O transbordamento da paz na Colômbia

June 29, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Colombia, South and Central American Politics
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QUINTA-FEIRA, 22.05.2014

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS* O transbordamento da paz na Colômbia

A

s notícias que chegaram de Havana são animadoras. O governo da Colômbia e os guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) avançaram a um estágio importante nas negociações para um acordo geral sobre o fim do conflito que já dura 50 anos e deixou milhares de mortos e desaparecidos. Antes do terceiro ponto acordado na última semana, sobre drogas e narcotráfico, acordos parciais sobre participação política e propriedade fundiária foram atingidos, no entanto, ainda estão pendentes duas questões acerca dos direitos das vítimas do conflito e do efetivo fim da guerra civil. Pelo menos três aspectos orbitam esse processo e merecem atenção. O primeiro toca às instituições colombianas (no momento, as eleições presidenciais são o ponto máximo), o segundo tem relação direta com a paz na América do Sul, e o terceiro é central no combate ao tráfico internacional de drogas - todos estão umbilicalmente ligados. Desde o último dia 20 de maio até o próximo dia 28 as

Farc e o Exército da Libertação Nacional (ELN) declararam cessar-fogo, como ato de boa fé durante o período de eleições majoritárias no país. Com isso, o processo eleitoral colombiano se transmuta em um referendo no qual se avaliam as posições dos candidatos para com as negociações de paz. O atual presidente Santos aposta alto no diálogo com a guerrilha. De modo diferente, Óscar Iván Zuluaga, candidato apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, condiciona o processo a uma punição aos líderes do movimento. Os benefícios de uma Colômbia pacificada são óbvios ao país e a seus vizinhos, mas não tão evidentes ao resto do mundo. Explico. Durante o último encontro, os paramilitares declararam que a partir da confirmação de um acordo de paz irão se distanciar completamente do narcotráfico. As principais fontes financiadoras de suas atividades são um “imposto de guerra” cobrado sobre os produtores de folhas de coca e o tráfico internacional de cocaína. Portanto, com o rompimento com os narcotraficantes, as Farc cessam sua fonte de receita, avançando à desmobilização total de suas forças - raciocínio simples: sem dinheiro não há como manter a máquina de guerra. Também, quebram a espinha dorsal da produção de opiáceos do mundo. As rotas de distribuição de drogas, segundo o UNDOC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), têm sua origem nas plantações na Colômbia e Bolívia, passam por Paraguai e Brasil (quando em direção à Europa) ou

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seguem pelo Caribe até o México (quando o destino são os Estados Unidos) - as fontes policiais indicam fortes sinergias entre os cartéis colombianos e mexicanos. Ainda, do ponto de vista econômico, a participação das plantações ilícitas no PIB colombiano entre 2000 em 2011 caiu de 1,7% para 0,3%, o que representa duro golpe na relação de proteção-produção propiciada pelas forças paramilitares. Abrir caminho para o desmantelamento do narcotráfico em sua origem, certamente, reduzirá outras cadeias criminosas externas ao narcotráfico, como o tráfico de armas, a prostituição e o tráfico de pessoas. Por último, há um claro balanço entre a atividade militar dos EUA na América do Sul, cujo principal argumento para sua presença é a “guerra contra as drogas”, de modo a evitar o transporte de entorpecentes a seu mercado in-

terno. A presença de bases militares norte-americanas na região já causou problemas de confiança entre vizinhos, como Equador e Venezuela, além de causar desconforto para a cooperação antidrogas, dado o viés extremamente militarizado das ações empreendidas sob o Plano Colômbia. Com a desmobilização das Farc, elimina-se a inspiração fundamental da política antidrogas dos Estados Unidos para a região, permitindo, em um horizonte de médio prazo, novos caminhos para a construção de confiança na América do Sul para defesa e segurança de fronteiras.

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS É PESQUISADOR DO NÚCLEO DE PESQUISA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (NUPRI/USP) E DOUTORANDO EM INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA PELA MESMA UNIVERSIDADE

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