O Verdadeiro Crime Organizado Legalizado – A Reeleição - by Camazano

June 6, 2017 | Autor: Andre Camazano | Categoria: Human Rights, Popular Culture, Politics, Public Policy
Share Embed


Descrição do Produto

ANDRE PAULO STOQUE CAMAZANO

O Verdadeiro Crime Organizado Legalizado – A Reeleição

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado ao curso de Graduação de Direito da Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro – UESRJ.

Orientadores: Profª. MARIZA FERREIRA BAHIA Prof. Dr. MARCELO SILVA MOREIRA MARQUES

Rio de Janeiro 2009

2

RESUMO

O presente trabalho aborda o arcabouço de desvios de conduta e ilegalidades que se estabelece a partir do instituto (inconstitucional) da reeleição, o qual contagia todo o serviço público, no qual prevalece a imagem que levar vantagem, desídia e enriquecimento ilícito sejam os motes predominantes, contaminando do maior cargo ao menor nível hierárquico dos agentes públicos. Apresenta para discussão a proposta de alternativas para que o cidadão receba o controle efetivo dos seus representantes, pois a premissa deste trabalho é que o total descontrole da atuação dos representantes e a adoção do mecanismo de reeleição continuada, por omissão da lei em explicitar que os mandatos não sejam contíguos, pois este desvio de conduta é a força motora da desigualdade e indiferença com o cidadão/eleitor em qualquer tempo fora do período de campanha eleitoral.

SUMÁRIO

1 – Introdução; 2 – Desenvolvimento; 2.1 – Abordagem Constitucional; 2.2 – Remédio Legal (Constitucional); 2.3 – Ação Popular; 2.4 – Crimes de Traição e Quebra de Confiança; 3 – Considerações Finais; Referências.

1 – INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende abordar a estrutura de desvios de conduta e ilegalidades que se derrama na Adminstração Pública a partir do instituto da reeleição, o qual contamina todo o Estado e é nexo causal das atrocidades e desmandos que permeiam a vida do cidadão brasileiro. E, simultaneamente, propor iniciativa de solução através de exigências populares pelos instrumentos legais, seja da simples aplicação dos preceitos constitucionais, já insculpidos na letra da Lei Maior, seja pela criação urgente dos mecanismos de controle e punição adequada dos que desdenham do cidadão, se

3

locupletando ostensivamente do que é público, como se res derelicta (coisa abandonada) fosse. Teoricamente a estrutura da sociedade brasileira está alicerçada no Princípio Constitucional da Igualdade e no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ao abrigo do mesmo lastro, este artigo tem suas bases também no conceito e na aplicabilidade do Princípio Constitucional da Igualdade, o qual se acredita ser indispensável para definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo que deve suportar o País. Conjuntamente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está também inserido na Constituição da Republica Federativa do Brasil (CRFB, CF) dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, no qual se constitui a República Federativa do Brasil – art. 1º, III; e, como princípio fundamental que é, há que se ver refletido nas relações do Estado e seus cidadãos. Estabelecido na Carta Maior que o País se constitui em Estado Democrático de Direito, definiu-se que a artéria principal e a coluna vertebral deste Corpo denominado Republica Federativa do Brasil seja o seu povo, do qual todo poder emana e que deve exercer seu poder através de seus representantes, nos termos da Constituição. Sendo tão notório que os cargos políticos são ocupados ininterruptamente pelas mesmas pessoas ou mesmas famílias, na verdade oligarquias, com um mínimo de renovação sem qualquer alinhamento com programas partidários, mas com inegáveis evidências alinhadas com um processo de obtenção de vantagens econômicas, desafiando a probidade que se deve exigir no trato com os recursos públicos, por que a aceitação da sociedade brasileira desse comportamento criminoso? Neste quadro desolador, onde se identifica indícios de ser a reeleição a causa raiz que realimenta esse círculo vicioso, por que a mesma não é sequer discutida quanto aos cargos do Poder Legislativo? Seria esse instituto causa ou consequência do quadro desalentador do Estado no atendimento das mínimas obrigações sociais com a maioria o povo brasileiro? Com base em dados exemplificativos dos desvios que ferem profundamente o tecido da sociedade brasileira e buscando conectá-los e mapeá-los em relações de causa e efeito, se deseja delinear soluções que sejam viáveis em termos de possibilidades técnicas, mas subjugadas à necessidade de se desenvolver, forjar uma fonte de energia que possa catalisar o processo de mudança que outras sociedades já implementaram. É imperativo que se exija tais mudanças, apesar do maior ou menor sacrifício do frágil equilíbrio, e do medo, que constitui a base desse espetáculo de ilusionismo que hipnotiza, congela e estremece a sociedade brasileira.

4

Espera-se que esse artigo colabore para asseverar que igualdade e dignidade da pessoa humana não são apenas princípios do Estado de Direito, mas também princípios de Estado Social, impositivo em todos os níveis, constituindo-se ambos em princípios jurídicos basilares de todo ordenamento jurídico, quer nas suas letras, quer na vida real de todo cidadão. Estão inseridos na Constituição para alcançar plena eficácia e assim deve ser o resultado concreto com entendimento e percepção do povo. O processo de abordagem do tema é de apresentação e discussão de defeitos e vícios que o arcabouço de legalidade que embala a situação perene de apropriação dos cargos públicos, manipulado pelas forças políticas dominantes no pólo do problema. E, no pólo da solução, apresentação de propostas que possam virar Leis ou Emendas Constitucionais, as quais estabeleçam um processo concreto de real interesse e resultado de um Estado Democrático verdadeiramente capaz de assegurar o Estado Social com igualdade de tratamento aos seus cidadãos ou, pelo menos à sua maioria.

2 – DESENVOLVIMENTO

2.1 – ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

A emenda de reeleição dos cargos executivos viola o art. 60, 4º, inciso IV, da CF. Este dispositivo impede não só a aprovação como a apreciação de emenda tendente a abolir direito ou garantia individual. Essa conquista está inserida nos direitos fundamentais do homem, que adquiriram status constitucional a partir da Revolução Francesa. Segundo José Afonso da Silva, fundamental significa situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não convive e, às vezes, nem sobrevive, devendo ser material e concretamente efetivados. Entre os direitos políticos fundamentais do homem e do cidadão brasileiro está o direito de que não sejam reeleitos para mandatos consecutivos os ocupantes de cargos executivos.1 Exige-se, pois, do Poder Legislativo, no exercício de sua função fiscalizatória, por meio de Comissões Parlamentares de Inquéritos, pleno respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de flagrante inconstitucionalidade de suas condutas e perda da legitimidade popular que sustenta a atuação fiscalizatória dos 1

SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo, 5ª ed. São Paulo: ED. RT., 1989. p. 159.

5

parlamentares, pois como ensina Norberto Bobbio, "sem respeito às liberdades civis, a participação do povo no poder político é um engano, e sem essa participação popular no poder estatal, as liberdades civis têm poucas probabilidades de durar".2 Considerando que é direito fundamental da sociedade brasileira que não seja reeleito para mandatos consecutivos os ocupantes dos cargos de chefia do Poder Executivo, é inconstitucional a Emenda Constitucional nº 16, que aprovou a reeleição para esses cargos no período subsequente, o que viola o art. 60, §4º, IV, da CRFB. Trata-se de cláusula pétrea que, não respeitada, afronta a Lei Maior que não pode admitir tal agressão, principalmente quando as suspeitas da forma de aprovação sejam dignas de que o povo peça o fechamento do Congresso que tem feito dos direitos do povo objeto de comércio desavergonhado, seguro da impunidade que reina na classe dos representantes do povo. Analisando essa emenda de outro ângulo, é ela igualmente inconstitucional por ferir um princípio constitucional fundamental à Federação. Os princípios constitucionais se dividem em duas categorias fundamentais, uma de princípios políticosconstitucionais e outra de princípios jurídico-constitucionais. Os primeiros são princípios fundamentais positivados em normas instituidoras que "traduzem as opções políticas fundamentais conformadoras da Constituição", no dizer de Gomes Canotilho3, enquanto os outros são princípios gerais, muitas vezes derivados dos primeiros, tais como o princípio da supremacia da constituição, da liberdade, da igualdade. O ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito demanda uma interpretação constitucional de maneira a dar efetividade aos Princípios Fundamentais Constitucionais declarados para alcance dos objetivos fundamentais estabelecidos. Tais Princípios Fundamentais Constitucionais, em que o Estado Democrático de Direito se assenta, devem ser instrumentos do alcance dos objetivos fundamentais que devem convergir na busca da justiça social. Para tanto esses objetivos contam com os elementos basilares, quais sejam: o Princípio Fundamental da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º, da CF), o Princípio Fundamental da igualdade (art.5º da CF) e os incisos do art. 3° da CF – a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 2 3

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 391. Apud Silva, J A da. o. cit., P. 82

6

A abordagem deste artigo tem seu foco na reivindicação da aplicação dos Princípios Fundamentais Constitucionais da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana (sem prejuízo do demais princípios), pois se acredita ser indispensável para construir e aplicar o sistema normativo que deve suportar a sociedade brasileira. Ratifica-se tal expectativa com o apoio de credibilidade que se obtém da afirmação de Celso Antônio Bandeira de Mello de que: "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas... Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma.”4 A interpretação constitucional na sua essência deve sempre sopesar a aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e do Princípio Fundamental da igualdade em toda e qualquer situação. Somente desta forma se pode assegurar efetividade nas normas constitucionais em si e nas infraconstitucionais para que o Estado Democrático de Direito seja respeitado no âmbito da sua unidade mínima e indivisível, e que é a base da sua estrutura e razão da sua existência – o cidadão. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana está inserido na Constituição Federal dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, no qual se constitui a República Federativa do Brasil – art. 1º, III; e, como tal, há que se ver refletido nas relações do Estado e todos os seus cidadãos. Não é diferente com o Princípio Fundamental da Igualdade, insculpido no caput do artigo 5º da CRFB/88. Para não ficar restrito ao conteúdo da Lei Maior, que já seria o bastante, o País também se vincula na proteção aos seus cidadãos pela aderência à Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual contém os princípios básicos aos quais os Estados nacionais devem obedecer para que viabilizem o eficaz acesso à Justiça. A observância de tais princípios caracteriza o primeiro passo da atuação do Estado, a anteceder outras atividades igualmente importantes, no sentido de que cada cidadão, habitante de um Estado Democrático de Direito, possa ter certeza da presença da democracia e da justiça, seus valores primordiais, e todos os atos do Estado sejam para assegurar os direitos do homem. Para Samuel Gomes dos Santos, ”os direitos do homem são uma obra coletiva fortemente ancorada, seja nas vitórias já obtidas no caminho percorrido em busca do seu reconhecimento e nas condições concretas de sua exequibilidade” 5

4 5

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Ed.Malheiros- 21ª ed.-2006. P. 912. SANTOS, Samuel Gomes dos. O fundamento dos direitos humanos em Bobbio e Perelman. Revista Jurídica da UNIDERP, v. 1, n. 1, p. 67, jun. 1998

7

Com efeito, o Estatuto supracitado prevê que todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Portanto, o objetivo primeiro da interpretação deverá ser a criação de condições para que a norma interpretada tenha eficácia sempre no sentido de garantir a efetividade dos princípios e valores constitucionais, e principalmente, sempre, da ideologia constitucionalmente adotada, mas, diferente da pratica observada, para todos os cidadãos. No Brasil, este regime montado sob a qualificação de democracia semidireta, a chamada democracia representativa, falha agudamente na prometida participação popular e tem autorizado toda sorte de abusos da parte dos manipuladores do povo, este, fonte primaria do poder, o qual deveria ser exercido para o próprio. Decorre tal descalabro da incapacidade do povo em ter claro entendimento de como funciona o Estado, vez que a maioria dos cidadãos individualmente tem uma visão turva da complexidade dos problemas sociais, que os leva a se omitir e/ou aceitar que os candidatos seriam grandes homens dotados de superioridade intelectual para conduzir o Estado. Estes cidadãos ignorantes, assim deixados por questão de conveniência aos gestores, passam a ver no político até uma doação pessoal da sua capacidade de fazer o que os cidadãos não se acham capazes de fazer. Porém, como consequência desse teatro de horrores, os eleitos do povo, de bom grado, mais do que ocupar o nobre posto de representante, se apropriam dos cargos e mandatos. Assim, o simples cidadão, que é na teoria do Estado o detentor do poder, e apenas o colocaria nas mãos de um subordinado, que deveria se orgulhar da honra concedida e confiança nele depositada por milhares de acionistas da empresa-Estado, se vê vítima dos proxenetas da Democracia Representativa e das máquinas compressoras dos seus direitos e algozes da função básica do Estado Democrático! Todo ato ilegal, imoral, inquinado de improbidade que ocorre pela ação do Estado direta ou indiretamente, estimulado pela impunidade ou morosidade das sindicâncias que se enroscam pelos cantos da burocracia e desinteresse de servidores de julgar um ao outro estará estimulando ou causando a negação ou afastamento dos objetivos fundamentais do Estado declarados no artigo 3º da Constituição da Republica Federativa do Brasil. Os mandatos dos ocupantes dos cargos do Poder Legislativo no processo democrátivo têm como premissa serem temporários, o que não ocorre por ausência de previsão expressa na Constituição. Vencidas as forças que buscavam dar verdade ao

8

poder do povo sobre seu Estado, o povo brasileiro está a mercê do processo de mandato livre e sem controle de reeleição, estabelecido simplesmente por questão de tradição, como se tradição fosse o bastante para justificar a manutenção dos defeitos de um processo no qual só se observa um crescente desrespeito dos representantes pelo povo. Por oportuno, há que se lembrar que se tradição representasse uma barreira intransponível a Revolução Francesa não faria parte da história e o Absolutismo ainda estaria reinando no velho mundo.

2.2 – REMÉDIO LEGAL (CONSTITUCIONAL)

A solução do quadro político em questão passa por se necessitar de uma série de medidas preventivas, que sejam obrigatórias por força de lei, vez que contar com a dedicação e consciencia dos detentores de mandatos e ocupantes de cargos dos agentes públicos não têm surtido nenhum efeito pratico e positivo para os cidadãos. As condições de direito de exercer mandato legislativo deverão sofrer alterações para que seja vedada a reeleição para mandatos sucessivos como forma de assegurar que no período seguinte haja tempo para se avaliar e julgar os deputados e vereadores da legislatura encerrada. Tal avaliação cobrirá todos os aspectos relevantes, tais como variação patrimonial do parlamentar ou de “laranjas” (como são chamados aqueles que levam vantagens para que o parlamentar corrupto e ímprobo não apareça como beneficiário direto no recebimento dos frutos da conduta ilícita ou imoral), sua atuação como agente público, frequência as assembléias, votações, etc. Também deve ser exigida uma agenda mínima das tarefas ordinárias que se acham engavetadas nas Casas Legislativas, bem como monitoração da apresentação de projetos, e tudo que seja relevante para que os eleitores, verdadeiros “patrões” dessas “empresas” que são a Câmara de Deputados, o Senado, as Assembléias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais julguem adequadamente aqueles que estiveram representando os cidadãos habilitados a votar pelo mesmo ordenamento jurídico. Com a adoção dessa providência o país e a sociedade ganharão um instrumento de medida de desempenho dos políticos com um fator de produtividade elevado, pois além do elemento moralizador das atitudes dos parlamentares, vai se conseguir acabar com a atuação improdutiva dos anos de eleição, que é um período no qual os políticos se ausentam das casas legislativas e os projetos a serem votados ficam enfileirados nas

9

agendas paralisadas enquanto os mesmos passam a usar integralmente o seu tempo e de suas equipes para a disputa de votos buscando assegurar que sejam reeleitos. Ou seja, a baixa produtividade dos representantes do povo fica menor ainda, pois o interesse particular dos mesmos consome todo o tempo que deveria ser usado para as atividades públicas para as quais são eleitos os deputados, senadores e vereadores. De igual importância é a transformação do atual mandato político representativo em mandato imperativo. Na forma atual o “representante” não fica vinculado aos supostos representados, ou seja, a atuação do parlamentar pelo mandato representativo, depois de o candidato pedir votos aos eleitores apresentando propostas, fazendo promessas, vinculo partidário, que supostamente deveria ter significado com programas e doutrina que o partido representa e defende, o candidato eleito tem assegurada plena liberdade de nada fazer e comercializar seu voto na casa legislativa que estiver, visto que o mandato é livre e irrevogável. Assim, deixa-se com o eleitor apenas a opção de acompanhar a conduta daquele que ajudou a eleger com seu voto para, se desaprovar sua conduta, não votar no mesmo candidato na próxima eleição. Isso não passa de uma grande pantomima para dar feições democráticas a um grande embuste. A Constituição Federal, infelizmente, por obra dos constituintes, carrega mecanismos que asseguram a reeleição continuada e independência do mandatário em face dos eleitores. A eleição entrega aos vencedores do pleito o mandato político representativo, que se constitui no elemento básico da democracia representativa. Nele se consubstanciam os princípios da representação e da autoridade legítima. O primeiro significa que o poder, que reside no povo, é exercido, em seu nome, por seus representantes periodicamente eleitos, pois uma das características do mandato é ser temporário.6 Porém, da forma como é permitida a reeleição para mandatos sucessivos, uma vez eleito, o parlamentar tem uma poderosa força econômica e política à sua disposição para se perpetuar no poder impedindo renovação; criando obstáculos legais que mascaram o abuso do poder, tanto econômico como político, maculando o exercício da representação do povo por políticos carreiristas e que não medem esforços em práticas imorais e inquinadas para se reelegerem, inclusive para se proteger sob o manto dos privilégios reservados aos parlamentares.

6

Essas exigências do mandato representativo decorrem de normas expressas na Constituição. Assim, o princípio da forma representativa consta no parágrafo único do art. 1º, quando diz que o poder é exercido diretamente pelo povo ou em seu nome por representantes eleitos. A temporariedade do mandato é explicitamente fixada em quatro anos para Deputados, Governadores,Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito (arts. 27, 28, 29, I, 32, §§ 1º e 2º, 44, parágrafo único).

10

Entretanto, da forma como se dá na prática a ocupação dos cargos com representantes que não devem nenhuma explicação legal aos eleitores, partidos cujas coligações visam exclusivamente vencerem as eleições, estabelecendo-se por questões matemáticas, mas nunca pelas temáticas, pelo pensamento que defina se o partido é socialista, republicano, liberal, democrático, etc.. Tais questões não têm interesse prevalente nas coligações, mesmo porque muitos partidos têm seu nome conforme a disponibilidade de títulos ainda não usados, tentando criar uma sigla que possa seduzir o cidadão médio. Como consequência desse modo de representação nada obriga que o os atos dos representantes se vinculem com a vontade popular. Adicionalmente é hercúleo o descaso com a participação popular nas decisões que afetam a vida do povo. Basta observar como é insignificante o uso dos instrumentos existentes para que se ouça ou se peça a manifestação dos cidadãos sobre assuntos que lhes afetam diretamente. Tudo que envolve a velocidade ou eficiência do uso de instrumentos que aumentarão a disponibilidade de programas de inclusão social e outros objetivos insculpidos na Constituição para reduzir as desigualdades sociais, quais sejam: o plebiscito, referendo popular e ação popular, caminham, se arrastam nos corredores da burocracia ou na “falta de foco” dos representantes do povo, sendo utilizados apenas como moeda de troca nas épocas de campanha eleitoral. Para transformar essa sociedade pluralista o povo deve exigir (e conquistar) instrumentos legais que afastem aventureiros que se apoderam das cadeiras legislativas e vincule os ocupantes aos eleitores. Tal virtude pode ser alcançada com a adoção, além da vedação da reeleição sucessiva, de critérios rígidos para a valorização dos mandatos de forma que quem quer que seja eleito não possa abandonar o mandato exceto por impedimento de saúde; se o fizer por quaisquer motivos de interesse particular, tais como participar de outra eleição, ocupar cargo de secretário, ministro, embaixador, etc., ficaria inelegível pelos 15 anos seguintes. Não é possível que a sociedade tenha que aceitar que alguém que peça o voto do eleitor possa sumariamente deixar o mandato por outro cargo, jogando no lixo tudo que prometeu para angariar os votos dos cidadãos. Deve a Lei Maior, diretamente ou pela legislação infraconstitucional, incluir o mandamento legal de absoluta fidelidade ao mandato. Na mesma linha a coisa pública deve ser tratada como prioritária para a população e nestes termos o coletivo deve ser colocado acima do interesse individual. O que se aborda aqui é o fato de que quem estiver sendo processado, ou tiver contas públicas sendo questionadas não pode ter seu nome validado por qualquer partido político para um novo pleito eleitoral. Como proteção contra atos ilícitos de

11

concorrentes, quem produzir fatos inverídicos ou denúncias forjadas para prejudicar a candidatura de outrem terá seus direitos políticos cassados pelo dobro do tempo que causaria àquele que tenha sido injustamente acusado caso fosse julgado culpado. Adotadas tais medidas, poder-se-á sanear o ambiente político do país, assegurando um ambiente de maior igualdade e democratização das oportunidades que representa ocupar um cargo eletivo, garantindo que mais pessoas tenham chances de contribuir e que a concorrência para ocupar tais posições seja também alvo de concorrência entre parlamentares que queiram mostrar produtividade e seu valor de verdadeiro servidor público no sentido literal de servidor (que serve a outrem) como fator de conquistar o direito de voltar a merecer o voto do cidadão para um novo mandato, em período não consecutivo, como já esclarecido anteriormente. O histórico de propostas que buscam permitir ao eleitor controlar a conduta daqueles que lhes pediram seus votos, e para tanto fizeram promessas, esbarra sempre nas justificativas como a que se pode observar no voto do relator deputado suplente Inaldo Leitão (PR-PB): “Com efeito, a obrigatoriedade de o candidato registrar, antecipadamente, na Justiça Eleitoral, suas promessas de campanha, parece-nos, data vênia, que destoa do sistema representativo adotado pela Constituição Federal, carecendo de razoabilidade. O mandato representativo confere plena liberdade ao representante, em oposição ao mandato imperativo, instituição medieval, segundo a qual, no desempenho do mandato, o eleito deve obedecer às instruções dos eleitores e responder pelo seu cumprimento.” 7 Nesta mesma linha se procura frequentemente mostrar que os instrumentos para combater a improbidade do agentes públicos estão adequadamente disponíveis ao cidadão comum (como se a vida do cidadão comum fosse simples e totalmente voltada em disponibilidade para controlar os desvios dos agentes públicos, sejam eles simples serventuários administrativos, ou fiscais, ou policiais, ou deputados, ou vereadores), sendo este o desinteressado e culpado das mazelas que corroem o eficiência do Estado feito erva daninha. Ou seja, passados quase 100 anos das conclusões de Monteiro Lobato, os bacharéis e políticos continuam sendo as “Triatoma Bacalaureatus” 8, responsáveis para situação de abuso do poder sobre o cidadão comum no Brasil. Se ontem o desvio da burocracia privilegiava os meios, em detrimento da finalidade do Estado, dando espaço ao empreguismo, isto apenas cedeu lugar a uma força maligna, 7

LEITÃO, Deputado Inaldo. COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADÃNIA PROJETO DE LEI No 3.453/2004, alterando o “Institui o Código Eleitoral”. - Autor: Deputado WLADIMIR COSTA

8

MONTEIRO, Lobato. Problema vital, 1918.

12

arma de muito maior calibre, o predadorismo, vez que hoje o domínio no serviço público não é apenas de “gente encostada”, mas de quadrilhas que querem e conseguem enriquecer saqueando tudo o que encontram ao seu alcance de forma legal ou pelo menos impunemente, o que se observa facilmente com qualquer pesquisa sobre o crescimento patrimonial dos “coronéis” da atualidade. As diversas quadrilhas estão espalhadas pelo Senado, nas Câmaras Legislativas, no Judiciário, nos ministérios e secretarias, nas prefeituras, nos governos estaduais, nas autarquias, etc. Tudo isso se confirma frequentemente pelos escândalos que são revelados com lista dos integrantes, com divulgação dos valores desviados dos cofres públicos, e divulgação do modus operandi (modo de operação) de cada operação fraudulenta desmantelada. Todo o mal que assola esse país, cheio de recursos e no sentido contrário cheio de miséria, é a impunidade e a morosidade, aquela que eleva o descrédito das instituições, enquanto esta invoca o poder do tempo de a tudo minimizar pela ação corrosiva sobre a memória do povo. É ostensivo que todo o aparato legal está ocupado em garantir direitos para poucos, como se pode observar pela rapidez que a Justiça Eleitoral responde aos conflitos sobre os interesses de partidos e candidatos, enquanto os interesses do cidadão comum levam anos para receber uma decisão definitiva. Este quadro desacata o principio da legalidade no Estado Democrático de Direito, o qual deve patrocinar sujeição de todos ao império da Lei, com a força que realize o principio da igualdade e da justiça com a mesma eficiência, sem privilégios para o interesse de determinadas classes. Esse tratamento diferenciado está minando a confiança na capacidade e no interesse do Poder Judiciário em agir dentro dos princípios democráticos que são declarados. A Constituição prevê o voto obrigatório como instrumento de participação e endosso de tudo que se decide em seu nome. O voto ser obrigatório é uma prescrição séria do reconhecimento da necessidade de se colocar o império da lei para promover a inclusão de todos os cidadãos em face do reconhecido risco de desinteresse como consequência da ignorância do povo sobre as reais funções do Estado. Porém, se torna ato isolado e a serviço da manipulação das minorias se outras medidas fundamentais de inclusão e capacitação do cidadão para reclamar seus direitos não tiverem a mesma obrigatoriedade. Ou seja, percebe-se com solar clareza que Direito Constitucional deve ser um ensinamento obrigatório a todos os cidadãos com os mesmo critérios de obrigatoriedade que se exige o título de eleitor para os adultos, a Carteira Profissional

13

para ingresso no mercado de trabalho e carteira de vacinação para uma criança ser matriculada na escola. Como efeito desse processo de inclusão do cidadão no cenário sócio-político que permeia sua vida, se todos os pretensos candidatos a eleição somente se fazem candidatos através de um partido político, pode-se inferir que todo eleitor também deva ser obrigado a se vincular a um partido político; e se o partido tem a “propriedade” do mandato e o mandato é de representação do povo, a vinculação do eleitor a um partido político irá assegurar que os partidos se esforçarão para reter seus eleitores continuamente, e não mais apenas no período da campanha eleitoral. Uma medida como esta pode parecer fantasiosa, mas há que se reconhecer que enquanto o país não alcançar um nível de desenvolvimento sociocultural adequado muitas medidas devem ser obrigatórias para catalisar o desenvolvimento da sociedade. Não podemos esquecer que a idéia de que todos, independentemente de sexo, religião, raça, nascimento ou situação social, devem ter acesso à mesma educação foi um dos mais significativos legados da Revolução Francesa (1789), e, passados mais de 200 anos a sociedade brasileira ainda não colheu frutos dessa vitória. Se são os pais obrigados a vacinar seus filhos, obrigados a matricular seus filhos na escola fundamental, se a Constituição obriga os cidadãos a votar, se, por mais que se discuta as medidas de proteção, ainda assim se adota cotas de vagas para os negros no ensino superior público e gratuito como balizador para amenizar distorções no direito de igualdade de acesso aos recursos públicos que acabam dominados pelos filhos das famílias mais abastadas, não assiste razão para que não seja implantada uma medida de verdadeira inclusão do cidadão comum no cenário político, ao tornar obrigatório que todos se filiem a um partido político. E, a partir daí, que os partidos tenham a tarefa de disseminar o conhecimento sobre política, sobre o partido, seus objetivos programáticos, seu plano de relação com o governo, etc. Sim, pois esse cenário político, suprido de verbas públicas, vedado ao povo tacitamente quando os eleitores somente tem importância nos anos das eleições, é um terreno farto para o domínio das minorias esclarecidas e ávidas de negociatas para atendimento de objetivos pessoais de seus dirigentes. Isso realmente colocaria os partido políticos em ligação direta com a população, passando a depender do numero de filiados conjugado com o resultado das eleições para determinar o quantum que receberiam do fundo partidário.

14

2.3 – AÇÃO POPULAR

O instrumento disponibilizado pela Constituição Federal, no art. 5º, LXXIII, que declara que qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular em face de ato lesivo ao patrimônio público ou de ato contrário a moralidade administrativa tem seu rito previsto para não surtir efeito e não ameaçar o controle do Estado pelas minorias dominantes, sempre distantes do principio democrático. Assim, o principio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país.9 A ação popular é, sem sombra de duvida, o instrumento que dará força ao cidadão para fiscalizar e atuação dos agentes públicos visando garantir uma administração honesta e competente dos recursos públicos, desde que receba empenho do Poder Legislativo em dotar a ferramenta legal de facilidades para sua efetiva utilização. Ferramentas que levem em consideração as dificuldades do cidadão comum de compreender o ritual jurídico, que considerem que a vida do cidadão é normalmente dominada pela relação empregatícia restando poucas janelas de tempo para que o mesmo exerça as atividades de fiscalização da Administração Publica. Assim, é mandatório que se crie algum órgão de representação direta do povo que tenha a finalidade de receber o comando do cidadão sobre seu desejo de promoção de ação popular em face de determinada ação ou omissão lesiva aos interesses da comunidade ou à moralidade administrativa. Tal órgão teria a função de Ouvidoria do Cidadão e poderia ser vinculado ao Ministério Público ou ao Poder Legislativo, o qual afinal se declara ser a casa dos representantes do povo. Por intermédio desse órgão o cidadão terá assegurada a proposição das ações populares que identificar como necessária e a divulgação a todos do andamento e julgamento do processo. Afinal, ou as Leis foram criadas para realmente lograr sucesso nos seus mandamentos ou são medidas para dar aparência de Estado Democrático a um sistema de oligarquias dominantes.

9

CARVALHO, Virgilio de Jesus Miranda. Op. Cit. P. 22.

15

2.4 – CRIMES DE TRAIÇÃO E QUEBRA DE CONFIANÇA

A Lei de Crimes Hediondos busca representar uma mutação da forma com que o Estado trata determinados crimes; crimes considerados pelos legisladores, como de maior gravidade social. Tais crimes, a partir da vigência da Lei de Crimes Hediondos, passaram a ser tratados com uma forma punitiva mais severa por parte do Estado, o qual já se via acuado por crescentes crimes de sequestro, por exemplo, que já chocava a população, que, por sua vez, clamava para os mesmos por punições exemplares mais contundentes que pudessem ter um efeito inibidor na prática de tais crimes. Assim, no mesmo caminho choca a população a gravidade dos crimes perpetrados por políticos e servidores públicos e que provavelmente são incentivados por pelo menos três fatores isolados ou a combinação dos mesmos: 1. A impunidade; 2. A morosidade; e 3. A dificuldade de se conduzir um processo contra o ímprobo pelas ferramentas de proteção dos direitos individuais sendo opostas aos interesses coletivos que estejam sendo obstados. Então, este caminho tem que ser forjado pela exigência popular de se criar o mecanismo adequado que agilize a punição desses crimes e derrube a blindagem que protege os representantes do povo. Este mecanismo é criar uma lei específica com uma forma célere para tratar os crimes de improbidade administrativa e corrupção. Os delitos que tenham sido perpetrados a partir do cargo ou função ocupada pelos servidores públicos, nos quais fique patente que o agente público se aproveitou da função que exercia para cometer o ato ilícito ou imoral que lhe permitiu tirar vantagem econômica direta ou indireta, para si ou para terceiros, como forma indireta de se beneficiar mascarando seu enriquecimento ilícito, terá cometido crime de traição e de quebra de confiança. Por força desta legislação proposta deve a mesma também se sobrepor à proteção que gozam os deputados e senadores de somente serem alcançados mediante autorização da respectiva Casa que se vinculam, pois o que se observa é que o corporativismo predominante nestas localidades protege (alem de incentivar a pratica de toda a sorte de fraudes contra o erário público) o criminoso ao abrigá-lo sob o manto protetor que teoricamente deveria dar apenas proteção sobre suas opiniões, palavras e votos relativos a atos do mandato. Estes instrumentos da democracia não podem ser invocados para patrocinar escabrosas fraudes que ostensivamente mostram deputados e senadores envolvidos em

16

crimes ardilosos e tráfico de influência beneficiando empresas e confirmados enriquecimentos e vantagens pessoais que ficam impunes como resultado da proteção do cargo e desavergonhados arquivamentos dos processos sob a alegação dos preceitos legais traçados para uma finalidade correta e invocada para proteger algozes dos direitos coletivos do povo que desdenham o Estado Democrático. “Inciso XXIII do artigo 5º - A propriedade atenderá a sua função social;” A doutrina da função social da propriedade sempre teve por escopo estabelecer que o uso da propriedade sempre deva estar diretamente relacionado com o bem da comunidade. Cabe a indignada contraposição: Se até a propriedade, pilar de uma sociedade patrimonialista e individualista, pôde ser gravada na Constituição Federal que deverá atender à sua função social, como pode o mandato de um candidato eleito pelo voto popular não ser preponderante que seu exercício atenda as funções sociais hierarquicamente predominando sobre as garantias individuais quando o representante ostentar sérios indícios de improbidade? Qual o senso de respeito e privilegio aos direitos coletivos se o Estado só cuidar dos direitos individuais da minoria não tendo um comando legal que lhe permita exigir a conduta ilibada como requisito fundamental para o exercício da representação popular? Qualquer indicação de conduta suspeita ou denuncia comprovada, ou outros indicadores que comprometam a idoneidade de servidor ou parlamentar tem que ser motivo de afastamento sumário das funções mesmo quando condenados em primeira instância. Tome-se como exemplo o enriquecimento de políticos históricos que se eternizam no poder enquanto seus “currais eleitorais” 10 permanecem na miséria: Como pode a decisão de julgar ou não tais escroques ficar a cargo da figura podre de suplentes da escoria moral de uma sociedade ou da Comissão de Ética composta por outros iguais? É, sim, solução inegável para uma sociedade que se apresenta como democrática, que seus representantes sejam julgados com celeridade pelo povo da forma mais direta possível. Se o sistema penal em ruínas muitas vezes é defendido como uma advertência ao cidadão para não se desviar da conduta retilínea, também, e com muito maior importância, os desvios de conduta de servidores, eleitos, nomeados e concursados, precisam ser alcançados por um regime temível de penalização para os crimes de improbidade. Estes crimes precisam ser redefinidos e enquadrados numa classe especial 10

"Currais Eleitorais": Como ficaram conhecidos os agrupamentos de eleitores sob o controle de um coronel. Eram frutos de uma estrutura sócioeconômica que mantinha características do período colonial em plena república. HISTÓRIA DO BRASIL. STORVO, Lucia Helena e FILHO, Sidney Aguilar. Disponível em http://www.libertaria.pro.br/brasil/capitulo13_index.htm

17

de “crime de traição” com capítulo exclusivo no Código Penal cuja aplicação seja garantia de que os desvios dos servidores terão o tratamento legal, justo e célere, em face da envergadura que representam tais crimes. Devem ser enquadrados acima da escala de gravidade dos crimes hediondos, naquele caso os crimes que são praticados pelos que aceitam uma função de Agente Público e dela tiram proveito para adquirir qualquer vantagem para si ou para outrem, que só poderia ser praticado pelo detentor da referida função, e com imperdoável descarte do princípio da moralidade administrativa. Ainda na defesa da criação de leis especificas e também na argumentação de que a interpretação da própria Lei Maior pode ser dada com a finalidade de melhor atingir os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil (art. 3º), os quais não serão alcançados se a lei continuar a serviço das minorias que se apoderam do Estado com a interpretação que melhor lhes convenha. Observa-se que a Carta Política Pátria, no seu artigo 5º, inciso XXXVIII, preceitua: "É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: d) a competência para julgamento dos crimes Dolosos contra a vida." É parte da proposta deste artigo que os crimes lesivos aos interesses coletivos devam também ser submetidos ao julgamento de júri popular. Por que não estaria o povo tão preocupado com a perda de vidas através de atos dolosos, como com a perda de vidas em consequência dos crimes de traição praticados pelos seus representantes? Representantes os quais, de posse de milhares de votos de seus eleitores, passam a se servir do mandato para enriquecimento seu ou de “laranjas”, desviando milhões de “dinheiros” que seguramente causam diariamente a morte imediata ou mediata de cidadãos pela consequente falta de serviços de saúde, falta de segurança e de falta de recursos para a alimentação provida pela merenda escolar. Onde haveria mais dolo que nos atos que façam seus indefesos semelhantes ficarem sem alimentação como consequência de crimes de desvio de verbas da merenda escolar? Haveria mais dolo no crime violento de quem se vê na miséria por desvio de conduta de seus representantes do que nos crimes de colarinho branco que condenam centenas, milhares a ficarem sem saúde, sem educação, sem assistência humanitária, alijados de participar das conquistas sociais e materiais de seus contemporâneos da mesma pátria, suprida com os esforços tributários de todos? Bem, segundo pesquisas, tem-se a seguinte proporção: a cada R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) desviados dos cofres públicos uma criança morre. É que se o referido valor fosse investido em redes de esgoto, por exemplo, evitar-se-ia uma série de doenças, as quais levam a óbito inúmeras crianças. Portanto, qualquer crime de agentes

18

públicos, eleitos, concursados, ou nomeados, que alcance esse valor de desvio, devem os envolvidos ser julgados por crime dolosos contra a vida. A legislação reclamada deve ter premissas básicas robustas e claras de forma que garantam a eficácia da proposta de assegurar moralidade administrativa com um menor esforço, pois é notório que predominantemente nestas questões podem colocar na arena dos processos a linha tênue que divide direitos individuais dos direitos coletivos. Também é público que há décadas já se tem leis aprovadas com a intenção de coibir a improbidade administrativa, porém, todas acabam por virar letra morta por não serem invocadas nem aplicadas. É esse obstáculo que deve ser transposto. O cidadão tem que alcançar o corrupto e o corruptor como caçador persegue a caça, com rapidez e golpe certeiro. A pena tem que ser motivo de temor para desmotivar a conduta ilícita. O ímprobo, depois de devidamente apurado o fato e com sentença definitiva tem que ser exposto, execrado, seus direitos políticos devem ser caçados, o patrimônio fruto da conduta ilegal deve ser confiscado e sua punição não pode ser objeto de negociação; tem que ser expressamente determinado que mesmo a mínima pena seja de reclusão. O crime de traição tem que ter o preço da quebra de confiança. Um servidor público ou uma quadrilha, servindo-se dos poderes que lhes investe a função pública, quando se desviam do caminho correto e prejudicam toda uma população, uma programa social, um serviço devido pelo Estado, precisam de tratamento exemplar como forma de estímulo à probidade e repressão à prevaricação. Seja o cargo eletivo, o servidor nomeado ou o servidor concursado, aos quais são assegurados direitos, boa remuneração e estabilidade, na contrapartida tem o Estado o direito de exigir comprometimento com o desempenho e com elevado nível de honestidade e não somente aos olhos cegos da chefia imediata, mas com sujeição a um grande controle do sociedade pois o histórico de desvios e mamatas já relatados por Rui Barbosa

11

e por Graciliano Ramos

12

, para citar relatos de notáveis, não pode ser a

âncora das alegações de que tais desvios estão nas nossas raízes culturais. Este pensamento tem de dar lugar a uma verdadeira revolução, se necessário for, para se elevar esse país a um patamar de decência e honestidade, que não seja por vocação, mas que seja pelo temor das consequências que advirão da traição da sociedade brasileira. 11

12

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rirse da honra, a ter vergonha de ser honesto”: Brasil. Senado Federal, RJ. Obras completas de Rui Barbosa. V. 41, t. 3, 1914, p. 86. “há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal”: Extraído do relatório do Prefeito Graciliano Ramos, de Palmeira dos Índios, Alagoas, ao Governador do Estado, em 10 de janeiro de 1929. Trecho publicado em homenagem ao autor, em 21 de maio de 2001, pelo Diário Oficial do Estado de Alagoas, Imprensa Oficial Graciliano Ramos.

19

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

É pacífico o entendimento de que a Constituição Federal deve aceitar revisões, que não é imutável, ao contrário pode sofrer mudanças para que se aprimorar sua efetividade. Isso ocorre na medida em que as normas devem acompanhar as evoluções históricas e sociais, pois se isso não ocorrer as leis tornar-se-ão letras desalinhadas de um ordenamento jurídico estático em descompasso com a dinâmica da realidade social que deve atender. Tais mudanças surgem com a necessidade do próprio povo, como o diz Pontes de Miranda: "Quando uma Constituição veda a revisão em determinado ponto, só juridicamente o veda. Fora da imanência jurídica, quando se passa a terreno juridicamente transcendente, torna-se quebrável o preceito (exemplo: revolução, armada ou não;

sem que isto

signifique

considerar-se

ato

do

Estado

a

revolução).

Enquanto não se parte o jato da ordem jurídica, o texto é imperativo. Mas o jacto pode partir-se, quer pela mudança do poder estatal (consistia, por exemplo, na vontade de alguns e passou a consistir na vontade do povo), quer pela mudança radical da opinião do mesmo povo” 13 Passados 21 anos da promulgação da Carta Magna de 1988, são inúmeras as disposições constitucionais que ainda padecem de regulamentação, por exemplo, a tributação sobre grandes fortunas (art. 153, III). O Congresso Nacional deveria, não fosse pela sua atuação desconectada da sua finalidade, ter objetivos de resolver o passivo que se estabelece pela distância das propostas e promessas desde a promulgação da Constituição. Frequentemente se renovam as processas de resolver as lacunas e omissões das leis devido a pendência da legislação ordinária e complementar que irá concretizar a redução das diferenças injustas de tratamento que recebem as várias classes de cidadãos que a realidade forjou. Por fim, esta necessidade de adequação da legislação, seja reforma ou revisão constitucional tem o endosso inclusive do professor Paulo Bonavides: “Não nos opomos à reforma da Constituição. Achamos até que ela se faz necessária e possível,

13

SANTOS, Luiz Wanderley dos. Normas constitucionais e seus efeitos . Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 26, set. 1998. Disponível em: . Acesso em:06 dez. 2009.

20

obedecendo, porém aos ditames da prudência, do equilíbrio e do respeito à Lei Suprema.” 14

REFERÊNCIAS

BARRETO, Lauro – Reeleição & Continuísmo. Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1998. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. Malheiros, São Paulo, 1994 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral. Ed. Del Rey, São Paulo, 1998. MACHADO, Ivan Carlos Novaes. Inconstitucionalidade da emenda da reeleição. Teresina, Jus Navigandi, ano 02, nº. 21, 1997. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Ed. Malheiros, 1993. MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Atlas SA, 2007 NIESS, Pedro Henrique Távora – Direitos Políticos. Edipro, 2000. SANTOS, Luiz Wanderley dos. Normas constitucionais e seus efeitos . Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 26, set. 1998. Disponível em: . Acesso em:06 dez. 2009. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editors LTDA., São Paulo, 2008. SOUSA, Moacir Mendes. Reflexões acerca do instituto da reeleição. Salvador, Jus Navigandi, 2001. STORVO, Lucia Helena e FILHO, Sidney Aguilar. HISTÓRIA DO BRASIL. Disponível em http://www.libertaria.pro.br/brasil/capitulo13_index.htm

14

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. Malheiros, São Paulo, 1994

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.