O uso de vizinhanças de terceira em harmonias de Hélio Delmiro

June 12, 2017 | Autor: Bruno Mangueira | Categoria: Music, Popular Music Studies, Popular Music, Harmony, Análise Musical, Harmonia Funcional
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I MusPopUni

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I Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade

O estado da arte do ensino de Música Popular nas universidades brasileiras UFRGS – Porto Alegre/RS, 11 a 15 de maio de 2015

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Marcavisual __________________________________________________________________________________________________________ E56p Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade (1. : 2015 : Porto Alegre, RS) Anais ... / I Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade: o estado da arte do ensino de música popular nas universidades brasileiras – I MusPopUni ; Organizadores : Marília Stein, Raimundo Rajobac [e] Luciana Prass. – Porto Alegre: Marcavisual, 2015. 594 p. : il. ; 21x29,7cm Inclui resumos e referências. 1. Música. 2. Música popular. 3. Música popular – Brasil. 4. Música popular – Universidade. 5. Música popular – Repertórios – Práticas. 6. Música popular – Gênero – Identidades étnico-musicais. 7. Música popular – Ensino – Aprendizagem. I. MusPopUni (1. : 2015: Porto Alegre, RS). II. Stein, Marília. III. Rajobac, Raimundo. IV. Prass, Luciana. V. Título. CDU 784.4(81):061.3 __________________________________________________________________________________________________________ CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Jaqueline Trombin– Bibliotecária responsável CRB10/979) ISBN 978-85-61965-37-2

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O uso de vizinhanças de terceira em harmonias de Hélio Delmiro MANGUEIRA, Bruno (UnB) [email protected] Resumo: O presente estudo se insere no campo da música popular, mais especificamenteno âmbito da harmonia tonal, aplicada à composição e ao arranjo. São abordados aqui aspectos da obra do guitarrista e violonista Hélio Delmiro, personagem de relevância no cenário da música popular brasileira a partir dos anos 1970, não somente por sua extensa e diversificada atuação, seja junto a importantes artistas ou como solista, mas também pela qualidade e singularidade dessa sua produção. Mais objetivamente, busca-se acompreensão de procedimentos de harmonização e reharmonização por ele utilizados, enquanto compositor e arranjador, os quais possam ser associados a seu notório reconhecimento como proeminente figura num processo de modernização da música produzida no país desde então. Através da análise sobre exemplos extraídos de gravações representativas do músico, e à luz de trabalhos referenciais no campo de estudo em questão, podem ser observadas características pertinentes do manejo que Delmiro faz do elemento harmônico em seu processo de criação. Em determinados contextos, ele explora regiões mais distantes com relação à tônica, relacionadas a “correspondências de terceira” com acréscimo de sustenidos, tais como as tétrades maiores: sobre a tônica (IMaj7), em modo menor; sobre o quinto grau (VMaj7), em modo menor; e sobre o terceiro grau (o acorde de mediante IIIMaj7), em modo maior. Empregando tais recursos complexos de harmonização, conclui-se que Hélio Delmiro é um artista de seu tempo, cuja música se insere num ideal de sonoridade apreciado por artistas da tonalidade e por um determinado público de sua época. Palavras-chave: Música popular, expansão harmônica, reharmonização. Abstract: This study relates to the field of popular music, specifically to the application of tonal harmony to composition and arrangement. It approaches aspects of the work of Brazilian guitarist Hélio Delmiro, who has been an important figure in Brazilian music since the 1970s, not only because of his extensive and diverse experience as a soloist and as a sideman to major artists, but also because of the quality and uniqueness of his production. This study particularly focuses on his harmonic process as a composer and arranger, which contributes to his widespread acknowledgement as a prominent figure in the subsequent modernization of music produced in Brazil. Through the analysis of representative examples from Delmiro’s recordings and comparison to relevant referential works, pertinent features of Delmiro management of harmonic elements can be observed in his creative process. In certain contexts he explores regions more distant to the tonic, guided by “third relations” in raising chord tone pitches. An example would be the substitution of a major seventh chord over the tonic (IMaj7) in minor mode, over the fifth degree (VMaj7) in minor mode, and over the third degree (IIIMaj7) in major mode. Because of his use of such complex harmonic resources, it is possible to conclude that Hélio Delmiro is an artist representative of his era, whose music defines a harmonic ideal enjoyed by artists and audience of his time. Keywords: Popular Music, Harmonic Expansion, Re-harmonization.

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1. Introdução Nascido em 1947, o guitarrista e violonista carioca Hélio Delmiro é um importante personagem no cenário da música popular produzida no Brasil a partir do final da década de 1970. Embora sua faceta mais conhecida por parte do público seja a de instrumentista, notadamente através de trabalhos de relevância histórica ao lado de artistas como Elis Regina, Milton Nascimento, Tom Jobim e Clara Nunes, não menos interessante é sua produção enquanto arranjador, compositor e também como artista principal. Com o avanço do processo de consolidação dos estudos acadêmicos no campo da música popular no país, a obra de Delmiro tem sido objeto de pesquisa em trabalhos (Mangueira, 2002 e 2006; Gomes, 2012) que abordam diferentes aspectos de seu estilo. Pretende-se colocar aqui comentários a respeito de um desses aspectos, de natureza harmônica, e recorrente em certos contextos no processo criativo do músico, tanto na composição quanto no arranjo, que é o uso de vizinhanças de terceira. Em seu estudo sobre “planos tonais” na música popular, Freitas (2010) aborda a questão das “vizinhanças expandidas” (Freitas, 2010, p. 12), que se diferenciam das relações clássicas estabelecidas através de tons vizinhos diretos — acordes relativo, dominante e subdominante — e indiretos — relativos da dominante e da subdominante — (cf. Cosme, 1957, p. 122 apud Freitas, 2010, p. 7), sendo um dos aspectos observáveis no “cenário da música popular ‘tortuosa’” (Freitas, 2010, p. xi). ... as desnaturalizadas “vizinhanças de terceira que envolvem transformações cromáticas” (Kopp, 2002, p. 3) nos fizeram ouvir e pensar as progressões do tipo maior-maior (...), na música da Europa oitocentista e também em alguns domínios contemporâneos das músicas populares, como combinações harmônicas inovadoras, diferenciadas, expressivas, intensas e surpreendentes (cf. Oliveira, 2010, p. 146-147 e 254-255). (Freitas, 2010, p. 219)

A partir de conceitos apresentados por La Motte (1993, p. 155 apud Freitas, 2010, p. 219) e Corrêa (2006, p. 104 apud Freitas, 2010, p. 219), Freitas (2010, p. 220) sugere uma classificação das correspondências de terceira em quatro “instâncias gerais”, apresentadas aqui de maneira resumida: 1a) diatônicas — acordes ou regiões do relativo e anti-relativo, tanto em tonalidade maior como em menor; 2a) cromáticas, entre acordes ou regiões maiores, com acréscimo de bemóis — “empréstimo modal” bIII: e bVI:; 3a) cromáticas, entre acordes ou regiões maiores, com acréscimo de sustenidos — mediante (III:) e submediante (VI:); 4a) acentuadamente cromáticas, com

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modalidade oposta — como Ebm: ou Abm:, em C:, e também E: ou A:, em Cm:). FIG.1 — Ampliação das funções principais pelo caminho das mediantes, conforme Corrêa (2006, p. 14 apud Freitas, 2010, p. 220)

O autor observa ainda que os “efeitos de mistura” (Freitas, 2010, p. 28) proporcionados pela expansão para essas áreas tonais, em geral diferem, da seguinte maneira: seja no tom maior ou no menor, o caminho em direção ao acréscimo de bemóis é uma polarização capaz de “escurecer” ou introduzir “cores frias” na tonalidade principal. Em contrapartida, o acréscimo de sustenidos é uma polarização capaz de introduzir “mais brilho” ou uma “coloração mais quente” (Bas, 1957, p. 327). (Freitas, 2010, p. 29)

Assim, trata-se aqui do uso de acordes e regiões inseridos no âmbito daquela terceira instância, e, portanto, com características associadas a “brilho” e “coloração quente”.

2. Uso, em tonalidade menor, do homônimo maior da tônica— IMaj7 O CD “Vivanoel: tributo a Noel Rosa” vol. 2 (Velas, 1997), de Ivan Lins, traz um arranjo de Hélio Delmiro para “Último desejo”, de Noel Rosa (1910–1937), no qual, além da ambiência jazzística e formação intimista utilizada — voz, violão, contrabaixo acústico e caixa de fósforos —, certos acordes contribuem para a criação de uma “atmosfera mágica” (Máximo, 1997). Neste samba-canção em duas partes, sendo a primeira em Sol menor e a segunda em Sol maior, a reharmonização de Hélio enfatiza o contraste entre as tonalidades homônimas, através do uso de acordes de empréstimo modal, substituindo inclusive a própria tônica, em ambas as seções.

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A FIG. 2, correspondente aos compassos iniciais da seção [A], traz uma comparação com a versão de Aracy de Almeida (considerada a principal intérprete de Noel) e Boêmios da Cidade, gravada em 1937 e lançada no ano seguinte pela Victor. Para efeito comparativo, ambas as harmonias aqui estão no tom de Ivan Lins (Sol menor); a melodia está como interpretada por Ivan. Guardadas sutis diferenças na maior parte do trecho, destaca-se na versão Lins/Delmiro o acorde GMaj7/B (IMaj7), no compasso 7. Após preparação para retorno à tônica menor (Gm), o movimento descendente dos baixos (D7, D/C) é utilizado para aproximar uma progressão onde as fundamentais dos acordes caminham através do ciclo de quartas ascendentes (ou quintas descendentes), tal como ocorreria num clichê harmônico do tipo III-VI-II-V-I. Sobre essa enriquecedora substituição do acorde menor de I grau por seu homônimo maior, cabe notar que, além da “afinidade das tonalidades homônimas”, baseada na “igualdade das fundamentais e dos idênticos acordes de dominante” (Schoenberg, 2001, p. 303-304), alguns autores fazem referência a outra relação, menos direta. Ela estaria baseada na premissa de que a possibilidade de expansão tonal para maior, através da terça de picardia, seria exclusividade do modo maior, visto os vizinhos de terça da tônica menor já serem acordes diatonicamente maiores — bIII e bVI (cf. Freitas, 2010, p. 221). Desse ponto de vista, que não é unânime, o uso do IMaj7 em tonalidade menor dar-se-ia então por meio do falseamento de um “ambiente maior”, via a relação com a região da relativa maior (Bb: em Gm:), e a partir daí, o surgimento de sua respectiva região de submediante (G: em Bb: e, portanto, G: em Gm:) (cf. Freitas, 2010, p. 222).

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FIG.2 — Comparação harmônica, nos compassos 1 a 9 da parte [A] de “Último desejo” (Noel Rosa), entre as versões de Aracy de Almeida e Boêmios da Cidade (1938) e Ivan Lins (1997), com arranjo de Hélio Delmiro; na segunda versão, uso de vizinhança expandida

3. Uso do VMaj7 em tonalidade menor Continuando no arranjo de Hélio Delmiro para “Último desejo”, outro acorde chama a atenção na primeira seção (em Sol menor): DMaj7/A (compasso 11). Para abordá-lo, é empregado um clichê harmônico associado ao modo menor, no qual “a utilização do baixo na sétima menor do acorde menor (IV grau)” tem por finalidade “aproximar harmonicamente o IIm7(b5)” (Buettner, 2004, p. 45). No presente caso, seria então uma preparação relacionada à tonalidade de Ré menor.

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FIG. 3 — Clichê harmônico em Dm: e sua aplicação em Gm:

Segundo Buettner (2004, p. 39), os “clich s do modo menor” funcionariam como modelos aplicáveis não só ao I grau, mas também aos demais locais (acordes) de chegada da tonalidade, mostrando-se “funcionais para outras relações harmônicas, inclusive para o modo maior”. Assim, numa progressão como aquela, a resolução poderia se dar tanto em Dm7 (Vm7) quanto em DMaj7 (VMaj7), como acontece no arranjo de Delmiro para “Último desejo” (FIG. 4). Considerando-se a relação com o modo homônimo maior, o tom da dominante — no caso, D: em G: — seria um vizinho direto (cf. Cosme, 1957, p. 122 apud Freitas, 2010, p. 7) “emprestado”. No modo maior, o V grau é também uma das três “destinações usuais”54 (Freitas, 2010, p. 389) em modulações (embora não se trate aqui de modulação, mas de uma passagem por outra região, uma expansão da tonalidade original). Por outro lado, assim como no exemplo anterior, de acordo com aquele ponto de vista segundo o qual não haveria possibilidade de expansão tonal por picardia no modo menor, estaria aqui também envolvido um outro tipo de relação, possibilitando a presença desse DMaj7 na tonalidade de Sol menor. Trata-se do mencionado recurso de forjar um ambiente maior através da relação com a região da relativa maior (Bb: em Gm:), mas, neste caso, vinculando-se em seguida a respectiva região de mediante (D: em Bb: e, portanto, D: em Gm:) (cf. Freitas, 2010, p. 222).

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As outras duas seriam o relativo e o anti-relativo menores.

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FIG. 4 — Comparação harmônica, nos compassos 9 a 11 da parte [A] de “Último desejo” (Noel Rosa), entre as versões de Aracy de Almeida e Boêmios da Cidade (1938) e Ivan Lins (1997), com arranjo de Hélio Delmiro; na segunda versão, uso de vizinhança expandida

Essa passagem pelo VMaj7 voltará a ocorrer adiante no arranjo de Hélio, porém de forma menos contrastante, na seção [B], onde a tonalidade é Sol maior, resultando num menor acréscimo de sustenidos (D: em G: acrescenta um sustenido, enquanto D: em Gm: corresponde ao efeito de três). 4. Uso, em tonalidade maior, do acorde de mediante — IIIMaj7 Em seu CD “Compassos” (Deckdisc, 2004), Hélio Delmiro gravou (pela primeira vez como cantor) “Ilusão à toa”, cujo primeiro registro fora do próprio compositor Johnny Alf (1929–2010), em seu álbum de estreia, o antológico “Rapaz de Bem” (RCA Victor, 1961). A versão de Delmiro explora um pouco mais uma área tonal já presente na composição de Johnny, a região da mediante. Originalmente, o acorde maior sobre o III grau aparece como uma surpresa ao final da repetição do primeiro tema — no penúltimo compasso de [A’], conforme a FIG. 5. Hélio, porém, antecipa esse efeito para a primeira exposição, substituindo o IIIm7 do compasso 7 de [A] por um IIIMaj7 (DMaj7). Observe-se que a nota melódica é a mesma, tanto nos compassos 3 de [A] e [A’] quanto em 7 de [A’] (onde originalmente ocorre o IIIMaj7), qual seja, lá natural. Além da referida reharmonização sobre o III grau, a versão de Hélio Delmiro traz também, no terceiro compasso de [A] e também de [A’], uma tétrade maior com quinta aumentada sobre a tônica [IMaj7(#5)]. A sonoridade desse BbMaj7(#5) é similar

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à do acorde maior sobre a mediante (DMaj7), devido ao fato de ele conter a tríade maior sobre o III grau, sendo mesmo usual sua cifragem como “D/Bb”. Pode ser observado ainda, na preparação do acorde de III grau em “Ilusão à toa” — compassos 5 e 6, tanto de [A] como de [A’] —, algo bastante semelhante ao “clichê do modo menor” (Buettner, 2004, p. 45) apresentado na FIG. 3. Ocorre aqui uma mudança para uma quinta justa acima do VIm7, que originalmente conduz ao IIIm9, em [A], e ao IIIMaj7, em [A’]. A FIG. 5 compara as harmonias para “Ilusão à toa” nas versões de Johnny Alf e Hélio Delmiro, e ilustra o uso de vizinhança expandida nesta última. O tom da gravação de Johnny é Ré-bemol maior, porém aqui, para efeito de comparação, ambas as harmonias estão no tom de Delmiro, Si-bemol maior.

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FIG. 5 — Comparação harmônica entre as versões de Johnny Alf (1961) e Hélio Delmiro (2004) para “Ilusão à toa” (Johnny Alf); na segunda versão, uso de vizinhança expandida

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Essa passagem pelo acorde de mediante também pode ser observada nas composições de Hélio Delmiro “Alabastro” e “Dois por quatro”. A FIG. 655 ilustra tal ocorrência nesta segunda música, em Ré maior. Aqui o clichê harmônico é novamente utilizado, iniciando-se no 7o compasso de [B], com o acorde Bm7, que, além de sua função tônica enquanto VIm7, assume ainda a de subdominante menor do terceiro grau, para o qual se progride, mas que acaba por configura-se como IIIMaj7 (F#Maj7). Em “Dois por quatro” há também uma passagem pelo VMaj7 (AMaj7), no compasso 5. Na FIG. 6, paralelamente à análise no tom principal, podem-se observar: 1) a relação de mediante estabelecida com a área tonal F:, relativa do homônimo menor da tônica (Dm:); e 2) a relação de submediante na progressão a partir de AMaj7, com a resolução em F#Maj7 (VIMaj7, em A:). FIG. 6 — Vizinhanças expandidas em “Dois por quatro” (Hélio Delmiro)

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Melodia conforme partitura fornecida pelo compositor, que difere um pouco da execução de Clare Fischer no CD “Symbiosis” (Clare Fischer Productions, 1999), gravado em duo com Hélio Delmiro.

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5. Considerações finais Observando-se o manejo que Hélio Delmiro faz de intrincados recursos de harmonização, seja no arranjo sobre o repertório de gerações anteriores, seja na composição de obras atuais, percebe-se que alguns aspectos objetivos de sua arte se inserem num processo de modernização da música popular no Brasil. Pode-se concluir que Hélio é um artista de seu tempo, cuja obra se insere num ideal de sonoridade apreciado por outros músicos da tonalidade, e também por um determinado público de sua época.

Referências BUETTNER, Arno Roberto von. Expansão harmônica: uma questão de timbre. São Paulo: Irmãos Vitale, 2004. CORRÊA, Antenor Ferreira. Estruturações harmônicas pós-tonais. São Paulo: Ed. UNESP, 2006 apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219. COSME, Luiz. Dicionário musical. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957 apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2014. GOMES, Vinícius José Spedaletti. Hélio Delmiro: composições para violão solo. Universidade de São Paulo, 2012. (Dissertação de Mestrado). KOPP, David. Chromatic transformations in nineteenth-century music. Cambridge: Cambridge University Press, 2002 apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219. LA MOTTE, Diether de. Armonía. Barcelona: Editorial Labor, 1993 apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219. MANGUEIRA, Bruno. Concepções estilísticas de Hélio Delmiro: violão e guitarra na música instrumental brasileira. Universidade Estadual de Campinas, 2006. (Dissertação de Mestrado). Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2009.

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MANGUEIRA, Bruno. O estilo de improvisação de Hélio Delmiro. Universidade Estadual de Campinas, 2002. (Relatório Final de Atividades pela Bolsa de Iniciação Científica da Fapesp). MÁXIMO, João. Nota no encarte. In: LINS, Ivan. Vivanoel: tributo a Noel Rosa, v. 2. Rio de Janeiro: Velas, 1997. CD. OLIVEIRA, Luis Felipe. A emergência do significado em música. Instituto de Artes, Unicamp, 2010. (Tese de Doutorado) apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219. SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. Tradução Marden Maluf. São Paulo: Editora Unesp, 2001.

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