O USO DO ERRO NO ENSINO DA TRADUÇÃO DE TEXTOS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS O USO DO ERRO NO ENSINO DA TRADUÇÃO DE TEXTOS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS

May 29, 2017 | Autor: Alicia Silvestre | Categoria: Teaching Translation, Errors and Mistakes
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INTRODUÇÃO O erro na tradução de textos especializados constitui com frequência uma transgressão de um paradigma considerado correto devido a várias causas. Por um lado, o mercado procura pessoal profissional, mas também busca baratear custos, o que, em muitas ocasiões, determina o corte de gastos em serviços considerados secundários, como a tradução de manuais de instruções, para os quais chega a se contratar um só tradutor para várias línguas. Por outro lado, influem os curtos prazos e a complexidade dos textos fonte. Uma das principais características das linguagens de especialidade é o grau de precisão. O manuseio de substâncias químicas, o uso de máquinas e aparelhos (elétricos, eletrônicos e mecânicos), a leitura de manuais e instruções, a descrição de processos, o estudo de textos médicos, entre outros, são atividades que demandam do leitor uma total e perfeita compreensão. Na área técnica e científica, em particular nas instruções e manuais técnicos, o erro constitui um ruído comunicativo grave, tendo em vista as consequências que uma leitura ou uma compreensão deficiente do original ou a produção inadequada do texto meta podem acarretar. Uma má tradução pode gerar implicações em múltiplas áreas, podendo, por exemplo, deixar o usuário exposto a acidentes ou mesmo à quebra de um aparelho. Vários autores coincidem em mencionar o grau de especialização e o tipo do texto a traduzir como fatores muito relevantes para classificar os erros. De fato, é com base no tipo de texto que se gradua o alcance de um erro na tradução, qualificando-o como inaceitável, grave, inadequado, etc., segundo seu impacto na cultura de chegada. Nesse sentido, este estudo propõe-se a apresentar uma metodologia do processo tradutório com o intuito de ajudar o aluno a compreender os erros, classificá-los conforme as suas causas subjacentes e utilizar estratégias para evitálos e corrigi-los. Para os tradutores é importante conhecer o processo que leva ao erro a fim de evitar a sua ocorrência e, se não for possível eliminá-lo, ao menos corrigi-lo por meio de cuidadosas revisões. O ERRO NA TRADUÇÃO: CAUSAS E CLASSIFICAÇÃO O erro na tradução, segundo Juan Carlos Palazuelos et al. (1992, p.33), é “qualquer falta ou não cumprimento com esta obrigação (‘saber’, ‘dever’) [...] em outras palavras cada vez que não se reproduza em uma língua 2 o conteúdo

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textual fornecido em uma língua 1”1. A equivalência apontada entre saber e dever significa que se presume que tal competência é condição para o exercício da profissão de tradutor. Os estudos do erro linguístico começaram na psicologia e na linguística, tendo aplicabilidade, sobretudo, ao ensino de línguas estrangeiras (COSERIU, 1985). Neste campo, Rod Ellis (1997) descreve como, na produção linguística do aprendiz, podem ocorrer desvios da língua padrão. Tais desvios foram extensivamente estudados nos anos 60 e 70 pela Análise de Erro e Análise Contrastiva. Os erros linguísticos podem ser classificados de acordo com suas causas ou suas consequências. No que concerne às motivações dos erros, Sigmund Freud (1901), na obra Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, distingue duas causas principais: a ignorância como o desconhecimento de algum aspecto linguístico, cultural ou do contexto da tradução, e o fenômeno psíquico inconsciente que provoca na linguagem verbal o clássico lapsus linguae. Os erros também podem ser devidos à interferência decorrente do uso de línguas próximas e à falta de precisão por desconhecimento. De fato, a interferência da L1 no resultado da tradução, conforme fala a lei de interferência de Gideon Toury (1995), leva a propor para os textos traduzidos o princípio de “visibilidade” (“shining through”), ou seja, o de que, “nas traduções, a língua fonte tende a transparecer” (TOURY, 1995, p.3)2. Alguns autores, como Susana Cruces Colado (2001), não concordam que haja tal interferência. Para Colado, a maioria dos erros produzidos na fase de construção do sentido não se deve, como se costuma julgar, à proximidade entre as línguas nas quais se está operando, mas é resultado de um conhecimento insuficiente da língua original e do tema específico do texto a traduzir. Igualmente, a maioria dos erros produzidos na fase de reformulação se deve ao conhecimento insuficiente da língua meta, assim como ao fato de não se utilizarem as ferramentas auxiliares, como dicionários, internet, textos paralelos, obras de referência, etc., para suprir a falta de conhecimento. No entanto, os estudos da psicolinguística, no que diz respeito à interferência da língua nativa no aprendizado de línguas próximas, demonstram que o grau de interferência é maior entre línguas próximas, por causa da semelhança fonética, fônica, fonológica, etc. A prática tradutória ativa no cérebro, de maneira simultânea, ambos os sistemas linguísticos (neste caso o 1 Texto fonte: “cualquier falta o no cumplimiento con esta obligación (‘saber’, ‘deber’) […]; en otras palabras cada vez que no se reproduzca en una lengua 2, el contenido textual dado en una lengua 1”. 2 Texto fonte: “in translations, the source language tends to shine through”.

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par espanhol/português), o que incrementa as possibilidades de confusão. Essa ativação se reduz consideravelmente em línguas não próximas3. No que se refere à classificação do erro, Berndt Kielhöfer (1975) fez uma análise crítica do esquema de correção usado até então, porque esse se baseava nas avaliações gramaticais e estilísticas dos linguistas, sob uma concepção purista da língua orientada à norma. Segundo Kielhöfer, o uso de categorias, como faute de grammaire, nonsens, contresens, faux-sens, barbarisme, improprieté, inexactitude, maladresse, ortographie4, não define o conceito de erro. Acrescenta que os critérios nos quais se sustentam ditas categorias são subjetivos e imprecisos, puramente intuitivos, e se estabelecem segundo as reações afetivas do corretor. Deste modo, os limites entre improprieté, inexactitude e maladresse são totalmente arbitrários. Já Christiane Nord (1988) faz uma abordagem didática em termos de classificação. Assinala que na análise de erro se misturam distintos tipos de erros, e que os erros de tradução deveriam se distinguir segundo a competência tradutora alcançada pelo estudante em determinado nível, o que pressupõe uma sistematização e progressão nas metas de aprendizagem propostas. Segundo Julian Edge (1989), os erros podem ser classificados em três categorias: slips, errors e attempts. Slips são aqueles erros que o próprio falante é capaz de corrigir, porque procedem simplesmente de um descuido. No entanto, quando é incapaz de localizar e corrigir seu erro, por ignorância, tal falha considera-se um error. É um attempt o erro resultante de uma tentativa de se comunicar usando estruturas ou vocabulário ainda não aprendidos. Anthony Pym (1993) define dois tipos de erros: mistakes e errors. São mistakes, ou erros binários, aqueles em que “uma determinada escolha é errada quando ela deveria ter sido correta, e não há nuanças entre uma e outra, não há gradações”5 (1993, p. 102). Não se trata de um erro de natureza propriamente tradutória, mas linguística (ortográfica, gramatical, semântica); esse erro contraria um tipo de conhecimento muito importante para o tradutor, pois este conhecimento é pressuposto na competência tradutória. O segundo tipo, o error, ou erro não-binário, “resulta de situações em que não há uma separação 3 França (2005, p. 15) afirma que “para acessarmos a representação mental correspondente a uma palavra ouvida ou lida, acabamos por ativar milhares de representações mentais de palavras que estavam desativadas na mente”. França, seguindo os estudos clássicos de Taft e Forster (1975) também acrescenta que as palavras fonologicamente semelhantes podem ser facilitadoras umas das outras. Entretanto, palavras com semelhança morfológica garantem uma ativação bem mais forte do que as primeiras. 4 falta gramatical, sem sentido, contra-sentido, falso sentido, barbarismo, impropriedade, inexatidão, desacerto, ortografia. 5 Texto fonte: “a determined choice is incorrect when it must have been correct, and there are no nuances between one and the other, there are no gradations”.

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nítida entre certo e errado. Por exemplo, el monte pode ser traduzido por the bush, mas nem sempre”6 (1993, p.102). Para este autor, todos os erros propriamente tradutórios são, por definição, não-binários, e devem ser discutidos nas aulas de tradução para se descobrir sua causa e encontrar uma melhor solução. É preciso, portanto, redobrar a atenção durante a revisão. Ainda tratando da sua reação na avaliação dos erros, Pym acrescenta: quando eu avalio traduções e me deparo com mistakes, um risco sobre eles indica “Errado! Corrija!”. Já os erros tradutórios [errors] normalmente recebem diferentes versões de linhas onduladas que significam algo como “Vamos ter de conversar sobre isso” ou “Pense de novo!” (PYM, 1993, p. 103)7.

Colado (2001), um dos mais completos repertórios de tipos de erro para o ato tradutório, declara que, de modo genérico, se pode definir o erro de tradução como a ruptura das regras de coerência de um texto original, sejam essas de tipo gramatical, de combinação léxica, congruência semântica ou de conformidade com o conhecimento do mundo e da experiência acumulada. Esta autora se apoia em Daniel Gile (1992) para estabelecer os erros segundo a fase em que são produzidos8 e poder assim averiguar as causas com fins corretivos e pedagógicos. Os tipos de erro que Colado (2001) expõe, por ordem de frequência de aparição, são: a ruptura da coerência, a inadequação terminológica e a reformulação literal. Além desses erros de sentido, existem aqueles de incorreção formal do texto final, cuja origem se encontra no maior ou menor desconhecimento das regras ortográficas, gramaticais e léxicas da língua do texto original. Também se produzem calques, quando o erro do original não é reconhecido nem corrigido e se reproduz no texto final. Estudos orientados especificamente à tradução indicam que mesmo quando um argumento, ou uma ideia, está apresentado claramente no texto fonte, e a maioria o entende, muitos aprendizes de tradução dificilmente conseguem reproduzir um texto com a mesma clareza na língua meta, isto é, sua 6 Texto fonte: “results from situations in which there is no clear separation between right and wrong. For example, el monte can be translated by the bush, but not always”. 7 Texto fonte: “when I evaluate translations and I find mistakes, a tick over them indicates “Wrong! Please, correct!”. Translating errors normally receive different versions of undulated lines that mean something like “We have to talk about that” or “Think again!”. 8 Fase 1 é o encargo de tradução (reconstrução de condições de enunciação do Texto Original); a fase 2 é a construção do sentido. A fase 3 consiste na reformulação do Texto Meta. Na fase 4, se elabora a revisão, e a fase 5 é a do produto final. (GILE, 1992).

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língua materna (PALAZUELOS et al., 1992). Em algumas ocasiões, apesar de os textos estarem bem escritos e claros, os alunos têm dificuldade de encontrar as estruturas mais adequadas na sua língua materna e assim produzir um texto verdadeiramente correto idiomaticamente. Desse modo, o erro não é só uma reformulação concreta, mas inclui também a incapacidade de perceber a ruptura. Se Pym pressupunha uma região de nuanças ou gradações (shades ou clines) entre o certo e o errado (right e wrong), Maria Paula Frota (2006) concorda que há uma gama de escolhas possíveis, e cada aluno elege uma que, a seu ver, é a mais adequada. Desse modo, acrescenta a estas duas noções um terceiro tipo, que chama de singularidade, que é uma “alternativa a esses extremos (certo e errado), uma região que, situada entre eles, incluiria as escolhas que não contam com uma avaliação consensual, que suscitam um grau variável, maior ou menor, em suas aceitações subjetivas.” (FROTA, 2006, p. 147). Afirma ainda: Via de regra, nada nessas formações [lapsos de tradução e singularidades] ou em sua relação com o contexto constitui indício de erro. [...] Porém, uma vez havendo o cotejo, há uma importante diferença entre o lapso de tradução e a singularidade. Por consistir o primeiro em erro flagrante e indiscutível, ele passa a ser plenamente visível como todos os demais lapsos de escrita: só “cego” não o vê. Quanto à singularidade, a situação é bem mais obscura, mesmo paradoxal, em decorrência, por um lado, de ela não constituir um erro unânime e, por outro, de os críticos de tradução em geral seguirem parâmetros extremos de avaliação. Ou seja, uma ocorrência de caráter nãobinário é julgada por uma lógica binarista. Desse despreparo para conviver com “rupturas obedientes” ou “submissões malcomportadas” resulta a forte tendência de, se percebidas, as singularidades serem alocadas em uma ou outra das categorias existentes. (FROTA, 2000, p. 239).

No leque da singularidade, a autora inclui preferências estilísticas e escolhas mais felizes, ou seja, casos em que uma modificação do revisor ocorre por gosto pessoal, e casos em que a alteração feita na revisão se prova uma opção mais feliz de tradução. O avaliador deve ampliar a noção de erro além do certo e o errado, trabalhando com a visão “alternativa a esses extremos”, analisando cada caso dentro desse “grau variável” de aceitação, sem adotar uma postura radical ou autoritária nas correções e modificações que fizer. Neste sentido, Clarissa Soares Santos (2007) recomenda que o professor de tradução se abstenha de confiar sua preferência, porque o peso de sua opinião pode condicionar e determinar a escolha do aluno. De fato, alunos e professores de tradução devem adquirir abertura e flexibilidade, pois sem elas não é possível avaliar

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traduções. A mesma ideia defende Paulo Rónai (1981) em A tradução vivida, quando diz que o ensino da tradução só pode partir de exemplos concretos e deve ter em vista, sobretudo, flexibilizar a mente do tradutor e mantê-la em estado de alerta para que saiba lembrar precedentes ou, se for o caso, inventar novas soluções. (itálico nosso). Vários autores observaram que tradutores em formação têm medo de enfrentar a situação de traduzir um texto e possuem pouco senso crítico sobre as suas próprias atitudes. Durante o processo da tradução, costumam procurar uma “confirmação externa” quando encontram soluções para problemas de tradução. Esta confirmação é muitas vezes o dicionário, que nem sempre apresenta as melhores soluções. Todavia, os tradutores em formação “confiam” no dicionário, mesmo que em muitos casos a solução não seja a mais adequada. Esse padrão comportamental evidencia autoestima baixa e falta de confiança nas próprias habilidades. (KUSSMAUL, 1995). No caso da tradução técnica e científica, os erros por ignorância podem e devem ser corrigidos, com o uso adequado de ferramentas de apoio à tradução e meios auxiliares (foros, dicionários, formação). Como afirma Frota (2006, p.142): Os alunos de tradução precisam encarar com naturalidade essa situação de ignorância e desenvolver ao máximo os recursos de consulta ou pesquisa. Precisam ter consciência do benefício da dúvida, devem ser incentivados a questionar os limites do conhecimento que supõem ter e a aprender onde e como encontrar informações que possam ajudar nos seus trabalhos.

O USO DO ERRO NO ENSINO DA TRADUÇÃO Nosso experimento avalia os erros nas traduções dos alunos da disciplina “Versão de Textos Técnicos e Científicos” do Curso de LetrasTradução Espanhol da Universidade de Brasília. Apresentam-se aos alunos instruções técnicas em português e lhes é encomendada a tarefa de vertê-las para o espanhol, individualmente, dividindo a atividade em cinco fases: 1) Verificação da intencionalidade do original: que, para quem, para que, quando, como, onde. Cópia do original mantendo os erros que contém. 2) Construção do sentido, mediante leitura e interpretação. 3) Reformulação. Primeira tradução preliminar com uso de dicionários e ferramentas informáticas, com a identificação das dificuldades, seguida de correção com a professora e partilha com o grupo em aula.

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4) Revisão. Segunda tradução com uso de textos paralelos (instruções de

aparelhos semelhantes de outras marcas comerciais), com comparação das frases comuns e foco na forma como os conteúdos que apresentavam dificuldade são expressos nos originais das outras marcas. Nesta fase se oferece também uma breve introdução ao uso de corpora e bases de dados terminológicas. 5) Produto final. Adequação dos meios linguísticos à intencionalidade, com atenção à cultura de chegada, o estilo, a coerência e coesão de tempos, pronomes, e verificação final de pequenos erros de digitação, ortográficos, de formatação (polir o texto). Uso do checklist que pode servir como mecanismo de verificação pessoal (a partir das tendências a cometer certo tipo de erro, ou fossilizações) ou geral (vide Apêndice 1). Esta metodologia em fases permite ao aluno uma introspecção maior do processo tradutório, pois ele confere as dificuldades e erros de maneira separada. Isso lhe ajuda não só a compreender e colaborar na classificação desses erros, mas também, em muitas ocasiões, revela a(s) causa(s) subjacente(s), o que auxilia na redução dos contextos de risco e no desenho de estratégias direcionadas a evitar e corrigir os erros. Selecionados os erros, faz-se uma introdução às seguintes ferramentas de qualidade, as quais auxiliarão a análise das causas dos erros: Tempestade de Ideias, Diagrama de Ishikawa, Princípio de Pareto, Planos de Ação e Checklist. Com elas se faz a análise das causas: 1) A Tempestade de Ideias aporta uma variedade de causas (vide Apêndice 2). A reflexão em aula mediante a Tempestade estimula a criatividade, adianta algumas soluções e reforça a observação. 2) O Diagrama de Ishikawa oferece mediante seu diagrama um maior detalhe na análise pormenorizada das causas, agrupando-as em categorias maiores, e ajuda a isolar responsáveis e causas primárias. Assim se deduz que as causas podem ser externas (se o autor ou responsável por essa causa não for o próprio tradutor) e internas (se os erros forem causados pelo tradutor). 3) O Princípio de Pareto afirma que 80% dos erros radicam em 20% das causas, isto é, 80% dos erros provêm de apenas 20% dos agentes causadores. Aplicando-o, isolam-se aquelas causas nas quais o tradutor tem efetivo campo de ação e modificação, o que ajuda na escolha (com

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base em dados objetivos) de soluções pertinentes cujo alcance possa ter maior e melhor repercussão. 4) Os Planos de Ação ajudam a priorizar as iniciativas mais importantes para cumprir com certos objetivos e metas. Envolve vários segmentos institucionais e estabelece responsáveis, tempo, materiais precisos e estratégias. 5) O checklist é uma lista de verificação que permite controlar quais tarefas já foram realizadas e quais ainda devem ser feitas. Serve como guia também para ordenar ações e passos. Entre estes, os resultados do Diagrama de Ishikawa permitem identificar, a partir das causas externas - da sociedade em geral - a desvalorização do tradutor (crenças arraigadas do tipo qualquer um pode fazê-lo), a infravaloração do texto que descreve instruções, o baixo nível de alfabetização do público comprador, a baixa ou inadequada compreensão de textos, e a formação insuficiente em habilidades leitoras. As causas externas podem dificilmente ser modificadas pelo tradutor. Também recaem nos contratantes e em possíveis falhas do texto original. Das causas internas, corresponde ao próprio tradutor a competência profissional (possuir os conhecimentos necessários), a honestidade (não assumir trabalhos que excedam a própria capacidade), e a revisão (muitas vezes não feita com a devida atenção). Servem de ajuda os programas e recursos (bibliografia, matérias, computador, corpora, textos paralelos, bases de dados terminológicas etc.) e o trabalho em equipe, com colegas e especialistas (foros etc.). Após priorizar as causas internas, escolhe-se uma delas para sua resolução. Por ser de nossa responsabilidade, temos sobre elas uma maior capacidade de mudança. Com a aplicação nesta fase do Princípio de Pareto, compreende-se que, ao resolver os 20% de causas críticas, atingem-se os 80% de erros, o que terá amplo efeito na melhora da tradução. É aí que se constrói o Plano de Ação. CONCLUSÃO O erro linguístico que aparece nas traduções das instruções de aparelhos do português ao espanhol pode ser visto, do ponto de vista acadêmico, como revelação de tendências nos modos de conceber a linguagem e a mensagem por parte do tradutor. O erro, assim observado, constitui um instrumento de aperfeiçoamento, seja para os estudantes aprendizes de tradução, seja para aqueles que já trabalham.

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Todos nós estamos expostos à falta de atenção quando trabalhamos sob pressão, com estresse ou prazo limite, como costuma ser o caso. Dado que não é possível erradicar esta causa totalmente, é preciso desenvolver mecanismos de alerta e autocorreção como a revisão exaustiva, o trabalho em equipe, o uso de corretores gramaticais e ortográficos, o teste do texto em grupos de usuários (focus group)9 e o uso de ferramentas para a avaliação de qualidade. Concordamos que a identificação e a classificação de erros de tradução são ferramentas que possibilitam uma avaliação mais objetiva e clara do trabalho dos alunos de tradução e tradutores. Visto que a maioria dos alunos se defronta pela primeira vez com a tarefa de traduzir textos de especialidades que não fazem parte de seus conhecimentos habituais, vemos que o manejo de ferramentas e estratégias diversas constitui um importante fator diferencial para a qualidade do resultado. Para amenizar a insuficiência de conhecimentos profissionais, fica constatado o grande valor do intercâmbio com outros colegas, especialmente com aqueles que possuem ampla experiência, já que podem nos mostrar atalhos e sugerir dicas altamente práticas na resolução dos conflitos habituais. Na terminologia da qualidade, poderíamos denominar isso “troca de boas práticas”. O tradutor técnico-científico deve ser fundamentalmente um bom pesquisador: quando, na procura de um termo aparecem múltiplas opções, deve saber destrinchar o útil e o correto do inútil e errado, seja na pesquisa ou na escolha léxica, utilizando como parâmetros o índice de frequência, a coerência textual, o público destino, as especificações do cliente, etc. Amiúde se trabalha para clientes de diversas nacionalidades, em mercados competitivos, exigentes e com alto índice de mutabilidade. Assim, o tradutor precisa ter um bom “jogo de cintura” em habilidades sociais e “protocolares”. A atitude do professor é fundamental: não pode incidir no erro como incapacidade, mas deve usá-lo como ponte para a construção de conhecimento, evitando dar soluções fáceis ou respostas baseadas na própria opinião, de maneira que estimule o pensamento crítico e criativo no aluno. Em conclusão, as mudanças almejadas devem partir da atividade individual mediante a formação ética e profissional: ser os modelos do ideal que 9 “O focus group é a única ferramenta a disposição do avaliador que serve ao mesmo tempo para analisar e para confrontar a informação. É uma ferramenta muito valiosa que ajuda a compreender a atitude dos participantes, sua compreensão e sua percepção de uma intervenção, o que não seria possível partindo de uma base individual. A situação de grupo permite obter diversos pontos de vista e percepções estimulados pela interação. Oferece-se a cada participante a possibilidade de justificar sempre aquilo que afirma”. Fonte:

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desejamos atingir faz mais factível a transformação do quadro geral, quando se trata de mudar as crenças que uma sociedade tem sobre a tradução. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Camila Nathália de Oliveira. Indagando o perfil de tradutores em formação: um estudo de caso. 2007. 143 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007. Disponível em: . Acesso em: 2 fev 2012. COSERIU, Eugenio. Lo erróneo y lo acertado en la teoría de la traducción. In: COSERIU, Eugenio. El hombre y su lenguaje: estudios de teoría y metodología. Madrid: Gredos, 1985. COLADO, Susana Cruces. El origen de los errores de traducción (FR>ES). In: VIII Congreso de la A.P.F.F.U.E. 2002, Valencia. Écrire, traduire et représenter la fête. Valencia: Servicio de Publicaciones de Universidad de Valencia, 2001. p.  813-822. Disponível em: Acesso em: 13 jan 2012. ______. Una propuesta de estructura de la formación en traducción. In: I Congresso Ibérico sobre Tradução, 2001. Lisboa: Universidade Aberta de Lisboa, 2001. EDGE, Julian. Mistakes and correction. London: Longman, 1989. ELLIS, Rod. Second language acquisition. Inglaterra: Oxford University Press, 1997. FRANÇA, Aniela Improta. O léxico mental em ação: muitas tarefas em poucos milissegundos. Programa de Pós-Graduação em Lingüística da UFRJ. Linguística,VI NI – Publit. Rio de Janeiro: Soluções Editoriais, 2005. FREUD, Sigmund. (1901). Zur psychopathologie des alltagslebens. 4.ed. Madrid, Biblioteca Nueva, 1981. (Edição Psicopatologia de la Vida Cotidiana, tomo 1). FREUD, S. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. VI. FROTA, Maria Paula. A singularidade na escrita tradutora: linguagem e subjetividade nos estudos de tradução, linguística e psicanálise. Campinas e São Paulo: Pontes/FAPESP, 2000. ______. Erros e lapsos de tradução: um tema para o ensino. Cadernos de Tradução, v.1, n.17, 2006. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2012. GILE, Daniel. Les fautes de traduction: une analyse pédagogique. Meta: journal des traducteurs, v. XXXVII, n. 2, p. 251-262, 1992. KIELHÖFER, Bernd. Fehlerlinguistik des Fremdsprachenerwerbs: linguistische, lernpsychologische und didaktische Analyse von Französischfehlern. Kronberg/ Ts, Scriptor, 1975.

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APÊNDICE 1- CHECKLIST Os passos que seguem podem ser alterados na ordem que o tradutor considerar mais adequada para cada caso. Por onde começar a revisão mais pormenorizada e repetida do produto final? O tradutor enfrenta a leitura da sua versão final tendo em mente como filtro os requerimentos do cliente e da cultura de chegada. 1. Conferir formato. 2. Conferir ortografia. 3. Conferir sentido. 4. Conferir estilo, isto é, na leitura do texto final observar sua coerência, e se diz o mesmo que o original. Em fragmentos ambíguos voltar sempre ao original para verificar que não temos suprimido frases ou palavras significativas. 5. Conferir concordâncias de sujeito com verbo. 6. Conferir estruturação lógica das sentenças. 7. Ajustar o uso de pronomes pessoais unificando um deles em todo o texto (tú/usted). 8. Concordar plurais e singulares. 9. Eliminar ambiguidades reformulando de maneira fluida na língua meta, (aqui pode ser preciso o uso de ferramentas e a consulta a outros colegas). Algumas sugestões e conselhos: 1. Uso de material impresso: manuais técnicos, dicionários especializados de terminologia e compêndios de vocabulário por áreas temáticas. 2. Comparação com textos paralelos (mesmo aparelho, outras marcas) e cotejo dos contextos habituais. 3. Criação de um banco de dados pessoal com as palavras e expressões mais frequentes e sua tradução habitual, acompanhadas de observações, fontes, alternativas. (No uso de programas, criação de memórias de tradução). 4. Consulta de corpora para os termos específicos e para as dúvidas sobre o uso gramatical de um termo ou expressão. 5. Consulta de bases de dados terminológicas especializadas em fontes

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informatizadas, das áreas que estejam sendo traduzidas. 6. Trabalho em equipes multidisciplinares, com especialistas da matéria traduzida, assessores técnicos e pessoas cujos conhecimentos acadêmicos possam contribuir com a melhora da tradução. 7. Aplicação de testes da tradução em grupos de usuários; uma boa maneira de aprender mais é contrastando nossas traduções em grupos de discussão interdisciplinares (focus groups), com pessoas de procedências diferentes, buscando ver o que eles entendem e opinam dessa nossa tradução, não tanto do ponto de vista estilístico (pois não necessariamente todos têm conhecimentos específicos da área), mas como leitores tipo da população que vai receber nossa tradução. Perguntas como: é isso que eu queria dizer? É isso que eu estou expressando? É isso o que as pessoas entendem quando leem o texto? 8. É recomendável que o tradutor receba uma formação técnica/científica na área na qual pretenda se especializar. 9. Manter-se sempre atualizado como profissional, frequentando seminários, congressos, e lendo a bibliografia mais recente sobre o tema. 10. Oferecer nosso trabalho a revisores e tradutores colegas antes de entregá-lo ao cliente. 11. Uso de ferramentas de análise de causas como o Diagrama de Ishikawa. 12. Desenvolvimento de Planos de Ação focados na(s) causa(s) principal(ais).

EQUIPES, ESPECIALISTAS E COLEGAS

Concorrência desleal

Indisponíveis quando precisamos

Atraso na resposta

Fontes não fidedignas

Contratação de profissionais não qualificados

TRADUTOR

Falta de conhecimentos extralingolsticos

Interferência da llngua fonte na llngua meta

Erro de reprodução do original

Erro de interpretação do original

Não percepção do erro

Cópia e transferência dos erros do original

lgnorancia ou conhecimento insuficiente da llngua de origem

lgnorancia ou conhecimento insuficiente da llngua de destino

Falha de atenção

Desonestidade na aceitação de trabalhos para os quais nao está qualificado

Uso inadequado ou insuficente das ferramentas de apóio

Neologismos, terminologia difícil

Erros de conceito e incorreto uso da lógica

Danos no original que dificultam seu uso

Original ilegível

Erros de redação

Erros de digitação

Formatação incompatlvel

TEXTO FONTE ORIGINAL

ERROS NA TRADUÇÃO DE INSTRUÇÕES DE APARELHOS

Plano de Ação: Maior qualificação do tradutor; Eliminar fontes não fidedignas; Retirar obstáculos causantes de erro; Afinar a previsão de capacidade de trabalho (uso de memórias de tradução e similares para o cálculo de tempo e dificuldade); Melhorar a revisão mediante ferramentas mais modernas, potentes e que tenham de monstrado resultados e sucesso.

FERRAMENTAS DE APÓIO

Ferramentas com dados insuficientes

Falta de formação no uso de ferramentas de apóio

Consutta de fontes nao fidedignas

Uso errado de programas

Programas nao atualizados ou precisando reparação

Danos ou erros técnicos

Publicidade enganosa

Falsas crenças sobre a profissão Desconhecimento da tarefa tradutoria

Baixo preço de pagamento

Crenças erroneas e preconceito

Ignorancia sobre a tarefa tradutora

Preços baixos

Insuficiente prazo de entrega

CONTRATANTE

lnfravaloraçao da atividade do tradutor

SOCIEDADE

150 A TRADUÇÃO EM CONTEXTOS ESPECIALIZADOS

APÊNDICE 2. DIAGRAMA DE ISHIKAWA (CAUSA-EFEITO)

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