O USO DE ANALOGIAS NO PROCESSO COMUNICATIVO DE SALA DE AULA THE USE OF ANALOGIES IN THE CLASSROOM COMMUNICATIVE PROCESS

July 9, 2017 | Autor: Roberto Nardi | Categoria: Physics teaching, High School
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XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Curitiba – 2008

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O USO DE ANALOGIAS NO PROCESSO COMUNICATIVO DE SALA DE AULA THE USE OF ANALOGIES IN THE CLASSROOM COMMUNICATIVE PROCESS Fernanda C. Bozelli1 Roberto Nardi2 1 Universidade Estadual Paulista – UNESP – Faculdade de Ciências. Câmpus de Bauru. Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências. Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência. Apoio: FAPESP [email: [email protected]] 2

Universidade Estadual Paulista – UNESP – Faculdade de Ciências. Câmpus de Bauru. Professor Adjunto - Departamento de Educação – Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência - Faculdade de Ciências – Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Bauru. Apoio: CNPq [email: [email protected]]

Resumo: Apresentamos aqui parte de um estudo mais amplo que investiga o papel da linguagem na formação de professores . Essa pesquisa foi realizada em uma turma de futuros professores de Física de uma Universidade Pública; os dados foram constituídos durante atividades de estágio de regência, parte integrante de uma das disciplinas presentes no currículo de formação inicial de professores: a Prática de Ensino de Física. Uma das questões que buscamos responder nesta pesquisa foi a seguinte: Quando/Como as analogias são utilizadas como estratégias didáticas no processo de comunicação em sala de aula? Os dados mostram que em um processo de interação comunicativa de sala de aula, os licenciandos recorreram ao uso de analogias em suas explicações, com intuito de tornar a linguagem mais próxima de situaç ões conhecidas pelos alunos , transformando o conteúdo específico num conteúdo ensinável, constituindo-se, assim, em um dos saberes que o futuro professor incorpora em seu ‘repertório’, no exercício de colocar em prática o conhecimento pedagógico de conteúdos. O estudo mostra a necessidade de maiores discussões sobre o uso de analogias na formação inicial dos professores, sua função, suas utilidades, suas vantagens e desvantagens, enfim, como usar analogias de uma forma efetiva. Palavras-chave: Ensino de Física; Formação inicial de professores; Analogias. Abstract: We present here part of a broader study that investigates the role of language n i teachers ` training. The research was carried out among future high school physics teachers , in a Public University; data were built during the training activities of regency, in a subject presents in the curriculum: Practice of Physics Teaching. One of the questions we looked for to answer on this research it was the following: When/how the analogies are used as teaching strategies in the process of communication in the classroom? Data show that in a process of communicative interaction in the classroom, the future high school teachers turn to the use of analogies in their explanations, in order to make the language closer to situations known by the students , transforming the specific content in a teaching specific content, constituting so, in one of the knowledge that the future teacher incorporates into his/her repertoire, in the exercise of putting into practice the content pedagogical

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knowledge. The research shows the necessity of improving discussions about the use of analogies in the initial training of teachers, their function, their utilities, their advantages and disadvantages, that means, how to use analogies Keywords:Physics teaching; pre-service teachers education; analogies

Introdução O papel da linguagem no ensino e na aprendizagem tem sido cada vez mais privilegiado nas pesquisas em Ensino de Ciências. Verifica-se na literatura deste campo, nos últimos anos, uma mudança na maneira de compreender o papel da linguagem na educação científica, na natureza das interações entre professores e alunos visando à construção de conhecimentos científicos e nos discursos que circulam na sala de aula (SUTTON 1997; CANDELA, 1998; WELLS, 1998; MACHADO, 1999). De acordo com Machado e Moura (1995), são as palavras ditas em sala de aula que constroem e consolidam o cotidiano de professores e alunos. Sobre esse cotidiano e sua linguagem muito se te m pesquisado (MONTEIRO e TEIXEIRA, 2004; MORTIMER, 2000), procurando incorporar a dimensão sócio-interacionista à análise do processo de ensino. Estes trabalhos, de acordo com Mortimer e Machado (2001): [...] destacam que a construção do conhecimento em sala de aula é mediado pela linguagem e que o discurso produzido na interpretação das atividades é no mínimo tão importante quanto as próprias atividades realizadas pelos alunos [...] (p. 109)

Ainda segundo este autor, nas pesquisas em ensino há um deslocamento da ênfase em processos individuais na construção de conhecimentos para os processos coletivos de enunciação - para as interações, a mediação semiótica e a linguagem. Buscando um entendimento da complexa dinâmica que envolve os processos interativos durante a prática docente, muitas pesquisas têm sido desenvolvidas com o propósito de investigar os discursos de professor e alunos em situações de aula, avaliando sua importância na condução de atividades e no aprendizado. Martins, Ogborn e Kress (1999), por exemplo, destacam o papel da explicação nas situações de ensino e de aprendizagem em sala de aula. Segundo esses autores “explicar envolve, uma análise cuidadosa dos conteúdos a serem tratados, a consideração de diferentes estratégias de comunicação, diferentes interesses e habilidades cognitivas dos interlocutores” (p. 30). Segundo eles , há uma “necessidade emergente de uma teoria, de uma linguagem, que seja compartilhada e que dê conta de descrever, analisar e iluminar o que está envolvido na tarefa de ‘explicar’ e que ajude a cara cterizar as explicações em termos de distinções mais informativas do que simples ou complicado, claro ou confuso, fácil ou difícil” (p. 03). Por outro lado, estudos que privilegiam o papel da linguagem na educação consideram que uma das maneiras de facilitar a comunicação em sala de aula, de forma a tornar o conhecimento científico compreensível é por meio do uso de

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analogias e outras figuras de linguagem (DUIT, 1991; HARRISSON e TREAGUST, 1993; THIELE e TREAGUST, 1994; DAGHER, 1995; GODOY, 2002). Apresentamos aqui parte desse estudo mais amplo que investiga o papel da linguagem na formação de professores de Física de nível médio que procurou: a) Considerar todo o processo no qual o futuro professor está inserido e, por meio disso, analisar e identificar via bilidades e dificuldades desses professores em suas práticas comunicativas de sala de aula; b) Avaliar a prática educacional dos futuros professores (licenciandos), de forma a verificar a transposição do saber de referência para o saber a ser ensinado; c) Investigar o uso da linguagem (explicações, analogias etc.) pelos licenciandos nas atividades de ensino de Física desenvolvidas ao longo do estágio de regência. Essa pesquisa foi realizada em uma turma de futuros professores de Física de uma Universidade Pública do Estado de São Paulo, Brasil, e os dados foram constituídos durante atividades de estágio de regência, parte integrante de uma das disciplinas consideradas essenciais na formação inicial de professores: a Prática de Ensino de Física. Uma das questões que buscamos responder nesta pesquisa, por exemplo, foi a seguinte: - Quando/Como as analogias são utilizadas como estratégias didáticas no processo de comunicação em sala de aula? Destacamos aqui a interpretação de episódios de ensino referentes ao ensino dos conteúdos de termologia e de eletromagnetismo. O uso de analogias no processo comunicativo de sala de aula A comunicação escolar, especificamente em ciências naturais, encontra uma série de dificuldades. Diversos autores têm mostrado a importância da linguagem e, particularmente da explicação no ensino e na aprendizagem de Ciências. Destacamos, como sendo uma delas a presença de um espaço relevante entre a linguagem comum e a linguagem científica, também chamada “linguagem científica erudita” como aponta Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001). De acordo com esses autores, aprender ciências implica, antes de tudo, aprender a lidar com a linguagem. Martins, Ogborn e Kress (1999) entendem que o conhecimento não só sofre diversas transformações até chegar à escola, mas também é continuamente transformado na escola. A comunicação do conhecimento científico na sala de aula, por meio de explicações, envolve tanto entender o conteúdo dessas explicações quanto ser capaz de comunicar esse conteúdo de maneira efetiva. Considerando que conceitos são instrumentos de assimilação através dos quais interpretamos e interagimos com o mundo que nos cerca, a aprendizagem de conceitos constitui elemento fundamental na educação em ciências. Segundo Mortimer e Machado (1997), a construção do conhecimento em sala de aula depende essencialmente de um processo no qual os significados e a linguagem do professor vão sendo apropriados pelos alunos, na construção de um conhecimento compartilhado. O emprego de analogias pelos professores tem ajudado a reduzir o que Lemke (1993) chamou de “mística da ciência”, ou seja, essa visão que isola a ciência das outras atividades humanas e processos sociais.

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Segundo este autor, apesar de sabermos que a linguagem científica possui toda uma norma, uma regra estilística, “os alunos tendem a centrar mais atenção ao que se está dizendo se os professores rompem com ditas regras” (p. 143), ou seja, [...] essas normas estilísticas da ciência impedem a comunicação de seu conteúdo aos alunos [...] devido a isto, todo bom professor de ciências acaba achando necessário romper as regras e infringir estas normas estilísticas, humanizando a ciência conforme a comunica (LEMKE, 1993, p. 146).

Ainda, segundo Lemke (1993), [...] podemos ter plena confiança ao di zer que é de três a quatro vezes mais provável que os alunos fiquem muito mais atentos na aula diante de uma fala científica ‘humanizada’ que diante de uma fala científica ‘normal’ [...] (os alunos) põem também uma atenção especial naqueles momentos em que o professor fala em uma linguagem que é mais familiar e acessível [...] é mais provável que sejam capazes de captar aquilo de que se está falando, nos momentos em que o que se diz é mais interessante, familiar, coloquial e mais humano (p. 148).

Dessa forma, os professores utilizando uma linguagem mais humanizada, não estariam deixando de falar a linguagem da ciência, uma vez que a ciência é uma atividade humana, “envolve atores humanos e juízos, rivalidades e antagonismos, mistérios e surpresas, o uso criativo de metáforas e analogias” (p. 146). Assim, dentre os estudos sobre linguagem no ensino de Ciências tem sido destacado o papel das analogias na comunicação entre professores e alunos em sala de aula. A estratégia analógica de instrução consiste em uma modalidade de explicação, onde a introdução de novos conhecimentos por parte de quem ensina, se realiza a partir do estabelecimento explícito de uma analogia com um domínio de conhecimento mais familiar e melhor organizado que serve como um marco referencial para compreender a nova informação (ADROVER e DUARTE , 1995, apud ANDRADE, ZYLBERSZTAJN e FERRARI, 2002, p. 01).

As analogias se mostram importantes no ensino de ciências, visto que a maioria dos conceitos na área de ciências – especialmente na Física – são de natureza abstrata, isto é, sua compreensão requer que os alunos sejam capazes de imaginar, modelar etc . Como eles não são tão fáceis de serem compreendidos pelos estudantes, o professor sente a necessidade de utilizar algo mais próximo de sua realidade, que seja visualizável por ele . Nesse sentido, as analogias são utilizadas como recursos didáticos no ensino de tais conceitos, pois elas apresentam similaridades entre dois domínios diferentes, sendo que um deles deve ser familiar ao aprendiz – denominado ‘análogo’ e outro não familiar –chamado ‘alvo’ (CURTIS e REIGELUTH, 1984). Ao mesmo tempo, as analogias podem ser consideradas como “facas de dois gumes” (GLYNN et al., 1998, p. 387) uma vez que, paralelamente às vantagens podem apresentar desvantagens, como as destacadas por Duit (1991): uma analogia nunca está baseada em uma combinação exata entre analógico e alvo. Geralmente há características do analógico que são diferentes do alvo e isso pode induzir ao erro; apesar de o raciocínio analógico ser comum, o uso espontâneo das analogias proporcionadas pelos professores ou alunos ainda são raros. O uso de analogias em situações de aprendizagem exige orientações consideráveis. O acesso 4

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às analogias dadas é facilitado por semelhanças superficiais e por aspectos de estrutura profunda, mas somente este aspecto tem poder inferencial. Mesmo apresentando desvantagens, Orgill e Bodner (2004) recomendam que analogias devem ser usadas quando o conceito alvo é difícil de ser explicado, entendido e/ou não pode ser visualizado. Além disso, eles recomendam que elas devem ser simples e apresentar uma linguagem clara e relações entre os dois domínios que sejam facilmente compreendidas pelos alunos. Ainda de acordo com esses autores, as analogias não devem ser usadas quando o conceito alvo é simples ou de fácil entendimento, ou quando os alunos não conseguem associar o análogo com o alvo. Os estudos de Brown e Clement (1989) mostram que as analogias proporcionam aos estudantes meios para desenvolver suas idéias de uma maneira revisionária, ou seja, como ponto de referência para verificar a plausibilidade de sua explicação ou conjectura inicial. O emprego de analogias em explicações de licenciandos durante o estágio de regência Visando verificar o emprego de analogias em sala de aula por futuros professores de Física é que esta pesquisa vem sendo desenvolvida. De acordo com Duit (1991) e ressaltado por Oliva (2008) “são poucos os estudos que analisam como os professores usam analogias na sua prática habitual” (p. 16), espec ificamente, na formação inicial. Os dados foram constituídos junto a uma turma de 23 futuros professores de Física de nível médio, ao longo de um semestre, durante o desenvolvimento de atividades de estágio curricular supervisionado realizadas ao final do curso. As referidas atividades tiveram como foco principal à regência de aulas numa escola pública de Ensino Médio. Assim, os licenciandos foram solicitados a planejar e ministrar um curso (56 horas -aula) para alunos da escola em questão. Esse curso foi intitulado “O outro lado da Física”, e incluiu sete módulos: Mecânica, Termologia, Óptica, Eletricidade, Eletromagnetismo, Física Moderna e Contemporânea e Noções de Astronomia. Cada módulo de ensino foi preparado e ministrado por um diferente grupo de licenciandos. Esses módulos foram desenvolvidos semanalmente, às segundas e terças feiras, no período noturno, das 19h às 23h. Cada grupo dispôs de dois conjuntos de quatro aulas (ou seja, oito horas-aula) para trabalhar os tópicos escolhidos. Os alunos dos dois primeiros anos do Ensino Médio, matriculados no curso, realizaram as atividades no período noturno, para que não houvesse interferência em suas atividades normais de aula, uma vez que estudavam no período diurno. As aulas do curso foram todas filmadas e transcritas posteriormente. O curso teve por meta proporcionar aos alunos do Ensino Médio, bem como aos licenciandos, uma visão alternativa do processo de ensino e aprendizagem. Por isso, os futuros professores foram solicitados a enfatizar no curso uma abordagem dialógica, a problematização dos conteúdos e a incorporação de resultados da pesquisa em Ensino de Física, temáticas já estudadas e discutidas no semestre anterior. Neste último item, privilegiou-se no planejamento das atividades, levar em conta abordagens que privilegiassem: a inserção da História e Filosofia da Ciência no ensino; as concepções prévias ou alternativas dos alunos; a inserção de tópicos

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de Física Moderna e o favorecimento de discussões sobre as relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e o cotidiano dos alunos. O processo gerou uma quantidade significativa de dados que foram posteriormente transcritos e, estão sendo cuidadosamente analisados. Destacam-se aqui, dois dos episódios de ensino referentes aos tópicos de termologia e Eletromagnetismo, especificamente aqueles nos quais tanto os licenciandos quanto os alunos utilizaram analogias durante o processo comunicativo de sala de aula. Episódio 1: Tópico de Termologia Neste primeiro episódio, a discussão na aula vem fluindo até que o licenciando 1 faz menção à primeira lei da termodinâmica1 sem fazer qualquer referência ao elemento trabalho, só traz a tona o elemento calor, o que torna a explicação do conceito incompleta. Em seguida, ao começar explicar o que é calor, o faz de mane ira convencional como descrito nos manuais escolares e feito pela maioria dos professores, e mesmo não aceitando que seja a melhor das explicações diz: “eu acho muito chato; mas eu vou fazer mesmo assim”. Fica claro na sua fala que não é o que ele acha ou deixa de achar, mas que, na verdade, é a única forma que ele sabe fazer. Ao mesmo tempo utiliza uma linguagem abstrata e confusa, pois introduz elementos na explicação ora chamando-os de “objetos”, ora chamando-os de “corpos”, o que pode denotar imaginações (visualizações) de elementos diferenciados por parte dos alunos. Licenciando 1: Exatamente, passou por um troço chamado ‘Primeira Lei da Termodinâmica’. Essa primeira lei diz assim: que se você tem [...] dois objetozinhos quaisquer (desenha dois quadrados na lousa) [...] eu vou fazer uma coisa que o professor de física costuma fazer aqui, que eu acho muito chato; mas eu vou fazer mesmo assim, vou batizar estes corpos: A e B (rotula os quadrados na lousa) .

Em seguida, o licenciando suscita a imaginação dos alunos para que os mesmos tentem visualizar a situação proposta: “Aí a gente vai fingir que o A está mais aquecido que o B, quer dizer, o A tá quente e o B tá frio” (escreve na lousa TA >TB). Isto é, o licenciando quis dizer que a temperatura de A é maior que a temperatura de B. A palavra temperatura deveria ter sido utilizada já que a palavra ‘calor’ é, freqüentemente, confundida por ‘temperatura’. Percebemos nesse trecho o licenciando tentando estabelecer uma comunicação com os alunos utilizando uma linguagem mais coloquial (LEMKE, 1993) ao mencionar ‘quer dizer’. Posteriormente, prosseguindo em sua explicação, o licenciando ao inserir o conceito de ‘contato térmico’ não deixa claro de qual ‘contato’ está falando, pois se levarmos em consideração a definição do termo ‘contato’2, veremos que os elementos em questão se tocam, mas de acordo com o licenciando isso não precisa ocorrer: “[...] não precisa ser encostado, tá?”. Para explicar de qual ‘contato’ ele está falando, o licenciando pergunta aos alunos: “[...] o Sol está em contato com a Terra?”. Um dos alunos responde que o Sol e Terra não estão em ‘contato’. Realmente, a resposta não poderia ter sido diferente. Aí, ele introduz a palavra ‘contato térmico’ e apenas um dos alunos diz que “Sim”, ou seja, que estão em ‘contato térmico’. O extrato anterior mostra que o licenciando não fez a pergunta da 1

A variação da energia interna de um sistema é dada pela diferença entre o calor trocado com o meio exterior e o trabalho realizado no processo termodinâmico, ou seja, ∆E int = Q – W. 2 Contato: estado ou situação dos corpos que se tocam; comunicação; conexão. (FERREIRA, 2001, p. 180)

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forma adequada, o que denota na resposta do aluno. Além disso, notamos que, lançando mão da analogia sistema Sol-Terra (análogo) tendo como situação alvo o entendimento do sistema de elementos A-B, o licenciando tenta fazer com que os alunos percebam a diferença da palavra ‘contato’ para a palavra ‘contato térmico’. Mas notamos que o licenciando explora muito pouco a analogia proposta, ou seja, apenas menciona que “[...] contato térmico não precisa você estar encostado” e retoma o sistema de elementos A-B, que era o seu alvo. Licenciando 1: Porque não chega lá? O calor emitido pelo Sol não chega aqui? Então, contato térmico não precisa você estar encostado. Se este daqui está mais quente, do jeito que eu escrevi aqui oh (aponta para o quadrado A e para a inequação escrita) , um mais aquecido que o outro, a temperatura de um é maior que a do outro, vai haver um fluxo de calor? A1: Depende [...] se os dois estiverem em contato [...] Outros alunos: Vai, sim. Licenciando 1: Estando em contato térmico! A1: Ah! sim!

No transcorrer da explicação, o licenciando explora um pouco mais a situação inicialmente proposta, a troca de energia entre os elementos A-B explorando, dessa forma, o conceito de calor. Licenciando 1: Supondo sim. Existe a possibilidade deles é [...] trocarem energia, existe a possibilidade de fluxo de calor, nada impede, não tem nada impedindo, mesmo o vácuo possibilita, o fluxo de calor. Ou a existência do fluxo de energia que é o calor certo? Agora, se este fluxo existir qual vai ser o sentido dele? Vários alunos: De A para B! Licenciando 1: De A para B? (desenha uma seta na lousa do quadrado A para o B) Por que o fluxo de energia, por que o calor [...] flui neste sentido aqui? Agora me diz [...] aqui que está a filosofia que eu falei, por quê?

Mas em seguida é surpreendido pelo aluno (A4) que introduz a seguinte analogia: “É como na corrente elétrica, vai de um que tem um potencial maior para um menor”. Nesse momento, percebemos que o aluno faz justamente o que Brown e Clement (1989) ressaltaram com relação ao uso da analogia, ou seja, os alunos muitas vezes utilizam com o propósito de averiguar se o seu entendimento do conceito tratado está ou não correto. Mas o licenciando, com intuito de explorar a analogia proposta pelo aluno, ao invés de responder faz uma nova pergunta: “Vai [...] do que tem mais o que para o que tem menos o que?”. O aluno, como resposta, lança mão de outro análogo, o que pode denotar o não entendimento da pergunta feita pelo licenciando: “É que nem a difusão”. Mas o que é a ‘difusão’? Ao invés do licenciando procurar verificar o que o alunos está entendendo por ‘difusão’, simplesmente menciona: “É difusão [...] do mais concentrado para o menos, a natureza é assim!”, e o aluno responde: “A4: É [...]”. Em seguida, o licenciando retoma a explicação anterior, sem qualquer exploração das analogias utilizadas pelo aluno. Verificamos na discussão anterior que o licenciando não soube aproveitar a oportunidade de explorar o conhecimento que o aluno tinha sobre o assunto abordado quando este utiliza a analogia, o que segundo Mendonça, Justi e Oliveira (2006) é importante, pois “quando o professor proporciona oportunidades em aula para que os alunos elaborem suas próprias analogias, criam-se condições

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favoráveis para o processo ensino/aprendizagem, bem como condições para o professor compreender e intervir nesse processo” (p. 11). Licenciando 1: Aqui, você vai ter um fluxo de energia né, você vai ter calor fluindo (escreve na lousa: Calor de A para B) [...]

De acordo com Cindra e Teixeira (2005), embora haja, de fato, algumas analogias entre os fenômenos da eletricidade e o calor, elas não podem ser levadas muito longe, principalmente por algumas razões, desconhecidas dos primeiros pesquisadores dos fenômenos elétricos e dos fenômenos do calor, que decorrem do fato de que o calor é uma forma de energia, mas a carga elétrica não o é. Dessa forma, entendemos que o licenciando deveria ter explorado a analogia levantada pelo aluno, pois o mesmo poderia ter aproveitado que estava falando de ‘energia’ para dizer que a analogia era válida até certo ponto, ou seja, que existia o similar, mas que também existia o limitador da relação analógica, pois “quando falamos em analogia entre corrente elétrica e fluxo de calor em um sólido, esta imagem seria realmente adequada, apenas segundo a concepção do calor como substância e não com a concepção do calor como energia e da eletricidade como uma substância” (CINDRA e TEIXEIRA, 2005, p. 394). Episódio 2: Tópico de Eletromagnetismo No decorrer do tópico de eletromagnetismo percebemos que a preocupação dos licenciandos era em como explicar conceitos, que de acordo com eles eram considerados extremamente complexos, mas que eram de fundamental importância para o entendimento de como funcionam as aplicações envolvendo tais conceitos, que seriam abordadas por eles posteriormente . Diante dessa preocupação dos alunos, poderíamos, então, nos perguntar: O que fazer para que os alunos entendam tais conceitos? Segundo Lawson (1993): “pelo menos parte da resposta, eu penso, é pelo uso das analogias” (p.1213). Para os licenciandos a resposta não foi muito difere nte da de Lawson (1913). De acordo com eles, “com o auxilio dos slides com figuras e analogias os conceitos de dipolo magnético, momento magnético e spin foram abordados”. A seguir, destacamos alguns trechos da aula diálogos realizados em sala de aula, nos quais podemos perceber a utilização de analogias na abordagem dos assuntos: Licenciando: [...] o spin é uma propriedade das partículas elementares de natureza essencialmente quântica, teoricamente não teria análogos clássicos pra que a gente possa fechar o olho e imaginar como seria o movimento desse spin, dessa partícula [...] Mas uma analogia não muito correta, mas que a gente pode fazer, é considerar esse elétron girando em torno do próprio eixo, isso daí seria o spin. E esse fato dele girar em torno do próprio eixo vai, assim... eu não sei o correto, também [...] mas ele vai apontar com uma força pra cima ou pra baixo, perpendicular ao movimento de giro dele. Como se fosse ali, a Terra e o eixo dela, aquela setinha. Como a gente vê em Química, também, coloca o spin lá, como sendo uma setinha pra cima, setinha pra baixo, né? [...]

A tentativa de explicação do licenciando utilizando analogia fez com que ele se desse por satisfeito e entendesse que sua explicação foi satisfatória e solucionadora do problema da complexidade em explicar o conceito de spin. Mas isso não aconteceu, pois logo em seguida, um dos alunos pergunta: “Aluno: Como se define spin pra cima ou pra baixo?” Ao mesmo tempo, ele tenta retomar a 8

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explicação, mas a introdução de novos termos como “momento magnético intrínseco” acaba dificultando a explicação. Além disso, o licenciando demonstra total insegurança no domínio do conteúdo, pois segundo ele: “eu não sei o correto também”. Licenciando: Spin pra cima ou spin pra baixo [...] Aqui, nesse caso aqui, pode ser o sentido do g [...] depende muito do... (fica inseguro na resposta) sabe se ele tiver livre, se a partícula tiver livre, dependendo se você pegar um eixo ali e tiver girando, você tem um momento de dipólo intrínseco ali, um momento magnético intrínseco. Esse momento é chamado de spin [...] seria uma força, seria uma propriedade. Olha, assim, isso daqui em Física é um conceito muito sofisticado e a gente tenta fazer algumas aproximações, tenta dar uma simplificada, pra tá abordando aqui com vocês.

De acordo com Fischler e Lichtfeldt (1992) a aprendizagem de conceitos relacionados à Física Moderna e Contemporânea é dificultada porque o ensino, freqüentemente, emprega analogias clássicas. Dessa forma, a preocupação do licenciando em buscar uma analogia clássica não seria sinônimo de aprendizagem ou esclarecimento da dúvida por parte dos alunos. Menezes (2005) utiliza analogias para descrever o spin, tais como: “magnetos elementares, denominados spins, como se as partículas fossem microturbilhões de carga girando sobre si mesmas (p. 105) [...] os elétrons como um pião que gira sobre si mesmo, tem um momento angular intrínseco, seu spin, que pode assumir duas orientações” (p. 158). Sabemos que a utilização de analogias requer toda a atenção, sob pena de tornar o conceito ainda mais complexo se o aluno não possuir referentes na sua estrutura cognitiva, que podem se relacionar analogicamente com os conceitos científicos cuja aprendizagem se quer facilitar. Na seqüência da aula, o licenciando explica o que é a ressonância magnética e menciona que os conceitos que eles (alunos do Ensino Médio) precisariam saber para entender, já “foram claramente apoiados nos conceitos já previamente definidos”. Isso inclui o entendimento do conceito de spin. Como podemos verificar anteriormente, o conceito foi trabalhado, mas ainda restam dúvidas se ele foi claramente definido ou não, uma vez que o licenciando finaliza a explanação do conceito dizendo: “Então... assim, o que vocês vão precisar basicamente saber é que spin pra cima, ele vai exercer uma força pra cima, o spin pra baixo, uma força pra baixo”. Em seguida, o aluno explora o funcionamento do aparelho de ressonância magnética. Licenciando: [...] Pra estudar esse fenômeno a gente pega uma amostra, coloca imersa em um campo magnético externo muito forte, e essa amostra vai adquirir uma certa magnetização, devido aos alinhamentos daqueles spins, daquelas setinhas.

E logo após afirma que “ela vai adquirir uma certa propriedade magnética, com todas aquelas propriedades que a gente já estudou, que a princípio, acredito eu, que já é bem conhecida [...]”, o licenciando procura enfatizar é que o vai ser dito já foi de certa forma explicado. Além disso, o emprego da expressão “[...] extremamente quântico, ou seja [...]” denota uma certa entonação no grau de dificuldade de se entender o funcionamento dessa aplicação tecnológica, e que “está

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ligado intimamente com os spins” implica dizer que se o aluno não entendeu o que é spin, não entenderá o funcionamento do aparelho de ressonância. Algumas Considerações Os dados mostram que em um processo de interação comunicativa de sala de aula, os licenciandos recorreram ao uso de analogias em suas explicações, com intuito de tornar a linguagem mais próxima de situações conhecidas pelos alunos. A análise mostra que a analogia é utilizada para transformar o conteúdo específico num conteúdo ensinável, constituindo-se, assim, em um dos saberes que o futuro professor incorpora em seu ‘repertório’, no exercício de colocar em prática o conhecimento pedagógico de conteúdos. E esse saber é diretamente influenciado pela sensibilidade dos licenciandos que, ao notarem a dificuldade de seus alunos em aprender determinados conteúdos, utilizam estratégias como analogias, sem que estas sejam planejadas a priori. Quer dizer, lançam mão de algum tipo de recurso, no nosso caso, a analogia, para que os mesmos possam ter um melhor compreendimento do assunto tratado. Ao mesmo tempo, podemos verificar que os alunos também recorrem ao uso da analogia nesse processo de interação comunicativa com o objetivo de comprovar o seu entendimento sobre o assunto tratado. Verificamos, assim como os estudos de Brown e Clement (1989) que as analogias proporcionam aos estudantes meios de desenvolverem suas idéias e ponto de referência para inspecionar a plausibilidade de sua explicação. No contexto de ensino e aprendizagem, os estudantes devem ter claro que se estabeleceu uma analogia, não somente uma identidade. Além disso, os estudantes não devem ficar somente com o entusiasmo da similaridade, senão realizar uma ação reflexiva sobre o significado da analogia e quais são as limitações da mesma. Mas essa reflexão não ocorreu no primeiro episódio, porque o licenciando não soube explorar a analogia utilizada pelo aluno perdendo, dessa forma, a possibilidade de abordar o que Mendonça, Justi e Oliveira (2006) já ressaltavam , ou seja, explorar a analogia elaborada pelo próprio aluno, apontando se era ou não adequada para explicar determinados aspectos do alvo; de discutir se era ou não uma boa analogia etc. Por fim, os resultados deste estudo estão mostrando que se faz urgente maiores discussões sobre o uso de analogias no ensino, na formação inicial dos professores, sua função, suas utilidades, suas vantagens e desvantagens; enfim, como usar analogias de uma forma efetiva. Referências ANDRADE, B. L.; ZYLBERSZTAJN, A.; FERRARI, N. As Analogias e metáforas no ensino de Ciências à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. Ensaio, v. 2, n. 2, p.1-11, dez. 2002. BROWN, D.; CLEMENT, J. Overcoming Misconceptions via Analogical Reasoning: Abstract Transfer versus Explanatory Model Construction. Instrucional Science , v. 18, p. 237-261, 1989.

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CANDELA, A. A. Construção discursiva de contextos argumentativos no ensino de ciências. In: COLL, C. e EDWARDS, D. (Orgs.) Ensino, aprendizagem e discurso em sala d e aula . Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p. 143-170. CINDRA, J. L.; TEIXEIRA, O. P. B. A evolução das idéias relacionadas aos fenômenos térmicos e elétricos: algumas similaridades. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 22, n. 3, p. 379-399, 2005. CURTIS, R. V.; REYGELUGH, C. M. The use of analogies in written text. Instructional Science , v. 13, p. 99-117, 1984. DAGHER, Z. Analysis of analogies used by science teachers. Journal of Research in Science Teaching, v. 32, n. 3, p. 259-270, 1995. DUIT, R. On the role of analogies and metaphors in learning science. Science Education, v. 75, p. 649-72, 1991. FERREIRA, A. B. H. Miniaurélio século XXI escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FISCHLER, H.; LICHTFELDT, M. Modern physics and students conceptions international. Journal of Science Education, Reno, v. 14, n. 2, p. 181-190, abr./jun. 1992. GALAGOVSKY, L.; ADÚRIZ-BRAVO, A. Modelos y Analogias en la Enseñanza de las Ciencias Naturales. El Concepto de Modelo Didáctico Analógico. Enseñanza de Las Ciencias. v. 19, n.2, p.231-242, 2001. GLYNN, S. M. et al. Teaching science with analogies: a resource for teachers and text-books authors. 1998. Disponível em:
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