O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL

June 1, 2017 | Autor: E. Jeronimo Pereira | Categoria: Direito Internacional, Armas Nucleares, Poder Nuclear
Share Embed


Descrição do Produto

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA

2015

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL ELSA JERÓNIMO PEREIRA Doutoranda em Direito e Segurança

RESUMO Perante a posição dicotómica do Complexo Securitário Internacional que opõe, de um lado, a apologia internacional da retórica da não proliferação de armas nucleares e do desarmamento, e do outro, o elogio da utilização do poder nuclear, na manutenção do equilíbrio do sistema internacional, afigurase-nos cientificamente pertinente uma análise ao comportamento dos Estados signatários do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, perante a não proliferação e o desarmamento, alicerçada no estudo longitudinal das Conferências de análise e revisão do Tratado, de 1995 a 2015.

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

1

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Assim, é propósito do presente artigo, a demonstração da existência de uma dualidade de comportamentos, por parte dos Estados signatários, em função da categorização (instituída pelo Tratado) onde se inserem. A análise longitudinal das Conferências de análise e revisão do Tratado, de 1995 a 2015 permite concluir que para os Estados não nuclearmente armados, o equilíbrio do Complexo Securitário Internacional depende da irradicação nuclear, e não da existência de Estados detentores de posições nucleares hegemónicas, ainda que delas possam vir a ser beneficiários, ao passo que para os Estados nuclearmente armados, ainda que signatários do Tratado, o equilíbrio do Complexo Securitário Internacional depende da manutenção de uma posição hegemónica decorrente do poder nuclear, seja para fins de dissuasão, seja para defesa dos seus possessores e aliados. Assim, será o comportamento dos Estados no Complexo Securitário Internacional determinado pelo poder nuclear?

PALAVRAS-CHAVE Poder Nuclear, Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, Direito Internacional, Estados Securitários.

INTRODUÇÃO “Power kills, absolute power kills absolutely” (Rummel, 2009, p. 8). Little Boy e Fat Man1 inauguram a era nuclear. Em agosto de 1945, por via do bombardeamento aéreo a Hiroxima e a Nagasaki, o mundo conhece pela

1

Pese embora a existência prévia de uma detonação nuclear experimental no Novo México, a 16 de julho de 1945, no âmbito do Manhattan Project, o primeiro bombardeamento nuclear

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

2

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL primeira vez e pela mão americana, o poder de aniquilação, não de uma, mas de duas armas nucleares. A lógica da segurança internacional, até então assente na dissuasão, altera-se irreversivelmente com o aparecimento desta nova forma de poder absoluto, massivamente destruidor. Perante a demonstração americana da proficiência do poder nuclear, outros Estados são compelidos ao robustecimento dos seus armamentos, agora sob a forma de arsenais nucleares. Quatro anos depois, em Agosto de 1949, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) efetua os seus primeiros testes nucleares, em Semipalatinski no Cazaquistão, imediatamente seguida do Reino Unido (1952) e da França (1960). Refira-se no entanto, que ao contrário do das potências dominantes da altura, Estados Unidos da América (EUA) e URSS, o arsenal nuclear da Europa ocidental é insignificante. A posse de armamento nuclear por parte dos EUA introduz alterações na estrutura da segurança internacional e determina a criação da United

Nations Atomic Energy Commission (UNAEC) em 19462 (UNGA, 1946), com o propósito inicial da promoção da discussão sobre a utilização de energia nuclear. A preocupação americana com a eventualidade de uma corrida ao armamento, sobretudo soviética, determina a criação de um mecanismo de salvaguarda da utilização pacífica da energia nuclear. O Baruch Plan, enquanto instrumento de pacificação, propunha: o monopólio da UNAEC, no controlo à escala mundial, de todo o urânio e plutónio; a proibição da criação de programas nucleares nacionais; a proibição de pesquisa que não para fins da História ocorre a 6 de Agosto de 1945, em Hiroxima, e é comummente conhecido por Little Boy. O segundo, e último, ocorre três dias depois, em Nagasaki, e é comummente apelidado de Fat Man. Cf. UNGA. (24 de janeiro de 1946). United Nations General Assembly. Obtido em 12 de maio de 2015, de United Nations General Assembly Resolution for the establishment of a Commission to deal with the problems raised by the discovery of Atomic Energy: 2

http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/1(I

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

3

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL exclusivamente pacifistas; total liberdade de atuação da UNAEC, na criação de mecanismos de punição; e a obrigatoriedade de submissão de todos os programas nucleares nacionais à jurisdição da UNAEC (Thomson, 2001). Segundo Darry Howlett e John Simpson, a aprovação do Baruch Plan beneficiaria exclusivamente os EUA, até então (1946) o único Estado nuclearmente armado. Os autores acreditam que a administração americana pretendia instrumentalizar a UNAEC no sentido de retardar o acesso de outros Estados, a tecnologia nuclear para fins militares. A tese dos autores é historicamente confirmada com a aprovação do McMahon Act, em julho de 1946, pelo Senado americano, que restringia a aceitação de parcerias de cooperação nuclear. Segundo o McMahon Act, apenas os EUA reuniam condições de posse de armamento nuclear, logo a cooperação com outros Estados deveria reduzir-se ao mínimo, haja em vista o impedimento da transferência tecnológica (Howlett & Simpson, 2000). A evidência da instrumentalização política da UNAEC resulta quer no abandono soviético da proposta, alegando discordância com a política americana de monopólio da tecnologia nuclear, quer na suspensão da própria UNAEC em 1949. A incapacidade da UNAEC em controlar a proliferação nuclear; a realização de testes nucleares por parte da então URSS, em 1949; a liderança do mercado de transferência nuclear pelo Reino Unido, em 1950; e as perdas americanas de mercado, resultantes das imposições do McMahon Act, impelem a administração de Eisenhower à criação do Programa: “Atoms for

Peace”, em 1953, com o propósito quer da transferência de tecnologia nuclear civil e a consequente participação dos EUA no mercado, quer da criação de um mecanismo legal global de garantia da sua não utilização para fins militares (Thomson, 2001).

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

4

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Em 1953, Eisenhower desenha um programa incluso, apelando à participação soviética no Programa: ”The United States would be proud to

take up with others (…) the Soviet Union must, of course be one” (IAEA, 1953). Igualmente, propõe a criação da “International Atomic Energy Agency” (IAEA): “The governments principally involved should begin now and continue

to make joint contributions from their stockpiles of normal uranium and fissionable materials to an international atomic energy agency” (IAEA, 1953). Pese embora o sucesso da adesão soviética à Agência, com a ascensão ao poder de Nikita Kruschev em 1953, a criação de um mecanismo legal global de garantia da não utilização de energia nuclear para fins militares – INFCIRC/153, ou Acordo de Salvaguarda – é obstaculizada pela criação de um regime de excecionalidade (IAEA, 1957), ressalvando a não aplicação dos acordos de salvaguarda aos Estados nuclearmente armados da altura, EUA, URSS e Reino Unido, que ficariam imunes ao controlo da IAEA3. François Géré analisa detalhadamente o funcionamento da IAEA. Na perspetiva do autor, a atividade da Agência decorre “numa fase de euforia

nuclear”. A IAEA é percecionada como benéfica para a pacificação do sistema internacional, decursiva quer da atividade de fiscalização internacional e como promotora de bem-estar económico-social, quer da utilização civil de tecnologia nuclear, nomeadamente para fins energéticos (Géré, 2006). Contudo, o desenho institucional da IAEA alicerçado na cooperação técnica entre Estados, e na transferência pacífica de tecnologia nuclear, não

Cf. IAEA. (1957). Internacional Atomic Energy Agency. Obtido em 12 de maio de 2015, de The Statute of the IAEA: 3

https://www.iaea.org/about/statute

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

5

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL anteviu a necessidade de mecanismos eficazes de controlo e fiscalização da atuação dos Estados. A aplicação das salvaguarda4 ocorria prematuramente no momento da assinatura do acordo de transferência nuclear (IAEA, 1972), não

existindo

mecanismos

legais

que

fiscalizassem

ou

impedissem

posteriormente, a utilização da tecnologia transferida, para fins militares (Cochran, 2012). Perante a incapacidade da IAEA em conter o aparecimento de novos programas nucleares (Boniface & Courmont, 2010), a administração de Lyndon Johnson submete em 1964, uma proposta de criação de um instrumento legal adicional de salvaguarda dos Estados não nuclearmente armados, e de proibição de transferência de armamento nuclear por parte de Estados nuclearmente armados: o Non Proliferation Treaty (NPT) ou Tratado de não proliferação de armas nucleares. O NPT aprovado em 19685 institui uma dupla categorização de Estados: os Nonnuclear Weapon State (NNWS), ou Estados não nuclearmente armados comprometidos com a não produção/aquisição de armamento nuclear, e os

Nuclear

Weapon

State

(NWS),

ou

Estados

nuclearmente

armados

comprometidos com a não transferência de armamento nuclear para os NNWS, e com a promoção da redução dos seus arsenais nucleares, reservando para a IAEA, as competências de fiscalização da atividade dos NNWS e NWS (UNODA, 1968). Cf. IAEA. (1 de junho de 1972). International Atomic Energy Agency. Obtido em 12 de maio de 2015, de The Structure and Content of Agreements Between the Agency and States Required in Connection with the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons: https://www.iaea.org/publications/documents/infcircs/structure-and-content-agreementsbetween-agency-and-states-required 4

UNODA. (1 de julho de 1968). United Nations for Disarmament Affairs. Obtido em 12 de maio de 2015, de Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons: http://disarmament.un.org/treaties/t/npt/text 5

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

6

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Inicialmente concebido para uma duração de 25 anos, atinge um caracter perpétuo em 1995, sintomático da evolução do sistema internacional pós Guerra Fria, tendente à não proliferação e ao desarmamento.6 Pese embora a inegável contribuição do NPT para o complexo securitário internacional, a atualidade denuncia: a) A incapacidade da IAEA de fiscalizar a execução de todos os programas nucleares em curso7. Mesmo depois da assinatura do Programa 93+2, em 1997, e com as competências de fiscalização reforçadas, a IAEA revelouse incapaz de conter os testes nucleares na India e no Paquistão (Maio de 1998), incapaz de detetar a existência de um programa nuclear clandestino no Iraque e incapaz de deter os avanços nucleares na Coreia do Norte, quer em 2006, quer em 2009. b) Um enfraquecimento da eficácia do NPT pela existência de Estados nuclearmente armados à margem do Tratado; c) Uma progressiva perca de legitimidade decorrente do contínuo armamento por parte dos NWS (UNODA, 2014).

6

Primitivamente, o NPT contava apenas com 43 Estados signatários. A adesão ao NPT encontrava reservas sobretudo nos NNWS, não pertencentes à NATO e não signatários do Pacto de Varsóvia, que exigiam garantias de que não seriam alvo de ataque nuclear por parte dos NWS, e garantias da proteção destes, em caso de conflito. Em 2015, conta com 189 Estados signatários. Israel, Paquistão, India e Coreia do Norte, comprovadamente NWS, não são signatários. 7

Perante a evidência de anteriores deficiências de controlo da IAEA, a II Conferência de análise e revisão do NPT instituiu em 1997, o Programa 93+2. O Programa ainda em vigor traduz por parte dos Estados signatários, a obrigatoriedade de comunicação prévia da abertura ou encerramento de instalações nucleares, e a obrigatoriedade de produção de relatórios de monitorização da atividade nuclear. Legitima a IAEA na realização de inspeções sem aviso prévio, e a monitorização da atividade nuclear dos Estados, com recurso à videovigilância. Cumulativamente, o Programa dota a Agência de novas competências de fiscalização, através do Protocolo Adicional IFCIRC/540, aprovado a 15 de Maio de 1999, obrigando os Estados signatários ao fornecimento de dados considerados relevantes e à autorização da realização de inspeções sem aviso prévio, a todas as instalações, mesmo as que não integrem um programa nuclear. Contudo, já depois da sua entrada em vigor, o Programa revelou-se incapaz de conter os programas nucleares da India, do Paquistão, do Iraque, da Coreia, e do Irão.

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

7

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Perante a posição dicotómica do Complexo Securitário Internacional que opõe, de um lado, a apologia internacional da retórica da não proliferação de armas nucleares e do desarmamento, e do outro, o elogio da utilização do poder nuclear, na manutenção do equilíbrio do sistema internacional, afigura-se-nos cientificamente pertinente uma análise ao comportamento dos Estados signatários do NPT, perante a não proliferação e o desarmamento, alicerçada no estudo longitudinal das Conferências de análise e revisão do NPT, de 1995 a 2015. Assim, é propósito do presente artigo, a demonstração da existência de uma dualidade de comportamentos, por parte dos Estados signatários, em função da categorização (instituída pelo Tratado) onde se inserem.

CAPÍTULO I. A EDIFICAÇÃO DO PODER NUCLEAR NO COMPLEXO SECURITÁRIO INTERNACIONAL Um dos principais teorizadores do poder nuclear, Henry Kissinger, advoga que o armamento nuclear é imperativo na medida em que funciona nos Estados nuclearmente armados como um equalizador de poder: “Third,

and of some significance is the fact that, in the nuclear age, creating a balance of power does not need allies. What it needs is nuclear weapons” (Kissinger, 1957, p. 9), mas não utilizável na medida em que o alto custo decorrente do uso inviabiliza a utilização, sendo preferível, em caso de conflito entre potências nuclearmente armadas, a utilização de soluções militares convencionais: “The challenges of the nuclear age are very different form the

past. First, nuclear weapons provided belligerents with an excess of firepower. To think of a nuclear war – a war in which total capitulation of the enemy is desired – is quite unthinkable since nuclear war would mean complete annihilation.” (Kissinger, 1957, p. 8).

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

8

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Os teorizadores do poder nuclear, Thomas Schelling, Morton Halperin e Hedley Bull, concebem um regime de não proliferação de armamento nuclear, como um meio de robustecimento da segurança do Estado e não apenas como um fim tendente à redução de um tipo particular de armamento (Larsen, 2002, p. 14). Kenneth Waltz e Scott Sagan debatem amplamente os efeitos da utilização do poder nuclear, na manutenção do equilíbrio do sistema internacional. Waltz defende a proliferação de armas nucleares, haja em vista a estabilidade do sistema internacional, na medida em que é a possibilidade de retaliação nuclear que inibe a ocorrência do conflito. O autor não considera o uso, na medida em que acredita que a simples posse é o fundamento principal para a dissuasão de um conflito armado. A posição de Waltz afigura-se-nos redutora na medida em que o autor toma a possibilidade de retaliação como imperativo, o que nem sempre se verifica. Sagan contrapõe a posição anteriormente apresentada por Waltz, alertando para a perigosidade da proliferação nuclear na medida em que a propagação da posse potencia o uso. Se em Waltz, a posse obstaculiza o uso, ou seja, quanto maior o número de Estados nuclearmente armados menor é a probabilidade da utilização deste tipo de armamento, desde que ambas as partes do conflito sejam detentoras de capacitação militar nuclear idêntica, em Sagan o uso é vulnerável à posse, ou seja, quanto maior o número de Estados nuclearmente armados maior é a probabilidade da utilização, ainda que apenas uma das partes do conflito seja detentora deste tipo de capacitação (Sagan & Waltz, 2003).

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

9

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL No entendimento de Lawrence Freedman, é a disseminação de armamento nuclear, por mais do que um Estado, que inaugura o debate relativo à proliferação nuclear e aos seus efeitos securitários. A alteração do contexto internacional decorrente da existência de Estados nuclearmente armados, conhecedores das consequências de uma retaliação nuclear, determina a concentração no impedimento da guerra, em detrimento do triunfo: “The more it became evidente that there was no way to fight a nuclear

war without a high risk of catástrofe, the more compelling became schemes for avoiding war as a means of deciding disputes, even if the diferences were thereby left unresolved” (Freedman, 2004, p. 11). Assim, a literatura aqui revista concluí que perante a eventualidade da mútua destruição, a posse de capacitação militar nuclear entre Estados, serve unicamente o propósito da manutenção do poder, excluindo a promoção da mudança pela guerra.

CAPÍTULO II. A ALICERÇÃO DO REGIME DE NÃO PROLIFERAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL

Num período anterior ao da vigoração do NPT, o aumento progressivamente crescente de arsenais nucleares na década de 1950, obriga a Comunidade Internacional ao desenho de instrumentos legais multilaterais, haja em vista a limitação da sua proliferação. Num primeiro ensaio, o Tratado Antártico8 de 1959 introduz no seu artigo I, a proibição da realização de testes nucleares e da condução de operações militares na região Antártica (UNODA, Cf. UNODA. (1 de dezembro de 1959). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Antarctic Treaty: 8

http://disarmament.un.org/treaties/t/antarctic

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

10

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL 1959). Segundo Thomas Graham, a conceção do Tratado Antártico assenta na premissa de que é mais fácil impedir a introdução de um determinado armamento, numa área onde este ainda é inexistente, do que eliminá-lo, onde já tenha sido introduzido (Graham, 2004, p. 35). Subsequentemente e com a mesma premissa de sustentação, o Tratado do Espaço Exterior, de 19679, institui no seu artigo IV, a proibição do posicionamento de armas nucleares em órbita e o seu estacionamento no Espaço. Cumulativamente, proíbe o estabelecimento de instalações militares num qualquer corpo celeste (como a Lua, por exemplo), assegurando desta forma o não armamento do Espaço (UNODA, 1967).Thomas Graham adverte que a premissa de não armamento do Espaço, não é sinónimo da sua não militarização. O Espaço, ainda que zona livre de armamento, é militarizado por meio do emprego de satélites reservados ao reconhecimento estratégico militar (Graham, 2004, pp. 35-36). A década de 1960 inaugura ainda a implementação dos Tratados de Zonas Livres de Armas Nucleares, alicerçados na premissa comum à conceção do Tratado Antártico, de que é mais fácil impedir a introdução de um determinado armamento, numa área onde este ainda é inexistente, do que eliminá-lo, onde já tenha sido introduzido. No conjunto dos Tratados de Zonas Livres de Armas Nucleares incluem-se o Tratado de Tlateloco10, de 1967, que institui, na alínea a) e b) do seu artigo 1º, a América Latina e o Caribe como Cf. UNODA. (27 de janeiro de 1967). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty on Principles Governing the Activities of States in the Exploration and Use of Outer Space, including the Moon and Other Celestial Bodies: http://disarmament.un.org/treaties/t/outer_space 9

UNODA. (14 de fevereiro de 1967). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty for the Prohibition of Nuclear Weapons in Latin America and the Caribbean: 10

http://disarmament.un.org/treaties/t/tlatelolco

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

11

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL zona livre de armamento nuclear (UNODA, 1967), o Tratado de Rarotonga11 de 1986 relativo à Região do Pacífico Sul (UNODA, 1986), o Tratado de Bangkok12 de 1995, relativo ao Sudeste Asiático (UNODA, 1995) e o Tratado de Pelindaba13 de 1996, que determina a região Africana como zona livre de armamento nuclear (UNODA, 1996). Thomas Graham esclarece que, pese embora a proibição do desenvolvimento, do posicionamento ou da realização de testes nas regiões protegidas pelo alcance do conjunto dos Tratados de zonas livres armas nucleares, é nelas permitido o trânsito de armamento nuclear, quer por navios, quer por aeronaves (Graham, 2004, p. 41). Já num período posterior ao da vigoração do NPT, mas ainda cimentado na premissa comum aos anteriores tratados multilaterais aqui citados, o Tratado de Controlo de Armas no Leito Marítimo, de 197214, proíbe no seu artigo I, a instalação de armas nucleares nos leitos dos mares (UNODA, 1971).

UNODA. (11 de dezembro de 1986). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de South Pacific Nuclear Free Zone Treaty: http://disarmament.un.org/treaties/t/rarotonga 11

UNODA. (15 de dezembro de 1995). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty on the Southeast Asia Nuclear Weapon-Free Zone: 12

http://disarmament.un.org/treaties/t/bangkok UNODA. (11 de abril de 1996). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de African Nuclear Weapon Free Zone Treaty: http://disarmament.un.org/treaties/t/pelindaba 13

UNODA. (11 de fevereiro de 1971). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty on the Prohibition of the Emplacement of Nuclear Weapons and Other Weapons of Mass Destruction on the Sea-Bed and the Ocean Floor and in the Subsoil Thereof: 14

http://disarmament.un.org/treaties/t/sea_bed

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

12

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL O estudo da alicerção do Regime de Não-Proliferação não ficaria completo sem uma referência ao Nuclear Suppliers Group (NSG), vulgarmente apelidado de Clube de Londres, e agregador dos países, à década de 1970, detentores de tecnologia nuclear: Canadá, França, Alemanha Ocidental, Japão, URSS, Reino Unido e EUA. Na qualidade de Estados detentores de tecnologia nuclear, reúnem originalmente em novembro de 1974, em Londres, conscientes da urgência da discussão relativa: ao teste nuclear indiano, realizado em maio desse ano e à evidência de que os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) estimulam a região da Africa Subsariana a nuclearizar-se militarmente (Boniface & Courmont, 2010). Perante as demonstrações (da India e Paquistão) do desvio de recursos nucleares, inicialmente destinados a programas civis, para fins militares (Howlett & Simpson, 2000, p. 16), o NSG contribuiu para a minimização do desvio, através da instituição de normas procedimentais relativas à exportação de bens nucleares de uso dual. Pese embora os esforços internacionais de desenho e implementação de instrumentos multilaterais de limitação à proliferação de armamento nuclear, a sua completa eliminação encontra-se obstaculizada pela não ratificação do Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty (CNTBT), ou Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares, por parte da China, Coreia do Norte, Egipto, Índia, Indonésia, Irão, Israel, Paquistão e EUA, Estados que em 1996 possuíam instalações nucleares, impedindo consequentemente, a sua entrada em vigor. O CNTBT institui a completa proibição de realização de testes nucleares e segundo Graham, reveste-se de primordial importância nos esforços para o desarmamento nuclear global, uma vez que, sob o CNTBT nenhum Estado pode realizar testes nucleares, concludentemente, não será possível

a

nenhum

Estado,

o

desenvolvimento,

incremento

ou

aperfeiçoamento de um arsenal nuclear (Graham, 2004, p. 76).

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

13

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Uma análise da alicerção do Regime de Não Proliferação obriga, por fim, a uma alusão aos instrumentos desenvolvidos pelos EUA e URSS/Rússia, na qualidade de maiores possessores de armamento nuclear, desde a entrada em vigor do NPT. O acordo bilateral SALT I (Strategic Arms Limitation Talks) de 1972, celebrado entre os EUA e a URSS, reflexo direto do período de distensão pós guerra, é uma referência incontornável na limitação de armamento, particularmente na limitação de mísseis estratégicos. Keith Payne esclarece: “O SALT I limitou os EUA a 1700 mísseis estratégicos e a URSS a 2550 .” A disparidade numérica é aceite e justificada: “Os EUA dispunham de tecnologia

ainda não dominada pela URSS “, no caso, de ogivas múltiplas independentes que possibilitavam a um único míssil atacar vários alvos (Payne, 2001, p. 20). Ainda no mesmo ano, é celebrado o Anti Ballistic Missile Treaty (ABMT), ou Tratado Antimísseis Balísticos, que balizava os sistemas de defesa antimíssil a duas áreas de lançamento, com um número máximo de 100 mísseis para cada uma das duas potências signatárias (Graham, 2004, p. 90). Segundo Thomas Graham, o propósito do ABMT, e que os EUA abandonaram em 2002, era a proibição do desenvolvimento em larga escala de mísseis estratégicos antimísseis, de modo que a Destruição Mútua Assegurada, essência da dissuasão, continuasse a ser uma premissa nos cálculos de segurança das duas potências (Graham, 2004, pp. 90-91). Outra das referências internacionais na alicerção do regime de não proliferação é o acordo START I, celebrado em 1991, entre a administração de George H. W. Bush e a Rússia. O desmantelamento da União Soviética e a consequente transferência do anterior arsenal nuclear soviético para a Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão determinou, em 1992 um protocolo complementar – o Protocolo de Lisboa – de substituição da antiga URSS pela agora Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão como Estados signatários do

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

14

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL START I. O START I teve como unidade de contagem a ogiva nuclear ao invés de mísseis estratégicos (a unidade empregada no acordo SALT) e no imediato, reduziu para 6.000 o número de ogivas nucleares tanto para os EUA, como para a Rússia e zero para a Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão, que se uniram ao NPT como Estados não nuclearmente armados (Payne, 2001). Ainda que na primeira década de 2000, a administração de George W. Bush (filho) reflita um congelamento dos esforços haja em vista a redução dos dois maiores arsenais nucleares, a atual administração Obama tem, desde 2010, olvidado esforços na retoma das negociações com a Rússia, através do estabelecimento de um novo acordo START, a avaliar em 2017.

CAPÍTULO III. O COMPORTAMENTO DOS ESTADOS PERANTE A CAPACITAÇÃO NUCLEAR As Conferências de Análise e Revisão (CAR) do NPT traduzem o comportamento dos Estados signatários do Tratado perante a não proliferação, o desarmamento nuclear e o uso pacífico de energia nuclear, e acontecem a cada cinco anos, em conformidade com a previsão introduzida no número 3 do artigo VIII do NPT (UNODA, 1968). O propósito das CAR reside na tentativa de obtenção de um consenso político relativamente ao grau de implementação do Tratado e ao cumprimento, por parte dos Estados signatários, das obrigações referentes aos princípios da não proliferação, do desarmamento e da promoção da cooperação tecnológica haja em vista o uso nuclear pacífico. Na redação do documento final de cada CAR são ainda apresentadas medidas, sob a forma de recomendações, com o propósito quer do fortalecimento da implementação efetiva do NPT, quer do alcançar da desejável universalidade. Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

15

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Cumpridos 25 anos desde a entrada em vigor do NPT, e em conformidade com a orientação dada pelo número 2 do artigo X do NPT (UNODA, 1968), a CAR de 1995 determina a manutenção da vigência do Tratado, por prazo indefinido. O consenso relativo à vigoração por tempo indefinido não impediu que os NNWS manifestassem o seu descontentamento pelo que designavam como “congelamento de esforços” (UNODA, 2014) por parte dos NWS, na implementação do cumprimento das obrigações constantes do artigo VI do Tratado (UNODA, 1968), respeitantes ao desarmamento nuclear. Randy Rydell advoga que a inclusão no documento final da CAR de 199515 da Resolução 49/71 de 15 de dezembro de 1994 da Assembleia Geral das Nações Unidas (United Nations, 1995) encorajando à criação de uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente16, foi determinante na decisão da vigoração do NPT por tempo indefinido (Rydell, 2015, pp. 73-74). A CAR de 2000 é marcada pela adoção do compromisso dos 13 passos, haja em vista a implementação do desejável comprometimento com o desarmamento nuclear17: “The Conference agrees on the following practical

steps for the systematic and progressive efforts to implement article VI of the Treaty on the Nonproliferation of Nuclear Weapons and paragraphs 3 and 4 (c) of the 1995 Decision on “Principles and Objectives for Nuclear NonProliferation and Disarmament ” (United Nations, 2000).

Cf. United Nations. (1995). Obtido em 21 de maio de 2015, de Resolution on the Middle East: http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/1995-NPT/pdf/Resolution_MiddleEast.pdf 15

16

Numa clara alusão, ainda que não oficial, à reconhecida posse de armamento nuclear por parte de Israel. 17 Cf. United Nations. (2000). 2000 Review Conference of the Parties to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons. Obtido em 25 de maio de 2015, de Review of the operation of the Treaty taking into account the decisions and the resolution adopted by the 1995 Review and Extension Conference: http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/2000-NPT/pdf/FD-Part1and2.pdf

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

16

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Num primeiro passo, a CAR de 2000 exige o fortalecimento da relevância e da urgência da entrada em vigor do CNTBT, pese embora a constatação de uma referência anterior a esta medida no documento final da CAR de 1995(United Nations, 2000). Num segundo passo, a CAR de 2000 solicita a introdução de uma moratória nos testes de explosões de armas nucleares ou de quaisquer outras explosões nucleares até à entrada em vigor do CNTBT (United Nations, 2000), uma solicitação que à semelhança do enunciado no primeiro passo, constava do documento final da CAR de 1995. O terceiro passo reafirma a necessidade de concertação de posições haja em vista a construção, num prazo de 5 anos, de um Tratado não discriminatório, multilateral e sob efetivo exame internacional, que proíba a produção de material físsil destinado a armamento nuclear ou cuja finalidade de destino sejam dispositivos nucleares explosivos (United Nations, 2000). Pese embora o reiterado apelo, o compromisso expresso neste ponto nunca reuniu condições ao consenso por parte de nenhum dos NWS signatários. Num quarto passo, a exigência do estabelecimento imediato de um órgão subsidiário da Conferência para o Desarmamento, com competência em matérias de desarmamento (United Nations, 2000). A concretização do quarto passo foi sempre obstaculizada pela falta de consenso entre os NWS. O passo quinto enuncia o princípio da irreversibilidade aplicável ao desarmamento nuclear (United Nations, 2000). A aplicação do princípio da irreversibilidade consiste no não reemprego militar de material ou equipamento retirado, contudo, nunca teve a exequibilidade desejada, veja-se o exemplo do programa START, já aqui tratado. O sexto passo apela a um compromisso inequívoco de total erradicação de arsenais nucleares por parte dos NWS (United Nations, 2000) haja em vista o desarmamento nuclear a que todos os países signatários estão comprometidos nos termos do artigo VI do NPT (UNODA, 1968). Um compromisso sem exequibilidade, considerando a constante modernização de arsenais nucleares e a manutenção da doutrina

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

17

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL militar que consagra o emprego nuclear contra países não nuclearmente armados. O sétimo passo advoga a urgência da entrada em vigor e completa implementação do programa START II e a conclusão do programa START III, preservando e fortalecendo o CNTBT como pilar da estabilidade estratégica (United Nations, 2000). Contudo, na realidade, o programa START II nunca entrou em vigor e as negociações do termo do programa START III foram inconclusivas. Os passos oito e nove traduzem o enunciado do imperativo da redução unilateral de arsenais nucleares. Os passos dez e onze sintetizam e robustecem os passos anteriores (United Nations, 2000). O passo doze institui a produção de Relatórios de monitorização, no âmbito do processo de fortalecimento e revisão do NPT, por parte de todos os Estados signatários, sobre a implementação do artigo VI do NPT (United Nations, 2000). Por fim, no passo treze, a CAR de 2000 apela ao robustecimento das capacidades de verificação dos acordos de desarmamento nuclear (United Nations, 2000). Benoit Pelopidas garante que o fracasso da CAR de 2005 não se esgotou na incapacidade de produzir um consenso em torno do documento final. Outros constrangimentos como: a não implementação dos treze passos acordados na CAR de 2000, a não entrada em vigor do CNTBT; a renúncia americana ao ABMT, em 2002, o atentado de 11 de Setembro de 2001 e o consequente reafirmar da posição da administração Bush de recusa à redução do arsenal nuclear, contribuíram, na perspetiva do autor, para um infrutífero avanço da Conferência (Pelopidas, 2011). Afigura-se-nos ainda pertinente salientar que os passos acordados na CAR de 2000 permanecem por alcançar, mesmo depois da recente CAR de 2015. A CAR de 2010 é, tal como a de 2000, marcada pela intencionalidade. Do texto do documento final 18 , consta a aprovação de 64 medidas de Cf. United Nations. (2010). 2010 Review Conference of the Parties to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons. Obtido em 25 de maio de 2015, de Review of the 18

operation of the Treaty, as provided for in its article VIII (3), taking into account the decisions

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

18

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL consolidação dos três pilares de sustentação do NPT, nomeadamente 22 medidas de desarmamento nuclear, 24 medidas haja em vista a não proliferação nuclear e 18 medidas de promoção da cooperação internacional para usos pacíficos da energia nuclear (United Nations, 2010). A combinação das 64 ações apresenta-se vaga, sem imposições temporais ou limites materiais, que permitam a demonstração efetiva da sua implementação. Na opinião de Benoit Pelopidas, é a inexistência de vontade política por parte dos NWS, em cumprir com as obrigações de desarmamento nuclear, que compromete a integridade do NPT. O autor alerta ainda para uma continuada modernização dos arsenais nucleares por parte dos NWS, permitindo a assunção da inexistência de vontade de irradicação de armas nucleares, e a assunção da vontade de manutenção de uma posição de supremacia decorrente da posse nuclear (Pelopidas, 2011). Conforme referido anteriormente, nenhum dos pontos acordados na CAR de 2000 foi executado, e a criação de uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente, conforme expresso na CAR de 1995 e na CAR de 2010, também não, presumivelmente porque a criação de uma zona com estas características obrigaria Israel a autorizar o acesso a instalações nucleares sediadas em território israelita. A CAR de 2015 fica marcada pelo fracasso dos trabalhos da Conferência. Ban Ki-moon, Secretário-geral das Nações Unidas, expressou no seu discurso final de 201519, a sua deceção com a incapacidade dos Estados and the resolution adopted by the 1995 Review and Extension Conference and the Final Document of the 2000 Review Conference: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=NPT/CONF.2010/50%20(VOL.I) Cf. United Nations. (23 de maio de 2015). United Nations Secretary General. Obtido em 25 de maio de 2015, de Statement attributable to the Spokesperson for the Secretary-General on the outcome of the 2015 Review Conference of the Parties to the Treaty on the NonProliferation of Nuclear Weapons: http://www.un.org/sg/statements/index.asp?nid=8661 19

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

19

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL signatários produzirem um consenso relativamente ao desarmamento nuclear global e lamentou que os Estados participantes tenham sido incapazes de diminuir as suas diferenças sobre o futuro do desarmamento nuclear e incapazes de uma nova visão coletiva sobre como alcançar uma zona no Médio Oriente livre de armas nucleares: “ The Secretary-General expresses his

disappointment at the inability of the 2015 Review Conference of the Parties to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons to reach consensus on a substantive outcome. The Secretary-General regrets in particular that States parties were unable to narrow their differences on the future of nuclear disarmament or to arrive at a new collective vision on how to achieve a Middle East zone free of nuclear weapons and all other weapons of mass destruction. The Secretary-General appeals to all States to sustain the momentum they have built over the past five years, including new initiatives in the pursuit of nuclear disarmament and continuing efforts to strengthen nuclear nonproliferation. With respect to the Middle East, the Secretary-General continues to stand ready to support efforts to promote and sustain the inclusive regional dialogue necessary to achieve this goal. He hopes that the growing awareness of the devastating humanitarian consequences of any use of nuclear weapons continues to compel urgent actions for effective measures leading to the prohibition and elimination of nuclear weapons ” (United Nations, 2015).

CONCLUSÕES

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

20

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL A análise longitudinal das CAR, de 1995 a 2015, permite concluir que os

NNWS

comportam-se

consensual

e

unanimemente

perante

o

desarmamento nuclear global, através da subscrição de todas as medidas de não proliferação, haja em vista a irradicação nuclear, desde a aprovação em 1995, da criação de uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente, à aprovação do compromisso dos 13 passos, na CAR de 2000, e à aprovação, em 2010, das 64 medidas de consolidação do desarmamento nuclear e da não proliferação, ao mesmo tempo que lutam pelo direito ao uso pacífico de energia

nuclear.

Cumulativamente,

todos

os

NNWS

reclamam

um

compromisso de desarmamento por parte dos Estados nuclearmente armados, desde a CAR de 1995, onde denunciaram o congelamento de esforços, por parte dos NWS. Para os Estados não nuclearmente armados, o equilíbrio do Complexo Securitário Internacional depende da irradicação nuclear, e não da existência de Estados detentores de posições nucleares hegemónicas, ainda que delas possam vir a ser beneficiários. O comportamento dos NWS, ainda que signatários do Tratado, é ditado pela preservação do poder militar decorrente do poder nuclear. Todos os NWS estão disponíveis para concessões marginais haja em vista a minoração da oposição dos Estados não nuclearmente armados, como visível nas Conferências de 2000 e 2010, mas nenhum está disposto a assumir compromissos de redução de armamento nuclear, nem de cooperação internacional tecnológica para a utilização pacífica de energia nuclear, conforme denunciam as sucessivas não concretizações das medidas adotadas em 2000 e 2010. Cumulativamente, lutam por medidas de limitação à proliferação nuclear, unicamente para manutenção da posição hegemónica. Para os Estados nuclearmente armados, o equilíbrio do Complexo Securitário

Internacional

depende

da

manutenção

de

uma

posição

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

21

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL preponderante decorrente do poder nuclear, seja para fins de dissuasão, seja para defesa dos seus possessores e aliados. 70 anos depois de Hiroxima e Nagasaki, 45 anos depois da entrada em vigor do NPT, e um mês depois da CAR de 2015, a não proliferação e o desarmamento nuclear global parecem inalcançáveis, condenando o NPT a uma vigoração meramente falaciosa. O comportamento dos Estados no Complexo Securitário Internacional ainda é determinado pelo nuclear.

BIBLIOGRAFIA Boniface, P., & Courmont, B. (2010). Le monde nucleaire: arme nucleaire et relations internationales depuis 1945. Paris: Armand Colin.

Cochran, T. (2012). Adequacy of IAEA´s safeguards for achieving timely detection. Em H. Sokolski, Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful atom (pp. 121-158). New York: BiblioGov. Freedman, L. (2004). Deterrence. Cambridge: Policy Press. Géré, F. (2006). L´ Iran et Le nucléaire. Les tourments perses. Paris: Lignes de repéres Editions. Graham, T. J. (2004). Commonsense on Weapons of Mass Destruction. Seattle: University of Washington. Howlett, D., & Simpson, J. (2000). Nuclear proliferation: The evolving debate. Em S. Croft, & T. Terriff, Critical Reflections on Security and Change (pp. 198-230). New York: Routledge. IAEA. (8 de dezembro de 1953). International Atomic Energy Agency. Obtido em 14 de maio de 2015, de Atoms for peace speech address by Mr. Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

22

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Dwight D. Eisenhower, President of the United States of America, to the 470th Plenary Meeting of the United Nations General Assembly: https://www.iaea.org/about/history/atoms-for-peace-speech IAEA. (1957). Internacional Atomic Energy Agency. Obtido em 12 de maio de 2015, de The Statute of the IAEA: https://www.iaea.org/about/statute IAEA. (1 de junho de 1972). International Atomic Energy Agency. Obtido em 12 de maio de 2015, de The Structure and Content of Agreements Between the Agency and States Required in Connection with the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons: https://www.iaea.org/publications/documents/infcircs/structure-andcontent-agreements-between-agency-and-states-required Kissinger, H. (1957). Nuclear weapons and foreign policy. New York: Harper and Brothers. Larsen, J. A. (2002). Arms Control: Cooperative Security in a Changing Environment. New York: Jeffrey A. Larsen Editor. Payne, K. B. ( 2001). The Fallancies of Cold War, Deterrence, and a New Direction. The University Press of Kentucky. Pelopidas, B. (2011). Assessment Paper on Non‐Proliferation . Geneva Centre for Security Policy . Rummel, R. (2009). Power Kills: democracy as a method of nonviolence. New Jersey: Transaction Books. Rydell, R. (2015). The multilateral dimension of the middle east WMD free zone. Palestine- Israel Journal, 70-76.

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

23

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Sagan, S., & Waltz, K. (2003). The spread of nuclear weapons: a debate renewed. New York: Norton. Thomson, D. (2001). A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, New Mexico: Los Alamos Historical Society. UNGA. (24 de janeiro de 1946). United Nations General Assembly. Obtido em 12 de maio de 2015, de United Nations General Assembly Resolution for the establishment of a Commission to deal with the problems raised by the discovery of Atomic Energy”,: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/1(I United Nations. (1995). United Nations. Obtido em 21 de maio de 2015, de Resolution on the Middle East: http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/1995NPT/pdf/Resolution_MiddleEast.pdf United Nations. (2000). 2000 Review Conference of the Parties to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons. Obtido em 25 de maio de 2015, de Review of the operation of the Treaty taking into account the decisions and the resolution adopted by the 1995 Review and Extension Conference: http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/2000NPT/pdf/FD-Part1and2.pdf United Nations. (2010). 2010 Review Conference of the Parties to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons. Obtido em 25 de maio de 2015, de Review of the operation of the Treaty, as provided for in its article VIII (3), taking into account the decisions and the resolution adopted by the 1995 Review and Extension Conference and the Final Document of the 2000 Review Conference: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=NPT/CONF.2010 /50%20(VOL.I)

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

24

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL United Nations. (23 de maio de 2015). United Nations Secretary General. Obtido em 25 de maio de 2015, de Statement attributable to the Spokesperson for the Secretary-General on the outcome of the 2015 Review Conference of the Parties to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons: http://www.un.org/sg/statements/index.asp?nid=8661 United Nations General Assembly. (1946). United Nations General Assembly. Obtido de Resolution for the establishment of a Commission to deal with the problems raised by the discovery of Atomic Energy: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/1(I) UNODA. (1 de dezembro de 1959). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Antarctic Treaty: http://disarmament.un.org/treaties/t/antarctic UNODA. (27 de janeiro de 1967). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty on Principles Governing the Activities of States in the Exploration and Use of Outer Space, including the Moon and Other Celestial Bodies: http://disarmament.un.org/treaties/t/outer_space UNODA. (14 de fevereiro de 1967). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty for the Prohibition of Nuclear Weapons in Latin America and the Caribbean: http://disarmament.un.org/treaties/t/tlatelolco UNODA. (1 de julho de 1968). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 12 de maio de 2015, de Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons: http://disarmament.un.org/treaties/t/npt/text UNODA. (11 de fevereiro de 1971). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty on the Prohibition of the Emplacement of Nuclear Weapons and Other Weapons of Mass

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

25

O TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO COMPLEXO SECURITÁRIO DO SISTEMA INTERNACIONAL Destruction on the Sea-Bed and the Ocean Floor and in the Subsoil Thereof: http://disarmament.un.org/treaties/t/sea_bed UNODA. (11 de dezembro de 1986). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de South Pacific Nuclear Free Zone Treaty: http://disarmament.un.org/treaties/t/rarotonga UNODA. (15 de dezembro de 1995). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de Treaty on the Southeast Asia Nuclear Weapon-Free Zone: http://disarmament.un.org/treaties/t/bangkok UNODA. (11 de abril de 1996). United Nations Office for Disarmament Affairs. Obtido em 3 de junho de 2015, de African Nuclear Weapon Free Zone Treaty: http://disarmament.un.org/treaties/t/pelindaba UNODA. (2014). Status of arms regulation and disarmament affairs. United Nations Office for Disarmament Affairs. New York: United Nations. Obtido em 10 de maio de 2015, de Status of multilateral arms regulation and disarmament affairs: http://disarmament.un.org/treaties/t/npt/text UNODA. (2014). Status of arms regulation and disarmament affairs. United Nations Office for Disarmament Affairs . New York: United Nations. Obtido em 12 de maio de 2015, de Status of multilateral arms regulation and disarmament affairs: http://disarmament.un.org/treaties/t/npt/text

Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

26

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.