O trabalho de campo no ensino e aprendizagem da Geologia: uma aula de campo na Serra do Marão

July 23, 2017 | Autor: G. Correia | Categoria: Teacher Education, Fieldwork, Science teacher education, Teaching Geology
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O TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA GEOLOGIA: UMA AULA DE CAMPO NA SERRA DO MARÃO Gina M. Pereira Correia | Escola EB 2,3/S Dr. José Leite de Vasconcelos, Tarouca | [email protected] Celeste R. Gomes | CGUC, Centro de Geofísica e Departamento de Ciências da Terra, FCTUC, Coimbra | [email protected]

Resumo O ensino da Geologia pressupõe o recurso a estratégias como as aulas de campo. As vantagens são inúmeras e conhecidas, no entanto, os constrangimentos e condicionalismos nas escolas também são uma realidade. O exemplo que aqui se apresenta realizou-se com alunos do 12° ano de escolaridade na disciplina de Geologia. Esta estratégia promove o desenvolvimento, interesse e motivação pelos conceitos geológicos que, recorrentemente, os nossos alunos identificam como desinteressantes, estáticos e sem 'vida'. A aula de campo foi organizada seguindo a orientação do modelo de Orion e incluiu uma fase de preparação, anterior à aula de campo, e uma fase de síntese, numa etapa posterior. Palavras-chave:Trabalho prático, aula de campo, ensino da Geologia.

1. Introdução Os curricula das disciplinas das Geociências incluem a necessidade de desenvolver um trabalho prático (TP) para além do ensino teórico e livresco. Em particular, para o ensino dos conteúdos da Geologia, salientamos a importância das aulas de campo. Contudo, a rotina nas escolas nem sempre espelha esta necessidade, evidenciando-se, por vezes, uma clara resistência por parte dos docentes. Orion (2001) explica esta situação assegurando que existem conflitos de interesses entre as necessidades educativas e as dificuldades administrativas ou pessoais. As dificuldades de ordem financeira, os condicionalismos legais ou a rigidez dos horários das escolas, apresentam-se como obstáculos administrativos com os quais os docentes têm permanentemente de lidar durante a preparação e a realização de uma aula de campo. O mesmo autor refere, como dificuldades pessoais, a falta de confiança que os professores têm em leccionar no espaço exterior à sala de aula, apreensão que se deve ao facto de nunca terem aprendido a ensinar em ambientes exteriores. A Serra do Marão apresenta-se como um dos relevos mais imponentes da região norte, pelo que constitui um importante pólo de atracção didáctica dirigido à população estudantil de todos os níveis de ensino, nomeadamente aos discentes de Geologia do 12 ano de escolaridade. o

2. Objectivo Com este trabalho pretendemos dar a conhecer uma aula de campo que, seguindo as orienta-

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O TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA GEOLOGIA: UMA AULA DE CAMPO NA SERRA DO MARÃO ções do modelo de Orion, se revelou uma estratégia apelativa e motivadora para o ensino da Geologia.

3. Enquadramento teórico Segundo Hodson (1988), oTP inclui o trabalho de laboratório (TL), de campo (TC) e experimental (TE), ou seja, incorpora todas as actividades nas quais os discentes envolvem simultaneamente o domínio psicomotor, cognitivo e afectivo. O mesmo autor define TL como aquele que se realiza num laboratório ou numa sala de aula normal, utilizando materiais de laboratório e na ausência de condições especiais de segurança. O TC surge como o que envolve actividades de exterior à sala de aula (Orion, 2001) (estando nele incluídas as aulas de campo, as visitas a museus e a jardins, etc). Na mesma linha de pensamento, Dourado (2001: 14), afirma que "o critério principal para assumir uma actividade como laboratorial ou de campo diz respeito ao local onde a mesma se desenvolve ". Por último, o TE pode decorrer em qualquer espaço físico, ou seja pode ser laboratorial ou de campo, desde que envolva o controlo e a manipulação de variáveis (Hodson, 1988). A vertente prática no ensino das ciências, nomeadamente da Geologia, não deve ser exclusivamente laboratorial. A complexidade dos processos geológicos, nos quais se destacam a escala temporal e espacial, torna impossível a sua total reprodução num laboratório. Assim, importa fazer com que os alunos entendam a importância do TC, como complementar ao TL e à investigação teórica, com o objectivo final de promover uma compreensão efectiva dos processos geológicos (Ruivo et ai, 1995). Embora o valor e as vantagens do TC, para o ensino das Ciência Naturais, já tenham sido reconhecidas há algum tempo, esta valorização não se tem reflectido no seu uso pelas escolas (Orion, 1993). São várias as vantagens apresentadas por diversos autores. Assim, Orion e Hofstein (1991) referem estudos nos quais alunos participantes em actividades de trabalho de campo apresentam maiores capacidades de observação, memorização e de relembrar factos. Na mesma linha de pensamento, Orion (1993) afirma que as experiências directas com os processos e materiais concretos ajudam à construção de conceitos, favorecendo a sua memorização. Ainda, Leite e Santos (2004:1) reconhecem que oTC "apela ao cruzamento das diferentes ciências para a compreensão da realidade, estimula a tomada de iniciativa e a tomada de decisão". Mais recentemente, e referindo-se ao trabalho fora da sala de aula, Marques e Praia (2009:23), afirmam que "possibilita uma mais fácil aproximação do aluno com o contexto natural"e sem o TC "o aluno sentirá mais dificuldade no seu processo de aprendizagem".

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Assim, o TC ou as chamadas aulas de campo, e por vezes também designadas por "visitas de estudo"(Freitas, 2001), ou ainda,"viagem de campo"(Orion, 1989,1993 e 2001), ocorrem muitas vezes no final da leccionação de um determinado conteúdo, sendo vulgarmente consideradas como uma recompensa para os alunos (Orion, 1989).

3. Metodologia A planificação da aula de campo apresentada neste trabalho seguiu, como anteriormente referido, as orientações propostas no modelo de Orion, contemplando inicialmente a fase de preparação, seguida pela aula de campo e, por fim, uma fase de síntese. Os alunos, num total de 17, pertenciam ao 12 ano de escolaridade de uma turma de ensino regular, com a opção de Geoloo

gia, e a aula decorreu no final do terceiro período para sistematização de conceitos leccionados ao longo do ensino secundário. A avaliação da actividade consistiu no registo, em grelhas de observação de aula, que, conjuntamente com os relatórios individuais elaborados pelos alunos, foram considerados para a avaliação desta actividade.

Fase de Preparação A fase de preparação foi sendo desenvolvida ao longo das aulas, nas quais os discentes foram realizando aprendizagens dos conceitos que posteriormente observaram e interpretaram durante a aula de campo. Embora não tenham sido os alunos a construir o Guia de Campo, foi feita uma análise prévia das estações, bem como a visualização de imagens fotográficas destas e a identificação do percurso no site do Google Earth, de modo a familiarizar os alunos com a área da futura aula de campo, numa tentativa de minimizar o "espaço novidade" . Os discentes foram informados da necessi1

dade da realização de um relatório individual da visita, facto que os incentivou à efectivação de uma pesquisa bibliográfica prévia à aula de campo, com orientação da professora. Nesta etapa os discentes foram ainda prevenidos para o tipo de vestuário a usar , para as regras 2

básicas de segurança em qualquer saída para o exterior, tais como não dispersar do grupo e acatar as orientações dos professores acompanhantes. Foram-lhes transmitidos certos princípios éticos de actuação do geólogo no campo, em especial, a grande contenção na destruição de afloramentos e colheita de amostras. 1

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Orion(1989,1993e 2001); Roupa, calçado confortável e chapéu para proteger do sol.

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Aula de Campo Durante a saída de campo, os alunos, munidos do "Guia da aula de campo" e da caderneta de campo, seguiram o itinerário, num percurso de cerca de 4,5 km, atendendo sempre aos aspectos que deveriam ter em conta em cada uma das estações (Fig. 1). A docente foi um elemento fundamental na orientação das tarefas a cumprir, entre as quais a recolha de elementos essenciais à integração posterior no relatório da aula de campo como, por exemplo, o registo fotográfico e a recolha, acondicionamento e identificação de amostras de mão.

Fase de Síntese De volta à escola, seguiu-se a observação, identificação e preparação das amostras recolhidas, bem como a reflexão, em contexto de sala de aula, sobre o trabalho desenvolvido. Foram identificadas as vantagens e constrangimentos com que os participantes se depararam. Como constrangimento saliente-se o intenso calor que se fez sentir, agravado pela falta de locais abrigados para almoçar e descansar. No entanto, o contacto in situ com os objectos geológicos tradutores dos conhecimentos construídos através das aulas e manuais e/ou a motivação pelos conhecimentos geológicos, foram unanimemente destacados pelos alunos, quer nesta fase, quer no testemunho deixado durante a elaboração dos relatórios da aula de campo.

Figura 1: Itinerário com a localização das estações (adaptado de Coke, 2006) e imagens obtidas durante a aula de campo: a) sedimentos mal calibrados resultantes da erosão das rochas; b) Exemplo de dobras em rochas quartzíticas; c) Afloramento de rochas metamórficas onde são visíveis veios de quartzo que interceptam as primeiras.

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4. Conclusão Em concordância com Orion e Hofstein (1991), Orion (1993), Ruivo et ai, (1995) e Leite e Santos (2004), ficou mais uma vez provado, com a realização da aula aqui apresentada, que as aulas de campo se revelam uma estratégia fundamental para a compreensão e motivação dos discentes para a educação em Geologia. Salienta-se ainda a importância de aproveitar a Geologia da região em que a escola está inserida para a realização destas actividades, bem como o recurso à planificação de aulas de campo seguindo as orientações propostas por modelos organizados, como o de Orion, que se configura adequada e uma metodologia que envolve os discentes na actividade. Pese embora os constrangimentos com que os docentes se deparam nas escolas, nomeadamente os logísticos e os financeiros (Orion, 2001), as aulas de campo afiguram-se como uma estratégia com vantagens significativamente superiores aos constrangimentos. Pois, na linha de pensamento de Marques e Praia (2009), acordamos que esta estratégia promove um envolvimento mais efectivo no processo de aprendizagem e no trabalho cooperativo entre alunos e melhora a relação destes com o professor.

Agradecimentos Um agradecimento ao Senhor Professor Doutor Carlos Coke, da UTAD, por toda a ajuda prestada na consecução desta aula de campo, nomeadamente, por ter disponibilizado o esboço geológico do itinerário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COKE, C. (2006). Livro Guia para uma excursão geológica à Serra do Marão - Textos de apoio à saída de campo. Vila Real: Departamento de Geologia da UTAD. DOURADO, L. (2001) - Trabalho Prático (TP), Trabalho Laboratorial (TL), Trabalho de Campo (TC) e Trabalho Experimental (TE) no Ensino das Ciências - contributo para a clarificação de termos. In Veríssimo, A.; Pedrosa, M.; Ribeiro, R., Ensino Experimental das Ciências. (Re)pensar o Ensino das Ciências. Depart. do Ens. Sec, Ministério da Educação. Lisboa: 13-18. FREITAS, M. (2001) - O Trabalho Prático (Laboratorial e de Campo) na Promoção de Áreas Transversais do Currículo (Área Projecto/Projecto Tecnológico). In Veríssimo, A.; Pedrosa, M.; Ribeiro, R., Ensino Experimental das Ciências. (Re)pensar o Ensino das Ciências. Depart. do Ens. Sec, Ministério da Educação. Lisboa: 75-87. HODSON, D. (1988) - Experiments in science and science teaching. Educational philosophy and

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