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O Uso dos Dreadlocks e sua Resignificação na Juventude Contemporânea 2 William FIGUEIREDO 3 Dr. Deivison Moacir Cezar de CAMPOS Universidade Luterana do Brasil, RS Resumo O presente estudo busca compreender os aspectos culturais que permeiam o uso dos dreadlocks na contemporaneidade, os elementos de sua construção identitária e as relações de consumo vinculadas ao cabelo. Para tal, foi realizada uma pesquisa na internet com usuários, exusuários e não usuários de dreadlocks, de diferentes regiões do Rio Grande do Sul, recebendo 32 resposta. São utilizados os conceitos de juventude (DAYRELL, 2003), cultura (CANCLINI, 1997), consumo (CANCLINI, 1995; 2012). Concluise com a pesquisa que o uso dos dreadlocks se apresenta como significante de contestação, negação e produção cultural. Palavraschave Consumo; cultura; ressignificação; dreadlocks; híbridismo. 1 Introdução A juventude contemporânea é marcada pelo desejo de convivência e interação em grupo, ao mesmo tempo em que busca a personalização das suas relações (CANCLINI, 2012). Sua busca por uma identidade social e pessoal em meio a uma sociedade com padrões de beleza e de comportamentos moralmente estabelecidos faz com que esta juventude busque incorporar hábitos alternativos de consumo e produção cultural, criando um ambiente propício ao uso de símbolos culturais. Entre os hábitos consumidos está o uso dos dreadlocks . Os dreads , nattydreads ou jata (no hinduísmo), dentre outras denominações, são cabelos enrolados em forma cilíndrica com seus mais variados estilos, construindo, dentro de um universo estético, parte de uma identidade ligada a um discurso de resistência e de 1
Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul realizado de 26 a 28 de maio de 2016. 2 Bacharel em Comunicação Social Hab. Jornalismo pela ULBRA/Canos, email:
[email protected] 3 Orientador do Trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da ULBRA/Canoas, email:
[email protected]
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contracultura. O resgate do penteado na contemporaneidade se deve a popularização do Reggae a partir da década de 1960 através do Movimento Rastafári iniciado nos anos 30, que busca o emponderamento do negro e de sua cultura na diáspora como forma de resistência à cultura colonialista no âmbito sociopolítico e religioso. Contudo é incerto precisar a origem do dread . Entretanto, há relatos do uso de cabelos longos e emaranhados em toda a antiguidade (TAYLOR, 2008). Nas culturas do Egito 4
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Antigo (EGITO, 2010), Índia (Sadhus ) e até mesmo na América précolombiana com os 6
Astecas (MEXICOLORE, 2013), a presença e o simbolismo deste penteado, embora essas culturas estejam geograficamente e temporalmente distantes uma das outras (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2005), a ideiasão comuns. Na contemporaneidade, as práticas culturais, como a estilização e o consumo, “oferecem sentidos de pertencimento na composição de repertórios culturais híbridos” (CANCLINI, 1997). Assim, os grupos culturais de identificação organizam suas vivências em torno de estilos e de significados que atribuem a eles no contexto social em que se inserem. Dayrell (2002) vai ao encontro de Canclini (2013) quando diz que a juventude desenvolve estilos que possibilitam a criação de espaços próprios construídos a partir de “práticas, relações e símbolos, significando uma referência na elaboração e vivência da sua condição juvenil, além de proporcionar a construção de uma autoestima e identidades positivas”. Entretanto, não há estudos disponíveis sobre o uso dos dreadlocks no Brasil, fortalecendo a importância do presente artigo para compreender os aspectos culturais que permeiam seu uso na contemporaneidade, os elementos de sua construção identitária e as relações de consumo vinculadas ao cabelo. Para assimilar esse fenômeno, uma pesquisa etnográfica de caráter qualitativo foi realizada na primeira quinzena de junho de 2015, na Região Metropolitana de Porto Alegre. As
Taylor, BR. (pág.1356). Sadhus : monges iogues hindus, está ligado à divindade Shiva, deidade relacionada à destruição, ao renascimento e renovação. O simbolismo em torno do penteado também está ligado ao sagrado e traz consigo a renúncia pelo material. 6 Usado por sacerdotes astecas ( teopxqui ), como símbolo sacro e de conhecimento (MEXICOLORE, s/d) 4
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plataformas de coleta e divulgação foram online através do Google Sheets e Facebook , respectivamente. Os hábitos e métodos de consumo cultural, como o de percepção do uso dos dreads como hábito alternativo de comunicação, produção e apropriação simbólica, a religiosidade, a musicalidade, além do conhecimento médio sobre a história do penteado foram levados em conta, recebendo um total de 36 respostas. 2 A Construção Midiática da Juventude A cultura, como observa Kellner (2001), “é uma forma de atividade que implica alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades”. No que se refere à juventude, a década de 1950 é um marco importante de empoderamento dessa cultura. Em um mundo devastado do pósguerra, os jovens sobreviventes se aglomeram nas grandes cidades, principalmente nas mais industrializadas como Londres e Nova York. Assim, como previra Marx, houve um esvaziamento do campesinato, e a partir daí o moderno se isolou do passado (HOBSBAWN, 1992, p.284). Os elementos sociais antes fundamentados na moral religiosa das instituições tradicionais, como a família patriarcal, na adoração ao traditionnel, nas artes , começaram a entrar em crise diante de um mundo que caminhava para a globalização trazida pelo desenvolvimento tecnocultural de massas. As comunidades de outrora deram lugar a sociedades anônimas, na qual os sujeitos se relacionam e constituem identidades e múltiplos estilos (HOBSBAWN, 1992, p.333). Dayrell (2005, p.41) define estilo como “a manifestação simbólica expressa em um conjunto mais ou menos coerente de elementos materiais e imateriais que os jovens consideram representativos da sua identidade individual e coletiva”. A consolidação do jovem como massa de trabalho contribuiu para a ampliação das esferas de liberdade juvenil, modernizando os usos e costumes sociais, como a política: a reivindicação do corpo, através da revolução sexual feminista, a ampliação do acesso à educação, os cabelos compridos pelos homens, o jeans, por exemplo, causaram estranheza 3
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ao passado e se espalharam pelo mundo moderno através da mídia (HOBSBAWN, 1992, p.292; DAYRELL, 2005, p.30). 7
O rock, estilo diretamente derivado do Blues negro norteamericano (FLORY & COVACH, 2005), foi popularizado pela juventude moderna em todo o mercado globalizado, transformandose em produto de uma cultura de consumo jovem, fomentada pelo sistema de mídia. O gênero produziu um estilo peculiar de vestir, de se comportar, tanto na produção quanto no consumo de bens simbólicos e identidade (DAYRELL, 2005, p.38). A música e letras, os cabelos e as roupas, se tornam produtos simbólicos de identificação, reconhecimento e pertencimento, em seus mais variados estilos, fomentando a socialização diária através da cultura de mídia e levando à construção de uma identidade juvenil em âmbito global (KELLNER, 2001). O modelo de identificação centrado na figura heroica do artista individual passa a ser orientado pela colaboração criativa e potencialidades tecnológicas (DAYRELL, 2005, p. 38). Apesar de Elvis Presley e Marilyn Monroe terem se tornado ícones de juventude desta nova cultura nos anos de 1950, foi com os Beatles, na década seguinte, que a ideia de grupo como referência cultural começa a se popularizar. A banda e os músicos, com seu estilo de vestir e performar, venderam milhões de discos em todo o planeta, influenciando a cultura de toda uma geração. Tornamse o símbolo dessa geração de jovens que tem na ideia do prazer, baseada na ampliação das esferas de liberdade, do autoconhecimento, da expressão de comportamentos exóticos, do hedonismo, da irresponsabilidade, da transitoriedade e do distanciamento da família, suas principais características (DAYRELL, 2005). A popularização das mensagens de juventude é um paradoxo social. Como uma forma de cultura comercial, os produtos culturais tem a “produção padronizada de massa para a massa, por tipos (gêneros), segundo fórmulas, códigos e normas convencionais, tentando atrair o lucro para o âmbito privado” (KELLNER, 2001). Entretanto, em tempo, proporciona a emancipação dos símbolos culturais, sua expansão, renovação,
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Dayrell (2005).
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democratização, resistência e renovação, substituindo as tradições locais sem destruílas. Esse processo de formação cultural, é denominado por Canclini (1997, p.111) de culturas híbridas e é caraterizado pelos “entrelaçamentos entre o tradicional e o moderno, entre o culto, o popular e o massivo”. Dos estilos que oferecem elementos significativos para a juventude contemporânea estão o Reggae , o movimento Hippie (1960), e o Punk Rock nos anos de 1970. Com o mundo dividido entre Estados Unidos e União Soviética, na Guerra Fria, levando à Guerra Americana no Vietnã, o movimento hippie com suas ideologias anarcosocialistas, antiguerra, de liberdade e paz, negação do consumo de mídia, figuram como referência de juventude. Vivendo em comunidades alternativas ou como nômades, baseados na filosofia 8
satyagraha de Mahatma Gandhi, eles movimentam a opinião pública sobre questões ignoradas socialmente, como os direitos civis e a liberdade sexual. O Festival de Música e Arte Woodstock (1969), como manifestação da juventude hippie , entrou para a história e no imaginário da juventude moderna. No início da década de 70, o movimento é sintetizado através da música “Imagine” do beatle John Lenon, e cooptado pela cultura de mídia (KELNNER, 2001). Nesta época, o reggae é cooptado da religiosidade rastafári jamaicana pela cultura de massa, como estilo musical e identitário com mensagens de paz, união, fé, redenção e amor em suas letras, que apresentam semelhanças ao posicionamento hippie , como a ideia de não 9
violência . Assim como o rock, o reggae e o punk são produtos da diáspora africana nas Américas. Históricamente, a origem do Punk é atribuída à uma juventude branca no contexto das grandes cidades como Nova York e Londres. É correto afirmar que como cultura de mídia o Punk é massificada por bandas brancas (Ramones e Sex Pistols). Entretanto, no reggae, o protagonismo é negro e jamaicano através de Bob Marley,
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A filosofia Satyagraha desenvolve a ideia de desobediência civil e protestos nãoviolentos. Pensada e empregada no movimento de independência da Índia por Gandhi (18691948), idealizador do moderno estado indiano. 9 Entre os pontos que o movimento hippie se distingue do rastafári está a relação destes com o sagrado. Enquanto o primeiro está ligado a uma ideia de espiritualidade, o segundo está ligado a percepção de religiosidade. Entretanto, ao serem capturados pela cultura de mídia, perdem seu caráter heterogênico, se homogeneizando.
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diferentemente do rock e do punk, protagonizados por uma juventude branca na cultura midiática. Além disso, os símbolos que compõem a atmosfera reggae são baseados em 10
princípios religiosos ligados ao garveysmo panafricanista, de combate ao status quo do stablishment : “a Babilônia” (MANGETJOHNSON, 2008; GILROY, 2001). O mesmo aconteceu com o punk nos anos de 1970 que, baseado na ideia de autonomia ( “do 11
yourself” ), liberdade e prazer imediato, com músicas de acordes simples álbuns baratos , trouxe novas possibilidades a cultura jovem global ao ser cooptado. As músicas contra o stablishnmen t, apesar do teor de contestação baseada na agressividade sonora e lírica, em essência, são iguais ao reggae. Outro elemento que o punk trouxe foi sua negação e ressignificação de símbolos e emprego destes simplesmente pela estética subversiva do choque estético: os cabelos, as roupas, a linguagem e as intervenções nos espaços públicos codificam seus anseios e constroem experiências locais de pertencimento em torno de estilos globais, num deslizamento de significantes, através de uma negociação de sentidos únicos, porém semelhantes vínculados à ideia do homem primitivo, não civilizado (BHABHA, 1997). Para Dayrell (2005, p. 30), estes contextos “possibilitam a criação de grupos juvenis que se distinguem em torno do tempo livre, com uma identidade própria expressa no estilo, que implica a articulação de uma escolha musical e uma estética visual”. O consumo destes símbolos é visto como uma apropriação coletiva, de envio e recebimento de mensagens através desses estilos, em relação de solidariedade e distinção com seus pares, de bens que dão satisfações simbólicas (CANCLINI, 1995). A cultura midiática ao desenvolver uma cultura de consumo hegemônica no espaço público cria circuitos culturais midiáticos que ganham mais peso que os tradicionais locais na transmissão de informações e imaginários sobre a vida urbana. Apesar de interagir com 10
O garveysmo tem como foco fundamental a promoção da união e integração dos povos das diásporas africana no mundo. Desenvolvida a partir da UNIA (Universal Negro Improvement Association), fundada por Marcus Garvey em 1914, na Jamaic, com cunho panafricanista: defende a unificação sociopolítica e cultural do continente africano. (MANGETJOHNSON,2008) 11 O primeiro álbum da banda novaiorquina de punk Ramones foi gravado em uma semana ao custo de US$ 6,400, enquanto se gastavam milhões em álbuns de anos (MCNEIL & MCCAIN, 2013).
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referenciais tão distantes, tanto no tempo quanto geograficamente, novas modalidades de encontro e reconhecimento proporcionadas pela internet na contemporaneidade, por exemplo, criam leituras únicas de apropriação de desenvolvimento contínuo (CANCLINI, 2003; KELLNER, 2001). Os estilos definidos por uma cultura de mídia, ao serem cooptados por usuários de realidades distintas entre si, influenciados pela dinâmica da subjetividade e reflexibilidade do indivíduo na sua construção social, atribuí um terceiro significante ao estilo escolhido. Essa apropriação coletiva por parte da juventude na contemporaneidade, encontra elementos na cultura reggae, hippie e punk para sua construção e legitimação contracultural. A ideia do “ do yourself ”, de paz, amor, nãoviolência, de união, de espiritualidade e de uso simbólico como estética subversiva, de resistência, como os dreadlocks, são tão atuais quanto outrora como elementos da construção fragmentada de identidade (HALL, 2003; BHABHA 1997). Esse recorta e cola estilístico proporciona uma subjetivação única desses usos de estética global, aplicados à realidade do usuário. O preconceito social decorrente do uso, com cunho claramente etnofóbico, não atinge da mesma maneira os usuários caucasianos, sendo um pouco mais tolerado. No entanto organizada por uma cultura eurocêntrica clássica, o uso limita a juventude a uma colocação na economia formal das cidades. Sofro preconceito direto. Olhares de medo ao entrar em estabelecimentos, não ser atendida em estabelecimentos. As pessoas não te levam a sério. O esforço que precisa fazer para mostrar que é competente, por exemplo, é 5 vezes maior do que de quem não tem dreads. (resposta ao questionário)
Contudo, em tempo, proporciona uma economia alternativa solidária e colaborativa local conectada ao global com um alto nível de criatividade, como forma de cidadania e legitimação do uso (CANCLINI, 2012). A partir desses paradigmas, a juventude contemporânea inspirase para reinventar seus estilos, reatribuindo sentidos que dialoguem com sua realidade, reconstruindo o estar jovem. 7
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3 Uso do Dread como Marca Identitária e Símbolo de Estilo Há relatos em disferentes povos, nas Américas, em Ásia e África, de que a cultura do dread representa estágios da vida e ligações com o sagrado (ANGOLA, 2012; EGITO 2011). Entretanto, o uso moderno dos dreadlocks tem no ratafarismo da Jamaica sua origem. O movimento etiopianista panafricano surge com Marcus Garvey em 1914, propondo o emponderamento do povo negro jamaicano através do retorno à Àfrica. Nos anos de 1930, o rastafarianismo iniciase como uma religião messianica. Em tempo, adquire características de um movimento de protesto contra a situação socioeconômica dos jamaicanos negros. Marca da cultura Rastafári, o dreadlocks está ligado às escrituras 12
religiosas, a Bíblia , referindose à separação do mundano. Relacionase igualmente em seu uso contemporâneo a uma filosofia de vida simples, ou seja, afastada dos vínculos do 13
s tabilishment e ligada e a uma atitude de resistência ao status quo , principalmente entre os 14
jovens . O processo de massificação e ressignificação do estilo terá início nos anos 60 com o Reggae cooptado pela cultura de mídia, tendo seus elementos sagrados esvaziados de sentido. Vinculado à cultura de juventude, ainda em processo de reconfiguração, as mensagens de paz, amor e redenção; as marcas e produtos culturais do rastafarismo, como o reggae e o penteado dreadlocks , conquistam o imaginário da juventude globalizada apontando para um tipo de vida resignificada (DAYRELL, 2005). Dessa maneira, ao mesmo tempo em que enfraquecem determinados sentidos simbólicos de consumo e de jogo de forças (CERTAU, 1980), neste caso os ligados ao sagrado, a 12
BÍBLIA: Números 6:5 “Durante todo o período de seu voto de separação, nenhuma lâmina será usada em sua cabeça. até que termine o tempo de separação para o Senhor ele estará consagrado e deixará crescer crescer o cabelo da sua baceça.” ; Levítico 21:5 “Não farão calva na sua cabeça, e não raparão as extremidades da sua barba, nem darão golpes na sua carne.” 13 Stabilishment: ordem ideológica, econômica e política que constitui uma sociedade ou um Estado. 14 O valor de enfrentamento de dreadlocks foi debatido e iniciada por uma organização conhecida como Youth Black Faith na Jamaica. MangetJohnson, CA. "Dread Talk ScholarWorks @ Georgia State University." 2008.
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reconfiguração da juventude contemporânea fortalece outros, como produto contracultural. O penteado e o estilo, que descentram padrões eurocentricos de beleza, são apontados como fatores de identificação. “Uso os dreadslocks principalmente por achar estiloso e quebrar com os padrões (estéticos) prédeterminados.” (resposta ao questionário). A maioria dos entrevistados tem no uso dos dreadlocks , além do apelo estético, como elemento de desconstrução do arquétipo estéticosocial normativo, a partir do estranhamento ao estilo, traz o sentimento de “força” e de empoderamento identitário. De igual forma, sentimentos de admiração com a música e a mensagem destas. Essa admiração possibilita um deslizamento de representação que, articulandose com o sentido de negação e desapego dos bens de consumo mais massificados da cultura de mídia, se tornam o elo contracultural entre os jovens pesquisados. Primeiro o uso foi pela imagem. Eu tenho um projeto de progressive (música eletônica/emusic) e foi mais fácil as pessoas aceitarem o projeto pelo uso de Dreads. Com o tempo ele foi se apropriando de mim. Hoje eu vejo ele como a extensão da minha evolução como ser humano, onde você desapega da imagem e do que os outros pensam. Sai da caixa aonde tudo tem que seguir um padrão. (Resposta ao questionário)
Para os pesquisados, o uso dos dreadlocks é, portanto, um significante de contestação, negação e produção cultural. Estes aspectos são fragmentos de matrizes culturais de juventude moderna que foram reconfiguradas e ressignificadas, ganhando com isso novos usos e recombinando marcas de diferentes estilos. Entretanto, na contemporaneidade, articulamse entre si construindo uma cultura atualizada à ela. Uma cultura híbrida. 4 Reconstruindo os Sentidos de Juventude A cultura da juventude tem sido tensionada pelo fluxo de informações atualmente aceleradas pela internet, que possibilita uma ambiência diária das conexões de sociabilidade
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e suporte de emancipação, expansão, renovação e democratização da produção e do
consumo cultural, influenciando cada vez mais modelos alternativos de economia colaborativa (CANCLINI, 1997; 2012). A velocidade das informações aumenta a oferta de referências simbólicas para serem utilizadas na construção de identidades, possibilitando diferentes estilos e entendimentos do que seja juventude. Dayrell (2005, p. 22) observa que para pensar a juventude é preciso considerar essa “enorme diversidade contextual e sociocultural existente”. As transformações do mercado de produção e consumo culturais, a crise das instituições tradicionais, responsáveis pela socialização, influenciam diretamente essas diversidades. Os usuários de dreads, por exemplo, apesar dessa característica em comum, estão ligados a diferentes estilos. O visual, assim como a música (o reggae ), foram dissociados do sagrado pela cultura de massa. Atualmente, o penteado tem diferentes usos, reconstruindo sentidos de juventude e pertencimento. O consumo cultural constrói identidades. Essa, por sua vez, reflete às subjetividades individuais e as relações sociais na construção de uma identidade coletiva, muitas vezes explorada pela mídia (CERTAU, 1980) . No processo desta construção identitária, o uso de símbolos culturais servem de marcador social, construindo discursos políticos, como a negação dos modelos estéticos oferecidos pela cultura de massa. Com o tempo, cria lugares férteis de mercados simbólicos autônomos que ressignificam símbolos através de táticas de apropriação (CANCLINI, 1997; CERTAU, 1980). Como produto de consumo, os dreads são afetados por ressignificações e traduções, pois oferece sentidos de pertencimento recorrentes às experiências multiculturais de sociabilidade, compondo o que Canclini (2009) denomina como repertórios híbridos. A ideia de subversão interna de produtos e ofertas de consumo tem como características “estratégias de persuasão, seu colapso ao capricho das ocasiões, suas caças furtivas, sua
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"Explore Cetic Portal de Dados CETIC.br." 2015. 21 Oct. 2015
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clandestinidade, seu murmúrio (discursos) incansável. Em suma, uma espécie de invisibilidade que se distingue pela arte do uso do que são impostos.” (CERTAU, 1980). A amostragem da pesquisa se deu através da internet, por um questionário virtual, disponibilizado pelo Facebook que atingiu um grupo de pessoas que circulam pelo mercado de economia criativa, aberto a usuários e não usuários de dreads, desde que tivessem uma percepção e um conhecimento mínimo sobre o penteado e seus usuários. A partir das respostas de usuários e não usuários de dreadlocks , observase que todos se identificam pela busca do que se caracterizadamente pelo consumo focado na alimentação alternativa, na compra de livros e no uso do tempo livre para “desenvolver conhecimento”. A maioria do grupo é formado principalmente por pessoas que usam ou já usaram dreadlocks . Do total de 31 entrevistados, 77,5% atende a esse critério. Os demais 22,5 % não usam. Destes, 57,1% não usariam por não sentirem atração estética, por desconhecer os significados ou por não ter uma mensagem para passar através do estilo. Os 47,9% restantes usariam pela atração estética, pelo estilo musical e por questões espirituais. Além disso, dos que afirmaram que não usam e não usariam, o reggae não é listado entre os cinco estilos musicais de preferência, diferentemente da música eletrônica, evidenciando a música como agente formador do estilo através da cultura de mídia. De acordo com a autodeclaração étnica, 19 se definem como brancos, sendo que alguns especificam a descendência germânica. Há também cinco que se consideram “mistos”, mestiços, “todas as cores”, ou simplesmente como brasileiros. Dois como pardos e apenas um se define como negro, o que significa que o uso dos dreadlocks não possui neste grupo um protagonismo negro. Essa percepção e projeção da hibridez etnocultural (CANCLINI, 1996) pode ser pensada em dois aspectos: político e de negação da cultural eurocêntrica e de mídia massiva que constrói uma ideia de juventude através da pasteurização de símbolos culturais (KERNELL, 2001). O grau de instrução dos entrevistados é majoritariamente ensino médio. Do total, 20 deles informaram cursar, ou ter concluído. Os que possuem graduação e pós contabilizam 10 11
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indivíduos. Entre os indivíduos ocupados, oito trabalham no comércio, um com publicidade e propaganda e dois com educação e saúde. Levando em conta a idade média de 22 anos dos entrevistados e o nível de desemprego, aproximadamente 28,5%, enquanto a média nacional entre os jovens de 18 a 24 anos no 16
Brasil é de 16,4%, podese relacionar o desemprego a duas questões: a necessidade de formação superior; e o uso dos dreadlocks, ainda relacionado com falta de higiene. Os usuários do penteado apontam sofrer preconceito na hora de conseguir um emprego tradicional, pois barreiras simbólicas baseiam a decisão de contratação, levandoos, algumas vezes, às novas alternativas econômicas. Como alternativas econômicas, o 17
artesanato e dreadmaker , são realizados por cinco pessoas, sendo que uma delas também exerce ocupação formal no mercado de trabalho. Este circuito de economia alternativa apresenta marcas dos movimentos hippie e do punk . A ideia punk “do yourself”, como forma de subversão dos modelos econômicos, através do artesanato, que por sua vez é de característica hippie, como modalidade de ação do escape social hegemônico como uma variante da atividade formal no trabalho (CERTAU, 1980). Dessa maneira, essas contribuições estéticas e de técnicas, aliadas a tantas outras possíveis através da globalização, cria o que Canclini (1997) chamada de “cosmopolitismo flexivel” que, a partir do processo de hibridação, apropriase de táticas de outras culturas como empoderamento e fortalecimento de alternativas à realidade local. Apesar de 80,65% de o grupo pesquisado ter hábitos onívoros, três destes (12%) apontam para uma tendência de mudança de hábitos alimentares, buscando tornaremse vegetarianos. Esses, por sua vez, são 19,35% e buscam apropriar práticas alimentares e alguns outros 18
hábitos encontrados no rastafarianismo . Entendem essa apropriação como expressão
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"IBGE: desemprego sobe mais entre jovens de 18 a 24 anos ..." 2015. 3 Nov. 2015
aquele que faz dread MangetJohnson, CA. "Dread Talk ScholarWorks @ Georgia State University." 2008. p. 36 e 37.
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política de resistência e espiritualidade. Entretanto, essa ideia não se aplica a todos e se desenvolve em diferentes níveis com cada indivíduo (CERTAU, 1980). Quanto ao tempo livre, hábitos de leitura, de consumo de filmes e séries, de música, como forma de reflexão e de desenvolvimento cultural, fazem parte da vida deles, não negando o consumo de produtos da cultura de mídia, Netflix, por exemplo. O reggae ainda se faz presente no gosto musical, mas não como elemento central e esvaziado de seu uso sagrado, dando espaço para o consumo de música eletrônica, como expressão da tecnologia à época (KELNER, 2001). A prática de atividades físicas, como andar de bicicleta, o desenvolvimento da criatividade através de desenhos e outros trabalhos manuais, constitui um circuito de produção e consumo cultural voltados no lazer e a práticas autonomas. Neste sentido, a leitura como forma de criação de conhecimento necessário para atuar e principalmente resistir à cultura essencialmente consumista. A bicicleta como símbolo autônomo de locomoção dentro das grandes cidades. E a produção artística independente que valoriza essa cultura pulverizada, através da apropriação é considerada de grande importância social. Para se informar, utilizam mecanismos de pesquisa, como o Google; Sites de Redes Sociais ( Facebook ) e app ( Whatsapp) , são as ferramentas mais utilizadas. A TV, como símbolo da modernidade, ainda exerce papel de informação significante, ficando atrás apenas da Internet e Facebook, símbolos pósmodernos, tidos como elementos de contestação do discurso de mídia tradicional da geração de seus pais, tendo o progresso tecnológico digital e a facilidade de informação através deste como características. Esse processo de consumo cultural, muitas vezes esvaziados em seus sentidos originários, que caracteriza a cultura contemporânea, cria laços afetivos que produz identidade, estilos e levam à formação de grupos sociais híbridos a partir de marcas identitárias. Os dreadlock tem sido usado por esses jovens como uma marca de pertença e um projeto de identidade baseada não só no estilo, mas em outros aspectos de consumo cultural, como referido. 13
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5 Conclusão Os aspectos culturais que permeiam o uso dos dreadlocks na juventude contemporanea são a estética e o seu uso deste como símbolo contracultural de contestação. Os usuários preferem buscar um consumo minimalista, que tem na internet o meio de sociabilidade e de informação mais usual. Sua construção se dá a partir de rastros de estilos para a representação de juventude, disponibilizados e vinculados à cultura de mídia que sofrem por isso ressignificações de sentido a partir das experiências de cada indivíduo. O consumo e a sua vinculação com o penteado está portanto ligado a uma cultura de juventude global, que mantém como como referência a mensagem de paz, união e resistência ao stabilishment . Com a massificação do uso dos dreadlocks a partir doa anos de 1960, como referencial de cultura jovem, o estilo nattydread tornase sinônimo de resistência estética. O penteado se consolida no imaginário jovem, como ferramenta de representação ideológica e política, com diferentes níveis de consciência desta ação. Além disso, os aspectos sagrados historicamente vinculados ao estilo, tanto no rastafarianismo, quanto nas sociedades antigas pelo mundo, se transformaram na ideia da espiritualidade e não tanto em religiosidade. O grupo pesquisado, com média de idade de 22 anos, desenvolve sua ambiência em torno do processo de desenvolvimento tecnológico entre o analógico e o digital. A internet, como meio de aproximação e de identificação entre pares com referências da cultura de midiática, apresentase como principal ferramenta de construção do conhecimento e da percepção de mundo dessa juventude. Isso não faz com que os encontros sociais em espaços públicos sejam não tão frequentes; mas potencializam esses momentos através da tecnologia, também em encontros em Sites de Redes Sociais, Facebook , ou aplicativos de chat , como o Whatsapps , mantendo relações de produção e consumo cultural. A opção pelo uso do estilo, por outro lado, dificulta a colocação para alguns dos entrevistados no mercado economico tradicional. Esse preconceito em relação à estética 14
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justifica, em parte, o nível de desemprego desses jovens, que é maior do que a média nacional. Também como causa, observase que o nível de instrução da maioria é o ensino médio, o que impossibilita contratações em cargos melhor remunerados. Os pesquisados que tinham algum tipo de graduação estavam empregados, mesmo usando dreadlocks. A produção e consumo do grupo referenciase em diferentes manifestações do sentido de juventude a partir da segunda metade do Século XX, como o punk, o hippie e o rastafarianismo, através da música reggae . No entanto, constroem suas identidades a partir de rastros desses movimentos, apontando para uma hibridez. A música, como expressão dos sentimentos de juventude, continua como catalizador de pertencimentos. A maioria dos que usam dreadlocks neste grupo escuta música eletrônica, como reflexo do tempo e da digitalização da cultura. Com isso, elementos diversos ligados a esses movimentos de juventude convergem entre si na contemporaneidade, construindo uma cultura híbrida cada vez mais complexa. Assim, os usos dos dreadlocks na contemporaneidade são a expressão de diversos sentimentos de pertencimentos que tem na ideia de resistência aos padrões dominantes da cultura de consumo sua mais forte representatividade. Dessa forma, criase uma identidade social e pessoal, com posicionamento crítico de negação aos padrões de beleza e de comportamentos baseados no consumo massivo da sociedade contemporanea . REFERÊNCIAS ANGOLA. "WELCOME TO ANGOLA." Acesso em: out 2015.
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