O uso de armas químicas no conflito civil sírio e os direitos humanos

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE (UNIBH) RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O USO DE ARMAS QUÍMICAS NO CONFLITO CIVIL SÍRIO E OS DIREITOS HUMANOS

Eric Amarante Erick Chaves Barreto Júlio Cesar Bispo

Belo Horizonte 2014

ERIC AMARANTE ERICK CHAVES BARRETO JÚLIO CESAR BISPO

O USO DE ARMAS QUÍMICAS NO CONFLITO CIVIL SÍRIO E OS DIREITOS HUMANOS

Relatório Final apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de TIG V, do curso de graduação em Relações Internacionais, do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH).

Professora: Gabriela Frazão Gribel Lage.

Belo Horizonte 2014

SUMÁRIO

1. PROBLEMA DE PESQUISA ...................................................................................3

2. OBJETIVOS ............................................................................................................3 2.1. Objetivo Geral ..................................................................................................3 2.2. Objetivos Específicos .......................................................................................3

3. HIPÓTESE ..............................................................................................................4

4. INTRODUÇÃO.........................................................................................................4

5. OCORRÊNCIAS DO USO DE ARMAMENTO QUÍMICO NA GUERRA CIVIL DA SÍRIA............................................................................................................................5 6. POSICIONAMENTO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL – ONU, ESTADOS UNIDOS E RÚSSIA......................................................................................................6

7. USO DE ARMAS QUÍMICAS NA SÍRIA E A DISCUSSÃO DOS DIREITOS HUMANOS...................................................................................................................8 7.1. Abrangência das normas internacionais de Direitos Humanos e o caso sírio..........................................................................................................................8 7.2. A atual discussão da Responsabilidade de Proteger e sua relação com a situação da Síria....................................................................................................11

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................15 Levantamento Bibliográfico – 29/04/2014.............................................................15 Levantamento Bibliográfico – 06/05/2014.............................................................15 Levantamento Bibliográfico – 10/05/2014….........................................................16

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1. PROBLEMA DE PESQUISA

Quais seriam os mecanismos viáveis e cabíveis com relação aos direitos humanos que deveriam ser aplicadas à Síria com relação ao uso de armas químicas contra civis, e qual a influência de terceiras partes (notadamente EUA, Rússia e ONU) na aplicação das medidas.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Apontar quais seriam os mecanismo de direitos humanos mais apropriados a serem aplicadas à Síria pelo uso de armas químicas em civis, e analisar qual a influência dos terceiros atores envolvidos na conjuntura (EUA, Rússia e ONU) na tomada das medidas.

2.2. Objetivos Específicos

1.

Identificar e apontar os casos comprovados do uso de armas químicas na

Síria durante sua guerra civil.

2.

Identificar e apontar o posicionamento e atitudes da comunidade internacional

com relação ao uso de armas químicas na Síria. Será enfatizada a posição dos Estados Unidos, da Rússia, e da ONU.

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3.

Relacionar os mecanismos existentes de proteção de direitos humanos

passíveis de utilização no caso do uso de armas químicas na Síria, e seu alcance na conjuntura.

3. HIPÓTESE

Considerando a conjuntura internacional e a própria conjuntura síria de guerra civil, supõe-se que existam mecanismos de Direitos Humanos que abranjam o uso de armas químicas contra civis no Estado árabe, e que a eficaz aplicação do direito internacional, e especialmente, dos citados mecanismos, encontrarão sérias dificuldades para serem aplicados no caso sírio, principalmente devido às dificuldades de estabelecimento dos verdadeiros culpados, e mesmo devido a influência de ação, posicionamento e interesses de atores externos, como a ONU, os Estados Unidos da América e Rússia.

4. INTRODUÇÃO

A guerra civil síria é um dos desdobramentos que se originou das revoltas no mundo árabe iniciados em 2010. Desde então o conflito veio tomando proporções cada vez maiores, principalmente no que diz respeito ao uso da força, os resultados violentos e a crescente preocupação internacional que a situação veio obtendo.

Um dos aspectos marcantes neste ultimo quesito está ligado aos possíveis usos de armas químicas no país árabe durante o conflito. Tanto a Organização das Nações Unidas (ONU), quanto às potências mundiais, notadamente os Estados Unidos da América (EUA) e a Rússia, observaram maneiras de procurar intervir na situação da Síria,

principalmente

componentes.

após o

conhecimento

dos possíveis usos daqueles

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5. OCORRÊNCIAS DO USO DE ARMAMENTO QUÍMICO NA GUERRA CIVIL DA SÍRIA

Inúmeras denúncias de possíveis usos de armamento químico foram recebidos pela ONU a partir de 2013, porem frisa-se que apenas alguns destes obtiveram comprovações consideradas positivas. Entre as denuncias mais preocupantes de 2013, a ONU, por meio do relatório A/68/663–S/2013/735 da Assembleia Geral e Conselho de Segurança, destaca a obtenção de provas consistentes do uso de armas químicas nas localidades de Khan al Asal em 19 de março, Saraqueb em 29 de abril, Ghouta em 21 de Agosto, Jobar em 24 de agosto e Ashrafiah Sahnaya em 25 de Agosto (ONU, 2013, p. 02).

Segundo a ONU, através do mesmo relatório A/68/663–S/2013/735, os ataques de Khan al Asal, Saraqueb, Ashrafiah Sahnaya e Jobar foram realizados com componentes químicos em pequena escala, com provável foco em alvos específicos (ONU, 2013, p. 02). Especificamente, o ataque do dia 21 de agosto de 2013, em Ghouta, recebeu grande atenção internacional, devido as suas grandes proporções, tanto em relação às provas recolhidas quanto ao grande número de casualidades. É considerado, segundo estimativas do relatório intitulado Chemical Massacre in Ghouta feito pelo Damascus Center for Human Rights Studies (DCHRS), que mais de 1600 pessoas morreram como consequência do ataque (civis em maior parte), o que foi considerado como sendo um verdadeiro massacre (DCHRS, 2013, p. 01).

Mesmo após a atuação das Nações Unidas e da comunidade internacional ainda em 2013, foi reportada à ONU, já em 2014, a recorrência do uso de armas químicas na Síria. Dentre os casos, menciona-se, de acordo com o relatório S/2014/274 do Conselho de Segurança da ONU, a suspeita de ataque por forças do governo em Harasta em 27 de março de 2014, no qual 25 pessoas apresentaram sintomas relacionados a substâncias químicas (ONU, 2014, p. 02), e ainda, notadamente em Kafr Zita, em 11 de abril de 2014, no qual, segundo alegações enviadas a ONU e documentadas em seu relatório S/2014/285, o próprio governo sírio teria feito o uso de armamento químico objetivando atingir o local, então ocupado por forças anti-

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governo. Houveram cerca de 200 vítimas, com maioria de civis, fato que atraiu novamente preocupação da comunidade internacional (ONU, 2014, p. 02).

Cabe destacar, de acordo com o relatório A/HRC/23/58 do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que o governo da Síria é detentor de um estoque de armas químicas, e que, além disto, o controle de tal armamento poderia fugir de seu controle ou mesmo acabar no controle de forças rebeldes armadas. Ainda, de acordo com o mesmo relatório, existem alegações do uso deste tipo de armamento, direcionados tanto às forças do governo quanto às forças anti-governo, com a maioria das alegações acusando ataques pelo próprio governo sírio (ONU, 2013, p. 21).

6. POSICIONAMENTO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL – ONU, ESTADOS UNIDOS E RÚSSIA

Com o recebimento de denúncias frequentes do uso de componentes químicos bélicos em território sírio, a ONU, com apoio da Organização Para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), demonstra a intenção de formar em 2013 uma equipe para investigar as ocorrências relacionadas a este tipo de armamento, assim como descrito no relatório do Conselho de Segurança da ONU S/184/2013 (ONU, 2013, p. 01). Posteriormente, a então criada “Missão das Nações Unidas para Investigar Alegações do Uso de Armas Químicas na República Árabe Síria”, foi responsável por trabalhar dentro da Síria coletando informações, provas e realizando testes de modo a comprovar o uso de armamento químico. Particularmente, a confirmação do uso de componentes bélicos químicos em Ghouta, e a imensa violação dos direitos humanos neste episódio, foi uma das conclusões realizadas pela missão, como pode ser visto no relatório A/67/997– S/2013/553 da Assembleia Geral e Conselho de Segurança da ONU: Com base em provas obtidas durante a nossa investigação do incidente em Ghouta, a conclusão é que, em 21 de agosto de 2013, armas químicas foram usadas no atual conflito entre as partes na República Árabe da Síria,

7 também contra civis, incluindo crianças, em escala relativamente grande (ONU, 2013, p. 08, tradução livre)1.

Além da ONU, é de destaque o posicionamento dos Estados Unidos da América e da Rússia em relação ao conflito civil sírio, especialmente com relação ao uso de armas químicas na conjuntura. Os norte-americanos, após os ataques de 21 de Agosto de 2013, e sob pressão internacional para fazê-lo, deram aviso ao governo sírio de sua possível intervenção militar no país árabe como medida de retaliação ao uso de armas químicas (BLANCHARD, HUMUD, NIKITIN, 2014, p. 15). Após esse movimento, em setembro de 2013, o governo russo, conhecido aliado estratégico do então governo da Síria2, e que até então vinha sistematicamente vetando (no Conselho de Segurança da ONU) medidas em relação ao caso sírio, se posiciona de modo a buscar resoluções em vias diplomáticas, entrando em contato com o governo sírio e propondo que este colocasse seu arsenal químico (elemento de origem das violações de Direitos Humanos) a disposição do controle internacional, de modo a evitar possível intervenção militar norte-americana e buscar soluções para a situação3.

A partir de então, Rússia e EUA decidem convergir esforços para buscar soluções pacíficas à situação do arsenal químico sírio, e com o apoio da ONU e OPAQ, negociam com o governo do país árabe, então sob pressão internacional, a assinatura e ratificação deste à “Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Uso de Armas Químicas e sua Destruição”, assinada por ele em 14 de setembro de 2013, em Genebra, Suíça, como demonstrado no relatório A/67/997–S/2013/553 da Assembleia Geral e Conselho de Segurança da ONU (ONU, 2013, pp. 01-02). O objetivo, em tese, seria que a assinatura síria do tratado se configurasse como um importante passo para a solução das violações de Direitos Humanos pelo uso de armamento químico 4.

1

Do original, em inglês: “On the basis of the evidence obtained during our investigation of the Ghouta incident, the conclusion is that, on 21 August 2013, chemical weapons have been used in the ongoing conflict between the parties in the Syrian Arab Republic, also against civilians, including children, on a relatively large scale”. 2 Fonte: 3 Fonte: . 4 Fonte: .

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Estados Unidos e Rússia elaboram, com apoio da OPAQ, um plano de eliminação do arsenal químico sírio, de modo a dar procedimento prático aos princípios da convenção assinada. O Framework for elimination of Syrian chemical weapons5, é então formado pelos dois Estados, objetivando o trabalho conjunto para dar suporte á eliminação de todo o arsenal químico do país árabe, como apontado no relatório do Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU A/68/398–S/2013/565 (ONU, 2013, p. 02).

7. USO DE ARMAS QUÍMICAS NA SÍRIA E A DISCUSSÃO DOS DIREITOS HUMANOS

7.1. Abrangência das normas internacionais de Direitos Humanos e o caso sírio

É impossível levantar os diversos elementos envolvidos no conflito sírio, especialmente quanto ao uso de arsenal químico, e ignorar o elemento ligado à consideração do direito internacional, e especialmente dos direitos humanos, ainda mais quando se leva em conta o alarmante número das mortes documentadas, principalmente civis (em maioria).

É necessário, primeiramente, considerar os principais mecanismos formais e jurídicos que lidam com o tema de direitos humanos e o uso de armamento químico. Dentre estes, podem ser considerados como os mais elementares a Declaração de Haia relativa a Gases Asfixiantes de 18996, o Protocolo de Genebra de Gases de 19257, a Convenção de Armas Químicas de 19938, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998 (que trata de pontos relacionados a crimes contra a 5

“Quadro para Eliminação de Armas Químicas Sírias”, em tradução livre para o português. Fonte: 7 Fonte: 8 Fonte: 6

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humanidade, genocídio, crimes de guerra) (ONU, 1999, p. 03)9, além do Direito Internacional Humanitário (também conhecido como lei da guerra, ou ainda direito dos conflitos armados – baseado, principalmente, nas Convenções de Genebra de 1864, 1906, 1929 e 1949; e nas Convenções de Haia de 1899 e 1907 – e cujo objetivo é estabelecer obrigações das partes conflitantes na proteção de indivíduos que não estejam participando do conflito, de prisioneiros, de doentes e de feridos) (ICRC, 2010, p. 01)10.

O Estado Sírio aderiu somente em 1968 ao Protocolo de Genebra de Gases de 1925, de acordo com relatório S/RES/2118 (2013) do Conselho de Segurança da ONU (ONU, 2013, p. 01), e assinou e ratificou a Convenção de Armas Químicas de 1993, em 14 de setembro 2013, em meio às negociações com atuação da ONU, OPAQ, EUA e Rússia, após as consequências do ataque químico em Ghouta, como apontado relatório A/67/997–S/2013/553 do Conselho de Segurança e Assembleia geral da ONU (ONU, 2013, p. 01). Mesmo que a Síria não faça parte formalmente dos outros documentos, não se pode desconsiderar o papel de influência, principalmente, da Declaração de Haia, do Estatuto do Tribunal Internacional, bem como do Direito Humanitário Internacional nas práticas do costume internacional (cuja relevância será argumentada a seguir).

Declarações de autoridades apontam o caráter universal dos Direitos Humanos e a importância do costume internacional nas considerações jurídicas das violações com ataques químicos em território sírio. Navi Pillay, Alta Comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, chegou a afirmar, com relação aos ataques químicos na Síria: É proibido o uso de armas químicas pelo direito internacional consuetudinário. [...] Esta proibição absoluta aplica-se em todas as circunstâncias, incluindo o conflito armado. Como uma norma de direito internacional consuetudinário, é vinculativo para o Governo, apesar de não ser parte na Convenção sobre Armas Químicas de 1993. Ele também é obrigatória para os grupos armados anti-governo (ONU, 2013, p. 01, tradução livre). 11

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Fonte: Fonte: 11 Do original, em inglês: “The use of chemical weapons is prohibited under customary international law. […] This absolute prohibition applies in all circumstances, including armed conflict. As a norm of customary international law, it is binding on the Government despite it not being party to the 1993 Chemical Weapons Convention. It is also binding on anti-Government armed groups”. 10

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Nota-se nas afirmações de Pillay, que a Síria, mesmo não sendo até a data das declarações, parte do tratado mencionado (documento datado de 22 de agosto de 2013, antes da Síria assinar e ratificar a Convenção de Armas Químicas – CWC – em 14 de setembro do mesmo ano), estaria vinculada aos princípios do documento, graças ao costume internacional, e esta vinculação se daria independentemente de quem efetuasse o uso de arsenal químico dentro do Estado árabe. Ressalta-se, considerando estas afirmações, o caráter universal do passível alcance dos princípios de proteção aos direitos humanos quanto ao uso de ataques químicos. No mesmo sentido, segundo as palavras do Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, como descritas no relatório A/67/997–S/2013/553 do Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU: O secretário-geral condena, nos termos mais fortes possíveis, o uso de armas químicas e acredita que este ato é um crime de guerra e grave violação do Protocolo de 1925 para a Proibição do Uso na Guerra de Gases Asfixiantes, Tóxicos ou Similares e de Métodos Bacteriológicos de Guerra; e outras normas pertinentes do direito internacional consuetudinário. A comunidade internacional tem a responsabilidade moral de apontar os responsáveis e de garantir que as armas químicas não possam nunca voltar a emergir como um instrumento de guerra. [...] A adesão da República Árabe Síria em 14 de setembro de 2013, para a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre sua Destruição, é um desenvolvimento bem-vindo. Como depositário da Convenção, o Secretário-Geral tem, há muito tempo, apontado pela sua universalidade (ONU, 2013, p. 01, tradução livre). 12

Com este fragmento do documento oficial, mais uma vez pode-se comprovar o caráter universal dos mecanismos de proteção dos direitos humanos quanto às armas químicas e a importância das normas do costume internacional. Ainda neste trecho citado, percebe-se que no mesmo ano de 2013, a Síria, por influência de ação conjunta e pressão diplomática da Rússia e dos Estados Unidos, veio a assinar a Convenção de Armas Químicas de 1993, como início do processo do seu

Fonte: . 12

Do original, em inglês: “The Secretary-General condemns in the strongest possible terms the use of chemical weapons and believes that this act is a war crime and grave violation of the 1925 Protocol for the Prohibition of the Use in War of Asphyxiating, Poisonous or Other Gases, and of Bacteriological Methods of Warfare and other relevant rules of customary international law. The international community has a moral responsibility to hold accountable those responsible and for ensuring that chemical weapons can never re-emerge as an instrument of warfare. […] The accession of the Syrian Arab Republic on 14 September 2013 to the Convention on the Prohibition of the Development, Production, Stockpiling and Use of Chemical Weapons and on Their Destruction is a welcome development. As depositary of the Convention, the Secretary-General has long called for its universality”.

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desarmamento químico da busca concreta por solução definitiva ao caso, como apontado no relatório A/68/398–S/2013/565 da Assembleia Geral e Conselho de Segurança da ONU (ONU, 2013, p. 02).

7.2. A atual discussão da Responsabilidade de Proteger e sua relação com a situação da Síria

Em reforço à teórica universalidade de aplicação dos direitos em proteção ao ser humano, considera-se a existente discussão no cenário internacional relativa à questão da Responsabilidade de Proteger. Ao se referir ao tema, afirma Duarte (2013): Ainda em processo de legitimação, mas já homologado no âmbito das Nações Unidas, esse instrumento jurídico-diplomático-militar se acoplou ao mecanismo das intervenções humanitárias, evidenciando um engajamento internacionalizado em benefício de uma securitização ampliada, envolta ao conceito de segurança humana (DUARTE, 2013, p. 02).

Ainda em processo de estabelecimento sólido no direito e no direito internacional, o elemento da Responsabilidade de Proteger (Responsibility to Protect em inglês, e abreviado como R2P) estaria se consolidando como um mecanismo direcionado à proteção dos indivíduos, no qual terceiros Estados, ou atores internacionais, seriam passíveis de intervir em outros Estados, nos quais os valores de proteção ao ser humano poderiam estar sendo violados, tudo com o objetivo de fazer valer a universalidade destes direitos. Neste caminho, a Organização das Nações Unidas (ONU), amparada por muitos de seus Estados Membros, conduz um número significativo de operações de paz no cenário global atual. Para tanto, procura solucionar conflitos de natureza heterogênea e graus diversos de violência. Nesse sentido, acaba por enfrentar obstáculos devido aos cenários de tensão existentes e a métodos a serem utilizados nas operações de paz. Também existe a importância de se relacionar de forma cautelosa e precisa o direito dos Estados (Soberania) e os direitos dos indivíduos (Direitos Humanos) (KENKEL; MORAIS, 2012, p. 19).

Sabe-se que em 17 de julho de 1992 foi aprovada formalmente no plenário da Assembleia Geral nas Nações Unidas, a Agenda para a paz, com temas focados em

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diplomacia preventiva, estabelecimento da paz e manutenção da paz. A ideia era a de não somente manter os fluxos do sistema liberal democrático capitalista, mas também prover direitos a humanidade. Buscou-se então uma maneira de proceder no âmbito da criação e continuidade de normas que fundamentassem a manutenção da paz. Sendo assim, no ano de 2005 o conceito de R2P (Responsabilidade de Proteger) foi criado com esse intuito (DUARTE, 2013, p. 35).

Tal conceito prevê a probabilidade do uso da força nos casos exclusivos de genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Nesse sentido, a soberania dos Estados não estaria sendo derrubada, mas sim relativizada de forma a permitir uma intimidação ao seu exercício. Com isso, a condução do Poder dever-se-á estar pautada em princípios legítimos e em valores universais humanitários. Assim, o legítimo direito de exercício de sua soberania estaria atrelado na proteção dos direitos à vida dos seus cidadãos. Em outro aspecto, a comunidade internacional teria obrigação de agir contra Estados que violassem a liberdade e dignidade de sua população (SERRA, 2013, pp. 136-137).

Ademais, o conceito R2P prevê que no caso de má governança do Estado e da possibilidade de ocorrerem problemas internos, de forma a afetarem a esfera internacional, o poder da soberania se esvai, onde abre espaço para as intervenções de construção e ou expansão da democracia e proteção humanitária. Portanto, a Organização das Nações Unidas detém assim maior poder de atuação nas tomadas de decisão (DUARTE, 2013, p. 36). Contudo, podem advir desse poder, usos excessivos de força, de maneira a originar mais instabilidade e violência em locais veementemente afetados, em detrimento de soluções concretas. Por isso, é importante serem feitas analises dos processos de manutenção da paz e da segurança internacional em relação ao uso de força, no âmbito do conceito de Responsabilidade de Proteger, para que assim não seja a ação um motivo de desconstrução da busca pela paz e manutenção da vida (MORAIS; KENKEL, 2012, p. 19).

Sabe-se que a manutenção da paz e segurança internacional se dirige ao essencial encargo do Conselho de Segurança que é um dos órgãos fundamentais do Sistema das Nações Unidas. Seu corpo representativo é formado por 10 Estados membros,

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eleitos pela Assembleia Geral como representantes rotativos, e outros 5 membros permanentes sendo eles: Reino Unido, Estados Unidos, França, Rússia e China. (SERRA, 2013, p. 136, 137). Ainda, Serra aponta que: Segundo o Centro de Informação das Nações Unidas (2010), uma das funções básicas do Conselho é a determinação “da criação, continuação e encerramento das Missões de Paz, de acordo com os Capítulos VI, VII e VIII da Carta”, sendo intitulados os capítulos citados respectivamente: Solução pacífica de controvérsias; Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão; e Acordos regionais. Assim, observa-se que os países componentes do Conselho de Segurança, notadamente as cinco potências com poder de veto, são os que de fato decidem se, e sob quais moldes será executada a missão de paz (SERRA, 2013, p. 137).

Por conseguinte, verifica-se a importância de neutralidade de interesses dos membros permanentes, de forma que os conflitos existentes e que as tomadas de decisão referentes tenham como principal objetivo a resolução dos mesmos em busca de julgar somente aqueles que firam o principio primordial dos Direitos Humanos que é a manutenção da vida. Esta neutralidade, ainda que teórica, é bem passível de enfrentar grandes desafios. Como exemplo, a relutância inicial da Rússia (e mesmo da China), ao fazer uso do poder de veto para barrar resoluções do Conselho de Segurança em direção à situação síria, é passível de ser compreendida como uma falha na mencionada neutralidade necessária (DUARTE, 2013, pp. 1011).

Neste sentido nota-se, como já mencionado neste artigo, a preocupação da comunidade internacional em se posicionar e agir perante a guerra civil síria, e particularmente às possibilidades de uso de armamento químico, com alvo, principalmente, na população civil - o centro das preocupações da Responsabilidade de Proteger. De maneira mais específica, podem-se discutir os posicionamentos de terceiros atores internacionais e suas ligações ao conceito. Verifica-se notadamente o pronunciamento dos Estados Unidos da América ao ameaçar uma intervenção militar na Síria após os ataques em Ghouta, e os próprios posicionamentos posteriores da Rússia e dos EUA em direção à solução conjunta de esforços para eliminação do arsenal químico sírio. Além disto, todo o posicionamento e atitudes da ONU com relação ao conflito, em vista da busca de soluções, poderiam em tese, no mínimo, ser aproximados do conceito de Responsabilidade de Proteger.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclusivamente, percebe-se que as denúncias e alegações do uso de armamento químico na guerra civil da Síria, serviram para fazer a comunidade internacional colocar ainda mais atenção e preocupação na conjuntura, e como exemplo, a criação pela ONU da missão para a investigação do uso de armas químicas ilustram este fato. Já a comprovação do ataque de Ghouta, com seus desdobramentos e morte de cerca de 1600 civis, foi os elemento que serviu para dividir águas no endurecimento da postura da comunidade internacional e da prontidão no objetivo de buscar soluções viáveis para a gravidade da situação síria.

Ainda nota-se que a maior dificuldade da aplicação dos direitos humanos no caso de uso de armas químicas na Síria decorre, dentre outros aspectos secundários, da dificuldade de comprovação do verdadeiro uso do material em determinados casos, mas principalmente da dificuldade em se obter provas conclusivas sobre as atribuições das reais responsabilidades pelas execuções dos ataques, além de influência política, principalmente da Rússia e Estados Unidos, no contexto internacional, como descrito por Duarte, ao se referir, mais especificamente, à Responsabilidade de Proteger: [...] o que se verifica na prática é que os parâmetros para a ativação do princípio da Responsabilidade de Proteger não são guiados pela necessidade real de proteção aos direitos humanos, e sim, pelo complexo jogo de poder que há nas relações internacionais e pelo desejo de ampliação de um sistema de governança global (DUARTE, 2013, p. 11).

Ao ajudarem a conduzir o processo de desarmamento químico sírio, os dois Estados, mesmo contribuindo para a eliminação da possibilidade da reincidência do problema, deixaram até agora um vácuo em relação à aplicação dos Direitos Humanos no sentido estrito de objetivar aplicar reais sanções ao país (independentemente do culpado, seja o próprio governo, sejam as forças rebeldes). Por outro lado, graças a esta influência política russa e norte-americana, a solução da situação pôde, pelo menos, ser iniciada com maior rapidez.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Levantamento Bibliográfico – 29/04/2014

ABOUT.COM - MIDDLE EAST ISSUES. Why Does Russia Support the Syrian Regime. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2014. BLANCHARD, Christopher M.; HUMUD, Carla E.; NIKITIN, Mary Beth. Armed Conflict in Syria: Overview and U.S. Response. Washington, DC: Congressional Research Service, 2014. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2014. THE WORLD POST. Russia To Push Syria To Put Chemical Weapons Under International Control. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2014. DAMASCUS CENTER FOR HUMAN RIGHTS STUDIES. Ghouta Massacre Report. Washington, DC: DCHRS, 2013. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2014.

Levantamento Bibliográfico – 06/05/2014

DUARTE, João Paulo Gusmão. Responsabilidade de proteger e a guerra civil na Síria. Belo Horizonte: ABRI. 2013. Disponível em: Acesso em: 06 mai. 2014 UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Pillay says Syrian chemical weapons allegations “exceptionally grave,” investigation essential. Disponível em: Acesso em: 06 mai. 2014. UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Statement by Paulo Sérgio Pinheiro, Chair of the Independent International Commission of Inquiry on the Syrian Arab Republic, at the HRC 24th regular session, Geneva. Disponível em: Acesso em: 06 mai. 2014.

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UNITED NATIONS. Letter dated 11 April 2014 from the Chargéd’affaires a.i. of the Permanent Mission of Turkey to the United Nations addressed to the President of the Security Council, 16 de abril de 2014. Nova Iorque: ONU, 2014. (Documento S/2014/274). Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2014. UNITED NATIONS. Letter dated 16 April 2014 from the Permanent Representative of the United Arab Emirates to the United Nations Addressed to the President of the Security Council, 17 de abril de 2014. Nova Iorque: ONU, 2014. (Documento S/2014/285). Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2014. UNITED NATIONS. Letter dated 19 September 2013 from the Permanent Representatives of the Russian Federation and the United States of America to the United Nations addressed to the Secretary-General, 24 de setembro de 2013. Nova Iorque: ONU, 2013. (Documento A/68/398–S/2013/565). Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2014. UNITED NATIONS. Security Council Resolution 2118 (2013), 27 de setembro de 2013. Nova Iorque: ONU, 2013. (Documento S/RES/2118 (2013)). Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2014. UNITED NATIONS. United Nations Mission to Investigate Allegations of the Use of Chemical Weapons in the Syrian Arab Republic. Final report, 13 de dezembro de 2013. Nova Iorque: ONU, 2013. (Documento A/68/663–S/2013/735). Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2014.

Levantamento Bibliográfico – 10/05/2014

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