O uso da divulgação científica em sala de aula: apropriação por meio do discurso citado

July 23, 2017 | Autor: Guilherme Lima | Categoria: Ensino de Física, Ensino De Ciências
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O USO DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM SALA DE AULA: A APROPRIAÇÃO POR MEIO DO
DISCURSO CITADO

THE USE OF SCIENTIFIC DISSEMINATION IN THE CLASSROOM: APPROPRIATION THROUGH
THE CITED DISCOURSE

Guilherme da Silva Lima1, Marcelo Giordan2

1 Universidade de São Paulo/ Faculdade de Educação/ [email protected]
2 Universidade de São Paulo/ Faculdade de Educação/ [email protected]


Resumo


Esse trabalho apresenta uma investigação acerca do uso da divulgação
científica em sala de aula. A divulgação científica não é produzida
originalmente para o uso em situações formais de ensino, todavia é um
recurso frequentemente utilizado por professores de ciências enquanto
ferramenta para introduzir, refletir, explicar e contextualizar conceitos
científicos. O trabalho contempla um estudo de caso em que um professor de
ciências do ensino fundamental utiliza um livro de divulgação científica,
Bilhões e bilhões de Carl Sagan, para explicar e contextualizar a notação
científica em uma sequência didática sobre o micro e o macrocosmo. A
investigação está pautada nas contribuições teóricas de Mikhail Bakhtin e
busca compreender as modalidades discursivas utilizadas pelo professor
durante o uso do livro. Para tanto, foi feito o acompanhamento e gravações
das aulas de uma sequência didática aplicada para o 9º ano do ensino
fundamental em uma escola da rede estadual de ensino de São Paulo. Após a
seleção do episódio e de sua transcrição, foi possível notar que o uso da
divulgação científica ocorreu, predominantemente, por meio do discurso
direto e os propósitos de ensino do professor coincidiu com os propósitos
narrativos da divulgação científica. Tal coincidência, não é uma regra e,
nesse caso, expressa uma modalidade de uso desse recurso em situações de
ensino.
Palavras-chave: Divulgação científica, ensino de física, discurso
citado.


Abstract
This paper presents an investigation of the use of science
communication in the classroom. Science communication is not originally
produced for use in formal education, but is a feature often used by
science teachers as a tool to introduce, reflect, explain and contextualize
scientific concepts. The work describes a case study in which a science
teacher of elementary school uses a popular science book, Billions and
Billions by Carl Sagan to explain and contextualize scientific notation in
a teaching sequence on the micro and macrocosm. The investigation is guided
on the theoretical contributions of Mikhail Bakhtin and seeks to understand
the discursive modalities used by the teacher during the use of the book.
For both, were monitored and recordings of classes of a didactic sequence
applied to the 9th year of primary education in a state school teaching of
São Paulo. After selecting the episode and its transcript, it was
noticeable that the use of science communication occurred predominantly
through discourse quoted and purposes of teacher education coincided with
the purposes of the discourse of science. This coincidence is not a rule
and expresses a way of using this resource in teaching situations.
Keywords: Scientific dissemination, teaching physics, cited discurse.


Introdução
As situações de ensino podem ser caracterizadas pela diversidade de
abordagens e métodos. Dentro das possibilidades e recursos, o uso de
suportes de divulgação científica (DC) tem sido frequente, de modo que são
adotados por professores para desenvolver conceitos e abordar o
conhecimento científico.

O uso de suportes de DC tem sido objeto de estudo da pesquisa em
ensino de ciências e no ensino de física. Trabalhos desenvolvidos por
Almeida e colaboradores tem sido uma referência para a investigação sobre
leitura e o uso de DC em sala de aula. Na mesma linha pesquisadores como
Silva e Almeida (1998), Almeida (2004), Cunha (2009), Cunha e Giordan
(2009) e Almeida (2011) tem contribuído significativamente para a reflexão
e investigação do uso DC em situações de ensino.

Por ser objeto interdisciplinar, a reflexão e discussão acerca da DC
é fomentada por diversas áreas do conhecimento além da educação, como a
comunicação, a sociologia e a linguística. Trabalhos como aqueles
desenvolvidos por Authier (1998), Godin e Gingras (2000), Zamboni (2001),
Lewenstein (2003), Vogt (2003), Grillo (2006; 2008), Bueno (2009) e Epstein
(2012) tem colaborado para a compreensão da natureza da DC, com a tentativa
de estabelecer as características linguísticas, bem como o estabelecimento
das esferas de atuação humana que são articuladas para a produção da DC.

Este trabalho tem como foco a investigação do uso da DC em situações
de ensino. A investigação está pautada na teoria da enunciação proposta
pelo círculo de Bakhtin, ao passo que as análises estão focadas nos
processos qualitativos que indicam a apropriação do discurso de DC e a
composição do discurso escolar.

Assim, o objetivo da pesquisa é compreender a apropriação da DC por
professores de ciências. Devido a amplitude dos processos que compõe a
apropriação de ferramentas culturais, este trabalho investiga
especificamente os processos de apropriação das ferramentas da linguagem,
isto é, o discurso de DC.




A divulgação científica enquanto gênero discursivo

Tradicionalmente o discurso de DC é compreendido como sendo uma
simplificação, reelaboração ou reformulação do discurso científico, trata-
se de um discurso derivado. Authier-Revuz (1999) compreende a DC enquanto
conjuntos de práticas de reformulação, que se "designa continuamente, como
dois exteriores, o discurso científico fonte e o discurso familiar do
grande público, entre os quais ela se coloca em cena como atividade de
reformulação" (AUTHIER-REVUZ, p. 10, 1999).

Tal intepretação segrega o principal sujeito da DC, como também
acentua os extremos dessa cadeia comunicativa, que é composta pelos
especialistas em um extremo e o público no outro. Assim o divulgador da
Ciência tem o papel de 'construir' uma ponte entre o discurso do
especialista e o discurso do leigo.

Uma contraproposta a interpretação tradicional da DC surge com
Zamboni (1997; 2001) que defende a DC enquanto um gênero discursivo
próprio. A autora tece uma crítica acerca da proposição de Authier, em suas
palavras, Zamboni (p. 82, 2001) caracteriza "o discurso de DC como um
gênero particular no conjunto dos demais discursos das diferentes áreas de
funcionamento da linguagem, e não apenas como um gênero que particulariza
no subconjunto das práticas de reformulação".

Para sustentar a argumentação, Zamboni se pauta nas contribuições de
Bakhtin e compreende que a DC comporta enunciados relativamente estáveis no
ponto de vista temático, composicional e estilístico. A autora aponta que,
do ponto de vista temático o gênero DC é caracterizado pela concentração do
assunto ciência e tecnologia, do ponto de vista composicional destaca a
"recuperação de conhecimentos científicos tácitos, fórmulas de envolvimento
e segmentação da informação" (ZAMBONI, p. 89, 2001) e, por fim, do ponto de
vista estilístico a autora aponta o emprego de analogias, generalizações,
aproximações, comparações, simplificações, que visam suprir as dificuldades
de um público não especializado.

Este trabalho está pautado na compreensão da DC enquanto gênero
discursivo, uma vez que é produzida por contextos específicos articulados
por uma determinada estrutura composicional, temática e estilística. Tal
compreensão particulariza o uso da DC em situações de ensino, uma vez que
trata-se de um discurso próprio que versa sobre a cultura científica e não
como uma simplificação do discurso científico em questão.




O discurso citado

Quando existe o uso da DC em sala de aula, a linguagem e a interação
verbal nesse espaço, ou melhor, as novas ações de interação, passam a
contar com um discurso dentro de outro discurso, fato que é compreendido
por Bakhtin (2009) por meio da dialogia e do discurso citado.

Do ponto de vista da dialogia, o discurso citado é um fenômeno em que
a dialogia é extrapolada para a estrutura composicional do enunciado, isto
é, quando o enunciado é composto por discursos de outros. Assim, é possível
notar que a dialogia pode ocorrer tanto no plano interno das enunciações,
quanto em um plano 'externalizado' pelo enunciado, onde as relações entre
os enunciados ficam evidentes devido à demarcação das vozes.

De acordo com Bakhtin (2009) o discurso citado é utilizado para
transmitir e integrar enunciações de outro(s) num contexto monológico
coerente. Para o autor, "O discurso citado é visto pelo falante como a
enunciação de uma outra pessoa, completamente independente na origem,
dotada de uma construção completa, e situada fora do contexto narrativo."
(BAKHTIN, 2009, p. 150). Isso significa que o discurso citado conserva a
autonomia discursiva do enunciado produzido por outra pessoa.

Pelo fato do discurso de DC ser produzido pela esfera da cultura
científica e possuir relações dialógicas com outras esferas distintas, é
possível encontrar diversos recursos alheios e características de outros
gêneros discursivos que são utilizadas pelo discurso de DC, bem como
'vozes' típicas dos gêneros educacionais, científicos e jornalísticos.

Bakhtin (2009) pontua as principais formas de discurso citado, bem
como seus modelos estilísticos, quais sejam: discurso direto – quando o
enunciado alheio é incorporado literalmente no discurso; discurso indireto
– quando o enunciado produzido é uma interpretação do enunciado alheio e o
seu conteúdo é conservado; discurso indireto livre – quando há uma
sobreposição do discurso do autor e do discurso citado, portanto, não é
possível distinguir fronteiras absolutas entre os discursos; paralelamente
o estilo linear – conserva a integridade e autenticidade do discurso alheio
e estilo pictórico – atenua os contornos e fronteiras externas do discurso
alheio.




Metodologia

A investigação contou com o acompanhamento e gravação de uma
sequência didática desenvolvida por um professor de ciências para o 9º ano
do ensino fundamental. A sequência didática era composta por nove aulas
acrescida de uma visita a um museu de ciências e tinha como tema o macro e
o micro cosmos.

A pesquisa foi realizada na escola EE Profª Olivia Bianco localizada
no município de Piracicaba - SP. Os convites e a coleta de informações, por
meio da gravação em sala de aula, foram realizados respeitando as
diretrizes e os princípios éticos na pesquisa com seres humanos, conforme
as orientações da resolução do CNS 196/96. As gravações, portanto, foram
realizadas com o consentimento livre e esclarecido por parte de todos os
sujeitos envolvidos, bem como de seus representantes legais.

Para as gravações foram utilizadas duas filmadoras que coletavam
informações da sala de aula simultaneamente e que foram colocadas em
posições estratégicas para que o maior número de informações ficasse
registrado.

Após as gravações foram elaborados mapas das aulas para a seleção de
episódios tal como proposto por Silva (2008). Em seguida, foi selecionado
um episódio que foi transcrito e os principais trechos estão apresentados a
seguir.

No episódio selecionado, o professor faz a leitura do livro: Bilhões
e bilhões, escrito por Carl Sagan; com o propósito de introduzir o conceito
de notação científica. Boa parte do episódio se restringe à leitura do
primeiro capítulo do livro, entretanto, há alguns momentos de interação
onde o professor e os estudantes interpretam e comentam os conceitos e
fatos apresentados pelo livro.




Resultados e análise

Para organizar e facilitar compreensão da transcrição, produzimos uma
tabela onde as linhas correspondem aos turnos de falas. Para diferenciar o
sujeito que enuncia, utilizamos a seguinte correspondência: P, para as
falas produzidas e elaboradas predominantemente pelo professor; PL, para os
enunciados compostos predominantemente pelos discursos presentes no livro
lido pelo professor; A, para as falas dos alunos – para diferenciar os
estudantes foi utilizada uma letra depois do 'A' em forma de subscrito.

"Turno"Transcrição "Observações "
"57 "PL. Como as pessoas são práticas, os " "
" "cientistas e os matemáticos fazem exatamente " "
" "isso. É... Criaram, né!? a chamada notação " "
" "científica ou notação exponencial. Você " "
" "escreve o número 10; depois um número pequeno," "
" "alçado à direita do 10 como um sobrescrito, " "
" "informa quantos zeros existem depois do número" "
" "1. Assim, 10 elevado a seis, " "
" " "o professor "
"58 "P. né!? Dez elevado a seis, significa o que? O"escreve na lousa: "
" "número 1 seguido de seis zeros, tá!? "106= 1.000.000 "
" " "Alguns alunos "
" " "falam com o "
" " "professor seis "
" " "zeros "
"59 "Am. Vimos isso em matemática. " "
"60 "P. Vocês viram isso em matemática " "
"61 "Am. Ele tava pedindo para... é (...) sobre " "
" "contagem de números mesmo, daí quanto tempo " "
" "levaria para as pessoas para concluírem " "
" "[incompreensível] " "
"62 "P. Certo! Então ele vai, então ele fala assim:"O professor lê "
" "para expressar, né!? dez elevado a nove, tá!? "trechos do livro. "
" "então seria o que? O número 1 com... " "
"63 "As. Nove zeros. " "
"64 "P. Nove zeros, tá!?. E assim por diante. Para "Aluno interrompe "
" "vocês... hã? " "
"65 "At. Dez elevado a vinte e cinco " "
"66 "P. dez elevado a doze, aí ele vai dando e " "
" "assim por diante. " "


"Turno"Transcrição "Observações "
"72 "PL. Depois de se dominar a notação " "
" "exponencial, pode-se lidar sem esforço com " "
" "números imensos, como o número aproximado de " "
" "micróbios em uma colher de chá, né!? cheia de " "
" "terra; " "
"73 "P. Então se a gente pegar uma colher cheia de " "
" "terra... Então vamos lá, vamos começar a "O professor "
" "treinar aí. (...) Se a gente pegar uma colher "escreve na lousa "
" "de chá, de terra, tá!? A gente vai encontrar "108 "
" "uma quantidade de bactérias (...) disso aqui ó" "
" "(...) de dez elevado a oito. Então, vamos por " "
" "aqui, colher de chá com terra aí ele continua:" "
"74 "PL. Os de grãos de areia de uma praia de todas"O Professor "
" "as praias da Terra talvez de 1020 "escreve na lousa o"
" " "valor "
"75 "As. Só? " "
"76 "PL.de seres vivos na Terra " "
"77 "P. Então aqui é areia, grão de areia, aqui de "o professor "
" "seres vivos (...) seres vivos, né!? Agora aqui"escreve na lousa: "
" "que legal: "grãos de areia "
" " "Seres vivos 1029 "
"78 "PL. Total de átomos em toda a vida sobre a "Professor começa a"
" "Terra "escrever na lousa:"
" " "total de átomos = "
" " "1041 "
"79 "As. Ah. " "
"80 "Al. Se for um número pequeno eu vou reclamar. " "
"81 "P. risos " "
"82 "Al. É grande para caramba esse negócio " "
"83 "P. Só sobre a Terra, hem? Um número assim, ó " "
" "dez... " "
"85 "Al. Dez elevado a cento e alguma coisa. " "
"86 "P. não, não. " "
"87 "Al. Quarenta e um. Quarenta e um só? (...) só " "
" "não é mais! " "
"88 "A. Quarenta e um só? " "
"89 "Ay, não, imagina! " "
"90 "PL. O de núcleos atômicos do Sol " "
"91 "P. de núcleos atômicos Sol, só do Sol, tá "Professor começa a"
" " "escrever: núcleos "
" " "atômicos do sol "
" " "1057 "
"92 "Am. Deve ser um número muito grande. "Muitos alunos "
" "Ak. deve ser quarenta e seis. "falam ao mesmo "
" "Al. quarenta e oito. "tempo e é difícil "
" " "compreender "
"93 "PL. Ou número de partículas elementares, "O professor "
" "elétrons, prótons, nêutrons, Dá um total de "continua a ler o "
" "dez elevado a oitenta. Isso não significa que "livro "
" "se possa imaginar 1 bilhão ou 1 quintilhão de " "
" "objetos – ninguém pode... " "


Ambos os trechos transcritos são compostos por abordagens
interativas, que intercalam os sujeitos locutores: o livro por meio da
leitura do professor, o professor e os estudantes. Além disso, é possível
notar que o centro de articulação da interação está alocado nos discursos
apresentados pelo livro, isto é, tanto o professor, quanto os estudantes
comentam e se posicionam perante o que Carl Sagan escreveu.

O uso do livro, nesse caso, ocorre exclusivamente enquanto modalidade
de discurso direto, por isso não é possível encontrar fragmentos em que o
professor desloca o centro gerador da interação, que é sempre o livro. Não
há trechos significativos de uso do discurso indireto, quão menos do uso do
discurso indireto livre.

É importante ressaltar, que a ausência de outras modalidades
discursivas não deprecia a qualidade da aula produzida pelo professor,
trata-se de questões estéticas, como o perfil de aula do professor, bem
como propósitos e objetivos traçados para a aula.

Além disso, o estilo utilizado varia entre os turnos em que o
discurso citado está presente. Nos turnos 57, 58, 73 e74 o estilo utilizado
está mais próximo ao estilo pictórico, que atenua as fronteiras discursivas
entre o discurso do professor e o discurso de Carl Sagan. Os trechos
produzidos pela leitura do livro contêm vícios de linguagens e pequenas
inferências feitas pelo professor, ações que aproximam o discurso do
professor e o discurso presente no livro. Por outro lado, no turno 72 e 93
o estilo utilizado está mais próximo do estilo linear, uma vez que conserva
a integridade e autenticidade do discurso alheio e não há inferências que
atenuem as fronteiras entre o discurso do professor e o discurso citado.

É possível notar, que nas duas sequências interativas o propósito de
ensino do professor coincide com os propósitos narrativos do livro. De
modo, que na primeira sequência interativa o propósito de Carl Sagan é
introduzir o conceito de notação científica e é o mesmo do professor. Mais
especificamente o professor se apropria do discurso de Sagan para
introduzir o conceito, ainda que o propósito imediato seja o mesmo.

Além das modalidades e estilos de uso da DC, nos turnos 57, 62 e 63 é
possível identificar o propósito explicativo tanto do livro, quanto do
professor. Ambos têm o propósito de explicar, ainda que simplificadamente,
a estrutura da notação científica. O propósito do livro está num primeiro
plano, ao passo que é possível encontra-lo devido aos sentidos contidos no
discurso e no tipo da abordagem utilizada. Em contrapartida, o propósito do
professor é explicitado indiretamente, por meio da escolha e da leitura do
capítulo do livro.

Na segunda sequência interativa, ocorre algo muito parecido, mas o
propósito tanto do livro, quanto do professor são reformulados, no caso a
narrativa busca contextualizar e trazer exemplos concretos do uso da
notação científica para a compreensão de ordem de grandeza.

O episódio aponta que o uso da modalidade de discurso direto pode ser
um ótimo recurso para contextualizar o ensino de física, uma vez que traz
informações de interesse dos estudantes e que condiz com os conceitos
desenvolvidos pelo professor, como podemos ver nos turnos 73, 74, 77 e 78.

Além disso, o uso dessa modalidade discursiva também pode gerar
discussões e situações de interação verbal em sala de aula. Entre os turnos
78 e 92 há um ótimo exemplo da possibilidade de geração de debates a partir
da leitura direta de um material de DC. No caso estudado, o professor não
faz uso dessa estratégia e o debate acerca dos sentidos que estavam sendo
produzidos pelos estudantes é silenciado pela abordagem interativa/ de
autoridade utilizada pelo professor (MORTIMER e SCOTT, 2002). O não uso de
uma abordagem dialógica em que os estudantes poderiam expor, discutir e
refletir sobre suas percepções não desqualifica o uso da DC em sala de
aula, trata-se de uma questão de propósitos de uso do suporte em situações
de ensino, bem como do planejamento feito pelo professor.




Considerações finais

O trabalho apresentado nos indica algumas características do uso da
DC em situações de ensino. Compreender as modalidades de uso da DC na
educação formal pode contribuir significativamente para a proposição de
aulas que façam uso desse recurso e, ao mesmo tempo, contribuir para
orientação e produção de suportes dessa natureza que tenham o professor
como destinatário.

Destacamos apenas a modalidade de uso compreendida pelo discurso
direto, que está pautada no uso literal do discurso de DC, que nesse caso
se deu pela leitura de um capítulo do livro de Carl Sagan: Bilhões e
bilhões.

O uso da DC se deu por meio do estabelecimento de dois propósitos de
ensino o primeiro foi explicativo e o segundo contextual, que coincidiram
com os propósitos narrativos do livro. Tal coincidência não é uma condição
para o uso da DC em situações de ensino, uma vez que após apropriação dessa
ferramenta cultural, o professor pode utilizá-la para seus propósitos
específicos. Sendo assim, o caso estudado evidencia a composição da
narrativa do professor, bem como do discurso escolar, que são produzidos
por meio da apropriação do discurso de DC e em seguida utilizados em
situações de ensino.

Essa investigação não esgota as possibilidades de pesquisa do uso da
DC em sala de aula, muito pelo contrário, evidencia uma prática recorrente
em situações formais de ensino de física que merece destaca.

Por fim, as modalidades de uso do discurso alheio em situações de
ensino pode nos indicar caminhos e propostas para a investigação e para o
planejamento de situações de ensino de física, que pode corroborar tanto
para a aprendizagem de conceitos científico, quanto para a criação de uma
prática de aproximação da cultura científica e tecnológica.




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