O uso de diagramas no processo de projeto: uma interpretação na obra de Rem Koolhaas / OMA

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O uso de diagramas no processo de projeto: uma interpretação na obra de Rem Koolhaas / OMA

The use of diagrams in the design process: an interpretation in the work of Rem Koolhaas / OMA

Agnes Costa Del Comune1, Renata Gonçalves Mendes Cosenza2 1 2

Arquiteta e mestranda da FAU-UPM, São Paulo, Brasil. Email: [email protected] Arquiteta e mestranda da FAU-UPM, São Paulo, Brasil. Email: [email protected]

RESUMO Este artigo pretende contribuir para as discussões sobre o processo de projeto de arquitetura na contemporaneidade e, para tanto, o que apresentamos é uma análise sobre o processo de projeto do arquiteto Rem Koolhaas e como ele e o seu escritório – OMA – utilizam os diagramas para representar graficamente algumas escolhas de projeto (MONTANER, 2008). Pretende-se explicar também dois projetos referenciais do escritório: o McCormick Tribune Campus Center (2003) e a Biblioteca de Seattle (2004), por meio da leitura dos diagramas existentes. As reflexões apresentadas neste artigo integram os estudos encaminhados no âmbito da disciplina “Teoria e metodologia do projeto de arquitetura e urbanismo”, da FAU – UPM, da qual as autoras fizeram parte no primeiro semestre de 2015. Palavras-chave: Rem Koolhaas, Prática, Diagramas, Processo de projeto, Projeto.

ABSTRACT This article aims to contribute to the discussions on contemporary design process in architecture and, therefore, what we present is an analysis of the design process by architect Rem Koolhaas and his office OMA – and we talk about how they use the diagram to plot some design choices (MONTANER, 2008). It is also intended to explain, through the reading of existing diagrams, two reference projects: the McCormick Tribune Campus Center (2003) and the Seattle Library (2004). The reflections presented in this article are part of the studies submitted in the discipline "Theory and methodology of architecture and urban design," FAU - UPM, in which the authors took part in the first half of 2015. Key-words: Rem Koolhaas, Practice, Diagrams, Design process, Project.

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1.

INTRODUÇÃO

Escolhas projetuais não surgem ao acaso, como um impulso ou intuição. Elas vêm de um processo que é desenvolvido ao longo da carreira do arquiteto, com seus anos de estudos e de prática. Para Sennett, a intuição “(...) começa com a noção de que o que ainda não é pode ser.” (2009, p. 233). Ele discute sobre o contraste entre a capacitação e a inspiração. Diz que “o atrativo de inspiração está em parte na convicção de que o talento bruto pode substituir o treinamento. Os prodígios musicais costumam ser citados para corroborar essa convicção – equivocadamente, porém.”. Ele explica que embora Mozart tenha uma memória musical inata, foi com o treino que ele pôde desenvolver métodos de composição que pareciam tão naturais, quase espontâneos. E por isso a rotina da prática e do treinamento é tão importante. É fato que não existe um único método para o processo de projeto, e que ele dependerá dos possíveis problemas e soluções que o arquiteto tenha que lidar para com determinada obra. O uso de diagramas se torna um método de trabalho possível, e por ele o arquiteto é capaz de desenvolver uma linha de raciocínio, ainda que com poucas informações, que o irá orientar ao longo do processo de projeto. Por outro lado, muitos arquitetos utilizam o diagrama para representar e ilustrar uma ideia já presente na obra concluída, nos levando a crer que ele tenha se formulado à posteriori. Este artigo irá discorrer sobre o processo de projeto e o uso de diagramas, argumentando sobre como o arquiteto Rem Koolhaas e seu escritório OMA utilizam este instrumento - algo que é interpretado em mais detalhes por meio da análise de duas obras: McCormick Tribune Campus Center (2003) e a Biblioteca de Seattle (2004). Na primeira parte do artigo, o texto discute sobre o uso de diagramas como instrumento de representação de determinadas escolhas projetuais. Não restam dúvidas de que os diagramas são poderosos elementos gráficos. Seu uso, aliado as outras tantas ferramentas de projeto - como desenhos técnicos, maquetes e croquis - é parte integrante do processo de projeto de muitos profissionais e parece ter cada vez mais destaque na obra de arquitetos contemporâneos como Rem Koolhaas. Em segundo lugar, as duas obras selecionadas como estudos de caso serão interpretadas por meio da leitura dos diagramas, considerando que Rem Koolhaas é um arquiteto que utiliza os diagramas como um de seus métodos visuais para demonstrar suas ideias e conceitos.

2.

DIAGRAMAS PARA REPRESENTAR ESCOLHAS PROJETUAIS

Conforme consta no dicionário online da língua portuguesa Michaelis, temos a definição da palavra diagrama como “um tipo de representação gráfica por meio de figuras geométricas (pontos, linhas, areas, etc.), gráfico, esquema.” Já a definição que poderia ser facilmente encontrada em um dicionário de arquitetura seria a do diagrama como “um desenho síntese de um projeto”. Entretanto, ambas as colocações são um tanto simplistas e superficiais, pois para a arquitetura contemporânea os diagramas podem ser vistos como estratégias de projetos. Não são simples desenhos. São utilizados para visualizar, pensar e representar o projeto, juntamente com os desenhos técnicos, croquis e outras tantas ferramentas que a arquitetura tem ao seu dispor. Descrevem algo sem apresentá-lo por completo, como se fosse uma leitura abstrata, mas destacam propósitos específicos. Por isso: o diagrama é uma estratégia, utilizada para representar escolhas projetuais. Presente em diversos campos do conhecimento o diagrama é um recurso gráfico que vem sendo empregado a longa data. Para a área da arquitetura, podemos dizer que foi no modernismo que os diagramas começaram a aparecer com maior destaque, sendo utilizados para demonstrar

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questões racionalistas de ordem funcionais, como hierarquias espaciais, fluxos e circulações. Duarte (2012) aponta que os pós-modernistas também utilizaram o discurso do diagrama para tratar de forma e linguagem, porém de uma maneira menos funcionalista e até mesmo menos impositiva, que a anterior. Mas é a partir da década de 90, no entanto, que os diagramas têm assumido um papel de grande importância para a arquitetura, superando em muitas vezes o uso do desenho tradicional nos quesitos de representação e geração de conhecimento. Segundo Barki (2009), o diagrama arquitetônico nada mais é do que uma representação abstrata de aspectos específicos e particulares de uma situação ou a relação entre dados de um problema, e tem por objetivo tornar o mais claro possível uma informação determinada, de acordo com a intenção daquele que o produziu. Para compreendê-lo, é preciso prestar a atenção em sua sintaxe lógica (relações formais claras) e em seu padrão visual (gestalt), uma vez que a informação arquitetônica é simplificada para ser imediatamente entendida e visualmente sedutora. Com esses poucos elementos é possível produzir notações muito complexas. Ainda assim, é importante ressaltar que o diagrama é uma representação materializada distinta da realidade material: resulta de um processo dinâmico sintetizado através da compressão, abstração e simulação. (BARKI, 2009. p. 6.)

A „arquitetura de diagramas‟ como sugere Josep Maria Montaner em seu livro Sistemas Arquitetônicos Contemporâneos (2008), pode integrar dados e tem a capacidade de se retificar constantemente, o que demonstra a característica inerente do diagrama como um instrumento para a compreensão e desenvolvimento dos projetos. Já Peter Eisenman (1999) entende o diagrama arquitetônico como sendo constituído por uma série de camadas, ou melhor, como mapas sobrepostos que são constantemente regenerados e que lidam com infinitas possibilidades que são representadas através de sua imprecisão formal. Duarte (2012) fala de uma „diagramania‟ ao explicar como o uso de diagramas vem crescendo e tendo cada vez maior destaque no campo da arquitetura contemporânea. O autor demonstra o fato apontando o grande número de importantes publicações de arquitetura que tem abordado o assunto nos últimos anos, e cita as questões da transformação da noção de diagrama ao longo da história e de como a prática arquitetônica também tem se transformado com o uso dos diagramas, utilizando desse recurso para se adaptar as atuais condições da cidade contemporânea. O diagrama é geralmente entendido como um ícone gráfico para representar um conceito, ou seja, um ideograma. Uma de suas características mais observadas está na sua capacidade de cumprir um papel duplo. De um lado é meio analítico e de notação, do outro é síntese e gerador. Mapa e trajetória. Ele opera como um „veículo de transmissão e produção de raciocínios‟. (DUARTE, 2012. p. 2)

DIAGRAMA – QUADRO SÍNTESE Parte integrante do processo de concepção e apresentação do projeto arquitetônico. Faz parte do processo de projeto. É uma estratégia de representação. É uma representação abstrata constituída por traços, linhas, pontos, manchas, tec. É um discurso visual (integra imagens, textos e números). É um redutor formal: comprime e torna legível certa quantidade de informações. Possui capacidade explicativa e descritiva. Deve ser visto como uma compilação da realidade dentro da própria capacidade de explicá-la e de desdobrá-la constantemente. É uma forma de compreensão para entender um problema.

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Expõe propósitos que foram manipulados conscientemente (partes são suprimidas para que outras sejam destacadas). Provoca a associação de ideias, estimula a imaginação e apresenta possibilidades, pois podem induzir a alternativas originais ao invés de soluções convencionais para determinadas situações. É uma ferramenta para a compreensão e desenvolvimento dos projetos. Tabela 1: Quadro síntese com algumas definições sobre diagramas arquitetônicos. Fonte: definições e montagem pela autora Del Comune, 2015.

Na Tab. 1 temos um quadro síntese com algumas definições sobre o uso dos diagramas no processo de projeto arquitetônico. Pode-se afirmar que diagramas são recursos gráficos que possuem papel de destaque no processo de projeto de muitos arquitetos contemporâneos, uma vez que representam discursos visuais capazes de demonstrar determinadas escolhas projetuais. Com Rem Koolhaas e OMA (Office for Metropolitan Architecture) não é diferente: um arquiteto e seu escritório que utilizam frequentemente o diagrama, tanto para desenvolver como também para conceitualizar os seus projetos. Além do desenho bidimensional, da perspectiva axonométrica e da maquete (física ou eletrônica), esse tipo de notação gráfica é parte fundamental no percurso de desenvolvimento de um projeto como forma de raciocínio e investigação de uma ideia. Mais do que isso, para Koolhaas, pode ser compreendida não apenas como uma estratégia de representação, mas como uma estratégia de concepção e conceitualização de determinado objeto. (DE PAULA, 2010. p. 93)

Koolhaas sempre teve contato com a arte e suas vertentes, algo que aliado a sua múltipla formação, fazem dele um profissional singular. Aliás, conforme destacado por Moneo (2008), a trajetória do arquiteto exerceu grande influência na construção de seu pensamento e processo de projeto. Seus projetos muitas vezes são vistos como formas de reflexão, pois há uma intenção em refletir a postura crítica do arquiteto sobre a cidade contemporânea, como será destacado na segunda parte do artigo. Resolver programas complexos com virtuosidade e providenciar soluções práticas para questões programáticas parecem ser duas das características mais marcantes de Rem Koolhaas e OMA. Isso acontece devido a sua forma de pensar - que entende a arquitetura como um sistema de relações que assimila fenômenos complexos - e representar - os conceitos arquitetônicos desenvolvidos para um projeto são normalmente visualizados e facilmente entendidos através de diagramas. Esses conceitos demonstram as estratégias projetuais do arquiteto para com aquele determinado projeto e, ao serem apresentados na forma de diagramas, servem como um meio de compreensão para o projeto, tornando possível continuar o trabalho no ambiente instável e de constante mudança que eventualmente acompanha todo o processo de projeto. Koolhaas utiliza os diagramas com a habilidade e a precisão necessárias para convencer e divulgar de maneira sintética esses conceitos. No entanto, Montaner (2014) afirma que os diagramas surgem tardiamente no processo de projeto do arquiteto, e são hoje “utilizado(s) de uma maneira instrumental e pedagógica dentro de objetivos mais amplos e ambiciosos” (p. 65). De acordo com o autor, foi no final dos anos 90 - com a criação do AMO (Architecture Media Organization) -, que os diagramas começaram a aparecer no escritório em elaborações sistemáticas das mais variadas espécies: desde projetos arquitetônicos, até na organização de exposições e desfiles de moda; aparecem também em trabalhos gráficos diversos, como a diagramação de livros; também na produção de curtasmetragens, além de análises culturais, projetos de comunicação visual, entre outros.

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Desde o início de sua atividade intelectual e criativa, o objetivo de Koolhaas tem sido reformular de maneira sistemática e inteligente as categorias de espaço e tempo em arquitetura. Para ele, AMO é o instrumento utilizado para encontrar uma maneira em que toda a informação seja reelaborada e filtrada em esquemas e diagramas que podem apontar pistas do projeto cultural, arquitetônico e urbano. Como consequência, os diagramas servem para traduzir os dados em meios expressivos e em processos e, somente no final, em formas. (MONTANER, 2014. p. 65).

De Paula (2010) identifica que Rem Koolhaas e OMA utilizam os diagramas arquitetônicos a partir de três abordagens, e é a união e sobreposição delas que aparece como elemento determinante na concepção e fundamentação do objeto proposto (Fig. 1). São elas: ● Diagramas para sistematização de um programa: diagramas ilustram a organização e a distribuição do programa. ● Diagramas para propor uma reflexão sobre cheios e vazios: diagramas abordam o destaque das visuais, demonstrando pontos que qualificam as aberturas e transparências propostas aos projetos. ● Diagramas para estudos dos sistemas de circulação: diagramas como percursos planificados que organizam os ambientes internos e demonstram a conexão interior / exterior.

Figura 1: Quadro com as três abordagens pelas quais Rem Koolhaas utiliza os diagramas, segundo De Paula (2010). Fonte: Montagem pela autora Del Comune, 2015, a partir de imagens disponíveis em: http://www.archdaily.com/, https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/ e http://variousarchitects.no/

Essas três diferentes abordagens sobre o uso de diagramas por Rem Koolhaas e OMA parecem interessantes e relevantes quando tratamos da análise de projetos, como as que o artigo se propôs

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a apresentar a seguir. Todavia, um olhar mais atento sobre as obras escolhidas permite verificar que, apesar dos fatores: programa, visuais e circulações; estarem presentes de maneira marcante nos diagramas apresentados pelo escritório, eles também revelam, assim como Montaner (2014) constatou, muitas outras questões, mais „amplas e ambiciosas’, que têm como pano de fundo o entendimento do arquiteto sobre a cidade contemporânea e sua complexidade.

3.

DIAGRAMA APLICADO AO PROJETO: CENTRO DE ESTUDANTES MCCORMICK TRIBUNE CAMPUS CENTER (2003) E A BIBLIOTECA DE SEATTLE (2004)

Rem Koolhaas e OMA entendem a complexidade da metrópole como um elemento indispensável e inspirador para projetar a arquitetura contemporânea. Parte desse entusiasmo em relação à cidade vem desde sua formação literária e cinematográfica até a sua posterior formação como arquiteto na década de 60. Nessa trajetória existiram muitas pessoas importantes como seus próprios professores, que contribuíram com ideias referenciais para sua produção acadêmica e projetual. Rafael Moneo (2008) destaca que durante o estudo de Koolhaas na escola de arquitetura de Cornell, no início da década de 70, ele se tornou o discípulo preferido do professor alemão Oswald Mathias Ungers, que na época, se dedicava em explicar a forma urbana: Koolhaas beneficiou-se de seu ensinamento e dele aprendeu a fazer da cidade a referência obrigatória para toda a intervenção arquitetônica, bem como a estar consciente da importância da cultura do movimento moderno na arquitetura recente. (MONEO, 2008. p.283).

Rem Koolhaas ocupou grande parte do seu tempo na elaboração de textos e livros que fundamentam a sua base teórica e principais questões que estão sempre presentes nos projetos do OMA, como por exemplo: a congestão programática, o “corte livre” e a importância de atender a escala e a cultura de massa. Nesse contexto, o processo de projeto de arquitetura do escritório funciona como uma forma de investigação e experimentação destas questões e conceitos. Uma das principais qualidades do escritório é trazer soluções inusitadas para programas complexos. Uma forma de ilustrar as inquietações e as estratégias de projeto é representá-las por meio de diagramas. Há algo que Peter (Eisenman) mencionou, acerca do diagrama. Para nós, o diagrama não é apenas mais um dispositivo que desencadeia a arquitetura, ou que nos permite desencadear a arquitetura. É também um dispositivo por meio do qual olhamos o mundo e tentamos representar algumas das condições bizarras que observamos. Para mim, isso permanece como parte importante do que podemos chamar de „o diagrama‟ hoje. (KOOLHAAS, 2013. p. 29).

Em Rem Koolhaas: Conversa com Estudante (2002), o arquiteto explica que o projeto para o concurso do Parque La Villette (1983) foi um momento importante em que o escritório pôde investigar o tema da “congestão” e a justaposição de atividades horizontalmente; conceito extraído, a priori, do arranha-céu norte-americano, mas que pode ser utilizado em um projeto de escala urbana e paisagística. Além disso, este projeto foi um dos primeiros em que Koolhaas utilizou os diagramas; neste caso para representar as áreas e as atividades ao longo do parque. Montaner (2014) menciona que os diagramas de Rem Kolhaas e OMA funcionam como um instrumento pedagógico, porém dentro de objetivos mais amplos, que apontam para

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reformulações das categorias de espaço e tempo na arquitetura, de maneira sistemática e inteligente, considerando uma leitura inteligente do contexto para um aprimoramento das ferramentas de análise da realidade. Tendo isto em vista, foram selecionados dois projetos referenciais – o Centro de Estudantes Mccormick Tribune Campus (2003) e a Biblioteca Central de Seattle (2004) - com o intuito de explicar as escolhas de projeto por meio da leitura dos diagramas. Além disso, a partir desta leitura, poderemos verificar as considerações do escritório frente às preexistências de cada local, assim como as problemáticas e conceitos de cada projeto como, por exemplo, o lugar da “cidade” na elaboração da arquitetura, a congestão programática, e a estratégia para o vazio.

3.1.

Centro de estudantes Mccormick Tribune no campus ITT (2003)

Figura 2: Vista externa do edifício Mccormick Tribune no campus ITT. Fonte: arquivo da autora Del Comune, 2015.

O primeiro projeto referencial que será analisado é o Centro de Estudantes McCormick Tribune no campus do Instituto de Tecnologia (IIT) em Chicago, Estados Unidos (Fig. 2). Rem Koolhaas e OMA ganham o primeiro lugar em concurso realizado em 1997 e a obra é concluída em 2003. Antes mesmo do início da leitura dos diagramas, podemos destacar que um grande desafio de Koolhaas e OMA seria inserir uma nova arquitetura no coração do Campus do ITT em Chicago cercado por edifícios do arquiteto Mies van der Rohe. Qualquer proposta arquitetônica traria impacto no entorno imediato, já que a identidade da arquitetura de estilo internacional estava muito presente. Além disso, uma linha de trem elevada atravessava o local do terreno e era um elemento de segregação, pois sua projeção dividia o terreno em duas partes.

Figura 3: Diagramas - adensamento da área. Fonte: EL CROQUIS. 2007, nº 131-132. OMA [I] 1996-2006. p. 338.

Primeiramente, Rem Koolhaas e OMA ilustram por meio de três imagens a preocupação com a questão do adensamento da área (Fig. 3). A preocupação concentrava-se em como reurbanizar o

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vazio. Considerando que em 1941, uma área de 57 acres correspondia a 6000 estudantes, em 1998, 120 acres deveriam atender um pouco mais da metade: 3200 estudantes. Ou seja, a estratégia deveria ser incrementar ao máximo o território, mas com o mínimo possível de adensamento e volume de edificação, apontando ao conceito de “congestão sem matéria”.

Figura 4: Diagramas - ocupação vertical e horizontal do edifício. Fonte: EL CROQUIS. 2007, nº 131-132. OMA [I] 1996-2006. p. 338.

Outros dois diagramas, mostrados acima (Fig. 4), apontam a reflexão para duas possíveis soluções para o projeto: um edifício vertical ou um edifício horizontal. O edifício vertical poderia ter uma maior autonomia entre as partes, um mínimo de ocupação no terreno, entretanto, seria um elemento isolado e de grande impacto visual, já que o entorno era composto de edificações de gabarito de altura baixo. Outra solução seria adotar um edifício horizontal, com o máximo de ocupação e permeabilidade, gerando um efeito de comunidade e interação em as partes; solução que foi adotada por Rem Koolhaas e OMA.

Figura 5: Diagramas - propagação do som no local. Fonte: EL CROQUIS. 2007, nº 131-132. OMA [I] 1996-2006. p.338.

Entretanto, a escolha pela horizontalidade gerava outra problemática que era como lidar com a ocupação horizontal da edificação sob a linha férrea, que atravessava o local do projeto e propagava uma grande intensidade de ruídos. A estratégia adotada foi à utilização da própria intervenção arquitetônica como uma atenuadora do ruído, como aponta o diagrama acima (Fig. 5), com um estudo de propagação do som. No trecho da edificação, a linha férrea foi encapsulada por uma capa tubular de aço inoxidável acusticamente isolada e recebeu novos pilares que sustentaram esta nova envoltória metálica.

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Figura 6: Vista aérea do edifício Mccormick Tribune no campus ITT. Fonte: www.pinterest.com/pin/8373949283493227/. Acesso em 25/05/2015.

Figura 7: Vista interna do edifício Mccormick Tribune no campus ITT. Fonte: arquivo da autora Del Comune, 2015.

Tendo isto em vista, o arquiteto deixa evidente a relevância da presença do trem ao deixar os novos pilares e trecho da envoltória evidente e visível pelo interior da edificação. As fotos acima (Figs. 6 e 7) mostram como "o tubo" foi tratado com destaque e tornou-se um elemento fundamental do projeto, contribuindo para a imagem e identidade da obra no campus. Outra questão essencial para Rem Koolhaas e OMA era a consideração das pré-existências de fluxos de estudantes no local do projeto, como aponta o diagrama abaixo (Fig. 8).

Figura 8: Diagrama - fluxos existentes. Fluxos. Fonte: EL CROQUIS. 2007, nº 131-132. OMA [I] 1996-2006. p. 339.

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Figura 9: Diagramas - fluxos. Fluxos. Fonte: EL CROQUIS. 2007, nº 131-132. OMA [I] 1996-2006. p. 339.

Os dois diagramas complementares acima (Fig. 9) comparam a circulação existente de acesso aos edifícios do Mies e a circulação proposta para o novo edifício. Neste caso, a estratégia adotada mantém os fluxos existentes como eixos principais de circulação, trazendo assim, a dinâmica da cidade para dentro do edifício. Ademais, o percurso interno extrapola os limites da edificação estabelecendo uma conexão entre as zonas do Campus, e configurando uma reunificação e re-urbanização da área, como ilustra o diagrama abaixo (Fig. 10).

Figura 10: Diagrama - fluxos. Fonte: www.oma.eu/projects/2003/iit-mccormick-tribune-campus-center/. Acesso em 25/05/2015.

Figura 11: Planta baixa. Fonte: http://en.wikiarquitectura.com/index.php/McCormick_Tribune_Campus_Center. Acesso em 25/05/2015.

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No interior da edificação, os eixos de circulação também funcionaram como limites para os espaços e atividades, como podemos observar na planta baixa (Fig. 11). A “congestão programática” é realizada horizontalmente, tal como foi proposta no concurso do Parc La Villette. As atividades se articulam e coexistem no mesmo local por meio da planta livre, sem a presença de divisões rígidas ou paredes (Fig. 12). Podemos então observar por meio dos diagramas do Centro de Estudantes McCormick Tribune no campus IIT que a principal questão do projeto estava relacionada à inserção urbana da arquitetura no local e a relação do edifício com seu entorno. Além disso, pode-se dizer que neste projeto, Koolhaas e OMA utilizam os diagramas para apontar os problemas e as soluções de projeto, ilustrando o seu raciocínio de maneira didática e como uma estratégia de argumentação.

Figura 12: Vista interna do edifício Mccormick Tribune no campus ITT. Fonte: arquivo da autora Del Comune, 2015.

3.2. Biblioteca de Seattle (2004)

Figura 13: Vista externa da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

O segundo projeto referencial que será analisado é a Biblioteca Central de Seattle, Estados Unidos, obra concluída em 2004 (Fig. 13). Segundo Montaner (2014), neste projeto os diagramas

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são utilizados para dirigir „forças‟ e repensar o programa, reorganizando-o, criando vazios e potencializando eixos de conexão. O programa é uma categoria que propicia a construção de edifícios imprecisos e abertos. (MONEO, 2008. p.288).

Primeiramente, para iniciar a leitura dos diagramas, nos deparamos com um diagrama relacionado ao programa (Fig. 14). Podemos ver quatro colunas de um processo progressivo de reorganização do programa. A primeira coluna representa o programa original. A segunda coluna aponta para 32% do programa destinado aos livros e a porcentagem restante de 68% para as demais atividades. A terceira e quarta colunas mostram a consolidação e remanejamento do programa, em que atividades semelhantes são agrupadas em blocos.

Figura 14: Diagrama do programa da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

Figura 15: Diagrama do programa da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

O diagrama acima (Fig. 15) mostra uma evolução em relação aos diagramas de organização do programa e uma preocupação em relação à espacialidade. Como um estudo de elementos cheios e vazios, Rem Koolhaas e OMA separam o programa em dois tipos de atividades: as estáveis e as instáveis. As atividades estáveis são representadas por cinco plataformas desencontradas. As plataformas têm formatos regulares e reforçam a diretriz da forma arquiteta partir dos elementos

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estáveis ou „cheios‟, como ilustra a foto da maquete (Fig. 16). Os espaços instáveis localizam-se entre as plataformas e representam os “vazios”, onde há flexibilidade do programa, forma irregular e acomodação à volumetria. Estes espaços funcionam como “intervalos”, lugares de encontro, estudo e interação de pessoas.

Figura 16: Foto da maquete da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

Tendo isto em vista, percebe-se que há um agrupamento proposital de tipologias de atividades em plataformas e um deslocamento estratégico entre elas, no qual o espaço entre plataformas é livre, fluído e flexível. O programa de atividades é organizado por meio da estratificação e do conceito de “corte livre”, como aponta Moneo (2008) e o resultado dessa organização e estratificação de atividades resulta na volumetria inusitada da edificação. Se Le Corbusier nos ensinou a pensar em arquitetura em termos de „planta livre‟, Koolhaas incorporou à cultura arquitetônica do final do século XX o conceito de „corte livre‟. Ele nos ajudou a pensar em arquitetura verticalmente, assim como parece exigir a densidade de metrópole. Os edifícios não se estruturam sobrepondo níveis horizontais: eles podem ser a sua forma. Os edifícios adquirem sua forma atendendo a escala, respondendo ao papel que têm a cidade. (MONEO, 2008. p.292).

Figura 17: Diagrama de mídias. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

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Outra questão importante do projeto é o papel do livro e das demais mídias na Biblioteca. O diagrama acima (Fig. 17) mostra que o livro resistiu ao surgimento das outras mídias e continua presente nos dias atuais, sendo também elemento de tecnologia. Desta forma, o livro ganha destaque em outro diagrama (Fig. 18) que demonstra o acesso e a organização do acervo físico por meio de rampas em espiral.

Figura 18: Diagrama de circulação da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

Podemos assim observar pelos diagramas de Rem Koolhaas e OMA para a Biblioteca de Seattle (Figs. 19 e 20) que a principal questão do projeto é a solução programática e a forma é resultante deste processo. Além disso, há uma preocupação em relação à configuração dos espaços, considerando a fluidez e flexibilidade dos mesmos. Novamente, percebe-se que Koolhaas utiliza os diagramas para ilustrar problemas e soluções de projeto, demonstrando o processo de raciocínio por meio dos diagramas, que ajudam a consolidar sua estratégia e escolha projetual.

Figura 19: Foto interna da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

Figura 20: Foto interna da Biblioteca de Seattle. Fonte: www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn. Acesso em 25/05/2015.

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4.

CONCLUSÃO

Ao propor um artigo que apresenta uma discussão sobre o processo de projeto arquitetônico e algumas definições sobre o uso de diagramas arquitetônicos, tendo como referência para análise o arquiteto Rem Koolhaas e seu escritório OMA, pôde-se chegar às seguintes considerações: Falar de processo de projeto não é tarefa muito fácil, uma vez que se trata de algo que transita por entre campos inconcretos (pois está entre conceitos, a prática profissional, a „bagagem‟ cultural do arquiteto, etc.) e campos concretos (o projeto e / ou obra de arquitetura), estando rodeado por incertezas e possibilidades diversas. As ferramentas que o arquiteto utiliza - como os croquis, as maquetes, os desenhos técnicos e, claro, os diagramas - fazem o elo entre eles. E se hoje os diagramas têm papel de destaque no processo de projeto de muitos arquitetos, isso se deve ao fato de que este é visto como um mecanismo que é capaz de ser utilizado para explorar possibilidades, e por meio de representações gráficas geralmente simples é possível absorver ideias e conceitos complexos. Os diagramas são fundamentais tanto para entender as etapas de um raciocínio, como também são síntese e adaptação, sendo assim ferramentas cognitivas tanto para descobrir como para representar um conceito. É importante compreender a função dos diagramas como papel de estruturador de raciocínios, fundamentais para entender a complexidade de conceitos que não poderiam ser apreciados somente de forma textual. A compreensão das ideias que organizam um raciocínio projetual pode ser muito mais simples e direta com a visão imagética que os diagramas proporcionam. Após a leitura dos diagramas dos dois projetos referenciais (McCormick Tribune Campus Center – 2003, e a Biblioteca de Seattle - 2004) podemos identificar que em ambas as obras os diagramas ilustram escolhas projetuais que partem de um processo racional de solução de questões e problemáticas. A forma arquitetônica é resultante deste processo. Os diagramas representam a síntese de um raciocínio, em que na maioria das vezes, existe uma reflexão critica implícita. Em alguns momentos, podemos identificar uma comparação de desenhos para justificar uma escolha específica. Assim, as representações gráficas em geral fazem parte de um discurso e o diagrama funciona como um argumento que valida à solução escolhida. Também podemos observar que os conceitos consolidados por Rem Koolhaas e OMA estão presentes nos projetos e são em parte ilustrados pelos diagramas. Como por exemplo, o conceito de “corte livre”, as “estratégias para o vazio” e a congestão programática. O Centro de Estudantes Mccormick Tribune Campus é organizado horizontalmente e a principal questão do projeto seria a inserção urbana da arquitetura no local. Enquanto a Biblioteca Central de Seattle é organizada verticalmente, e a principal questão do projeto seria a organização do programa. A congestão programática acontece nas duas obras, mas é tratada de forma distinta: uma é horizontal e a outra vertical. Os espaços em ambas as obras são fluídos, com poucas compartimentações ou delimitações territoriais que reforçam ainda mais a “congestão”, em que as atividades se misturam e coexistem no mesmo local. Os diagramas dos projetos de Rem Koolhaas e OMA também ilustram uma preocupação com a cidade, desde a consideração às preexistências, até na estratégia de tentar trazer a dinâmica da cidade para dentro da arquitetura e a questão da complexidade. Ou seja, as soluções são geralmente inusitadas e guardam uma característica de liberdade de investigação e experimentação de conceitos, transmitidos de maneira didática por meio de diagramas. Embora não seja possível constatar se os diagramas surgiram a priori ou tardiamente ao processo de projeto, ficam evidentes as preocupações e estratégias projetuais, que possivelmente estavam presentes durante o processo como um todo.

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Assim, este artigo irá contribuir tanto para estudantes como para estudiosos da área de arquitetura, que pretendem entender um pouco mais sobre processos de projeto, diagramas e a interpretação de projetos por meio de diagramas.

5.

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