O tratamento do PLS 750/2011 aos empreendimentos hidrelétricos nos rios formadores do Pantanal

June 16, 2017 | Autor: I. Quintão Tavares | Categoria: Direito Ambiental, Hidrelétricas, Pantanal
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O TRATAMENTO DO PLS 750/2011 AOS EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS NOS RIOS FORMADORES DO PANTANAL1 Isadora Quintão Tavares, UFMT2 [email protected]

A Bacia do Alto Paraguai ocupa 4,3% do Brasil e sua região hidrográfica engloba, no país, os Estados de MT e MS, totalizando 60% da bacia em território brasileiro e o restante dessa porção na Bolívia e no Paraguai. Em seu planalto, estão as nascentes dos rios que formam o Pantanal, uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta, que é considerado Patrimônio Nacional pelo artigo 225, §4º, da CF, além de ter sido declarado como Patrimônio da Humanidade por seus valores excepcionais, e Reserva da Biosfera Mundial pela UNESCO, título que comporta um instrumento de planejamento regional, com papel estratégico no combate aos efeitos dos processos de degradação dos grandes ecossistemas, que vêm sendo desenvolvidos pela Unesco desde 1971. Boa parte das atividades econômico-produtivas realizadas no Pantanal está relacionada aos setores agrícolas, industriais, pesqueiros, mineradores, turísticos, hidroviários e hidrelétricos, tendo como principais empreendimentos desse último setor as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) que, apesar de serem baseadas em uma tecnologia denominada “a fio d’água” – que dispensa a necessidade de manter grandes reservatórios de água –, são capazes de provocar impactos conjuntos significativos, semelhantes aos efeitos de reservatórios de grande porte. Atualmente, estão em operação 44 hidrelétricas, sendo 8 Usinas Hidrelétricas e 36 PCHs, estando previstos mais 110 projetos, dentre os quais três são UHEs, totalizando 154 empreendimentos em toda a BAP. As 8 UHEs já construídas estão localizadas na principal sub-bacia, a Bacia do Rio Cuiabá, responsável por 40% da vazão do sistema BAP/Pantanal. Nesse contexto de riscos

elevados

à

conservação

do

Pantanal,

provocados

por

empreendimentos hidrelétricos, o presente trabalho busca realizar uma breve comparação entre artigos do texto original e do parecer substitutivo e, com isso, analisar quais as contribuições efetivamente impeditivas de impactos ambientais advindos da intervenção de empreendimentos hidrelétricos no bioma podem oferecer cada uma das atuais versões do PLS nº 750/2011, que dispõe sobre a Política de Gestão e Proteção do Bioma Pantanal e dá outras providências.

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Comunicação oral apresentada no Fórum de Áreas Úmidas e Escassez Hídrica no Berço das Águas, realizado em Cuiabá-MT, entre os dias 4 e 6 de novembro de 2015. 2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá e participante voluntária do Projeto de Pesquisa Pantanal legal: O marco regulatório de proteção do Pantanal Matogrossense – Faculdade de Direito/UFMT.

A presente comunicação configura um excerto do trabalho de conclusão do curso de Direito na Universidade Federal de Mato Grosso, que se encontra em andamento e, por isso, representa o estágio inicial da pesquisa acadêmica que culminará na obra monográfica. O método de trabalho consistiu na análise bibliográfica de livros, artigos, periódicos, legislações, resoluções e demais publicações que dizem respeito às intervenções de empreendimentos hidrelétricos nas regiões do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai. As análises realizadas até o momento foram baseadas tanto no texto original, de autoria do Senador Blairo Maggi, quanto no substitutivo apresentado pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado, em agosto de 2013, que teve como relator o Senador Eduardo Lopes (PRB-RJ), que emitiu voto favorável ao PLS, na forma da emenda substitutiva por ele apresentada. Em março de 2014, a matéria foi redistribuída ao Senador Marcelo Crivella (PRBRJ), membro titular da CCJ, e, até a presente data, outubro de 2015, o PLS está aguardando o relatório do parlamentar, de acordo com a última tramitação legislativa, datada de 13/05/2015. Inicialmente, cumpre ressaltar que a Bacia do Alto Paraguai (BAP), que finaliza na desembocadura do rio Apa, na fronteira entre Brasil e Paraguai, pode ser dividida em uma região alta, denominada Planalto, e uma região baixa e plana, denominada Pantanal, que é temporariamente e parcialmente inundada pelo rio Paraguai e por seus principais afluentes todos os anos (ALLASIA et al. 2004, p. 2-3). Assim, embora o texto original do PLS 750/2011 defina, em sua ementa, que trata da Política de Gestão e Proteção do Bioma Pantanal, é impossível deixar de considerar os rios formadores do Pantanal Brasileiro para um planejamento ecologicamente abrangente e factível de gestão do bioma em comento. A conceituação do que se entende como Bioma Pantanal, inscrita no artigo 1º do texto original, disciplina que “entende-se por Bioma Pantanal um conjunto de vida vegetal e animal, especificado pelo agrupamento de tipos de vegetação e identificável em escala regional, com influencia de clima, temperatura, precipitação de chuvas, pela umidade relativa, e solo que se localiza na bacia do Rio Paraguai”. Já no texto substitutivo, o parágrafo único do artigo 1º diz que “o bioma Pantanal é constituído principalmente por uma savana estépica, alagada em sua maior parte, que cobre a região de abrangência do Pantanal Mato-Grossense e de áreas de influência das cabeceiras dos rios que estruturam o sistema hídrico da planície pantaneira”. A priori, observa-se que o texto substitutivo traz uma definição mais pormenorizada e condizente com as especificidades do Pantanal, apesar de tratar o bioma como uma área “alagada”, quando ele corresponde às planícies aluviais “alagáveis” da Bacia do Alto Paraguai (EMBRAPA, 2013), que abrangem tanto a porção matogrossense quanto a sul-matogrossense, diferentemente do que foi registrado no artigo 1º, parágrafo único, do texto substitutivo. Com relação às intervenções vedadas, o artigo 11 do texto original estabelece, em seu inciso III, que fica proibida “a construção de diques, barragens ou obras de alterações dos cursos d’água, exceto açudes, tanques para piscicultura e pecuária extensiva, estabelecidos fora das linhas de drenagens, bem como para recuperação ambiental, a construção de estradas para

acesso as propriedades rurais e empreendimentos hoteleiros dentro dos limites da Planície Alagável, desde que não impeçam o fluxo natural da água”. De outro modo, o parágrafo único do artigo 13, do texto substitutivo, afirma que “nas bacias hidrográficas do bioma Pantanal estão vedadas as intervenções irreversíveis nos cursos d’água que alterem a velocidade do escoamento, o volume de água e a capacidade do transporte de sedimentos”. Nesse aspecto, a modificação trazida pelo texto substitutivo configura um avanço em relação ao dispositivo original, tendo em vista que são estabelecidas as condições que intervenções de qualquer natureza estão proibidas de imputar às bacias hidrográficas do Pantanal, e não apenas delimitam a vedação de determinadas espécies de empreendimentos, como diques e barragens, e tampouco excepcionam outras modalidades de intervenção, como açudes, tanques para piscicultura e pecuária extensiva, a exemplo do que se observa no texto original. O artigo 17 do PLS original afirma que “os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente promoverão, dentro de 05 (cinco) anos, a identificação das barragens, diques e aterros existentes na Planície Alagável do Rio Paraguai fixando, aos responsáveis, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, prazo para remoção ou adequação se ficar constatado que causam significativos danos ao ecossistema do Pantanal”. Já a versão substitutiva determina, em seu artigo 15, que “os órgãos ambientais competentes deverão identificar as barragens, diques e aterros existentes no bioma Pantanal, fixando, aos responsáveis, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, prazo para remoção ou adequação, se ficar constatado que causam significativos danos ao ecossistema do Pantanal”. Importa ressaltar que uma possível explicação para as diversas deficiências de competência legislativa presentes no PLS 750/2011 é a comparação de seu texto original com a Lei Ordinária Estadual nº 8.830/2008, que “Dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências”, que também é da autoria de Blairo Maggi – à época, governador do Estado de Mato Grosso. Ocorre que a Lei Ordinária Estadual nº 8.830/2008, de iniciativa do então representante do Poder Executivo Estadual, poderia atribuir obrigações e funções para órgãos da Administração Estadual, visto que tais ações são de competência do Poder Executivo. Entretanto, tal atribuição não é permitida quando a propositura tem iniciativa no Poder Legislativo, como é o caso do PLS 750/2011, em virtude da ausência de competência do Poder Legislativo para determinar funções ao Poder Executivo. Dessa forma, o texto substitutivo eliminou a atribuição de funções aos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente, presente no texto original, além de ter adequado a terminologia da área de proteção legislativa, utilizando o termo “Bioma Pantanal” ao invés de “Planície Alagável do Rio Paraguai”. Em relação ao plano de gestão de recursos hídricos, o artigo 18 do texto substitutivo diz que “para a construção de hidrelétricas nas bacias hídricas do bioma Pantanal é obrigatória a

formulação de plano de gestão de recursos hídricos que objetive reduzir os efeitos sobre o pulso de inundação na bacia”. Não havia qualquer menção ao referido tema no corpo da versão legislativa original. É importante pontuar que os empreendimentos hidrelétricos não são construídos ou planejados para as “bacias hídricas do Bioma Pantanal”, isto é, na planície de inundação, mas sim para áreas das nascentes e cursos superiores dos rios da Bacia do Alto Paraguai, localizadas nos planaltos circundantes. Além disso, a avaliação de impactos visando ao licenciamento de empreendimentos deve obedecer a uma análise baseada na conjuntura de projetos preexistentes, cujos impactos acumulados incidem sobre o Bioma, e não pela análise individual de cada empreendimento, como é feito atualmente e se pretende continuar com o PLS em questão (EMBRAPA PANTANAL, 2013). Por isso, é necessário que exista um plano de gestão integrada de recursos hídricos que objetive a redução dos efeitos sobre o pulso de inundação, o aporte de nutrientes e de sedimentos na bacia, com base em estudos detalhados de impacto ambiental sinérgico e acumulativo advindos destes empreendimentos, sempre considerando o conjunto de empreendimentos hidrelétricos já instalados na Bacia do Alto Paraguai (EMBRAPA PANTANAL, 2013). Acerca da vistoria de empreendimentos e demais atividades no Pantanal, o artigo 11 do PLS substitutivo também inova ao disciplinar que “qualquer empreendimento ou atividade localizado no bioma Pantanal deverá, obrigatoriamente, ser previamente vistoriado pelo órgão ambiental competente antes da emissão de parecer técnico conclusivo do processo de licenciamento”. Apesar das atividades econômicas e seus respectivos procedimentos de licenciamento ambiental atenderem a critérios da legislação estadual, o condicionamento do parecer técnico conclusivo do processo de licenciamento à vistoria prévia do órgão ambiental competente configura

um

instrumento

salutar

de

fiscalização

preventiva

dos

riscos

que

os

empreendimentos podem causar ao Pantanal e às áreas de influência das cabeceiras dos rios que estruturam o sistema hídrico da planície pantaneira. Por fim, o acréscimo de cláusula que atrela os dispositivos legais às sanções previstas na Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), representa um mecanismo de desestímulo da conduta, assim como de restabelecimento da ordem jurídica violada (BOBBIO, 2005). Com isso, depreende-se que há, em ambos os textos, contribuições de diferentes níveis de qualidade e suficiência legislativa, no sentindo de constituir impedimentos aos impactos ambientais advindos da intervenção de empreendimentos hidrelétricos no Pantanal e em seus rios formadores. Entretanto, é fundamental inferir que, em muitos aspectos, o texto legislativo do parecer substitutivo demonstra avanços em relação ao texto original, principalmente no que concerne à

conceituação do Bioma Pantanal e ao reconhecimento das áreas de influência das cabeceiras dos rios que estruturam o sistema hídrico da planície pantaneira como parte fundante do objeto tutelado pela lei. Apesar disso, a inobservância do contexto das construções já existentes como uma condição sine qua non para o licenciamento de novos empreendimentos, especialmente no que tange às Pequenas Centrais Hidrelétricas, configura, indubitavelmente, a legitimação de processos predatórios que assolam o Pantanal de forma grave e, em muitos casos, irreversível.

Palavras-chave: Direito Ambiental; Lei do Pantanal; Pantanal; Bacia do Alto Paraguai; Empreendimentos hidrelétricos.

Referências ALLASIA, D. G.; COLLISCHONN, W.; TUCCI, C. E. M; GERMANO, A.; COLLISCHONN, B.; FAILACHE, N. Modelo hidrológico da bacia do Alto Paraguai. In: SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS

DO

CENTRO-OESTE,

3.,

2004,

Goiânia.

Anais.

Disponível

em:

<

http://www.riosvivos.org.br/arquivos/site_noticias_578553689.pdf>. Acesso em: 23 out 2015. BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando P. Baptista e Ariani B. Sudatti. 3. ed. rev. São Paulo: Edipro, 2005. CALHEIROS, D. F.; ARNDT, E.; ORTEGA, E.; SILVA, M.C.A. Influências de Usinas Hidrelétricas

no

Funcionamento

Hidro-Ecológico

do

Pantanal

Mato-Grossense

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Recomendações. Documentos Embrapa Pantanal, v. 1, p. 01-19, 2009. EMBRAPA PANTANAL. Parecer da Embrapa Pantanal sobre o substitutivo da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei do Senado nº 750, de 2011, do Senador Blairo Maggi, que dispõe sobre a Política de Gestão e Proteção do Bioma Pantanal e dá outras providências, cujo Relator foi o Senador Eduardo Lopes. Disponível em: . Acesso em: 23 out 2015. PELLEGRINI, Fábio. Débora Calheiros: “O setor elétrico manda na gestão de recursos hídricos no

Brasil”.

Disponível

em:

. Acesso em: 23 out 2015.

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