabalhar como vocês, dentro da sala com arcondicionado.

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Funcionária do RH: _É fácil, só estudar pra conseguir chegar aqui no meu lugar. (Diário de Campo, set. 2012. Contratação da turma do Polaco).

O sentido de sucesso, de crescer na vida para estes trabalhadores está enraizado na ideologia capitalista, de um trabalhador polivalente decorrente da liofilização organizacional (ANTUNES, 1999). Um trabalhador como o cortador de cana que está sempre pronto para o corte de cana, vestido em sua armadura, suas luvas, seu facão, seu óculos de proteção, ele trabalha o dia todo, com sol ou chuva, se preciso de domingo a domingo, mas só isto não basta, ele retorna para casa e faz seus "bicos", arruma a casa etc. Ele batalha dia a dia por uma vida digna e melhor, e está consciente disso, de que só assim conseguirá sobreviver ou conseguir alguma coisa; está impregnado em sua mente como o preto do carvão está impregnado na sua pele. Nessa pesquisa pode-se ver o trabalhador rural como um batalhador, uma subjetividade das coisas como elas são apresentadas pela ideologia do capital, como se só assim pudesse ser a saída da miséria, batalhando, rezando e agradecendo pelo pouco que tem. Sua subjetividade tem noção de que se trata de um indivíduo e não de um coletivo, porém, é um pensamento coletivo, permeia a classe de trabalhadores rurais, a ideologia é reproduzida dentro deste grupo de trabalho. Neste sentido se compreende as competições entre trabalhadores, quem corta maior tonelada de cana, quem tem poucas advertências, o salário maior, são ideias reproduzidas que colocam o trabalhador como figura "heroica" dentro dos canaviais, no entanto, são mediadores manipulados pela organização que afetam a saúde do trabalhador. Contudo, esta consciência de que tem que trabalhar exaustivamente no dia a dia é reproduzida, passada de geração para geração como de fosse um dogma, ou um karma na vida do sujeito, por isso, obriga os filhos a estudarem para buscar uma vida mais abastada, porém seus filhos cumprem o que falam, mas da mesma forma do batalhador: acordam cedo, vão para um trabalho um pouco melhor que o do pai, mesmo porque ele já possui o ensino fundamental ou médio, retornam para casa, comem alguma coisa rápida e voltam a labutar na sala de aula, algum estudo técnico, algum curso do EJA, alguma faculdade a distância, ou presencial desde que seja ajudado com Prouni, ou qualquer outro tipo de bolsa (o autor se identifica com a situação). Porém, às vezes, as coisas não saem como o desejado; o curso tem que ser encerrado, ou não existe a mesma oportunidade que o pessoal da classe alta,

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ele sempre fica em desvantagem e ainda é ludibriado com capacitações, cursos desqualificados, graduações sem garantia etc. O que o curso de informática do sindicato rural de Jacarezinho irá garantir ao jovem? Uma ação do sindicato como se estivesse fazendo a sua parte, assim, pode "lavar suas mãos". Além da certeza de um trabalhador sozinho e invisível às políticas públicas e aos grandes empresários, outra certeza trata de que o fim da atividade do corte de cana, isto não interfere no fim da exploração do trabalhador. A reprodução é cíclica, seja ela em outras atividades, seja como trabalhador rural em outras atividades, como na colheita de laranja, do café, ou de outras lavouras, o capital sempre encontra brechas para sua atuação, como disse o advogado do sindicato: sempre precisaremos do trabalhador rural em outros setores. A consciência de submissão às condições apresentadas ao trabalhador rural, seja ela por falta de conhecimento político, seja pelo resultado da reprodução, caracterizam a violência simbólica escondida nesse pensamento e escamoteada pelas

pseudoconcreticidades

inventadas

pelo

sistema

capitalista

e

seus

representantes. Portanto, desmascarar o mecanismo de funcionamento é desmontar uma estrutura de consciência sobre as formas de relação do sujeito com o mundo, o desmascarar uma forma de consciência refere-se ao trabalho de, Perceber a dimensão simbólica de justificação do capitalismo equivale não apenas a ultrapassar a dimensão ingênua que percebe a atividade econômica como "neutra" em relação a valores, mas também, e principalmente, perceber o próprio terreno da justificação do processo de acumulação de capital como uma "luta em aberto" que pode ser refeita em qualquer tempo (SOUZA, 2012, p. 31).

A "luta em aberto" condiz às diversas mutações do capital, encenando suas ações dentro das organizações, bem como, numa forma consciente de apologia ao consumismo banal, de uma atividade teleológica para a objetivação de coisas sem necessidades. Em outro sentido, a atividade como Lukács disse no capítulo do sobre ideologia, em uma práxis que visa objetivar coisas realmente necessárias. Isto não quer dizer que o trabalhador do corte de cana não pode aspirar às coisas, como uma geladeira, uma televisão, sua moto, sua casa, pelo contrário, a crítica reside sobre uma ideologia dissimulada, no "o que" e o "quando" consumir tal produto está devidamente estabelecido e preconizado pelo capital: o programa minha casa minha vida dita qual o modelo de casa, quais os produtos utilizados, o local, sem

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possibilidades de escolhas do beneficiário; o trabalhador rural só pode financiar um automóvel pelo Crédito Rural caso seja um utilitário; o beneficiário do Bolsa Família tem que realizar aperfeiçoamentos; o cortador de cana só tem cursos para a motivação no corte de cana. Ele não pode almejar uma carreira no setor administrativo, lhe resta apenas o trabalho braçal (tratorista). Assim como acontece com os sujeitos das classes altas, eles também estão submetidos ao consumismo banal, ao consumismo que efetiva sua supremacia sobre a grande massa brasileira. Onde reside, no raciocínio acima, a "cegueira" da percepção economicista do mundo? Reside em literalmente não "ver" o mais importante, que é a transferência de "valores imateriais" na reprodução das classes sociais e de seus privilégios no tempo. Reside em não perceber que, mesmo nas classes altas, que monopolizam o poder econômico, os filhos só terão a mesma vida privilegiada dos pais se herdarem também o "estilo de vida", a "naturalidade" para se comportar em reuniões sociais, o que é aprendido desde tenra idade na própria casa com amigos e visitas dos pais, ao aprender o que é "de bom tom", ao aprender a não serem "over" na demonstração de riqueza como os "novos ricos" e "emergentes" etc. (SOUZA, 2009, P. 19)

Perante tal quadro discorrido nesta pesquisa, cabe compreender que, o cortador de cana no Norte Pioneiro do Paraná, ainda continuam com suas atividades precárias, vivendo a margem da sociedade em situação de miséria. Todavia, o quadro se modifica, cada vez mais o número de cortadores de cana diminui, uns encaminham para outros trabalhos, também degradantes, como a colheita de laranja, outros para a construção civil. O quadro de trabalhadores rurais do corte de cana caminha para o fim. Se for pela mecanização ou pelas oportunidades de novos trabalhos, isto já não torna tão importante, pois se trata do fim de uma atividade que por séculos só usurpou do trabalhador, como disse o Celso (22 jul 2013) "sempre vai ter alternativas" de trabalho, da mesma forma que sempre haverá alternativas para o capitalismo sobreviver e continuar a explorar o trabalhador. Desta forma, cabe pensar sobre o papel da psicologia sobre um projeto ético-político que vise uma conscientização concreta sobre a totalidade dos fenômenos, atuando em prol do ser social. Essa dissertação não nos alerta apenas para a própria atividade do corte de cana, mas para um cenário que caminha para a idealização de um mundo cada vez mais fragmentado pelos atrativos do capital. Com estes atrativos o sujeito é captado e transformado subjetivamente, para que possa ser mais uma peça importante para

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a conservação e perpetuação do capitalismo. Mas há "uma luz no final deste túnel": a crise estrutural do capital irá revelar novas formas de se viver, novas formas de consciência, novas formas de se relacionar com o outro, talvez torcer para que este "esperar" ativamente não seja tarde demais. Cabe aqui pensar sobre o papel da psicologia em um projeto ético-político para conscientizar sobre estas formas ideológicas que só prevalecem o capital.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passados os dois anos de curso do Programa de Mestrado em Psicologia Social da PUC-SP, a consideração final não está fixa apenas neste período de pesquisa intensa no tema debatido, mas também no período trabalhado dentro de uma usina de Jacarezinho-PR e Ourinhos-SP, e nos cinco anos de graduação em Psicologia Clínica e Organizacional, a qual serviram para conhecer e discutir o trabalho do corte de cana na região do Norte Pioneiro do Paraná e oeste do Estado de São Paulo. Porém, a história desta dissertação se remonta a uma história de vida, ou melhor, a histórias de vidas. Crescendo em uma cidade que aspira cana-de-açúcar, correndo em meio aos carreadores

no

canavial,

descascando

cana,

alimentando

os

animais

e,

principalmente, ouvindo histórias de pessoas que vivem da cana-de-açúcar. Foram muitas histórias e muitas fazendas visitadas nesta vida, cada qual com sua particularidade. Não é apenas uma pesquisa como requisito ao título de mestrado, trata-se de um texto que divulga histórias de pessoas que labutam por uma vida digna. Como vimos, são pessoas que trabalham duro, acordam de madrugada, preparam seus alimentos, encaram longas jornadas em veículos sem nenhuma comodidade e segurança, trabalham sob sol e chuva, muitas vezes sem nenhuma proteção e assim passa a safra, duas safras, três safras, vinte safras, uma vida como cortador de cana, e nesta jornada as marcas vão surgindo: o músculo se enrijece, as cicatrizes aumentam, as digitais são apagadas e rosto marcado pelos solavancos da rotina. Essa dissertação retrata histórias de vidas que não cessaram e, tampouco, irão encerrar. Como disse Silvia Lane, o homem é um movimento. Ainda hoje temos pessoas vivendo do corte de cana, colhendo laranja, capinando café, plantando morango, porém, de forma precária. Ainda temos pessoas morrendo no canavial, trabalho escravo, precariedade, sem direitos, sem segurança. Vimos isto nas histórias, do senhor Antônio que não conquistou nada além dos estudos dos filhos, do seu Zé que está parado esperando algum trabalho, e dona Iara e do Zé Carlos que vivem realizando bicos enquanto não é chamado para safra, e que conseguiram alguma coisa realizando a colheita de laranja e o corte de cana de domingo a domingo (dobras) sem descanso, no entanto, estão há sete meses aguardando o "acerto" da empresa.

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Essa pesquisa, serve para apresentar um estilo de vida camuflado e "não visto" pelas políticas públicas, foi uma forma de dar "vozes" aos trabalhadores, para narrarem todas as suas angústias, suas proezas, conquistas, estórias, um jeito de viver, mesmo que seja "apenas para acordar os vizinhos", como escrito por Troureau na epígrafe desta dissertação. Contudo, a história contribui para o movimento do agora e do amanhã, um amanhã carregado de esperança às condições de vida e de trabalho. Entretanto, pouco esperançoso para os trabalhadores rurais, a esperança de um trabalho digno ainda está longe de ser alcançado, o fim da atividade do corte de cana não caracteriza o fim de uma condição precária de trabalho, se trata do fim de uma tarefa precarista, porém, estes trabalhadores são submetidos a outras atividades com o mesmo vigor mortificante. Segundo Antunes (2010) estes trabalhadores fazem parte de um processo de precarização estrutural do trabalho, que deteriora e destrói todos os direitos sociais conquistados desde a Revolução Industrial e no pós-1930, caso do Brasil. Embora haja mudança na gestão organizacional, o trabalhador do corte de cana, ainda reside num patamar de produção fordo-taylorista, no qual o trabalho é mais coisificado e reificado. A gestão organizacional apenas percebe os números apresentados pelos trabalhadores, média da tonelada de cana cortada e número de faltas, porém com "pitadas" de um toyotismo pela individualização, participação, metas e "competências" exigidas para estes trabalhadores, com isto, o trabalho do corte de cana ganha seus sentidos de estranhamento e reificação interiorizados pelo trabalhador. A precarização estrutural do trabalho não é própria do corte de cana, mas também de outros trabalhos precarizados e informalizados na qual o trabalhador rural está submetido com o fim de sua atividade, como nos casos de dona Iara e do Zé Carlos, ambos migraram para a colheita de laranja, mas como atividade secundária, ela atua como dona de casa e ele como mototaxista. A precarização estrutural do trabalho permeia uma reestruturação produtiva em prol do beneficiamento da acumulação de capital, onde as organizações criam modelos de gestão na condição de se apropriar de um maior acúmulo de mais-valia. Segundo Scopinho (1996): [...] a nova política de recursos humanos, incorporando um discurso humanístico e participativo, veicula os valores fundamentais para a expansão do capital e não representa uma revisão das tradicionais técnicas

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de gestão taylorista/fordista. As atuais técnicas de gestão contribuem para dificultar o processo organizativo da categoria e não significam melhorias reais na qualidade de vida dos trabalhadores. Pelo contrário, constituem instrumentos privilegiados de controle e adequação da força de trabalho rural às atuais exigências do processo produtivo, que estão centradas na produtividade com qualidade (p. 73).

Estas novas políticas de gestão, promovendo ações em prol de uma assistência social com treinamentos, auxílios médicos, programas envolvendo a família, cursos, para o trabalhador rural significa uma busca da organização para reduzir o nível de absenteísmo e aumento de produção. Da mesma forma, a organização aplica medidas para impedir a falta e o absenteísmo, como na não contratação, com o médico próprio da empresa, redução de salários, "ganchos" (advertências), são formas de inibir o trabalhador, segundo Scopinho (Ibidem), ferramentas de uma pedagogia empresarial. Assim, percebemos estas pedagogias empresariais analisando o cotidiano do cortador de cana, na forma de fazer a sua atividade através do planejamento organizacional, porém, acompanhados de precarização que afetam à saúde do trabalhador, bem como, os sentidos do trabalho. De forma camuflada, a precarização do trabalho ou o fim da atividade está acompanhado da mecanização do canavial, que não deixa de ser errônea, porém, não é único fator para o fim da atividade, a própria situação de trabalho faz com que o trabalhador procure em outras atividades melhorias nas condições de trabalho. Outra questão importante reside no futuro destes trabalhadores, por parte das organizações aplicando um discurso de inclusão destes trabalhadores rurais em outras atividades da empresa, fato este não encontrado nas organizações pesquisadas, um ou outro caso irrelevante pela quantidade de trabalhadores rurais desligados da empresa. Por parte do sindicato, nada está sendo feito, apenas acatando as leis destinadas para o setor, sabendo que a região ainda é dependente do trabalho rural, acredita-se que sempre existirão vagas de trabalho em outras atividades, como na colheita de laranja, no entanto, para a condição de trabalho nenhuma política de atuação é aplicada. Os sentidos do trabalho para o trabalhador rural, especificamente os cortadores de cana, possui sentidos de sobrevivência como foi com o senhor Antônio, "Comecei com uns 22 anos mais ou menos. Eu era pedreiro mesmo, profissional em São Paulo, aí em vim pra cá, não tinha serviço fui obrigado a entrar

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cortar cana" (Antônio, 09 jan 2012). Entretanto, a condição atual do país, com programas de políticas públicas e pela situação socioeconômica, apresenta pequenas melhorias para a vida dos trabalhadores atuais, conseguindo conquistar algumas coisas: imóveis, eletrodomésticos, eletrônicos, veículos, conquistas que estão acompanhadas por uma condição precária de trabalho, são trabalhadores que batalham dia e noite, sob de sol ou chuva. Os sentidos do trabalho para o cortador de cana, ainda está no que "sobrou" para eles que não possuem estudos, não tiveram sorte ou porque "Deus quer assim", a "captura" subjetiva pelo capitalismo adere ao sujeito único e responsável pela sua condição de vida neste mundo, apregoando uma ideologia de polivalência, submissão e dissimulação sobre sua condição de trabalhador em prol da manutenção e proliferação do capital. A “desregulamentação” e a “flexibilização” que o capital vem implementado hipertrofiam as atividades de natureza financeira (resultado seja da superacumulação, seja da especulação desenfreada), cada vez mais autonomizadas de controles estatais nacionais e dotadas, graças às tecnologias da comunicação, de extraordinária mobilidade espaço-temporal. Simultaneamente, a produção segmentada, horizontalizada e descentralizada – a “fábrica difusa” –, que é fomentada em vários ramos, propicia uma “mobilidade” (ou “desterritorialização”) dos polos produtivos, encadeados agora em lábeis redes supranacionais, passíveis de rápida reconversão. Ao mesmo tempo, os novos processos produtivos têm implicado uma extraordinária economia de trabalho vivo, elevando brutalmente a composição orgânica do capital; resultado direto na sociedade capitalista: o crescimento exponencial da força de trabalho excedentária em face dos interesses do capital– e os economistas burgueses (que se recusam a admitir que se trata do exército industrial de reserva próprio do tardo-capitalismo) descobrem... o “desemprego estrutural”!. De fato, o chamado “mercado de trabalho” vem sendo radicalmente reestruturado - e todas as "inovações" levam à precarização das condições de vida da massa dos vendedores de força de trabalho: a ordem do capital é hoje, reconhecidamente, a ordem do desemprego e da “informalidade" (NETTO, 2010, p. 12).

O sentido do trabalho passa a ser determinado pelos desígnios do capital, instaurando nas gerações de trabalhadores a reprodução de um "jeito de ser" trabalhador no capitalismo. Fugindo dos padrões determinados, o ser "social" é marginalizado, colocado para fora do jogo, mesmo ele ainda sendo uma peça importante a ser reaproveitada a qualquer momento, conforme os interesses do capital. Porém, ser marginalizado não é uma forma de vida reconhecida pela sociedade capitalista, não possui seus "valores", o trabalhador deve buscar seu espaço, deve pertencer, "in-corporar", ser ativo, "madeira para toda obra", o trabalho

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possui seus "valores" criados pelo capital, de um "trabalho útil e digno" (SOUZA, 2009). Esse é, no entanto, o “segredo” mais bem guardado do mundo moderno. Toda a “legitimação” social e política de qualquer sociedade moderna, seja ela central ou periférica, reside, precisamente, na cuidadosa negação do caráter de classe da desigualdade social moderna. Desse modo, a desigualdade tem que assumir uma forma “individual” para ser legítima. Essa forma individualizada de desigualdade, construída para negar a forma real e efetiva da produção classística da desigualdade, é exatamente a “ideologia da meritocracia”. Segundo essa ideologia, a desigualdade é “justa” e “legítima” quando reflete o “mérito” diferencial dos indivíduos (Ibidem, p. 120).

No entanto, o "trabalho útil e digno" não caracteriza a concreticidade do trabalho do corte de cana, tampouco a dignidade no trabalho (GOMES, 2012). Na necessidade do trabalhador de executar tal atividade como meio de sua subsistência, o capital se apropria na máxima valia que se pode obter com o uso da força da mão de obra: trabalhos diários ininterruptos, esforços físicos, extrapolam os limites do corpo, exigem metas de corte, salários baixos e por produtividade, são algumas formas de se obter a mais-valia legitimado na história brasileira. A dignidade no trabalho do cortador de cana na região do Norte Pioneiro do Paraná está longe de acontecer, provável que não acontece de forma concreta. As melhorias, e poucas, são apenas meios (básicos) de garantir a efetiva execução da atividade: vale-transporte, marmitas térmicas, banheiros químicos, EPI's, tendas para alimentação, atendimento médico, além dos atendimentos realizados no sindicato: médico e odontológico. O fim da atividade do corte de cana encerra uma longa história de trabalho precário no Brasil, contudo não dignifica estes trabalhadores estigmatizados como "boias-frias", sem reconhecimento. A migração de atividade faz do trabalhador "incorporado" a uma ideologia legitimada pelo sistema capitalista, o fim da atividade não faz o trabalhador sair deste "lugar" marginalizado, ele ainda tem que subir no ônibus de madrugada para colher laranja, carpir café, ainda leva sua "boia-fria", suas ferramentas, as cicatrizes e as marcas de sol não somem, mantêm os movimentos brutos e enrijecidos pelos músculos atrofiados e acostumados com o trabalho árduo, recebe baixos salários, alguns nem registrados são, recebem por produtividade, realizam seus bicos como acréscimo a renda familiar, possuem baixa escolaridade, enfim, o sentido do trabalho ainda é o mesmo, de sobreviver.

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A ideologia capitalista que legitima uma forma de sujeito, o trabalhador do corte de cana, está impregnada na cultura regional. Para a psicologia sócio-histórica, esta ideologia é determinante para a constituição de uma consciência de aceitação as suas condições de vida. Nisto, diz Luria (1988): A consciência nunca foi um "estado interior" primário da matéria viva; os processos psicológicos surgem não no "interior" da célula viva, mas em suas relações com o meio circundante, na fronteira entre o organismo e o mundo exterior, e ela assume as formas de um reflexo ativo do mundo exterior que caracteriza toda atividade vital do organismo. À medida que a forma de vida se torna mais complexa, com uma mudança no modo de existência e com o desenvolvimento de uma estrutura mais complexa dos organismos, estas formas de interação com o meio ou de reflexo ativo mudam; todavia, os traços básicos desse reflexo, bem como suas formas básicas tais como foram estabelecidas no processo da história social devem ser procurados não no interior do sistema nervoso, mas nas relações concernentes à realidade, estabelecidas em estágios sucessivos de desenvolvimento histórico (p. 194).

Desta maneira, sendo a cultura um determinante para a constituição do ser social, não se trata de dar fim a atividade do corte de cana, tampouco algumas melhorias na condição de trabalho, pois a apropriação da força de trabalho (física ou intelectual) é necessária para a perpetuação do capitalismo. É necessário transformar toda uma lógica que coloca os valores econômicos acima do próprio sujeito, dando ao trabalhador o reconhecimento por sua capacidade teleológico, criativa, transformadora, construtora.

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ANEXOS Termo de consentimento livre e esclarecido Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário(a), da Pesquisa sob o título “O trabalhador do corte de cana no Norte Pioneiro do Paraná: o fim da atividade e os sentidos do trabalho”. Meu nome é Luciano Ferreira Rodrigues Filho, sou o pesquisador responsável e minha área de atuação é a Psicologia. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine o final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado(a) de forma alguma. Em caso de dúvida sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com o pesquisador

responsável

e

o

orientador

da

pesquisa

Odair

Furtado,

pelo

e-mail

[email protected]. Sua participação na pesquisa é voluntária, pois não haverá nenhum tipo de pagamento ou gratificação financeira. As informações obtidas através desta entrevista serão tratados de maneira confidencial e sigilosa, preservando seu anonimato e qualquer outro dado pessoal, entretanto, será feito referência à função que você exerce. O resultado da pesquisa será publicado com o objetivo de corroborar com outros profissionais que interessar por esta área. Não haverá nenhum risco decorrente da participação da pesquisa. A entrevista visa obter informações sobre os trabalhadores rurais de Jacarezinho-PR, localizado na cidade de Jacarezinho-PR, com atuação na própria cidade e em sua região, utilizando questões semi-abertas, que abordarão a temática envolvendo o cortador de cana frente ao fim de sua atividade prevista pela Resolução SEMA Nº 076.

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA PESQUISA

Eu, _______________________________________________________________________, RG: / CPF: __________________________, função: ______________________________________ abaixo assinado, concordo em participar deste estudo, como sujeito. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pelo pesquisador sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.

Assinatura do Participante ou responsável legal

Luciano F. Rodrigues Filho RG 8438622-7 (43) 9191-8054 [email protected]

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Conversa com Antônio Quanto o sr. iniciou no trabalho do corte de cana? Comecei com uns 22 anos mais ou menos. Eu era pedreiro mesmo profissional em São Paulo, aí em vim pra cá, não tinha serviço fui obrigado a entrar cortar cana. O sr. lembra quando foi? Num lembro. Nem a década, 70, 80? É mais ou menos. Aí fui obrigado a entrar. Foi bom pra mim, criei todos meus filhos cortando cana, estudaro. Estudaro até quando deu lá, pra mim foi bom. Trabalhei mais na Usina Jacarezinho, pode contar 18 anos que faz muito tempo e nós passava direto. Não tinha entressafra? Não tinha, era meio diretão, não tinha férias, não tinha nada. Agora tem né, agora pára, tem férias, mas naquele tempo não tinha não. Naquela época as leis não eram cumpridas direito? (nem tinha) Não, não era. Pra nóis tocava meio diretão, não tinha férias. E o salário, melhorou de lá pra cá? como era? Fala a verdade, nos ganhava bem na época, ganhava melhor que agora cortando cana, mas ganhava bem sim. Era por produção também? Por produção Sempre foi? Sempre foi. Agora não sei, que mudou tudo, mas na época era por produção. Agora é tudo por conta da usina, nem sei. Naquela época não era por conta da usina? Era por conta da usina, mas só que o empreiteiro levava lá, o empreiteiro que mandava, era mais por conta do empreiteiro, mandava em nóis. Agora é a usina que manda nos empregado. E o sr. tem quantos filhos? tenho 5. E algum deles seguiu a carreira do senhor? Não. O sr. acha que é porque? Ah sei lá, não quiseram. Era mais menina, só tenho 1 rapaz. E o sr. percebia que tinha outras coisas pra fazer, além do corte de cana? Eu gostava de fazer este serviço, acostumei né. Acostuma. Acostumei e eu gostava, eu gostava.

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E como que era o dia a dia? Acordava cedo, 5h tinha levantar pra pegar a condução, 6h tem que estar no ponto, naquele tempo era caminhão, os caminhão pegava nóis. Depois que foi vir o ônibus estas coisas aí. Eu gostava sim. Naquela época já tinha equipamento de segurança, EPI's? Não, no começo não. Depois que começou a vim estas coisas aí, luva, caneleira, estas coisas. E o horário de trabalho ia até que horas? Era das 7h as 5h. Só que naquele tempo que comecei a trabalhar, não tinha este negócio de descansar 1 hora, você que fazia sua hora, não tinha negócio não de descansava, se eu quisesse trabalhar, trabalhava. Hoje tem horário, horário de almoço, café. Naquele tempo tinha também, só que a gente não fazia, pra ganhar mais. Nós não fazia horário. E o sr. parou de cortar quando? Rapaz eu parei em, acho que foi em 2009. E em todos em anos, qual foi o que o sr. sentiu que estava melhor? Logo no começo, eu achava que nóis ganhava bem na época. Depois foi fracassando mais. Agora no finalzinho, já aposentando não estava ganhando muito bem? Não. Mas por causa do preço ou da produção? Acho que era por causa da produção. E com o corte de cana o que o senhor conseguiu? Olha fala procê, não consegui nada não. Consegui criar os filhos só, estudaro. Mas graças a Deus né, consegui criar eles. Mas de patrimônio? Nada. Hoje o sr. sobrevive com a aposentadoria? É com a aposentadoria. E o depósito foi feito pelo sr. ou pela empresa? Pela empresa, sempre fui registrado, sempre trabalhei registrado. E era informado o jeito que era o pagamento? Era, no começo era por semana, aí passou por quinzena, daí fui a outro canto já era por mês. Era por tonelada, não sabia nem ninguém falava nada. Eles podiam enganar a gente, e enganava, eu acho que enganava. Esse negócio de tonelada nóis não sabe nada. Porque na época aqui na usina, tinha que cortar era 7 tonelada por dia o mais fraco, mas tinha gente que cortava 14, 12 tonelada. Eu mesmo

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cheguei a cortar, mas quando eu tava bom mesmo eu cortava. Mai enganava a gente sim, eu acho que enganava. O empreiteiro ou a empresa? A empresa mesmo, porque pesava lá né, carregava de cana e levava pra lá, não sabe. E a convivência no campo? Ah era bom, eu gostava. Se vê, trabalhei 17 safras na usina, num levei, gancho, advertência. Pra mim foi bão sim. O sr. foi bom pra empresa? Me deram até uma carta quando eu sai daí, não dei trabalho. (Foi pegar a carta voltou com um certificado do Senar de 1995 e com o manual do corte de cana no Senar). Este é pra saber com a gente fazia (como tinha que fazer). Pra açúcar é bem tirado, agora pra álcool é meio por cima, e isto é pra gente como fazia (ao livro do curso). E o sr. sabe ler? Olha sei male má assinar o nome. Mas como que o sr. fazia com o livrinho? Ah eu via (as figuras) E serviu para alguma coisa? Ah serviu, agente aprende né. Que nem aqui... (mostra a figura, mas não conclui). Uns par de livros eles me deram. Olha aqui, aqui é um monte, quando se vai pegar o eito, o eito é 5 rua. Eles já avisam que é monte (amontoar a cana para a motocana carregar o caminhão) quando é esteira, eles já avisam também. A esteira pega 5 linha também? Pega 5 linha, só que pode jogar direto (não precisa fazer monte). Qual é o melhor? Ah é tudo igual para mim. E o telefone pode também? Pode, tem as vezes que levar pareio o eito. Normalmente você corta 3 rua e depois volta cortando as pontas (despontar) e depois corta as 2 e joga por cima. Ah eu aprendi a trabalhar né. E em todo este tempo, você viu algum acidente? Via, via, pessoa cortada. Mas nunca morte? Morte, morte vi uma só, mais uma vez estava ali na São Francisco (fazenda) e caiu um raio na cabeça de uma menina. Trabalhava na chuva?

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É naquele tempo nós trabalhava. E neste tempo, até 2009 (quando aposentou) quando que o sr. viu que melhorou quanto ao cumprimento das leis, regras: parada hora de almoço, não pode trabalhar com sol forte, ou não pode trabalhar com chuva etc? Com sol pode trabalhar, não pode é com chuva, com chuva não. Achei que melhorou bem, depois que estas leis... mas num lembro quando começou, num lembro. Se o sr. não fizesse isso, o sr. queria fazer o que? Se eu não cortasse cana? É? Rapaz, eu era pedreiro né, mas não ganhava nada na época, eu vim pra cá, mas não ganhava nada na época, daí eu entrei gostei, é bom pra mim. Das empresas daqui qual que foi a melhor? A Jacarezinho (Usina Jacarezinho). E na Casquel? Trabalhei também. Na Dacalda? Trabalhei também, mas faz muitos anos, trabalhei lá sem registro, mas era muito enrolada, aí eu sai fora. Melhor lugar que eu trabalhei foi na Jacarezinho, até mesmo o pagamento, sempre saia certinho. E quanto a participação do governo, sindicato por exemplo? Sindicato era bom né, agente precisava de uma consulta, a usina tinha convênio, mesmo que a gente não pagava lá, podia ir lá e consultava. Sr. viu que construiu um ambulatório novo lá? Construiu? Faz tempo que não vou lá. Na época que o sr. ia quem cuidava de lá? O Tiãozinho, faz tempo que ele está lá, acho que até hoje ele tá lá. Acho que não sai mais de lá. Ele era bão pro sindicato? Bom, ele é bom. E quanto ao estado, ajudou ou não? Aí eu não sei. (risos). Sei não. O governo nunca participou em nada? Não. A não ser com as leis, mas não sei se as leis foi bom ou ruim. Acho que foi bom, naquela época não tinha nada, naquela época tinha gente que não tinha um calçado pra trabalha, hoje tem tudo né. Tem botina, sei lá se dão ou desconta.

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Na sua época eles descontavam? No começo não davam não, depois que de uns tempos começaram a dar. Começaram a dar caneleira, botina, luva. No tempo que eu comecei não tinha nada disto. Era tudo por conta do senhor? E o facão eles davam ou não? No final agora eles davam, no começo não davam não, agente comprava por conta. Eu acho que melhorou bem sim. Escolhe trabalhar naquela época ou agora o que o sr. prefere? Agora né, agora ganha tudo. Mas o senhor falou que o preço naquela época era melhor? Não, era melhor, num vou falar nada não, a gente ganhava naquela época. E era meio por conta dos empreiteiros, então nós ganhava bem sim, mas só que né, não tinha nada. E quantas pessoas tinham numa turma mais ou menos? A turma que eu cheguei a trabalhar mesmo, era cento e pocas pessoas no caminhão. Num caminhão? Aquele tempo era meio largado, o empreiteiro pegava já levava lá e fichava (registrava) e já iniciava. Agora não, agora tem, acho que é 50 pessoas né, agora é ônibus. Era caminhão que colocava um toldo em cima, colocava uns encerado em cima, uns banco de tábua. E tinha bastante gente que trabalhava aqui de Jacarezinho? Tinha, na época tinha bastante empreiteiro, tinha uns 23 empreiteiros. E Jacarezinho só vivia da cana? Ah eu acho que sim, né. Naquele tempo tinha muito algodão né, na região, saia muito caminhão para algodão. E pro Estado de São Paulo, chegou a ir? Fui pra Usina são Luiz, Pau d'Alho. E com a queimada é ruim ou bom pro trabalhador? Com esta proibição. Ah pro cortador é bom a queimada né. Na palha é perigoso também, cobra, nunca vi perto de mim, mas tem. E a máquina o sr. sentiu diferença? A máquina atrapalhou tudo, cheguei a ver quando chegou 3 máquinas ali na Jacarezinho, ficou parada ali, vinha gente de fora pra pilotar a máquina, naquele tempo não tinha ninguém daqui que pilotava. Mas depois foi aprendendo, e hoje tem até mulher que trabalha com máquina. E os amigos estão por aí?

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Estão, tem uns que aposentaram, uns que estão trabalhando, tem uns que aposentaram e trabalham de novo no corte mesmo. Mas diminuiu? O número de cortador? É. A diminuiu bastante, por causa da máquina diminuiu, e diz que vai diminuir mais ainda né. Isto vai acabar né. Estado de São Paulo já está acabando. E se acabar o senhor acha que te outros lugares? Ah tem a laranja né. A maioria, o povo daqui está indo pra laranja. Os ônibus daqui leva. Aquele vereador tem bastante gente na laranja, tal de Serraia (Chico Serraia) tem bastante ônibus. Deve ter uns 4 ônibus na laranja, ele é o mais forte aqui. Aqui ainda trabalha no sistema de empreiteiro? Na laranja é, na cana é por conta da empresa, na laranja tem empreiteiro. E como era na época a família, onde morava, os filhos? Sempre morei lá no parque (Parque Bela Vista). E como que era o registro com os empreiteiros? Naquele tempo, os empreiteiro que vinham atrás da gente, precisava de tantas pessoas, e eles vinham atrás, pegava os documentos da gente, levava lá na usina, aí a usina registrava nós. E a gente ia lá pra assinar as coisas. E o sr. prefere salário por produção ou salário fixo? Ah eu acho melhor por produção né, porque produção é melhor né. Ganha mais, o cara se esforçar ganha mais, se não esforçar não ganha nada, ganha só aquilo mesmo (piso salarial). E para na safra ou continua? Agora eles para, melhor pra descansar um pouco. Naquele tempo não deixava descansar não, não tinha férias não tinha nada. Na entre safra carpia, plantava cana. Mas não era todos não, só os melhor, eles escolhia lá. Mas os outros voltavam depois? Voltava. Voltava porque não tinha máquina. E o sr. conhecia muita gente que vinha pra cá? Conhecia, vinha de são Paulo, Santo Antonio, Itambaracá. E do nordeste? Do nordeste não. E o que senhor tem de recordação do corte de cana o que o senhor mais gostava, o que o senhor senti falta?

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Estes dias eu fui, minha sobrinha está cortando cana eu fui com ela, fiquei uns dias lá cortando cana, só que não era daquele jeito mais né, mais devagar (por ser já de idade), trabalhei uns par de dia com ela lá. Aí eu falei, num vô mais lá não. Sei que fui, eu não estranhei não, fui lá com rapaz de Cambará, um prestador, só que é mais devagar né. Sei que eles perderam tudo, ela trabalhou 45 dias e perdeu tudo, o cara não pagou, não foi só ela não, foi a turma inteira, uma turma de Andirá, uma turma daqui, perdeu, cortando cana pra Dacalda, mas ele que era o empreiteiro. Sei que ele sumiu com o dinheiro da turma e até hoje não receberam nada, isto foi ano passado. Tá na justiça, agora não sei o vai dar, eu mesmo não recebi nada, mas eu não posso ir atrás, sou aposentado né. Se falar que vai pagar todo mundo, aí eu vou buscar. Mas o que o senhor mais sente falta? Tenho vontade de trabalhar ainda. Mas não sei, na usina eu entro lá, mas num vou mais. E o que senhor recorda que foi legal, um dia? A num tem. E de ruim? E de ruim nada, mas quando eu aposentei eu estava trabalhando na Bandeirantes...

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Conversa com Zé Carlos e Iara Saímos em junho da Usina Bandeirantes e até agora não acertaram, ponhamos no sindicato e até gora não resolveu nada. Quanto tempo vocês estão trabalhando no corte? Ah faz tempo, é que gente sempre trabalho no corte depois sai, muda um pouco volta, Eu estou desde 88 (José), 88 não, 98, 97 é 88 meu primeiro registro foi na cana, 88, é isso mesmo. E sempre aqui na região ou Estado de São Paulo? A maioria da vezes é no Estado de São Paulo, Usina são Luiz, Agreste. Como safrista? É como safrista. Registrado. Notou alguma diferença de 88 para cá? Ah mudou muita coisa, principalmente segurança no trabalho, mudou pra melhor, principalmente EPI's, porque antes o pessoal cortava até de chinelo cortava cana, quando nós comecemo, hoje mudou bastante. E questão de salário? O salário também melhorou bastante, sempre por produção. E como era feito este pagamento? Normalmente dia 20 dão 40% adiantamento e no dia 5 o pagamento (60%). O pagamento é da mesma forma (uso do compasso), só aumentou o salário. E como funciona o pagamento por produção? Por produção é que você produz, se você ganhar R$ 50,00 por dia é somado todo dia e no domingo o descanso é pago também. E é do mesmo jeito, por quinzena, tem lugar que é por semana, quando é sem registro paga até por semana, mas... Mas na sua produção você confia em quer vai te pagar? É. Mas você não sabe quanto você cortou? Sabe, você pergunta pro fiscal quantos metro deu, ele te fala, talvez não sabe o preço do dias, mas no outro dia já tem o preço. Geralmente, todo lugar eles dão o talhãozinho, por exemplo hoje você cortou 1500 metros a R$ 0,30 aí você tem o talhãozinho. Mas neste preço é fácil ser enganado ou não? Ah mudou bastante, eles te dão o preço hohe aqui dai no dia de receber, depois que é moida a cana, pesada, daí da menos, geralmente as vezes da mais as vezes da menos, mas sempre dá menos. E ainda hoje a cana é a melhor saída, o melhor trabalho?

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Pra gente aqui é, ano passado chegamos a trabalhar na Agreste chegamos a ganhar quase R$ 4000,00 nos dois por mês. Agora aqui rala, fala pra você, ficar o dia inteiro em cima de uma moto pra ganhar R$ 40,00, R$ 35,00. No Paraná, não é bom o ganho não, tanto faz aqui (urbano) ou na roça, não é bom não. Estado de são Paulo é melhor. Mas na Agreste não tem mecanizada ainda? Tem, tem, mas ali tem muita cana né. Ano passado nós trabalhamos com 7 turmas lá, e é pequeno lá, não é tão grande não. Agora que eles estão fazendo pra açúcar, mas era só álcool. E com a cana o que vocês conseguiram? Ah bastante coisa, saímos de bastante dívida, agora nós paramos e volto de novo, porque só eu trabalho, a mulher não trabalha. Paramos em junho na cana, faz 7 meses. E vocês estão pra ser chamados, a turma de Jacarezinho? É, assim diz o empreiteiro, que nós trabalhamos com ele ano passado, peguei ele esses dias e diz ele que dia 20 era pra ele ir lá na usina que ia ter uma reunião pra ver se vai pegar ou não. Nós estamos na esperança de ir pra lá. Se chega amanhã e acaba o corte, qual o objetivo daí? Já pensaram nisso? Pior que não (silêncio). E quando começa a safra você já planejam o dinheiro? Se vai pensar em comprar alguma coisa? Sempre assim, sempre planejado. Primeiro objetivo é sair das contas que acumulou durante a parada, depois vai comprando as coisas. Esta televisão foi comprada mesmo, compramos até carro. E como é feito o trabalho de vocês? Quando a gente estava lá, que é mais longe, a gente acordava 4h aqui, levanta faz o almoço e vai, o almoço era 11h, no almoço se parava pra almoça e depois, as 14h era o café, depois tinha mais 30 min de café, e depois parava que era bem longe lá. E as leis eram cumpridas? As leis você fala? É? Por exemplo 11h é horário de almoço você tem que parar mesmo? Tem que parar, se você começa a trabalhar o fiscal já vem chama a atenção. Insalubridade não recebe? Não E chuva, pára? Para, e paga pela parada na chuva, aí paga pela chuva. Tem lugar que para, tem lugar que não para não, aí é só cana. Esta Usina Bandeirantes é só cana, se parava não pagava não.

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Normalmente é passado na integração o processo de transformar a cana em açúcar e álcool, vocês sabem como funciona? Na indústria você fala? É. Ah faz o açúcar e o álcool, geralmente é isto mesmo. Mas o procedimento de como se faz? Não, só o produto final. Eu mesmo nunca trabalhei dentro da usina, sempre no campo. E sobre a mecanização, você acha que é um problema? Pro trabalhador rural foi viu, porque tirou muita gente do serviço, muita turma. E pra eles, até pra usina foi ruim, porque a máquina corta e deixa toco desta altura assim, daí aquela cana não brota mais, ela seca, vai brotar uma outra do lado ali. Por exemplo na manual dá 5 corte, na mecanizada dá 3, estraga muita cana. Eles deixam mas dá fraca, outro ano dá mais fraca. Replanta mais rápido. E o que está fazendo este ex-cortador de cana? Pessoalmente esta turma que trabalhava com nós aí, está tudo colhendo laranja, tá com o Bacon, com o Serraia. Quando trabalhava em uma usina, precisou montar duas turmas, mas não conseguiu montar duas, male má 1 turma, o que você acha disto? A muita gente não gosta de trabalhar lá, o serviço lá é muito exigente demais, você não produz tanto, porque é muito, muito exigente demais com o serviço, quer que faz assim, tem que fazer daquele jeito, se corta aqui e tem que puxar a leira quase aí na parede, sem precisão porque a máquina pega que fica no chão, é rigoroso demais. Então muita gente não gosta, nós mesmo nunca trabalhamos na , já cortemo pra prestadora, sabe, pra fornecedora, pra ela nunca. Eu sei que eles não gostam do telefone, não sei se nas outras eles aceitam. Se não fazer o telefone se não faz nada. Aceitam, se não fazer não tem rendimento, porque se tem que levar pareio, olha pra você vê, se tá pegando aqui e tem que pular 5 sulco e pegar a quinta rua lá e jogar aqui. Então você levando 3 rua trabalha pertinho, e depois se pega duas e trabalha pertinho, não precisa se tá cruzando sulco, só anda em linha reta. Agora é ruim se levar 5 rua, tem lugar que as vezes o fiscal vem e fala que tem que levar pareio porque é cana de fornecedor,o cara é exigente, aí tem que levar pareio. Mas tem dia que cai 50% da produção cai, e muita gente desanima. E porque eles preferem eito pareio e não telefone? Isto que também não entendi até agora, serviço mal feito não é porque se tem que cortar do mesmo jeito. Tem uns que corta 3 pra e desponta e depois joga as duas em cima e quando vai desponta corta uns toco das outras, aí desperdiça, isto quando corta, as vezes nem corta, encobre de qualquer jeito e vai. Espera aposenta na cana?

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Ah, acho que não né, a gente só vai porque não tem outra opção mesmo. Ah quem sabe né, no futuro pertence a Deus né. Porque a sra. acha que não tem outra saída? Porque não tem né, pessoa que tem estudo aí está sem serviço, aí a gente que não tem piorou, é o que sobrou mesmo. Mas já tentou outra coisa, procurou? Aqui, certinho, aqui é só negócio de roça mesmo. Tem a Seara, mas se vai trabalhar na Seara o salário lá é o mínimo, trabalha viu. Este salário aí pra nós não dá, nosso gasto aqui é alto, aí o salário lá é mais, aí nós vamos lá. A gente deixa a usina aqui e vai lá, é 90 km, esta usina daqui paga mal. Aqui na região, no Paraná é fraco, porque na Bandeirantes é pior que aqui, lá é explorado, onde já se viu ganhar R$ 9,00 por dia, trabalhar o dia inteiro e ganhar R$ 9,00, R$ 7,00. E lá ganha quanto? Ah lá tinha dia que ganhava R$ 50,00, R$ 45,00. Quanta toneladas dá R$ 50,00? Ah não sei, é por metragem, a gente não baseia por tonelada, é metragem. Quanto metros dá? Depende o preço que paga. E este preço eles fazem em cima da tonelada da cana? Oh lá onde nós estávamos era por tonelada, se entrava na quadra e não tinha o preço cedo, daí passava o caminhão com o trator no meio da quadra pegava a cana ia lá pra usina pesava e via quanto que pagar a tonelada, quantas toneladas dava por alqueire pra saber quanto que ia pagar. Quanto mais pesada, mais pagava? É quanto mais pesada, mais pagava. Se você pega uma cana ruim, enrolada, seca que não tem peso, eles pagam por tonelada, acho que eles tinham que pagar pela dificuldade do corte. Porque as vezes se pega uma caninha de pé, leve se anda, se faz mil metros cedo, e na outra se bate o dia inteiro pra fazer 200, 300 metros, e chega e dá o mesmo tanto que se fez na outra por que nãot em peso. E o esforço é mesmo? Mais ainda, porque se tem que estar abaixando, as vezes a cana enraiza no chão se tem que tá arrancando do chão, ih rapaz é.... é complicado. E nos últimos anos, a sra. falou do gasto, a sra. acha que aumentou muito? Ah aumentou a família, aumentou o gasto. É gasto pra sustentar ou você compra outras coisas também? Ah inclui tudo junto. Hoje pode comprar muita coisa, melhorou por causa do salário. É por causa de benefícios, por exemplo bolsas?

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Não. Aqui a gente pega R$ 100,00. Mas não ajuda não, é básico. Não dá pra você contar com ele pra comprar alguma coisa. Questão de participação do governo, sindicato e tudo mais, qual é a opinião de vocês? Sindicato aqui, particularmente, não resolve nada, nada, nada. Bastante vez a gente contou com eles bastante vez, estamos contando, já entramos na justiça ali no sindicato, pra receber este dinheiro que trabalhamos na usina Bandeirantes, a turma inteira, e cada vez que a gente vai lá a mulher, a juíza tá viajando e não marcou ainda, já faz 6 meses, veja só. Fui lá semana passada e eles falaram óh a juíza tá viajando que nem eu falai pra vocês, mas pode esperar lá, que assim que marcar eu mando avisar, mas óh já vai fazer 7 meses já. Aí se vai desanimando, cada vez que vai lá, semana gora eu fui lá, ah tem que aguardar. E como você que entro na justiça tem mais gente? Ah tem umas 30 pessoas. E em dia de folga o que faz normalmente? Descansa né rapaz, mulher ainda trabalha mais limpando a casa, trabalha lá e trabalha aqui, mas geralmente descansa mesmo. Chega domingo você não nem vontade de sair pra lado nenhum, não tem nem vontade de ir pra casa de parente. Quando não tinha o tal de "dobra" lá em dia de domingo, a gente ia em todos. E com funcionava isto? Se trabalhava semana inteira se já ganhava no domingo, daí eles precisavam de cana e já avisava no sábado, amanhã se vim é 100% o preço da cana, não era obrigado a ir não, se você quisesse, só que ganhava bem e já vinha com o dinheiro no bolso. Pagava no dia, se você cortasse R$ 50,00 você ganhava R$ 100,00 era dobrado o preço da cana, o tempo que andava precisando, que andamos comprando umas coisa, nós íamos em todos, foi 7 a 8 meses, quase uma safra. No final pensou que eu estava lá para dar emprego.

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Conversa com Zé e o João Como que o sr. iniciou o seu trabalho envolvendo o corte de cana? Zé - Eu levava o pessoal pra cortar cana né, nas usinas aí. Como motorista ou agenciador? Zé - Eu era agenciador. E como que o sr. aprendeu? Zé - As usinas que nos encarrega, ela chama a gente no escritório pra fazer o contrato.r o pessoal pra trabalhar pra eles. E como que era o trabalho do agenciador? Zé - Era 40% do serviço do pessoal, 40% do bóia fria. E como que o sr. sabia que dava 40% (peso)? Zé - A fazenda chama a gente e já deixa certo já os 40%. Mas como o sr. sabia quanto dava, o peso? Zé - Não, nós não sabe. Eles não falam, eles não falam nada pra ninguém. Fazendeiro não fala nada pra ninguém, é tudo combinado com o sindicato, eles é uma quadrilha, tá entendendo? Os fazendeiro junto com o sindicato e óh na turma (ferro). Assim que é o negócio, eles pensa que o sindicato é a favor do pessoal, mas o sindicato não é a favor do pessoal, o sindicato é a favor do fazendeiro, tá entendendo? Por isso que dá zebra pro lado do pessoal, tá tudo parado aí, se o sindicato quisesse não deixava a máquina entrar na fazenda, na propriedade, o sindicato não deixava, né João? Maquiamento lá na usina Dacalda pra corta cana, tinha que por gente, porque que eles não fizeram isso? Na Usina Jacarezinho, porque que não fizeram isso? Não, tem que por a turma, tão ponhando máquina, tão tudo parado aí. O sindicato de Jacarezinho é fraco então? Zé - Não, o sindicato não é fraco, o sindicato é o seguinte, ele podia fazer isso, pro lado do povo né, ir contra a usina pra colocar o povo pra trabalhar. O que o sindicato fez de bom já? Zé - Pro povo aí? É? Zé - A não sei o que fez de bom, a única que eu sei que eles tinham que fazer é arrumar serviço. Sindicato é pra arrumar serviço pro povo. Se fecho pro lado do povo a usina acaba com eles né. Eles tem aquele negócio que recebe, que a usina paga pra eles, se você tiver 50 cara eu sei que tem que pagar uma taxa pro sindicato, convênio, convênio com as usina. E o que o cara ganha com este convênio aí? Zé - Nós empreiteiro não tem convênio com as usinas, com o sindicato, a fazenda pega nós pra trabalhar, mas é assim, nós tem que levar o pessoal só que por conta deles, pagamento eles que fazem, nós não mexe com nada, né João?

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Mas se estiver enrolando o senhor, então, nem fica sabendo? Zé - Ah se tiver que enrola eles enrola, agora mesmo eu to com um cheque frio de um filho da puta de um cara de Cambará faz 1 ano, não pago eu, nem a turma ele pago e cadê o sindicato foi lá atrás? Era pra te ido né? Ou não? O senhor recorreu ao sindicato? Zé - Já falei pra eles, num resolveu nada. E quanto anos o senhor já esta nesta lida? Zé - Ah faz tempo que to nesta lida, uns 20 anos que eu lido com este troço, agora que parou. Parou ou aposentou? Zé - Não, não parei ainda, só to esperando voltar. Só numa fazenda trabalhei 18 anos, Destilaria Ponte Preta, entrei em 88, antes eu dirigia, era motorista. Neste últimos 20 anos melhorou ou piorou, como que está? Zé - Tá mesma coisa. Não muda nada, só tá bom pro governo, se nós não trabalha nós não veve (vive), só depende de nós trabalha. Tem culpa da mecanização ou de outras possibilidades que estão surgindo? Zé - Se não tivesse estas mecanização aí na cidade nas usinas, o povo ganhava mais. Mas se o senhor precisasse montar 20 turmas como era naquele época, o senhor consegue? Zé - Montar 20 turma não monta não, aqui o cara monta 2 turma 3 turma, mas é muito aqui na cidade, se não tiver esse negócio de máquina. Não, não, e se não tivesse esse negócio de máquina, volta pro passado, o senhor conseguiria contratar 10 turmas? Zé - Não, não consegue, porque pro pessoal sair do lugar que tá fichado é difícil, e outra coisa que acabou com o povão é o negócio de bolsa, tanta coisa que o governo manda pra esse povo que, sabe como é que é? Bolsas benefícios? Zé - Mando essas coisa pro povo, pra por a máquina no lugar, é pra enganar o povo, tá entendendo? Dá "deiszão" pra você fica prado e põe outro no lugar, maioria do povo que tá parado veve deste negócio aí. Se sabe disto né? Ou não sabe? João - Zé, mas este negócio aí tem chuncho, esse bolsa família, tem cada nego rico aí, tem carro, tem casa, tem de tudo aí, tem o diabo. Tem um coitadinho aí que tem um punhado de filho e tá desempregado e vai lá faz o cadastro, recebe o cartão e vai lá recebe e tá cancelado, óh minha mulher pra você vê, faz 4 anos que tem o bolsa escola e até agora nunca pegou uma moeda de um centavo e falou to uma moeda de 1 centavo pra comprar uma bala pro seu filho chupar, não pega. Tem lazarento que é rico virado numa peste que vai lá e pega. Se já pensou que diabo. Olha lá em casa tem 4 que estuda nenhum pega 1 centavo. Eu sei rapaz, tem nego rico, não põe o pé no chão, nem pra caga a modo do outro, pega o carrão vai lá

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passa o cartão e recebe esse caraio aí, o pobre que tá desgraçado trabalhando de baixo de chuva e sol não recebe. E tem bastante gente assim? João - Viche, se vai lá no centrinho, em Ourinhos, se sabe onde é lá? Se vai lá, minha esposa foi estes tempos lá, se vê nego chegar de carro zerado lá, zerado vai lá. Zé - De Jacarezinho vai umas 500 pessoas buscar isto daí lá. João - Ainda paga "deiszão" de ônibus pra ir lá ainda, às vezes vai um coitadinho, pobrezinho não tem nem um chinelo pra calçar os dedos e num consegue pegar, aí vai o lazarento... Zé - Mas a comida que eles dão lá. João - Mas agora diminuiu bastante, de começo era boa, vem coisa boa, mas vem coisa ruim também. ZéB - Aquela comida ruim nem o cachorro come, eu sei que tem cachorro lá em casa, que comida ruim nem ele come. João - As vezes se vai lá tem carro zerado esperando lá, ele pega a compra dele vende pra outro, outro vai lá chega e vende a troco de pinga, agora vai um coitadinho de pobre lá e não consegue pegar. Como que é o trabalho do senhor? Agenciador, se fica ele dentro do ônibus e o fiscal toma conta deles. Ih rapaz numa fazenda que trabalhei no Estado de São Paulo, nunca vi uma fazenda desgraçada como aquela, olha rapaz perdi mais de 100 mil conto lá, não achei um direito, ninguém pra receber isso aí. Ainda pegou fogo dentro ainda, dois bujão pegou fogo lá. No ônibus? Não rapaz, na usina. Ah nos tanque. É nos tanque, lazarento, perdi mais de 18 anos trabalhando lá. João - Depois que inventaram esta máquinaíada de colhe cana, algodão, café, só falta inventa máquina pra colher laranja. Já tem já. A hora que inventar máquina pra colher laranja se vai ver só tanto de gente pra roubar. Zé - Já fizeram pra laranja? Que jeito?

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Expliquei como funciona, mesmo esquema da máquina de café. João - O pessoal vai daqui lá colher laranja, agora arruma esta maquianida pra colher, o chão lá plaininho, é um tapete, é difícil achar um lugar assim. Agora a máquina entra colhe tudo, agora fala uma coisa pra mim. Mas você está sabendo que aqui no Paraná não está tão forte a mecanização né? Sai 5h da madrugada aqui em Jacarezinho... João - 5 horas? 4 horas, 3 horas ela já está com caminhão pra poder ir trabalhar. Zé - Chega lá você é até arriscado a tomar um raio no meio da laranjeira. Pode estar chovendo tijolo se tem que colher laranja. Se sabe disto né? Sei, cana também, se lembra que morreu uma mulher de um raio aqui né, faz uns anos aí, João - Umas árvores mais altas que este ônibus aí. Zé - Eu levava numa fazendo pelo de nome de Fazenda Rafael Juliano eu levava... quem fundou a laranja aqui em Jacarezinho não foi estes caras aí não, foi eu. Eu que levava este pessoal pra colher laranja, tinha 60 pessoa que trabalhava comigo neste ônibus, tinha um banco assim no corredor, xará, que cabia umas 20 pessoas naquele banco, um bancão ali no meio. Tava cheinho de gente, ganhava 3 real por pessoa na época, livre de tudo, 3 conto por pessoa, foi indo, foi indo, foi indo até que fizeram um jeitinho de me enrolar e tiraro eu fora e colocaram eu assalariado. Tá entendendo, aí não ganhava mais nada, só pagava o motorista. Falei, sabe de uma coisa, falei vocês ficam com a sua laranja aí e a turma pra você que eu vô indo embora agora cedo. Ah! Pelo amor de Deus cara, espera chegar os caras lá da matriz de São Paulo pra conversar com você. Não, não vou esperar não, eu vô embora. Não, não, não aguenta lá que saíram 8 horas de São Paulo, 1h eles vão chegar na fazenda, onde é que eu tava lá. Aí combinemo deles acerta com nós, pra eu trabalhar mais uns dia, eles receberam, tirar o aviso né, sabe que eles bancaram o sem vergonha rapaz, bóia fria é foda mesmo meu irmão, sabe o que eles fizeram? Eu carente por eles, eles trabalharam 30 dias só venceu o aviso deles e continuaram tudo sem ficha, sindicato lazarento não foi nem lá. E quanta gente trabalha sem ficha aqui, se não tá sabendo? João - É o que mais tem. Zé - Tudo sem fichar na laranja. É sério. João - Sabe quanto deu, 1 ano, o acerto da minha mulher naquele barracão de Ibirajara trabalhando 1 ano? O Serraia pago pra ela, sabe quanto deu, tá certo que o salário do Estado de são Paulo é mais do que aqui, deu R$ 548, 90, 1 ano en, óh, vai tomar no centro do rabo. Zé - Se pegou quanto no acerto?

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João - Eu? Nem um centavo. Zé - Trabalho sem ficha, conta pro homem aí. João - Eu trabalhei dois anos sem ficha naquela... se for conta Zé todo o tempo de colhendo café pra ele, carpindo eucalipto, carpindo mexerica e colhendo mexerica dá mais de 4 anos. Zé - Falei pra você. Cadê o sindicato? Onde tá o sindicato? Eu carregava 200 e pocas pessoas, é 5 ônibus de gente, não tem a força de ninguém, ninguém ajuda a gente, fazendeiro deita e rola no peão aí, é sério. Óh! trabalhava numa usina boa, na Dail (Ibaiti), é lugar de trabalho, se você chegar com um cego lá, arrastando pelo braço e entrar no escritório, eles valorizam o cara, dá serviço pra qualquer um lá, ajusta todo mundo que vai lá trabalha. Arrumaro uma confusão aí óh, o sindicato entro por riba deles lá, eu ouvi falar que foi 1 milhão e 600 mil réis pro pau só aqui na cidade, aí o cara não pega mais eles, pega? Não pega, acaba com o cara. Tá entendendo? Aí não tem jeito, 1 mil e 600 é muito dinheiro, isto acontece lá e aqui pra cá. João - Sabe o que vai acontecer Zé, vai acabar o serviço do povo e vai todo mundo roubar, vai acontecer isto daí, se vai ver, vai chegar uma época que não tem serviço pra ninguém. Mas vai roubar de quem aqui? João - O nego sai daqui e vai roubar... Zé - Se tem quantos anos? Eu tenho 28. Zé - Óh eu tenho 2 idades suas, mais de duas idade sua, quer ver 28 anos atrás onde você tava? Eu não tinha nascido ainda. Zé - Que ano que é isso? 85. 85, eu tava na Damisa, Damisa era uma usina boa também, faliu também. A primeira vez que fichou o pessoal de lá, nossa, foi o sindicato, o sindicato obrigou a fichar eles lá, vieram aqui neste sindicato, era um tal de Jaime Micheleto, se ouviu falar? Um que era presidente do sindicato antes do Tiãozinho, eu lembro disto daí, eu tava no meio também, encheu de gente dentro daquele sindicato, mas quebraram tudo tava lá dentro, mas olha que bóia fria, se precisa de ver o que eles fizeram lá dentro do sindicato, não aceitaram que descontasse nada deles, tá entendendo? Não aceitaram que descontasse nada deles, eles ficaram bravos de descontas INPS

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estes negócios deles lá, sindicato, quebrou tudo, arrebentou tudo, precisa de ver que confusão eles fizeram na porta da delegacia. João - Tá certo, INPS é obrigação descontar, mas tem gente que desconta INPS teu se você se machucar lá no serviço, eu mesmo machuquei esse pulso lá no serviço, fiquei uns par de dia parado, pra tratar da mão que machuquei lá, não pagaram nem um centavo, se podia passar lá que dava atestado se não pagava nada, mas vinha descontado na folha de pagamento do INPS. Mas o povo não está indo mais lá reclamar no sindicato né? É? Melhorou alguma coisa? Pro povo está mesma coisa, se anda aí nas ruas se vê peão parado tomando uma cerveja, uma cachaça. E outra coisa quem tem aí, os caras vai para cadeia, os cara tem mais valor do que o povo que trabalha, sabia? João - Ele vai preso e ganha um salário, ganha o salário e manda pra mulher deles beber cerveja depois. Zé - Se viu como é que tá as coisas? Como é que tá este nosso governão aí, que beleza que nós estamos de governo. Se foi lá no sindicato eles falaram o que? Eles ficam falando do ambulatório? João - É, pelo menos lá pra médico é bom, mas tem que acordar 3 h da manhã pra pegar uma ficha lá, pra pegar a senha pra você pegar o seguro desemprego teu, 3h da manhã se tem tá á na porta do troço lá. 3 horas da madrugada. Mesma coisa de um posto de saúde, se não você não pega, porque tem a quantidade de gente, entendeu? Tem a quantidade de sempre, 8 9 . Ah! Então não é todo mundo que é atendido lá? João - Não. Zé - e o se João pra que foi atendido lá? João - Pra modo de atende pra dá entrada no seguro desemprego. João - Olha eu fui no médico estes dias, num tô falando do médico, que ele é muito bom pra atender, óh faz 3 meses que tem um coisa de água naquele hospital, no pronto socorro embaixo onde fica esperando pra chamar tua vez, tá lá encostado lá, nego vai seco pra beber água, mas não tem nada, não tem água, não funciona nada. Eu precisei chegar numa casa lá e pedir água pra mulher porque não tem água no hospital, lá dentro tem, pro se beber do lado de fora que se esperando tua vez ali não tem, água ali naquele negócio. Fala pra mim, cadê essa água? Aí se vai lá já é um "cú de anú" pra eles atende você ali, tem que ficar ali, falei pra mulher o dia que vier tem que trazer o almoço pra ficar aqui né, igual bóia fria, ainda a mulher olhou e falou é isto mesmo. Eles é muito bom pra atender você, mas depois que você entrou lá dentro, até você chegar lá dentro se já morreu de cede.

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Zé - O Jair Lavorato trabalhou muito anos na Usina São Luiz (Ourinhos-SP), não sei porque ele saiu de lá por bobeira dele. Ah porque ali não tá mais cortando gente né, é 100% mecanizada. Estado de São Paulo inteira né, é mecanizada, não tem mais cortador de cana no Estado de São Paulo. Por causa das máquinas, a máquina não tem 13º, não tem férias, fundo de garantia, num briga, num corre atrás dos outros com facão, tá entendendo?

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Conversa com Tião Qual a abrangência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais? Municipal Quem é o seu principal sindicalizado? Todos os associados faz parte da categoria, 250 sócios, este possuem direitos de votos, o restante são conveniados, são os trabalhadores rurais Há quanto tempo o Sindicato vem atuando na região? 45 anos, desde 1968 O sindicato exerce que tipos de trabalhos com o trabalhador rural, qual é a importância do sindicato para este trabalhador? Fiscalização das empresas através de convenções coletivas de trabalho e acordo coletivo. Além dos benefícios médicos, odontológicos, exames, jurídico. Considerando a Resolução SEMA Nº 076, de 20 de dezembro de 2010, que dispõe sobre eliminação gradativa da despalha da cana-de-açúcar através da queima controlada e, com isto, estabelecer que até 31 de dezembro de 2025, 100% (cem por cento) do total da área mecanizável de plantio da cana-deaçúcar não utilize mais a prática da queima e nas áreas não mecanizáveis, a utilização da queima controlada deverá ser eliminada até a data de 31 de dezembro de 2030, desde que exista tecnologia viável. Assim, como fica a situação do trabalhador do corte nos canaviais sem o uso da prática da queima? A profissão existirá até 31 de dezembro de 2030? Tem muito bicho peçonhento, espero que passe ( que a resolução não seja aprovada). Em uma breve pesquisa realizado no Ministério do Trabalho e Emprego através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, percebeu-se que o número de trabalhadores rurais da cultura da cana-de-açúcar está em declínio. Enquanto que em 2007 foram contratados 11370 empregados, em 2012 foram 3429, sem contar os trabalhadores irregulares. Do ponto de vista do sindicato qual é a principal razão para este êxodo dos canaviais? Procurar melhorias na cidade, melhoria de salário. A principal razão hoje é a mecanização? Como está sendo visto as "novas" ocupações que tem colaborado para este êxodo, como é o caso da construção civil? Meio a meio. Hoje em Jacarezinho tem-se 80% de mecanização (este dado não é real já que na usina pesquisada temos 40% de mecanização). Causa muitos desempregos, já que vem para a cidade e não encontram trabalho. Existe um trabalho realizado pelo sindicado junto com o governo municipal, estadual ou federal em realizar ações de políticas públicos para amenizar as dificuldades enfrentadas pelo trabalhador rural com o fim de sua atividade? Tem as Federações que depois repassam para o sindicato. O sindicato de Jacarezinho é representado pelo FETAEP (???).

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Qual o parecer do sindicato frente a Resolução SEMA Nº 076? A favor que se mantenha no campo. Tem que ter queima. (Claro que o Sindicato dos Trabalhadores não seria contra, óbvio). Caso seja contra: Porque o sindicato é contra esta proposta já que estamos falando de uma atividade que é "carregada" de um estigma de trabalho cruel, penoso e que não possibilita muitos benefícios a saúde e a rentabilidade do trabalhador? Porque não é só a cana que polui. Quais medidas realizadas hoje pelo sindicato visa melhores qualidades de trabalho dentro e fora dos canaviais? Segue as convenções coletivas do trabalho. Jé está "escrito" na cartilha, só seguir. É possível haver uma boa comunicação entre o sindicato, as empresas e o Estado, pensando nos benefícios do trabalhador rural em nossa região? Caso sim: Como? Caso não: Porque? Sem problemas, o bom relacionamento vem pelas confederações. Com a aprovação e, consequentemente, a aplicação da Resolução SEMA Nº 076, qual é o futuro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho? Fechar as portas. Vamos pedir a Deus, primeiramente, protegido e bem amparado (em um primeiro momento a resposta foi imediata que fecharia as portas, mas depois solicitou que não colocasse esta resposta, e sim, em referência a Deus que não irá ser aprovado a resolução). Hoje, a ação é em benefício do trabalhador rural e em manter a estrutura do sindicato rural, como conciliar? Qual a principal ponto a ser pensado e de atuação? Dando assistência jurídica, odontológica e médica, social (sindicato como assistencialista a saúde).

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Conversa com Celso Qual a abrangência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais? Município de Jacarezinho. Quem é o seu principal sindicalizado? Temos o associado e o conveniado: o associado tem o direito a voto, a ser votado e a votar para fazer parte da diretoria do sindicato. Para sobrevivermos fizemos este convênio, outra modalidade que foi criada para manter a sobrevivência do sindicato, porque é difícil a conscientização para poder sindicalizar o trabalhador, então fazemos convênios com as empresas, os empregados autorizam o convênio, e nos repassam o dinheiro em detrimento (não é certeza esta palavra) médico, odontológico. Há quanto tempo o Sindicato vem atuando no município? Desde 1968 nós somos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho. O sindicato exerce que tipos de trabalhos com o trabalhador rural, qual é a importância do sindicato para este trabalhador? Conscientização dos direitos, a fiscalização das condições de trabalho, fornecimento de EPI's pela empresas ou empreiteiros que contratam, isso e tudo mais, o registro em carteira que é uma prioridade, desde 84 pra cá que começamos uma campanha "violenta" em cima disto aí, não temos ninguém trabalhando sem registro e quando temos vamos "em cima". E como o governo deixou uma lacuna em relação ao atendimento médico nós preenchemos esta vaga, como você pode ver temos exames laboratoriais, consultas médicas, odontológica, acabamos realizando este tipo de assistência ao trabalhador rural. Escutei boatos que em Cambará temos trabalhadores de terceiro ilegais? Cambará é complicado, a região é complicada, mas é aqui que tá. Se bem que não faz parte da abrangência do sindicato. Não faz, mas as vezes eles pegam um trabalhador daqui para levar em outra região para trabalhar ou as vezes eles trazem gente de Cambará ou Andirá para trabalhar aqui, onde nós vamos lá e autuamos eles, este é o problema. Esta fiscalização é feita nas empresas da cidade ou nas pessoas que habitam a cidade? O trabalho realizado no município de Jacarezinho, pode ser empresa de fora mas que vem trabalhar aqui, nos fiscalizamos e autuamos. E pode ser de pessoas que moram fora... Também, também, estes dias teve uma turma que veio lá do... (momento interrompido pela presença de uma mulher solicitando os benefícios do sindicato). Considerando a Resolução SEMA Nº 076, de 20 de dezembro de 2010, que dispõe sobre eliminação gradativa da despalha da cana-de-açúcar através da queima controlada e, com isto, estabelecer que até 31 de dezembro de 2025, 100% (cem por cento) do total da área mecanizável de plantio da cana-de-

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açúcar não utilize mais a prática da queima e nas áreas não mecanizáveis, a utilização da queima controlada deverá ser eliminada até a data de 31 de dezembro de 2030, desde que exista tecnologia viável. Assim, como fica a situação do trabalhador do corte nos canaviais sem o uso da prática da queima? Pois é, prevendo isto daí já, nós temos uma escola de informática que é para os filhos dos cortadores de cana e pros próprios cortadores de cana terem uma visão diferente da realidade que está se adensando. Porque os próprios filhos dos cortadores de cana não querem fazer o que os pais faziam, tanto é que há uma dificuldade em contratar cortador de cana, embora o pessoal acha que é a máquina que está expulsando do campo, é o contrário, os filhos dos cortadores de cana não querem mais saber de cortar cana, querem saber de outras profissões, por isso nós temos a escola de informática pra ajudar nesta nova profissão. Tanto é que os filhos dos cortadores de cana estão se tornando motoristas, mecânico, indo pra outras áreas que não seja o corte de cana, operador de implementos agrícolas, a própria colheitadeira ou outro tipo de trator, ou implemento, ou outro tipo de caminhão. E isto é uma coisa natural, como o próprio trator substituiu as enxadas, o corte de cana será substituído pela máquina, isto é óbvio, é a realidade e não tem como voltar atrás, isto também porque é mais correto, porque é muito desgastante o corte de cana, então é natural isto dai. Então no ponto de vista jurídico, na qual o senhor faz parte, a profissão existirá até 31 de dezembro de 2030? Não teremos extinção, porque vai ter a mão de obra rural, vai ter que ter, isto é imperativo, menos mas vai ter que ter. Porque você pega uma Usina Jacarezinho (hoje Grupo Maringá, mas fica na memória das pessoas de Jacarezinho seu nome antigo), a metade das terras de Jacarezinho pertence a Usina Jacarezinho, tem uma grande quantidade de terras, o relevo é diferente também, tem o plantio mecanizado, mas o manual ainda é o melhor, tem gente ainda no plantio. O corte de cana, embora tenha o mecânico, o manual ainda é melhor, por que é melhor? Porque no manual ela dá sete rebrotas, no mecanizado no máximo duas ou três, já sai "ralinho", e o plantio para refazer esta lavoura de novo custa caro, então nós sempre... e dependendo do solo nós temos a compactação do solo mecanizado, temos muito disto aí. Então vai ter, sempre vai ter, problema é arranjar gente para trabalhar, este é o problema nosso ultimamente, porque até pro café está difícil conseguir, então esta é a dificuldade. Então é que tem gente saindo daqui para trabalhar nas lavouras de laranja no Estado de São Paulo, porque lá não encontram gente para trabalhar. E muita gente não quer mais saber do corte de cana, porque na laranja o serviço é mais leve, ganha mais também, o único problema é o deslocamento, é uma hora e meia ou duas para chegar até lá e mais duas para voltar, são quatro horas, este é o problema, se não fosse isto o pessoal não queria mais saber do corte de cana não. Existe uma preocupação e um trabalho com as empresas e governo frente a mecanização dos canaviais? A nossa preocupação é profissionalizar esta mão de obra, o governo não tem interesse nenhum, infelizmente o governo largou nas nossas mãos. E as empresas tem consciência sim, porque as próprias empresas, estou falando das grandes empresas que é a Usina Jacarezinho e a Dacalda, que nem mecânico de implemento agrícola, não se acha, então eles estão treinando os próprios cortadores

199

de cana para trabalhar nesta área e os filhos deles para trabalhar nesta área (isto não é realizado pela Dacalda, pois todos os cortadores de cana da usina não reside em Jacarezinho, assim não é possível serem contratados pela falta de condução até o local de trabalho. No início deste ano, foi publicado uma notícia no jornal de SAP, sobre esta qualificação, é apenas um único caso que a Dacalda está arcando com seus gastos de transporte), inclusive refrigeração que você pega este caminhões modernos que tem agora, todos eles tem ar-condicionado dentro, você não consegue achar gente para mexer nisto daí, as próprias empresas estão em treinamento para este pessoal, é uma opção para o cortador de cana (na Dacalda os únicos cursos para os cortadores de cana são: Corte de cana motivacional, Corte de cana básico e Corte de cana avançado em parceria com o Senar). Por isso nós fizemos esta escola de informática, para o pessoal entender de informática, porque hoje tudo é informatizado, assim o pessoal tem uma noção de como é que mexe com equipamento eletrônico. Intromissão do presidente (Tião): aqui trabalhamos na parte jurídica, assistencialismo (conforme já foi dito, o trabalhador é conveniado, ele paga pelo convênio), o assistencialismo do governo... vai nos postos de saúde para você ver como funciona, vem na parte da manhã para você ver como é. Eu vim na semana passada na parte da manhã e vi como é cheio de gente. Ah! então, depois que reformou lá embaixo, você passou por lá? Ainda não. Agora está reformadinho, está atendendo agora, graças a Deus. Em uma breve pesquisa realizado no Ministério do Trabalho e Emprego através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, percebeu-se que o número de trabalhadores rurais da cultura da cana-de-açúcar está em declínio. Enquanto que em 2007 foram contratados 11370 empregados, em 2012 foram 3429, sem contar os trabalhadores irregulares. Do ponto de vista do sindicato qual é a principal razão para este êxodo dos canaviais? Não é êxito, que nem eu falei... que nem, você pode constatar, quem está na lavoura de cana: homens são os mais velhos, mulheres geralmente com filho, porque precisam, não acham, último recurso que tem e pessoal de idade no corte de cana que gostam, pegam afinidade. Mas os jovens não querem mais saber do corte de cana de jeito nenhum. Intromissão do presidente (Tião): O cara que corta cana não colhe café, o que colhe café não corta cana, o que colhe laranja não corta cana nem colhe café, então ele não sabe, tem gente que sabe abanar café, mas não sabe colher laranja e o que sabe colher laranja não sabe abanar café. Que nem o exemplo que sempre dou é o Sebastião (presidente do sindicato). O Sebastião cortava cana, colhia café, até pouco tempo atrás ele era funcionário da Fazenda Flora, cuidava da parte da cana... Intromissão do presidente (Tião): De tudo a gente fazia um pouco. (Contradição em tudo que falou logo acima).

200

Então pergunto para você: pergunta se os filhos querem fazer o que o pai deles fez? Não quer, então é esta dificuldade que nós temos... Intromissão do presidente (Tião): Mas se nós "tivésse" morando no campo e o governo desse estrutura pra gente ficar no campo, então, o que acontecia, hoje meus filhos estaria no campo, criando a família deles, os netos estaria também. Então, como o pessoal vem tudo morar nas periferias da cidade... e quando você morava no campo, as crianças com oito, nove anos de idade já começava a cuidar da criação de galinha, criação de pequenos animais, plantava uma "hortinha", sempre tinha coisa para fazer, na cidade o pessoal é proibido de trabalhar na zona rural antes dos 18 anos, então é onde o pessoal fica em casa e depois de 18 anos quem vai querer saber de zona rural, ninguém vai querer saber. Há esse declive também pela mecanização, mas eu acredito mais que o jovem não quer mais saber de zona rural, a gente constata isto dai. A principal razão hoje é a mecanização? Não é mecanização, eu não vejo, nós não vemos que é a mecanização, mesmo porque nós temos que criar a mecanização para o trabalho rural, por que? Porque demanda esforço, há estudos que comprovam que o esforço do cortador de cana é quase que como o esforço de um maratonista pra correr a maratona de 42 km, então na prática o cortador que corta cana faz uma maratona por dia que ele corre, o desgaste físico é muito grande. É por isso que os filhos não querem mais saber da profissão do pai. Como está sendo visto as "novas" ocupações que tem colaborado para este êxodo? Nós estamos correndo atrás. Não só da parte do sindicato de correr atrás de novas ocupações, mas as novas ocupações que estão surgindo, por exemplo, da construção civil? Pois é, para nós aqui a construção civil é irrelevante, que é muito pouco, a gente tem conhecimento aqui que o pessoal vai para servente de pedreiro, os acidentes que acontecem aqui são pequenos, não é o que acontece nos grandes centros que nos prédios de lá, o pessoal despenca morre. O que a gente sabe é que o trabalhador rural vem para servente de pedreiro, constrói casa, cada um tem sua casinha. Existe um trabalho realizado pelo sindicado junto com o governo municipal, estadual ou federal em realizar ações de políticas públicos para amenizar as dificuldades enfrentadas? Não, o poder público não, porque tem as Federações, mas com o sindicato nada, não fomos procurados por ninguém. Qual o parecer do sindicato frente a Resolução SEMA Nº 076? Como somo a parte, a ponta mais fraca, temos que aceitar e criar soluções, porque questão ambiental isto é óbvio, tinha que parar de queimar a cana. E cortar cana sem queimar é realmente complicado, muito risco para o trabalhador e para a empresa também não compensa economicamente. Que uma cana queimada o cortador deslancha, corta rapidinho 7, 8, 10 toneladas por dia, um cortador médio, na cana (sem queimar) não chega nem 1/3 disto daí. É risco com animal

201

peçonhento, cobra, vespas, abelhas, é complicado. E corte também, vai ter que ter mais equipamento, pois a folha da cana tem um mineral que é como uma lâmina, corta. Por isso tem que entender por que a queima da cana. Quais medidas realizadas hoje pelo sindicato visam melhores qualidades de trabalho dentro e fora dos canaviais? É conversas, sempre tem o pessoal aqui no sindicato, orientando da melhor maneira possível, questão de higiene, questão de saúde, dar uma vida melhor para o trabalhador. É possível haver uma boa comunicação entre o sindicato, as empresas e o Estado, pensando nos benefícios do trabalhador rural em nossa região? Caso sim: Como? Caso não: Por quê? Acredito que sim, com as empresas nós temos um bom contato e sempre procuramos resolver o problema do trabalhador. Com o governo, sem contato algum, é difícil, o governo lança (a lei) e acabou. O governo vive uma realidade totalmente diferente com o que acontece aqui, tomam umas decisões lá sem avaliarem as consequências, e nós temos que procurar solução. Com a aprovação e, consequentemente, a aplicação da Resolução SEMA Nº 076, qual é o futuro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacarezinho? Estamos sempre procurando alternativas (risos), não podemos ficar parados, sempre procurando alternativas: convênio médico, hospitalar com as empresas é uma delas. As empresas irão precisar de operador de máquina agrícola que faz parte da nossa categoria, motorista que também faz parte da categoria. Temos que sobreviver de um jeito ou de outro. Hoje, a ação é em benefício do trabalhador rural e em manter a estrutura do sindicato rural, como conciliar? Qual a principal ponto a ser pensado e de atuação? Esta lei é apenas específica para a lavoura da cana, no nosso município aqui, tem outras alternativas e tem o pequeno proprietário que sempre está se diversificando a lavoura, o cultivo. Eu acredito que logo, logo teremos a laranja em nossa região, porque em Uraí abriu uma fábrica de suco de laranja. Se percorrer por aí, você vai encontrar pequenos sítios abandonados e tem que fazer terra produzir, sempre vai ter alternativas. Gado, o gado, é complicado, realmente expulsa o trabalhador, coloca 1 trabalhador para cuidar de 1000 cabeças de gado, isto sim espanta o trabalhador. Mas nós temos aqui o abacate que precisa do trabalhador, banana tem que ter mão de obra, não tem como mecanizar, o próprio café que estamos tendo agora, com o aprimoramento dos grãos, tem que ser colhido manualmente. Granjas de frango nós temos várias, que necessita de mão de obra. Nestas áreas abandonadas, nestes sítios que o senhor comentou existe um trabalho de reforma agrária? A reforma agrária é em grandes fazendas, como nos tivemos aqui a Fazenda Laranjal que tem dois grandes assentamentos, não temos contato com o pessoal, porque eles vêm de fora, do sudoeste. Na época a prefeita Tina Tonetti (2005 2012), do PT (tom de ironia), trouxe este pessoal pra cá, e hoje está lá abandonados, o governo o abandonou lá, muitos já foram embora, muitos que conseguiram os lotes já venderam e foram embora.

202

A minha parte era esta, não sei se o senhor tem algo a acrescentar? O problema todo, na nossa região, não é a mecanização, mas os filhos não querem ter a profissão dos pais.

203

Gráficos, tabelas e figuras

Gráfico 08. Números de trabalhadores rurais empregados na usinas no período de 2002 a 2013, por sexo 1200 1068 1017

1008

1000 887 800 733

746

789

774 678

600 457 400

420

447

200

0 2002

2003

2004

2005

2006

2007

Masculino

2008

2009

Feminino

2010 Total

2011

2012

2013

204

Gráfico 09. Números de trabalhadores rurais empregados na usinas no período de 2002 a 2013, por idade 250

200

150

100

50

0 2002

18 a 23

2003

2004

24 a 28

2005

29 a 33

2006

34 a 38

2007

2008

39 a 43

2009

44 a 48

2010

49 a 53

2011

54 a 58

2012

2013

> 59

205

Tabela 09. Números de trabalhadores rurais empregados na usinas no período de 2002 a 2013, por sexo e idade

2002 Masculino Feminino

2003 Masculino Feminino

2004 Masculino Feminino

2005 Masculino Feminino

2006 Masculino

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

93 24

93 40

88 47

89 39

61 29

49 16

33 5

14 3

10 0

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

88 33

100 46

76 36

76 44

61 31

57 14

34 9

25 4

12 0

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

126 23

91 44

90 34

89 42

66 34

59 10

38 8

23 2

9 1

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

107 23

87 48

75 45

85 44

72 36

60 20

37 8

17 0

9 1

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0

151

101

87

107

86

63

59

24

7

Total Geral 530 203 733 Total Geral 529 217 746 Total Geral 591 198 789 Total Geral 549 225 774 Total Geral 685

206

Feminino

2007 Masculino Feminino

2008 Masculino Feminino

2009 Masculino Feminino

2010 Masculino Feminino

2011

0

12

37

36

49

40

18

8

1

1

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

179 18

121 40

106 51

113 42

102 52

79 22

77 12

34 2

17 1

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

131 27

129 57

106 63

93 43

86 45

69 32

57 9

35 4

20 2

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

122 30

110 54

104 59

91 51

86 49

79 43

55 14

40 6

22 2

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

49 16

55 29

80 30

65 44

64 33

55 34

50 15

30 8

19 2

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

202 887 Total Geral 828 240 1068 Total Geral 726 282 1008 Total Geral 709 308 1017 Total Geral 467 211 678 Total

207

Geral Masculino Feminino

2012 Masculino Feminino

2013 Masculino Feminino

0 0

30 5

39 12

47 17

47 28

58 22

36 24

35 16

25 5

9 2

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

32 9

39 9

43 22

50 25

50 25

30 16

27 9

20 4

10 0

< 18

18 a 23

24 a 28

29 a 33

34 a 38

39 a 43

44 a 48

49 a 53

54 a 58

> 59

0 0

33 7

32 13

46 20

47 29

55 28

32 15

32 13

25 6

13 1

326 131 457 Total Geral 301 119 420 Total Geral 315 132 447

208

Figura 05. Índice de residências dos trabalhadores rurais nos bairros de Jacarezinho-PR

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