O Vídeo nas aldeias: o uso do audiovisual como expressão da resistência cultural indígena

July 6, 2017 | Autor: Manaíra Carneiro | Categoria: Indigenous Studies, Culture, Video Analysis, Estudos De Midia
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Universidade Federal Fluminense Instituto de Artes e Comunicação Social Departamento de Estudos Culturais e Mídia Trabalho de Conclusão de Curso

O Vídeo nas aldeias: o uso do audiovisual como expressão da resistência cultural indígena

Manaíra Teixeira Carneiro

Niterói, 2014 1

O Vídeo nas aldeias: o uso do audiovisual como expressão da resistência cultural indígena

Manaíra Teixeira Carneiro

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense, como pré-requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Estudos Culturais e Mídia. Orientador: Prof.° Dr.° Antônio Jr.

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O Vídeo nas aldeias: o uso do audiovisual como expressão de resistência cultural indígena

Manaíra Teixeira Carneiro

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense, como pré-requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Estudos Culturais e Mídia.

Banca Examinadora

_________________________________________ Prf.° Dr.° Antônio Jr. - Orientador

_________________________________________ Prf.° Dr.° Wallace de Deus Barbosa – UFF

__________________________________________ Prf.° Dr.° Marildo Nercolini - UFF

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Para minha mãe Mônica e vó Maria de Lourdes, em memória.

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Agradecimentos

À minha família, em especial, aos meus tios Fátima e Paulo, que me adotaram como filha, pelo apoio aos meus estudos e a tudo que decidi fazer na vida. Às minhas irmãs Barbara e Tainá, pelo carinho e companheirismo de sempre. Ao meu pai Iverson e minha madrasta Eliana que me mostraram o mundo das letras e da poesia e também sempre me apoiaram nas decisões mais difíceis. Ao meu companheiro Orlando pela compreensão e apoio de todo o dia com muito amor e bom humor. Aos amigos (as) queridos que me deram força e transmitiram calma para continuar a caminhada de pé. Em especial, Natália Dias, minha amiga irmã e Drica Carneiro, a pioneira nesse curso e muito entusiasta. Á Bernardo Curvelano por acreditar em mim e me mostrar alguns “caminhos das pedras”. Por fim, gostaria de agradecer imensamente a todos os professores do departamento de Estudos Culturais e Mídia pelo desempenho e dedicação a nós, alunos, que muitas vezes, somos desatentos. Em especial, agradeço ao meu orientador Antônio Jr., sempre muito atencioso e paciente, uma pessoa que sempre admirei durante minha trajetória na graduação por sua integridade ética e por ser um ótimo professor em sala de aula.

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Resumo

O massacre a povos indígenas perdura por séculos. Constatamos que para que o massacre ocorra, há um argumento que o justifica; tal argumento é imbuído de estereótipos que alargam a distância entre o que nós ocidentais entendemos como índios e o que os pŕoprios têm a dizer sobre si mesmos. A partir desse incômodo, este trabalho busca entender como estes estereótipos permanecem até os dias atuais e como os indígenas encontraram uma maneira de reagir a eles através do audiovisual, mais especificamente a partir do trabalho da ong Vídeo nas Aldeias. No caminho faremos uma conexão entre antropologia e comunicação. Palavras chaves: indígenas, audiovisual, imaginário, cultura

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Sumário

Introdução .......................................................................................................................... 8 Capítulo I: O indígena e a construção do imaginário ao seu respeito 1.1 - As expedições europeias e o “resto do mundo” …...................................................... 13 1.2 - O imaginário qu permanece…..................................................................................... 18 1.3 - Do bom e mau selvagem ao falso índio ..................................................................... 20 Capítulo II: De Selvagens a aculturados 2.1- Intensificação da cultura ou aculturação?...................................................................... 27 2.2 - Vídeo, objeto de índio................................................................................................... 30 2.3 - A cultura dos outros ….................................................................................................. 32 Capítulo III: Vídeo nas Aldeias, uma escola indígena de cinema 3.1 - A construção da escola indígena de cinema …............................................................ 39 3.2 - As oficinas e suas metodologias .................................................................................. 42 3.3 - Os vídeos …................................................................................................................. 43 3.4 – O uso do vídeo para além do que se imaginava …...................................................... 45

Considerações finais …....................................................................................................... 48

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Introdução

O presente trabalho é fruto de um incômodo em comum com os indígenas, aquele incômodo causado pelo silêncio obrigatório, pela falta de espaço para expressar suas diferenças. Durante séculos povos indígenas são massacrados violentamente no mundo inteiro. Massacre este que não se deu apenas pela força física, pelas armas de fogo e doenças espalhadas, ele se deu também ideologicamente (Clastres 1968, p.88). Com efeito, neste trabalho nos debruçaremos sobre alguns aspectos desta conquista ideológica: os estereótipos criados a respeito dos índios. Busca-se, aqui, tanto mapeá-los, isolá-los, quanto compreender o que pode existir por trás deles. E mais, analisaremos a permanência destes estereótipos na imaginação cultural, e na mídia, da atualidade. Na esteira desta análise, o texto oferece uma descrição da produção audiovisual do Vídeo nas Aldeias, uma organizacao ̧ ̃ não governamental que oferece oficinas de audiovisual à aldeias indígenas, para que os próprios indígenas possam responder a esses esteriótipos eurocêntricos. Para tanto, a monografia se divide em três partes, a primeira contextualiza o imaginário criado acerca do indígena dentro do projeto da expansão europeia, meados dos séculos XV e XVI. Momento em que, como bem aponta Clastres, o Ocidente “lançou sua técnica, sua moral e sua fé na conquista dos trópicos” (ibid. p.87). Projeto este que segue, ganha força no século XVIII, com a criação de um projeto intelecual, cujo intuito era o de classificar e sistematizar, aos olhos da tradição europeia, todos os elementos da Natureza, incluindo-se ai os humanos do novo mundo. Adiante, a partir do segundo capítulo, tomando como ponto de partida a obra de Marshal Sahlins (1997), contesta-se a ideia de que os povos ameríndios estejam passando (ou tenham passado) por um processo de aculturação por conta do contato com a cidade. Aqui, busco mostrar como algumas experiências etnográficas demonstram que muitos destes povos, a partir do contato, passaram por uma espécie de florescimento cultural, por uma resignificação de suas próprias tradições. Por fim, no último capítulo, falamos da ONG Vídeo nas Aldeias, que busca, através do audiovisual, fornecer um mecanismo de resistência para estes povos. Contudo, quando nos aprofundamos no longo trabalho de mais de 28 anos da ong, com um acervo de mais de 70 vídeos, veremos que as questões levantadas por ela vão muito além da simples resposta aos estereótipos criados pelo ocidente. Essas questões nos levam a refletir sobre o próprio ato de comunicar para dentro e fora de suas 8

comunidades.

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Capítulo I O indígena e a construção de um certo imaginário

Ao entrar na van, continuou com o olhar fixo nos mínimos detalhes. De repente, virou-se para o irmão sentado logo ao seu lado e perguntou, referindo-se a nós: "É índio, ou é gente?". "É gente", respondeu o irmão. (Bonvicini, 2011)

Comecemos pelo “O Guarani”, adaptação do famoso romance de José de Alencar realizada por Norma Bengell no ano de 1996. A escolha não é aleatória, como poderemos atestar. Trata-se de um exemplo cristalino da forma como a imagem do indígena é constituída: sob diversos aspectos, o personagem principal, Peri, é a imagem prototípica de um selvagem, do “bom selvagem”. Isto é, um que vive em harmonia com a natureza, puro e ingênuo. A trama do filme é conhecida, Peri, o índio Goytacáz – “um índio guerreiro nunca vencido, o primeiro de sua tribo” – deixa-a para servir a D. Antônio e sua filha Cecília em virtude de um dívida moral, afinal, sua mãe fora salva pelo fidalgo português. Peri, no desenvolver da trama, se apaixona por Cecília. E por ela enfrenta, ao lado dos estrangeiros, os seus antigos inimigos, os Aimoré, canibais inveterados1. De um lado temos Peri, o índio “puro” – “nunca vencido” –, que traz consigo os mais altos valores do mundo natural – não por coincidência, ele se converte ao cristianismo –, do outro temos os Aimoré, que representam a outra faceta indígena, a barbárie. A este filme, melhor, a estas duas representações do indígena, contrapomos uma outra, que nos mostra o filme “Nós e a cidade”, realizado por jovens Mbya-Guarani, em 2009, dentro do contexto do Vídeo nas Aldeias. Neste pequeno documentário – pouco mais do que cinco minutos – somos apresentados a uma comunidade M'bya (Guarani)2 do Sul do país, mais especificamente, à forma como esta comunidade extrai seu sustento pela venda do artesanato. Uma arte que o próprio demiurgo chamado “Nhanderu” lhes ensinou para 1 Os Aimoré ou Botocudo era uma população que habitava o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo nos séculos XVI e XVII. Foram massacrados durante a batalha do Cricaré na ocupação portuguesa. 2 Os M'bya são um subgrupo do povo Guarani que habita a região meridional da América do Sul, em um amplo território em que se sobrepõem os Estados nacionais paraguaio, brasileiro, argentino e uruguaio. No Brasil, estima-se sua população em pouco mais de 8 mil pessoas.

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sobreviver. O vídeo nos mostra o trajeto destas peças, da sua confecção à venda em uma feira. As imagens produzidas, sem interação com seus personagens, nos mostram como são feitas estas vendas: sem muitas negociações, as mulheres ficam sentadas com tecidos estirados no chão que servem de apoio para os objetos artesanais, enquanto os não-indígenas que visitam a feira passam de pé por elas perguntando o preço, julgando se está barato ou caro. Poucos compram alguma coisa, a maioria parece estar mais interessada em fotografar os índios – a despeito destes se mostrarem incomodados com a situação. Em outro corte, num banco destacado da feira, está um professor que aceita dar um depoimento para os diretores do filme. Diante da câmera ele diz o seguinte: “A gente vê os alunos ficarem tristes vendo a situação dos índios dentro desse parque, sujos, dependentes de dinheiro…” O operador da câmera, rebate sua fala: “sujos?”. O professor confirma: “é, sujos, e até pedindo dinheiro para fotografarem (...)”. O operador da câmera rebate, afirmando que as pessoas fotografam e filmam os M'bya para usarem em seus próprios trabalhos e assim ganharem dinheiro. E que cobrar para serem fotografados, seria uma forma de coibir este tipo de ação. O professor reluta, mas aceita que isto possa ser verdadeiro. Duas narrativas: uma adaptação de uma obra literária clássica – e romântica – e um pequeno documentário. Duas narrativas que, a despeito da distância no tempo – 13 anos entre um e outro -, tem uma relação profunda entre si. Uma relação que podemos perceber nas atitudes dos não-indígenas que visitam a feira de produtos M'byá, sobretudo, na fala do professor claramente desapontado com a realidade indígena, tão distinta daquela imaginada por José de Alencar – e realizada por Norma Bengell. Entre os M'bya, os Guarani, de fato, não há um Peri, não há o “Guarani”. Não há ali, aos olhos dos não-indígenas, o “bom selvagem”. Há tão somente aqueles que foram corrompidos pelos vícios da civilização ocidental. Os puros de outrora agora não passam, aos olhos dos não-indígenas, de pedintes, de maltrapilhos. Os M'bya sabem disso. E se afetam. Diz um deles, encerrando o documentário: “a gente não fica triste porque não vende. É porque parece que a gente depende do dinheiro deles...”. A distância entre o mito do bom selvagem e a realidade, entre Peri, que vivia livre, misturado à natureza, puro, e os M'bya do presente, que vivem próximos das cidades e, por isso, precisam de dinheiro, tem consequências ainda mais profundas do que somente no emocional indígena. Trata-se de questão política. Como bem notou Fausto (2001, p.18), este imaginário romântico define uma “atitude mental e um campo de significados, fornecendo um esquema simples para classificar, conhecer e dominar as populações indígenas das Américas”.

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Esse tipo de imaginário, completa o autor, se presta aos interesses dos latifundiários e demais inimigos dessas populações. Não é de se estranhar que a ideia de que se trata de “falsos índios”, “índios impuros”, “cachaceiros” seja sempre evocada por aqueles que desejam contestar a legitimidade desses povos – algo que, no geral, ocorre no entorno de questões latifundiárias (cf. Calheiros 2011; Viveiros de Castro 2009).

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1.1

As expedições europeias e o “resto do mundo”

Podemos dizer deste “imaginário romântico” que é “forma que permanece”, como bem colocou Teodoro da Cunha (2004); que se trata de um repertório imagético produzido em um momento histórico particular, mas que dentro de uma perspectiva diacrônica permanece, “enquanto forma, transmutando seus significados, terminando por gozar de uma relativa autonomia em relação ao seu contexto original” (Cunha, 2004 p.117). Noutras palavras, como visto no segmento anterior, a representação romantizada do índio brasileiro, continua a informar (e conformar) o imaginário dos cidadãos contemporâneos – como no caso do professor e dos alunos do vídeo “Nós e a Cidade”. No entanto, como nos mostra Pratt (1999, p.59) a origem dessas formas nos remete à época das grandes expedições europeias do século XVIII. Em seu livro “Os olhos do império – relatos de viagem e transculturação”, a autora descreve como o pensamento europeu (colonial) ao produzir o “resto do mundo” a partir de relatos de viajantes, isto é, um mundo que não aquele das cidades europeias, estabeleceu significados aos continentes pouco conhecidos. Significados estes que codificavam, davam sentido e legitimavam as aspirações expansivas do império, convencendo as elites de que esse era o melhor caminho para a Europa. Em meados do séc. XVIII, afirma Pratt, observa-se a emergência de um novo paradigma, a história natural dá origem a um sistema de categorização da natureza, também conhecido como a Taxonomia de Lineu, cujo intuito, sabe-se, era estabelecer uma grade classificatória capaz de abarcar a totalidade da vida, seja ela conhecida ou desconhecida pelos europeus. Era um sistema descritivo designado para classificar todas as plantas, animais e minerais da Terra.

Esse sistema, segundo a autora, corroborou na construção de uma

consciência planetária europeia. Esta consciência planetária exercia o poder de dar nomes eurocristãos tanto à formações geográficas quanto a elementos da natureza, numa lógica totalizadora. Assim, esse nomear da história natural se torna transformador ao passo que “(…) ela extrai todas as coisas do mundo e as recoloca numa nova estrutura de conhecimento cujo valor repousa precisamente naquilo que a distancia do original caótico” (Pratt 199, p. 69). Noutras palavras, diria-se que de sua própria perspectiva, estava a cargo dos europeus enxergar cada elemento da natureza, fosse ele animal, vegetal ou mineral, e imbuí-lo de

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significados condizentes com os de sua própria realidade. Ao descrever a área total visível do planeta em palavras finitas, se fez não só um exercício de correlação entre a natureza e as palavras, como também uma redução do planeta a significados finitos (Foucault apud Pratt 199 p. 61). Como diria Franz Boas “o olho que vê é o órgão da tradição”. E esse simples ato, que à primeira vista nos é inofensivo, esta nova “consciência planetária”, como sugere Pratt, “é elemento básico na construção do moderno eurocentrismo” (Pratt 1999, p.42): a partir deste momento, o mundo seria reconhecido segundo a tradição dos impérios europeus. Um aexemplo são as descrições dos homos sapiens pela taxonomia de Lineu em dois momentos3

Figura 1: Os quatro tipos de antropomórficos lineanos, da esquerda para a direita, o troglodita, o homem de cauda, o sátiro e o pigmeu. Veiculado originalmente em Anthropomorpha (1760).

Após o conhecimento de diferentes povos ao redor do mundo através das grandes expedições, os cientistas classificaram as etnias dessa forma: a) Homem Selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo. b) Americano. Cor de cobre, colérico, ereto. Cabelo negro, liso, espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se com finas linhas vermelhas. Guia-se por costumes. c) Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso, cabelo louro, castanho, ondulado; olhos azuis; delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis. d) Asiático. Escuro, melancólico, rígido, cabelos negros, olhos escuros; 3 O eurocentrismo é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (assim como sua cultura, seu povo, suas línguas, etc.) como elemento fundamental na constituição da sociedade moderna. Manifesta-se como uma espécie de doutrina que, em determinados períodos da história, enxerga as culturas não-europeias de forma exótica ou mesmo xenofóbica.

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severo, orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestimentas soltas. Governado por opiniões. e) Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros, crespos; pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso, indolente, negligente. Unta-se com gordura. Governado pelo capricho. (Pratt 199, p. 68)

Assim sendo, a Europa se tornava a grande protagonista na história do homem, enquanto o resto do mundo se tornava um ambiente exótico a ser explorado. Ao mesmo tempo, esse olhar da tradição europeia tem uma cabeça e um corpo, essa consciência planetária não pertenceria a todos os europeus, não seria apenas a Europa continente, que estaria no centro do mundo. Essa consciência planetária viria do europeu branco, letrado, homem, capaz de conhecer o mundo através dos livros e mapas. Os olhos, órgãos da tradição, aqui, pertencem a esse sujeito histórico, um sujeito que representa o ideal a ser perseguido por todo o mundo rumo à civilização. Assim, a sistematização da natureza não representaria apenas um discurso europeu sobre o resto do mundo, representaria um discurso urbano sobre mundos não urbanos e o discurso do letrado sobre o não letrado. Na mesma direção de Pratt, Edgar Teodoro da Cunha (2004) nos esclarece que, em meio às expedições europeias, há “um esforço de se compreender o outro; e que por essa dificuldade, procura-se relacioná-lo a elementos já conhecidos, que fizessem parte do horizonte de compreensão dos próprios europeus”. Ou seja, foi dessa tentativa de assimilação do outro que os habitantes do novo mundo, os índios, foram, em tese, pintados à “imagem e semelhança” do europeu cristão. No entanto, a comparação se dava nos termos da incompletude, “naturalizando o mito da superioridade europeia” (Pratt 1999, p.68). Neste sistema, os habitantes das Américas e do resto do mundo seriam como subhumanos, pensamento originado antes da colonização com a teoria aristotélica da escravidão natural. A título de exemplo, cito o filósofo quinhentista Juan Ginés de Sepúlveda, que durante o célebre debate de Valladolid4, defendeu a aplicação aos índios da Teoria aristotélica da escravidão natural. Declarando justa a guerra contra esses (neste caso, os índios) que, por sua condição natural, deviam obediência aos que nasceram para comandar (os europeus). Noutras palavras, os habitantes das Américas surgiam aos olhos do império como seres incapazes de levar uma vida “racional e moralmente independente”. Portanto, seres que deveriam servir aos propósitos daqueles que eram mais “sábios e prudentes” (Gomes 2006, 4 Debate realizado no ano de 1550 por iniciativa do Papa Paulo III com o intuito de decidir se a conquista espanhola do Novo Mundo era justa. O grupo teve como debatedores Juan Ginés de Sepulveda e Bartolomeu de Las Casas.

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p.34 -37). A guerra aos índios se justificaria como castigo pelos crimes que eles “cometem contra a lei natural com sua idolatria e sacrifício de vítimas humanas aos deuses” ; “em preparar o caminho para a propagação da religião cristã e para facilitar o trabalho dos evangelizadores” (Sepulveda apud Gomes, 2006). Na direção oposta ao imaginário evocado por Sepúlveda, teríamos os relatos de seu adversário, o teólogo Bartolomeu de Las Casas, que evocava o “bom caráter” e a organização política e social dos índios – observados in loco durante as décadas em que viveu entre os povos americanos. Os índios não seriam hereges, apenas desconhecedores das leis de cristo. No entanto, independente de serem gentis ou bárbaros, os habitantes do “Novo Mundo” permaneciam como afeitos aos “maus costumes” dos hereges. E portanto, seres que deveriam ser catequizados. A título de exemplo deste imaginário, cito a pintura O Inferno (fig. 2), quadro português cujo autoria é anônima. Neste quadro, alguns adornos tipicamente indígenas são relacionados às figuras demoníacas. Segundo análise do historiador Ronald Ramineli (1996), a pintura foi baseado em relatos de Pero Vaz Caminha.

Fig. 2: O Inferno

O autor nos chama a atenção para o demônio no fundo do quadro: Presidindo essa cena infernal, no fundo do quadro, num plano mais elevado, sentado num trono, está a figura soberana do diabo. Mas a sua figuração

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apresenta uma particularidade: ele tem cocar indígena e mesmo suas vestes são em parte compostas por penas. O diabo-índio observa a execução dos castigos, enquanto à direita podemos observar outro demônio, também coberto de penas e carregando um condenado, dentre os vários que vemos caindo pela boca do inferno, para ser devidamente sentenciado e torturado. (Raminelli apud Cunha 2004, p.105)

Para Teodoro da Cunha, esta e outras imagens expostas em seu artigo “Índio no Brasil: imaginário em Movimento” mostram várias facetas que conjugam-se na construção desse imaginário, tendo em vista o contexto europeu, os índios passam de bárbaros a dóceis, por vezes, surgindo como pecadores arrependidos que se convertem para não se transformar em demônios. A “heresia natural” (o culto aos deuses e a antropofagia) dos habitantes das Américas era uma questão de suma importância para o império – e por isso tão presente nas imagens pictóricas da época. Práticas reprováveis, e por isso, na lógica cristã, quem as fazia tinha o inferno como destino. Nessa perspectiva, é possível compreender essas figurações a partir de um ponto de vista europeu, que em seu “esforço” de absorção do estranho e do exótico e da diversidade encontrada no novo mundo, utiliza códigos, padrões e cânones estéticos muito bem fixados, integrando o índio ao imaginário europeu, mas através de uma atribuição de valores que o aproxima de elementos negativos já presentes em sua cultura, como os estigmas de selvagens, de bárbaros, de antropófagos, monstros fantásticos, bruxas e demônios (Cunha 2004, p.116).

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1.2 O imaginário que permanece

Contudo, a assimilação da figura do índio a esses estigmas não é uma exclusividade da história da colonização. Pois, como o próprio Cunha observa, algumas dessas formas permanecem diacronicamente numa estrutura de pensamento. Pode-se dizer, por exemplo, que a imagem evocada por Sepúlveda está para aquela dos terríveis Aimorés tais quais idealizados por José de Alencar – e adaptado para filme por Norma Bengell –, assim como a evocada por Las Casas, o índio puro, “o bom selvagem”, está para Peri. Formas que permanecem de Sepúlveda e Las Casas a José de Alencar e Norma Bengel. Como confirma Carlos Fausto, poderíamos traçar um paralelo entre a situação colonial e a situação atual. Pois se no passado a imagem dos índios canibais (como os terríveis Aimorés da obra de José de Alencar) serviu como rótulo classificatório para legitimar a escravização dos índios em partes da América hispânica [na história colonial], “hoje a manipulação do estigma da selvageria pela mídia e por certos setores econômicos e políticos surge – em momentos pontuais, mas cruciais – como arma em uma luta ao mesmo tempo ideológica e prática, que visa restringir direitos constitucionais adquiridos”. (Fausto 2001, p.18). Isto posto, por mais que existam séculos de distância e se trate de países diferentes, dadas as suas devidas proporções, é possível fazermos uma ligação desse imaginário europeu colonial ao imaginário brasileiro contemporâneo. A assimilação de indígenas à ideia de atraso e primitivismo, como povos não civilizados, significando um outro que não evoluiu, que ficou no passado, são características que permanecem no imaginário do brasileiro. O que vemos é que há poucos espaços que exibem narrativas capazes de retratar o cotidiano indígena. Podemos ver o resultado da disseminação desse imaginário até mesmo em livros escolares e no ensino cotidiano em escolas brasileiras, como exemplifica a resposta de duas alunas em avaliação da rede pública de ensino na Bahia, em 1992: Atualmente, existem em vários continentes tribos que se encontram no paleolítico ou no neolítico, como os índios brasileiros. Esses “indígenas” têm instrumentos, religiões e costumes, isto é, uma cultura, que difere dos membros da comunidade nacional. (Simone e Vera apud Cecilia McCallum, 2001 p.32).

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Poderíamos descrever inúmeros casos que demonstrem a ideia de atraso e primitivismo atrelada ao indígena, mesmo hoje em dia, em livros didáticos, em novelas e filmes. Imagens estas que transmutaram seus significados, mas permaneceram em suas formas. Se tornam, portanto, ainda distantes, o protótipo de índio e o índio de fato, ou pelo menos, ao que os próprios se auto denominariam.

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1.3

Do bom e mau selvagem ao falso índio

Dentre as formas que permanecem, além do primitivismo e atraso supracitados, a mais comum é a do “bom selvagem”. Este ser ainda não corrompido – “nunca vencido”, nas palavras dos personagens de José de Alencar – pelos males da civilização ocidental. Um outro puro que vive em harmonia com a natureza. O termo “bom selvagem” nos remete ao célebre ensaio de Montaigne, Des Cannibales, inspirado nos relatos acerca dos Tupinambás da costa brasileira feitos por Jean de Léry. Montaigne os descrevia ao mesmo tempo como implacáveis guerreiros, que viviam em perfeita harmonia com o seu entorno. E mesmo seus costumes taxados pelos europeus como bárbaros, a saber, o ritual antropofágico – mais exatamente o sacrifício dos cativos de guerra – era contraposto aos modos da metrópole, onde por tudo se mata. Contudo, talvez tenha sido na obra de Rousseau – que, ao contrário do que se imagina, nunca utilizou o termo – que o conceito tenha se popularizado.

Os homens nesse estado [de natureza], não tendo entre si nenhuma espécie de relação moral, nem deveres conhecidos, não poderiam ser bons nem maus, e não tinham vícios nem virtudes (...). Não vamos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter a menor idéia da bondade, o homem seja naturalmente mau; (...) de sorte que se poderia dizer que os selvagens não são maus justamente por não saberem o que é serem bons. (Rousseau apud Bonivicini, 2011 p. 11)

Contudo, com o passar do tempo, o termo foi reelaborado pelo imaginário romântico e transformado em uma espécie de ser puro. De um ser que não apenas é desprovido de vícios, mas naturalmente dado às virtudes. Como o personagem “Peri”, de José de Alencar. Para termos ciência de como essa representação do “bom selvagem” ainda está presente entre nós, a mesma, foi questionada quando, no ano de 1992 por ocasião do evento Eco-92, Paulinho Paiacan (também conhecido como Benkaroty Kayapó), conhecido líder Kayapó, foi acusado de estupro. A seguir, um trecho da matéria publicada na revista Veja: […] a derrubada da inimputabilidade de Paiacan é um marco, pois leva junto a imagem romântica do bom selvagem espontaneamente bom e incapaz de atos cruéis e indignos. Está mais do que claro que Paiacan é índio aculturado (submetido aos maus exemplos dos regateiros, garimpeiros, madeireiros) que sabia perfeitamente estar violando a lei ao estuprar a jovem professora. Essa história ressalta a política dos dois pesos e duas medidas do ambientalismo. Inocentar um indígena perverso que há muito tempo deixou de corresponder

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ao modelo ideal de Rousseau – só porque anda de cocar e defende castanhais – equivale a escarnecer dos direitos humanos de uma pobre professora (Jornal do Brasil, 26/12/1998 apud Fausto, 2001)

fig. 6: Capa da revista Veja em junho de 1992

Na matéria do Jornal do Brasil, assim como na foto de capa da revista Veja, percebemos que há uma frustração do jornalista quando se confronta com a realidade contrária ao imaginário romântico do “bom selvagem”. Para surpresa de todos o “caciquesímbolo da pureza ecológica” foi julgado por ter cometido um ato de crueldade. Veja, se Paiacan não fosse um índio bom, seria mais um estupro entre tantos outros, mas não, Paiacan era tido como um índio bom, e por isso a surpresa. Logo, na criação de uma notícia jornalística, para que não fosse abrupta a passagem do “bom selvagem” ao estuprador, criouse uma justificativa no meio da história. Pois, para que essa história fosse narrada de forma coerente e fosse a mais crível possível, o “bom selvagem” fora corrompido pela maldade dos brancos para que pudesse cometer um estupro, como se diz na matéria do JB: “(...) Está mais do que claro que Paiacan é índio aculturado 5 (submetido aos maus exemplos dos regateiros, 5

O conceito de aculturação, que seria a supressão de uma cultura em contato com outra, nasceu em 1918 na antropologia, mas a partir dos anos 1940 caiu em total desuso pela disciplina. No lugar, o cubano, Fernando

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garimpeiros, madeireiros)”. Essa explicação responde à frustração do leitor que se pergunta “ora, mas ele não era bom e dócil, por que estupraria?” A frustração do leitor nos remete à fala do professor dos M'bya, afinal de contas, tanto em Paican quanto entre os M'bya não há semelhança alguma com o índio “Peri”, de Norma Bengel e José de Alencar. Contudo, o que está em jogo é se Paiacan merece ainda o título de índio bom, não se o estereótipo do “bom selvagem” conformava a figura de Paiacan dentro de si. O estereótipo do “bom selvagem” se mantém intacto, inquestionável aos olhos da mídia. Noutras palavras, tudo se passa como se aos jornalistas coubesse questionar (e investigar) o que corrompeu o bom selvagem e não se o bom selvagem, de fato, existia. Como “aculturado”, Paiacan não possuiria mais suas práticas tradicionais, sua cultura seria absorvida pela cultura ocidental, logo, tornara-se um falso índio, esse sim, capaz de estuprar alguém. Esse é o argumento elaborado para que seja mantida a ideia do índio romântico. O núcleo duro, as “formas que permanecem”, se mantém intactas por meio daquilo que Evans-Prichard chamou de elaboração secundária. Isto é, a elaboração de um argumento para que um sistema de pensamento seja mantido (cf. Giumbelli 2006). Não só para o jornalismo do JB e da Veja dos anos 1990 o “abandono” de sua cultura era um caminho óbvio para os indígenas. Na década de 1960/70, o Brasil viu surgir uma série de medidas para a defesa e ocupação do interior do país, o que incluía a invasão da região amazônica e suas fronteiras com os países vizinhos. A política do Estado estava baseada no desenvolvimentismo e progresso econômico. Neste período, o desenvolvimento do interior do Brasil era tido não só como desejável, mas como inevitável, assim como a assimilação do índio pela cidade. Ou seja, o índio, ali, estaria no primeiro degrau de uma escala evolutiva da humanidade, na qual a civilidade estaria no topo, como vimos durante as navegações europeias e assim é como continua sendo. Desta forma, pode-se dizer que a aculturação do índio aparece tanto como uma constatação, quanto como um desejo de modernidade, assim como enfatiza Viveiros de Castro a respeito desse contexto político/social em que o Brasil vivia: (…) a filosofia da legislação brasileira era justamente essa: todos os índios “ainda” eram índios, no sentido de que um dia iriam, porque deviam, deixar de sê-lo. Mesmo os que estavam nus no mato, com seus proverbiais cocares de plumas, seus colares de contas, seus arcos, flechas, bordunas e Ortiz propôs o conceito de transculturação em seu ensaio “Contrapunteo cubano del tabaco y del azúcar”. Na transculturação as comunidades em contato trocam bens culturais e se apropriam deles cada qual a seu modo, por isso, ao contrário da aculturação nenhuma cultura se sobressai sobre a outra.

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zarabatanas, os índios com “contato intermitente” ou os “isolados” – mesmo esses ainda eram índios. Apenas ainda; ou seja, ainda, apenas, porque ainda não eram não-índios. O objetivo da política indigenista de Estado era gerenciar (e, por que não?, acelerar) um movimento visto como inexorável (e, por que não?, desejável): o célebre “processo histórico”, artigo de fé comum aos mais variados credos modernizadores, do positivismo ao marxismo. (Viveiros de Castro 2008, p.134)

Em suma, nesta seção observamos a emergência de uma terceira “forma que permanece”, a do “falso índio”, do “aculturado” – este último termo em desuso pela antropologia moderna (cf. Sahlins 1997). Uma forma derivada, digamos assim, cuja existência se atrela a uma elaboração secundária, a um movimento cujo intuito é a manutenção das duas anteriores. Em outras palavras, a imagem do “falso índio”, do aculturado, surge da distância entre o mito do bom selvagem e a realidade dessas populações. Como no caso Paiacan – ou dos Guaranis do vídeo “Nós e a Cidade”. Aos olhos da tradição, como diz Franz Boas, o “bom selvagem” é uma realidade, os “índios” é que são de mentira. Por ora, nos basta a colocação de Latour a respeito da suposta aculturação dos povos não-ocidentais. As culturas supostamente em desaparecimento estão, ao contrário, muito presentes, ativas, vibrantes, proliferando em todas as direções, reinventando seu passado, subvertendo seu próprio exotismo, transformando a antropologia tão repudiada pela crítica pós-moderna em algo favorável a elas, “reantropologizando”, se me permitem o termo, regiões inteiras da Terra que se pensava fadadas à homogeneidade monótona de um mercado global e de um capitalismo desterritorializado [...]. Essas culturas, tomadas de um novo ímpeto, são fortes demais para que nos demoremos sobre nossas infâmias passadas ou nosso atual desalento. (Latour 1996, p.5).

Com efeito, vimos no decorrer deste capítulo como a própria idéia de que as culturas “autóctones” do imaginário romântico (sejam elas boas e puras, como a de “Peri” ou selvagens e bárbaras, como a dos “Aimorés” e de “Paiacan”) estão em vias de desaparecer, de que seu futuro não é outro que se transformar em uma cópia da civilização ocidental, nos remete a uma espécie de “atitude mental” típica do contato com esses povos (cf. Pratt 1999; Fausto 2001). Em outras palavras, pode-se dizer que a ideia de que os índios de outrora (os bons e maus selvagens) estão em vias de se transformar – ou já se transformaram – em maltrapilhos aculturados (“sujos”, como nos diz o professor do vídeo feito pelos M’bya) remete a uma estrutura de pensamento, a uma grade classificatória cuja origem encontra-se no próprio ímpeto expansivo da empresa colonial ocidental (cf. Pratt 199). Como já se disse, o “aculturado” – o desaparecimento de uma cultura – nada mais seria do que uma elaboração 23

secundária dedicada à manutenção do imaginário criado antes mesmo do contato com esses povos – como vimos, por exemplo, na argumentação de Sepúlveda. Peri e os Aimorés, o bom e o mau selvagem, não são apenas formas estéticas e estáticas no quadro, elas representam maneiras de pensar, elas nos dão a ver – por sua própria permanência – o problema da representação de um outro (cf. Viveiros de Castro 2008). Como bem disse Fausto, “não é apenas sobre a manipulação de nossas linhas que devemos refletir, senão também sobre um plano mais profundo, que é o da continuidade silenciosa de um discurso produzido em contexto colonial” (Fausto 2001, p.18). Um discurso (um imaginário) que, sabemos (Viveiros de Castro 2008), tem conseqüências políticas profundas e negativas para essas populações. Um discurso que reduz esses povos aos olhos de quem os vê, um discurso afeito à uma história única para todos os povos.

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Capítulo II De selvagens a aculturados

Como vimos, a ideia de que a aculturação se presta também ao papel de uma elaboração secundária, um desdobramento, de alguns estereótipos acerca das populações nativas das Américas. Estereótipos cuja origens pudemos remeter aos pressupostos aristotélicos a respeito da superioridade “natural” de alguns povos em relação a outros e posteriormente à grade classificatória da natureza apresentada por Lineu dentro da história natural. Noutras palavras, vimos como os residentes do “novo mundo” foram descritos, e portanto reduzidos, aos “olhos dos impérios europeus” – para nos utilizarmos de uma expressão cara ao trabalho de Pratt (1999) – a seres inferiores, primitivos (selvagens), atrasados. De fato, a história nos ensina, (Clastres 1968, p. 87), que a alteridade oferecida pelos nativos das Américas foi, desde o princípio, interpretada como um “desvio” do caminho da civilização, um símbolo da desrazão. Como nos ensina Clastres, “a Razão ocidental remete à violência como à sua condição e ao seu meio, pois tudo aquilo que não é ela própria encontrase em “estado de pecado” e cai então no campo insuportável do desatino” (Clastres, idem). Tudo se passa então, segundo este autor, como se nossa cultura não pudesse se desdobrar a não ser contra aquilo que ela chama de desatino. Com efeito, coube aos agentes da metrópole combater, exterminar, esse desatino, fosse por meio da “guerra justa”, da submissão à força (vide as ideias defendidas por Sepulveda, supracitado cap. 1), ou por meio da catequese (cf. Viveiros de Castro 2008). Bons ou mal selvagens, o “estado de natureza” destes povos, sua cultura, sua alteridade, estaria, destinada a desaparecer (pela força ou pelo carisma) no horizonte da civilização ocidental. Ideia que – como apontam Clastres (1969) e, posteriormente, Viveiros de Castro (2008) – nunca deixou de informar a relação do Ocidente com as ditas “culturas primitivas”, que se encontram presentes, transformadas, na ideia de que, hoje, estas populações estejam passando por um processo de aculturação. Afinal, tal ideia pressuporia uma espécie de assimetria natural entre as culturas, dispondo-as em uma hierarquia: as culturas nativas, supostamente menos desenvolvidas, primitivas, estariam assim em situação de desvantagem frente ao poderio da cultura ocidental. Naturalmente, o autor não nega que haja entre as civilizações uma assimetria de poder, apenas que:

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Por mais bem sucedido que tenha sido ou esteja sendo o processo de desindianização levado a cabo pela catequização, pela missionarização, pela modernização, pela cidadanização, não dá para zerar a história e suprimir toda a memória, porque os coletivos humanos existem crucial e eminentemente no momento de sua reprodução, na passagem intergeracional daquele modo relacional que “é” o coletivo, e a menos que essas comunidades sejam fisicamente exterminadas, expatriadas, deportadas, é muito difícil destruí-las totalmente. E ainda quando o foram, quando foram reduzidas a seus componentes individuais, extraídos das relações que os constituíam, como aconteceu com os escravos africanos, esses componentes reinventam uma cultura e um modo de vida — um mundo relacional que, por constrangido que tenha sido pelas condições adversas onde vicejou, jamais deixou de ser uma expressão da vida humana exatamente como qualquer outra. (Viveiros de Castro 2008, p.147)

“Uma expressão da vida humana exatamente como qualquer outra”, nota o antropólogo, negando a ideia de que existam culturas mais ou menos autênticas e culturas que sejam mais ou menos frágeis. Com efeito, veremos no decorrer deste trabalho que o conceito de cultura é alvo de uma disputa simbólica – sendo, inclusive, disputado pelos próprios indígenas. Veremos também que, longe de acabar, aquilo que se imagina como sendo a cultura desses povos permanece em transformação – como sempre esteve –, e que, longe de serem dominadas pela cultura da sociedade envolvente, elas a resignificam, transformando-se. Veremos como aquilo que se tende a enxergar como aculturação, como perda de uma cultura tradicional, original, na maioria das vezes esconde um processo de “florescimento cultural”. Veremos como no lugar de desaparecer no contato com o ocidente, estes povos estão reivindicando a autenticidade de suas tradições por meio desta relação, em uma espécie de “orientalismo invertido” (cf. Velho apud Bacal 20096). O ponto é fundamental, pois veremos também como alguns povos indígenas brasileiros respondem (e resistem) à ideia de aculturação por meio do vídeo. Como se tornam partícipes desse “orientalismo invertido” do qual nos fala Velho e produzem imagens “autênticas” de si mesmos.

6 “Ocidente criou a imagem do Oriente, ou imagens do Oriente que identificamos como sendo o orientalismo, estamos, hoje, diante de situações em que o Oriente – isto é -, o não-Ocidente – também produz imagens de si mesmo: 'orientalismos que são “invertidos”, inclusive, em função das expectativas que possam existir a respeito deles mesmos (Velho apud Bacal 2009, p. 145).

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2.1 Intensificação da cultura ou aculturação?

Marshal Sahlins, em seu artigo intitulado “O pessimismo sentimental e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um "objeto" em via de extinção”, se debruça sobre o tema da suposta extinção de culturas nativas por meio do contato com o mundo ocidental. Neste trabalho, Sahlins, apoiando-se nos exemplos fornecidos por diversos outros pesquisadores, atesta que, ao contrário do que se previa, estas populações estão passando por um processo de “intensificação cultural” a partir de sua integração à economia global. O autor se apoia nos trabalhos de alguns etnólogos que convivem com grupos sociais em zonas de contato com a cidade, como é o caso de Salisbury abaixo citado 7. (…) essa “intensificação cultural” é um projeto seletivo e orientado de desenvolvimento integral, que reflete noções tradicionais da “boa vida”, associado a uma promoção explícita da “cultura” indígena — ainda que materialmente fundada em uma articulação com o mercado e por isso, em última análise, ameaçada por uma condição de dependência (Salisbury 1984 apud Sahlins 1997, p.14)

Segundo Sahlins, não faltam exemplos desta “intensificação cultural” proporcionada pelo contato. Como o estudo sobre os efeitos do “industrialismo” entre os Mambwe, da então Rodésia do Norte. Diz-se que, ao conferir eficazmente novos valores e funções às relações políticas e territoriais Mambwe, terminou por dotar as formas tradicionais de chefia e de apropriação da terra de uma relevância inédita. "Os efeitos do industrialismo e do trabalho assalariado", diz Sahlins citando o autor do trabalho, "sugerem que, no processo de mudança social, uma sociedade tenderá sempre a se ajustar às novas condições através das instituições sociais já existentes. Essas instituições sobreviverão, mas com novos valores, dentro de um novo sistema social" (Watson apud Sahlin 1997, 14). Poderíamos citar, ainda, um exemplo mais próximo de nosso campo de pesquisa, a etnografia do antropólogo Cesar Gordon a 7 Note-se que não se trata, aqui, de afirmar o contato como algo positivo para estas populações. Apenas de afirmar que elas dispõe de mecanismos de resistência. Como bem diz Sahlins, “O que se segue, portanto, não deve ser tomado como um otimismo sentimental, que ignoraria a agonia de povos inteiros, causada pela doença, violência, escravidão, expulsão do território tradicional e outras misérias que a "civilização" ocidental disseminou pelo planeta. Trata-se aqui, ao contrário, de uma reflexão sobre a complexidade desses sofrimentos, sobretudo no caso daquelas sociedades que souberam extrair, de uma sorte madrasta, suas presentes condições de existência” (1997).

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respeito da apropriação ritual de mercadorias pelos Xikrin do Catete, povo mebêngôkre do Sul do Pará (2006). Processo que, segundo o autor, vem contribuindo para um aumento da vida ritual deste grupo. Registros apontam para processos semelhantes entre trabalhadores de minas de ouro africanas, que mesmo inclusos (e reclusos) em situações infernais de dependência, encontraram meios de re-inventarem determinados aspectos de suas culturas natais. (…) Há várias irmandades e associações, inúmeros “esquemas” econômicos e “bicos” proliferavam em seus acampamentos. Tudo podia se arranjar com os recursos e relações dos próprios mineiros: alimentos, remédios, bebidas e parceiros sexuais; curas, oráculos ou consertos de bicicletas; encontros religiosos e serviços funerários. E, quando havia um tempo, podiam-se sempre armar jogadas políticas junto aos companheiros de tribo, com os olhos na região de origem. Pois a mina era apenas uma estação intermediária, um recurso na caminhada em direção à obtenção de status dentro da tribo, através do casamento, da independência doméstica e do acesso à condição de homem adulto. Praticando assim os valores e as identidades de sua terra natal, os mineiros foram combatendo a proletarização durante várias gerações. “Mesmo as culturas de resistência”, observou Moodie, “talvez sobretudo as culturas de resistência, não estão desligadas de suas raízes sociais e econômicas” (Moodie apud Sahlins 1997, p.16)

Sahlins nota que o processo não é exclusivo das populações não-ocidentais, pois existem registros históricos de movimentos semelhantes entre os trabalhadores das fábricas inglesas no século XIX, e entre as nações europeias no fim do século XIV, durante período reconhecido como “renascimento”: (...) Há um lugar no planeta, no extremo ocidente, onde vive um povo muito interessante, e que há cerca de uns seiscentos anos atrás se achava inteiramente desprovido de cultura. Ele havia perdido toda a sua sabedoria ancestral ao cabo de inumeráveis invasões de bárbaros, de sucessivas catástrofes, pestes, secas, guerras, o diabo. A partir de certo momento, porém, esse povo começou a se reinventar, criando uma cultura artificial: começaram a imitar uma arquitetura de que só conheciam ruínas ou em velhos escritos, faziam traduções vernáculas de textos em línguas mortas a partir de traduções em outras línguas, tiravam conclusões delirantes, inventavam tradições esotéricas perdidas... Como se sabe, esse processo, que se passou na Europa ali mais ou menos entre os séculos XIV a XVI, ganhou o nome de Renascimento. O Ocidente moderno principia ali. O que é o Renascimento? Os europeus – mistura étnica confusa de germânicos e celtas, de itálicos e eslavos, que falam línguas híbridas, muitas vezes pouco mais que um latim mal falado (isto é, o latim tal qual falado em tal ou qual região

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da Europa, diria Saussure), crivado de barbarismos, praticando uma religião semita filtrada por um equipamento conceitual tardo-grego, e assim por diante descobrem a literatura e a filosofia gregas via os árabes. Refiguram o mundo grego, que não era o mundo grego (ou greco-romano) histórico, mas uma “Antiguidade clássica” feita – como sempre – de fantasias e projeções do presente. Erguem templos, casas, palácios imitativos, escrevem uma literatura que se refere privilegiadamente a esse mundo, uma poesia imitando a poesia grega, esculturas que imitam as esculturas gregas. Lêem Platão de modos inauditos, pouquíssimos gregos, imagina-se. Enfim: inventam, e assim se inventam. E Sahlins conclui: pois é, quando se trata dos europeus, chamamos esse processo de Renascimento. Quando se trata dos outros, chamamos de invenção da tradição. Alguns povos têm toda a sorte do mundo. (Sahlins 1997 apud Viveiros de Castro, 2008 p.159)

Dos escravos africanos dos tempos da colonização aos Xikrin do Cateté dos dias de hoje, dos Mambwe da década de 1950 aos europeus do século XIV, aos olhos da antropologia moderna atestam que o “renascimento cultural”, a reinvenção de um povo, é um fato concreto – mesmo em condições tão adversas, mesmo quando estão imersos num sistema de dominação no qual ocupam lugar inferior na hierarquia social- mesmo nestes contextos, os povos encontram as condições mínimas necessárias para se reinventar (Latour 1996; Sahlins, 1997; Viveiros de Castro, 2008). Poderíamos dizer que nestes espaços encontraremos aquilo que Pratt (1999, p.31) chamou de zona de contato, isto é, “espaços de e no qual as pessoas geográfica e historicamente separadas entram em contato umas com as outras e estabelecem relações contínuas, geralmente associadas a circunstâncias de coerção, desigualdade radical e obstinada”. “Relações contínuas”, com efeito, pois mesmo nestas situações os povos estabelecem trocas simbólicas – como bem notou Fernando Ortiz, ao cunhar o conceito de transculturação (cf. Pratt 1999, p.30). É tendo em vista este tipo de contexto que, a seguir, vamos dispor a forma como o conceito de “cultura” vem sendo apropriado por indígenas brasileiros e como essa apropriação serve à processos de intensificação cultural desses povos. A discussão nos servirá de porta de entrada para a problemática trazida pelo Vídeo nas Aldeias.

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2.2 Vídeo, objeto de índio A bibliografia especializada nota que antes da chegada do conhecimento do vídeo, a escola indígena era a principal forma de resistência cultural destas populações. Por meio da escrita e da matemática, por exemplo, muitos destes povos foram capazes de se libertar do jugo dos fazendeiros locais. No vídeo “Eu já me transformei em imagem”, feito por cineastas kaxinawa em 2008, há um relato de um velho kaxinawa – povo do Acre também conhecido como Huni Kuin – que nos oferece uma pequena descrição deste cenário. Ele nos diz: “Nos anos 1970 começamos a lutar pelas nossas terras. Para recuperar nossos recursos naturais e nossas formas tradicionais de sobrevivência decidimos aprender a escrita e a matemática que foram o instrumento de nossa exploração”. Assim sendo, embasado na fala dos próprios realizadores indígenas, que o vídeo, ao mesmo tempo que radicaliza esse processo de aprendizado, ele traz algo diferente. Como afirma Isaac Pinhanta, cineasta e professor ashaninka – Povo do Acre/Peru falante de uma língua Aruak: “o vídeo traz uma coisa muito mais rica, que é você ver a pessoa falando com a sua própria palavra” (Pinhanta 2004, p.15). Na mesma direção segue a reflexão de Vicent Carelli e Dominique Gallois, antropólogos, fundadores do Vídeo nas Aldeias, quando dizem respeito à forma de comunicação por imagens que o vídeo proporciona: Na comunicação entre povos que falam línguas ininteligíveis, as imagens se impõem sozinhas. Elas abrem espaço para a circulação de características culturais que essas sociedades, inclusive, sempre manifestaram através de gêneros não-verbais: as coreografias de suas danças, os adornos, o gestual característico de diferentes atividades. A simples visualização desses elementos, tão significativa quanto a compreensão lingüística, tem impactos próprios, autosuficientes. Para compreendê-los, basta vê-los. Por ser concreta, por lidar com emoções, a imagem catalisa representações preexistentes, presentes no imaginário de cada povo. Seu impacto sensível permite que as imagens anteriores sejam reconstruídas, atualizadas e refixadas de forma nova. (Carelli & Gallois 1998, p.63)

Assim, diríamos que da mesma maneira que as mercadorias entre os Xinkrin do Cateté, como nos mostra o trabalho de Gordon (2006), o vídeo foi incorporado às aldeias como parte integrante de seu mundo vivido, tornando-se, como veremos, não apenas um mecanismo de resistência, mas também um mecanismo de intensificação cultural (ou re-invenção) e de integração entre os povos indígenas. Isto é, um experimento de transculturação (tanto quanto 30

da cultura nativa com a cultura ocidental quanto das diversas culturas nativas entre elas mesmas). Noutras palavras, sendo essa tecnologia originalmente estrangeira à sua cultura, o uso dela à sua maneira, demonstra uma fusão, relaciona culturas distintas numa espécie de zona de contato interna à própria cultura. Como bem diz Pinhanta em seu artigo para o catálogo da mostra de filmes do vídeo nas aldeias em 2004: (…) Tem gente que diz: Ah! Vocês querem ser branco, né? Todo o povo hoje domina a tecnologia do japonês, mas o japonês não é brasileiro, nem brasileiro é japonês. É a mesma coisa, eu não sou Xavante, eu sou Ashaninka, ele é Xavante. Mas a gente pode se organizar com o mesmo instrumento que o branco usa, mas com o visual diferente, você vai usar de acordo com a sua necessidade, com a sua maneira de pensar. (Pinhanta 2004, p.12)

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2.2 A Cultura dos outros “Você vai usar de acordo com a sua necessidade, com a sua maneira de pensar”, diz Pinhanta. Sua frase corrobora o trabalho de especialistas, como o estudo de Weber sobre os efeitos do ensino escolar entre os Kaxinawa (2006), onde fica claro que o uso de tecnologias (a escrita, o vídeo) e saberes estrangeiros (a matemática), servem aos propósitos locais. Tomemos de exemplo o uso do conceito “cultura” por estes povos, que também é uma apropriação de um conceito estrangeiro, fenômeno que segundo Bacal (2009), se acentuou com a chegada do Vídeo nas Aldeias: (…) Depois a gente foi entendendo, porque vimos mais de quinze povos diferentes nos vídeos e cada um tinha uma maneira dentro da sua cultura. Os Ikpeng tinham uma cultura muito forte. Outros não tinham mais nada da cultura deles mesmos. Então, o pessoal começou a analisar também isso: aquele que já não tem mais nada, aquele tem um pouco, aquele que já está perdendo. A gente terminou o resto fora da aldeia, em São Paulo. Lá o Bebito fez o produto final do trabalho. Quando a gente assistiu o vídeo pronto lá na aldeia, “No tempo das chuvas”, o pessoal começou a se envolver. Foi interessante se ver no vídeo porque surgiu aquela questão da festa, da música não ser a nossa. Aquilo já é de outro povo, vem do contato com outra sociedade. Aí, eu comecei a perceber que o vídeo podia servir para discutir a nossa cultura, organizar a escola, pensar em todo nosso sistema de vida. Por mais que o povo fale sua própria língua, tenha a cultura forte, tem algo de fora que também está entrando ali e a gente não está nem percebendo. Então o vídeo serviu muito nas discussões com a comunidade, por exemplo, para que usar o gravador, para que serve a tv. Foram discussões grandes.(...) A cultura você vai inventando de acordo com a sua necessidade, com a sua maneira de pensar.” (Pinhanta 2004, p. 14)

Com a intensificação do contato (a inserção da escola, do vídeo...), termos e conceitos que até então não tinham grande importância na cultura destes povos, adquirem um significado decisivo no projeto de continuidade social diferenciada destes povos. Assim, o termo “cultura”, se torna fundamental para pensar não apenas a sua própria diferença no seio da humanidade, mas a sua própria continuidade. Como nos ensina a fala de um ancião Panara – povo também conhecido como Krenakore, do Mato Grosso. Cada um tem uma cultura diferente, a nossa cultura é diferente da do branco. O filme serve para não esquecer nossa cultura pra manter sempre viva as nossas festas. Temos que lembrar como plantávamos a nossa roça para a gente nunca esquecer. (...)Eu gostei de fazer o filme sobre a cutia. Essa

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história faz parte da nossa cultura. (depoimento de ancião Panará em vídeo“Para os nossos netos”, 2008).

Na mesma direção, segue a fala de outro realizador indígena, Caimi, um cineasta Xavante – povo também conhecido pela alcunha A´uwe que vive no Mato Grosso. Eles [os velhos] sabem que a cultura é dinâmica, e sempre falam que a nova geração vai ter que lidar não só com as coisas que chegam mas também com aquilo que nos limita, porque estamos cercados por fazendas agora. (Caimi em depoimento para catálogo Vídeo nas Aldeias- 25 anos, 2011, p.69)

A incorporação destas tecnologias – e as linguagens que elas trazem consigo – tiveram assim um efeito catalizador decisivo tanto no desenvolvimento quanto nas formas de expressaõ da auto-afirmacao ̧ ̃ etnica ́ destes povos. Noutras palavras, poder-se-ia dizer que a apropriação do termo cultura, um conceito originalmente estrangeiro aos indígenas, se fez como resistência, da necessidade de dar cabo ao seu projeto de existência social diferenciada. No contato com a cidade, esses indígenas se viram dentro de um sistema de dominação, se viram subjugados pela presença da sociedade envolvente. Portanto a apropriação de bens culturais alheios não se trata, contudo, de uma teatralidade alienada ou cínica. Ela revela, como nos ensina Albert: “um processo politico-cultural ́ de adaptacao ̧ ̃ criativa que gera as condicoes ̧ ̃ de possibilidade de um campo de negociacao ̧ ̃ interetnica ́ onde o discurso colonial possa ser contornado ou subvertido” (2002, p.241). Conclui: A intertextualidade cultural do contato nutre-se tanto desta etnopolitica ́ discursiva quanto das formas retoricas ́ (negativas ou positivas) pelas quais os brancos constroem "os indios". ́ Porem, ́ ela naõ se limita apenas as̀ imagens reciprocas ́ de indios ́ e brancos. A auto-definicao ̧ ̃ de cada protagonista alimenta-se naõ só da representacao ̧ ̃ que constroí do outro, mas tambem ́ da representacao ̧ ̃ que esse outro faz dele: a auto- representacao ̧ ̃ dos atores interetnicos ́ constroi-se ́ na encruzilhada da imagem que eles tem ̂ do outro e da sua propria ́ imagem espelhada no outro (ibidem).

Noutras palavras, os indígenas se reinventam genuinamente a partir dos mecanismos que os brancos tem para inventá-los. No próximo capítulo, vamos observar como o vídeo nas aldeias vem colaborando para esse processo.

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Capítulo III: O Vídeo nas Aldeias, uma escola indígena de cinema

Neste capítulo, veremos como a trajetória da organização Vídeo nas Aldeias é marcada pela apropriação e aprendizado do audiovisual, que a princípio era uma linguagem alienígena aos indígenas, mas que ao passar do tempo se torna um importante mecanismo de reinvenção das suas próprias culturas. Como vimos em Albert (1998), no capítulo passado, a partir do uso do audiovisual os indígenas remanejaram a representação que o homem branco ocidental fez deles por séculos para reinventarem a si mesmos e se comunicar com o mundo exterior à sua aldeia. Mas, comecemos do início, contemos um pouco da história da organização. Em 1986, já haviam dez anos da existência da organização não governamental Centro de Trabalho Indígena (CTI). Até então, em seu trabalho de assistência jurídica e social aos povos indígenas ainda não se utilizava o audiovisual como um meio de comunicação capaz de proporcionar troca cultural e a difusão das formas de vida desses povos à toda a sociedade brasileira. Seu trabalho visava, basicamente, dar apoio para que esses povos pudessem sentar à mesa de negociações políticas, expressar suas expectativas e formas de convívio com nossa sociedade, em prol desse objetivo maior, como meios de documentação se utilizam de fotografias e gravações em áudio. Com a inclusão tecnologia do VHS em 1986 por Vincent Carelli, antropólogo e jornalista integrante da organização, o audiovisual se tornou uma frente de trabalho da ong. Nesse sentido, esse meio de expressão serviria à tradução das formas de vida indígenas para um público mais amplo. Feito que objetivada a desconstrução de preconceitos enraizados na sociedade brasileira a respeito dos povos indígenas. Quando Carelli, passou a levar uma câmera VHS com frequência para as aldeias atendidas pela organização, o seu objetivo era a documentação audiovisual de eventos importantes e fazer o intercâmbio cultural entre diferentes etnias ao assistirem os vídeos uns dos outros. Segundo Gilberto Azanha, um dos fundadores do Centro de trabalho indigenista, a ideia de levar vídeos de um povo para o outro vinha da intenção de quebrar a barreira imposta pela FUNAI com as demarcações de terras, que havia, muitas vezes, separado povos irmãos. Ou seja, neste primeiro momento, a inclusão do Vídeo nas Aldeias era servir como uma ação

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política para mobilização dos indígenas não a de formar cineastas. (Azanha apud Bonvicini 2011, p.31) As imagens produzidas nessa época pelo CTI, não narravam uma “história” com início, meio e fim, elas registravam rituais e cantos inteiros. Pois, o foco da preocupação estava em preservar a tradição para as futuras gerações e não em somente divulgar as suas formas de vida à sociedade brasileira. Aqui, o vídeo servia ao diálogo entre as diferentes gerações da mesma aldeia assim como a membros de outras etnias de línguas distintas. Ao levá-lo de uma aldeia para outra, a principal função desse meio de comunicação, nesse momento, era o de intercâmbio cultural entre os povos. Essas experiências de intercâmbio cultural que todos esses vídeos promoviam ao serem assistido, se torna mais relevante se considerarmos que no Brasil os povos indígenas estão isolados entre si: existem cerca de 210 etnias, falando 180 línguas e mantendo enorme diversidade cultural, multiplicadas pela variação das experiências de contato com a cidade. Portanto, a partir dessas primeiras experiências com o vídeo, a equipe do CTI começou a observar que: Quando esses povos obtêm informações sobre a existência de outros povos indígenas, quando percebem que todos experimentam as mesmas dificuldades no convívio com os “brancos”, quando se sentem, então, muito mais numerosos, eles captam a dimensão da posição de “índio” que lhes reservamos. Aprendem uns com os outros novas formas de interação com a sociedade nacional, constroem alternativas próprias que experimentam primeiro internamente, mas que também estão interessados em divulgar. São novas modalidades de representação que envolvem a reconstrução de sua auto-imagem, um processo seletivo de particularidades culturais, que cada povo realiza em função de sua experiência e de seus interesses no contato. Os povos indígenas se fortalecem em situações de comunicação, nas quais as situações particulares fazem sentido e quando eles podem manifestar respostas culturalmente adequadas. O formato de suas culturas depende, efetivamente, de uma dinâmica de recriação permanente de diferenças, que assumem como afirmação política e que tem muito a ganhar no acesso aos meios de comunicação. (Carelli & Gallois 1998, v. 2, p. 26-31)

Esse “fortalecimento em situações de comunicação” e a “comparação entre as diferenças culturais” que Carelli e Gallois citam acima, surpreendeu os membros da ong, a equipe viu que o uso do audiovisual não proporcionava apenas um intercâmbio cultural, mas do que isso, permite que os indígenas formassem alianças políticas. A imagem produzida também trazia reflexões e questões inesperadas. Virgínia Valadão, também integrante da

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organização, vai dizer algo parecido em sua narração em off8 para um vídeo feito com objetivo de divulgação do trabalho do CTI. Nesse momento, Valadão cita um evento ocorrido entre os Nambikwara9 que exemplifica como esse povo inicia um processo de reconstrução e reflexão de sua auto-imagem a partir do vídeo. (…) O vídeo pode desencadear dinâmicas de grande euforia coletivas. Mas o confronto da autoimagem e a imagem produzida pelo vídeo, sempre conduz a uma reflexão sobre a própria identidade. Os Nambikwara, por exemplo, ao assistirem a gravação de sua festa ficaram decepcionados com a descaracterização do ritual, pela falta de adornos pinturas e o excesso de roupas. Fomos chamados, então, para gravar um segundo ritual, dessa vez com todo o rigor. Mas nunca podíamos imaginar que o vídeo tenham motivado a tomarem decisões tão inesperadas como retomar a furação de nariz e lábios abandonadas há mais de 20 anos (Narração da antropóloga Virgínia Valadão para o filme “Vídeo nas Aldeias” de 1989).

Diante de tal pedido dos Nambikwara, a equipe do CTI filmou novamente o ritual da furação de nariz e lábios, feito que originou o primeiro filme de Vincent Carelli, a “Festa da moça” (1987), com participação de toda aldeia. Com o vídeo pronto, repetiram o mesmo exercício: levaram-no para outro grupo indígena, dessa vez, os Gavião ao sul do Pará. E o efeito foi muito parecido, eles também retornaram com seu ritual de furação de lábios dos meninos10. E desses intercâmbios, entre outros, feitos no mesmo molde, nasceu uma trilogia de filmes: “O espírito da TV” (1990), nele vemos a reação dos índios Waiãpi 11 em que ao verem pela primeira vez suas imagens e principalmente dos Zo'é na televisão, de imediato várias comparações são feitas; “A arca dos Zo'é” (1993), em que registra o encontro entre os Waiãpi e os Zo'é12 ocorrido no Pará na aldeia dos Zo'é; Já no “Eu já fui seu irmão” (1993), há o registro do encontro entre os Paraketejê do Pará e os Krahô do Tocantis que apesar de falarem a mesma língua nunca haviam se encontrado. A partir dessas experiências, Carelli percebeu que as diferenças culturais entre esses povos se fortaleciam à medida que a comunicação entre eles era facilitada por meio do audiovisual. Surge, então, a necessidade do investimento na formação e compra de equipamentos para 8 9

Voz de origem invisível no vídeo que pode explicar a imagem ou não. Muito usada no jornalismo. Os Nambikwara se autodenominam como “Anunsu”. Sua língua pertence à família linguśitica Nambiquara. Segundo dados da Funasa de 2010, sua população tem cerca de 1.950 pessoas que se dividem entre os estados do Mato Grosso e Rondônia. 10 Segundo Carelli (2011, p.47), o vídeo foi exibido para os Gavião foi feito num contexto onde esse povo já se encontrava num processo de retomada de sua tradição, pois dominaram a comercialização de sua castanha e o retorno do uso da própria língua. 11 Grupo residente no Amapá de língua Tupi-Guarani 12 Grupo residente no Pará de língua Tupi-Guarani

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esses grupos continuarem de forma independente o seu trabalho com o vídeo, por isso o projeto de uma escola indígena de cinema, se torna indispensável. Assim, Vincent, Virgínia e Dominique criam o projeto do Vídeo nas Aldeias (VNA). Pois, se antes se fazia necessário o registro simples dos rituais para que eles não fossem perdidos, agora se fazia necessário contar suas próprias histórias, bem como construir projetos identitários e se auto-representar, não só para outros grupos indígenas como para toda a sociedade brasileira. O projeto [Vídeo nas Aldeias] pretendia contribuir a esse movimento, colocando à disposição de povos indígenas a oportunidade de um diálogo adaptado às suas formas de transmissão cultural. O objetivo era tornar acessível o uso da mídia vídeo a um número crescente de comunidades indígenas, promovendo a apropriação e manipulação de sua imagem em acordo com seus projetos políticos e culturais. (Gallois & Carelli 1995)

Nesse período, a antropóloga Dominique Gallois, resolveu introduzir o vídeo em seu trabalho etnográfico que mantinha com os Waiãpi e os Zo'é. De forma parecida às outras experiências que Valadão e Carelli obtiveram em outras aldeias, o audiovisual também teve boa receptividade ali. Além de fazer uma sessão de vídeos na aldeia, a antropóloga organizou junto ao Vídeo nas Aldeias uma oficina de formação. Dessa oficina resultou o vídeo “Nossas festas” (1995). Nesse momento, o VNA já se tornara uma organização independente dos trabalhos do CTI e seguia rumo à constituição de uma metodologia de formação de cineastas indígenas. A seguir, veremos como essa forma de fazer vídeos é fruto do encontro entre a convivência desses antropólogos com os grupos indígenas, assim nascerá uma escola indígena de cinema singular no Brasil. Antes de descrevermos e analisarmos a constituição do VNA, vamos abrir um parêntese sobre o contexto em que o uso do audiovisual se fez tão adequadamente à essas populações. O surgimento do Vídeo nas Aldeias se deu num momento coincidente com alguns eventos tanto no universo da antropologia quanto no contexto político-social do Brasil. Como vimos, na década de 1970 em diante os indígenas e outros grupos populares estavam fortemente organizados em busca por reconhecimento de seus direitos. Assim, em fins do século XX, em especial na segunda metade da década de 1990, os meios de comunicação, notadamente os diretamente ligados à telecomunicação, passaram por transformações acentuadas com a definitiva incorporação de tecnologia digital em sua estrutura produtiva e de transmissão. Neste sentido, a implantação de uma rede receptiva muito disseminada globalmente, inclusive em zonas rurais, “vive-se a expectativa de uma

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comunicação abrangente, em que todos os segmentos da sociedade poderiam expressar suas contribuições específicas à construção de uma nação pluriétnica” (Carelli & Gallois 1998, p.27). E, participar desta rede global de comunicação também se torna a expectativa dos índios. A abertura de novos espaços na mídia representa, para eles, um duplo desafio: o de viabilizar seu espaço e o de controlar a difusão de suas próprias vozes. Por outro lado, na antropologia, questionava-se a respeito das formas tradicionais da representação do outro no fazer etnográfico. O que se colocava em cheque na escrita etnográfica era a relação entre o objeto e o etnógrafo, bem como suas implicações políticas, éticas e estéticas, por isso surge aí uma nova percepção sobre a alteridade e a subjetividade nos trabalhos etnográficos. Essa nova percepção prevê a produção de conhecimento mútua entre etnógrafo e etnografado, assim o sujeito não é observado como se fosse um inseto estudado por um entomólogo, ele se torna partícipe daquela produção, há uma relação de simetria entre as duas partes quanto à produção de conhecimento (Gonçalves & Head 2009, p.18). Fechando o parêntese, veremos que tanto a nova percepção da alteridade e subjetividade no fazer etnográfico quanto o contexto político-social dos meios de comunicação no Brasil tiveram influência na construção de uma metodologia de formação para a escola indígena de cinema e respectivamente como que essa forma de fazer filmes traz características singulares a esses filmes e constituem uma auto-representação desses atores.

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3.1 A construção da escola indígena de cinema. O projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), trabalhando de forma independente ao CTI, ganhou reconhecimento internacional nos meios que discutiam trabalhos inovadores da área da comunicação, assim, prosseguiu por meio de bolsas americanas para artistas, das fundações filantrópicas Guggenheim, MCArthur, Rockefeller, e a apoios da cooperação internacional da Holanda e Noruega. Convidado para muitos festivais de cinema nacionais e internacionais, Vincent Carelli percebeu que ao redor do mundo, povos indígenas já estava pegando em câmeras em prol da resistência cultural. Além disso, as minorias do primeiro mundo, na década de 1980 já haviam dado passos significativos rumo à democratização das mídias e inclusão de indígenas e aborígenes nas universidades. A partir dessa visibilidade e consciência de que outros grupos parecidos ao redor do mundo, a equipe do VNA estava em busca de uma metodologia de formação para a ampliação desse trabalho, pois o ato de levar vídeos de uma aldeia para a outra e gravar as reações de seus espectadores se tornou uma exercício de alteridade que gerava reflexões sobre o próprio modo de vida de quem assistia, no entanto, para que esses povos tivessem independência no uso da tecnologia, era necessário o investimento na formação e na compra de equipamentos que ficassem permanentemente nas aldeias. Por haver cumplicidade e parceria entre antropólogos e os povos com quem trabalham, a entrada da equipe do VNA nas comunidades indígenas resulta, geralmente, em relações agradáveis para todos os lados, o que não é muito difícil de acontecer, pois a chegada da organização é uma demanda da própria comunidade. No entanto, ainda não se sabia como dar aulas de vídeo, como tornar fácil a compreensão de uma tecnologia estranha aos indígenas. A primeira tentativa pela busca de uma metodologia de trabalho foi a oficina interétnica feita no parque do Xingu em 1999, nela foram reunidos 30 índios de partes diferentes do país, uns já trabalhavam com o VNA e outros foram chamados por já estarem usando o vídeo por conta própria, foi um grande encontro entre jovens que não se conheciam. No entanto, a equipe do VNA se deu conta que trabalhar com jovens de etnias diferentes não era algo produtivo porque muitos não falavam a mesma língua e tampouco compreendiam bem o português, por isso decidiram fazer oficinas por etnias, para isso foram atrás de parcerias com ONGs e associações indígenas regionais. Nesse momento, a integração de Mari Correa à 39

equipe foi crucial para o desenvolvimento de uma linha de atuação para as oficinas. Mari é formada pelo Ateliers Varan, uma escola de cinema direto, sediada em Paris. A equipe, então, trabalhou para que o método da escola francesa fosse adaptada à realidade dos indígenas brasileiros. Conforme os integrantes do projeto foram apresentados, percebemos que há uma influência francesa na metodologia das oficinas, não só por serem Vincent Carelli e Dominique Gallois de origem francesa, mas também por Mari Correa trazer o método da escola francesa Ateliers Varan. Esta escola é influenciada pelo cinema de Jean Rouch, antropólogo famoso por seus filmes etnográficos feitos em alguns países africanos. Jean Rouch foi percursor do cinema-verdade13, a partir dos seus filmes etnográficos radicalizou a relação de alteridade com os povos por ele etnografados. Rouch trouxe a subjetividade dessas pessoas para o primeiro plano de seus trabalhos fazendo com que eles se tornassem partícipes da construção do filme etnográfico. Percebemos que nos filmes do Vídeo nas Aldeias, assim como em alguns filmes de Jean Rouch, essa proximidade entre o cinegrafista e quem está diante da câmera também está presente em diversos momentos. Pois, diferentemente dos outros tipos de documentários, muito comuns na TV, que dizem respeito a povos indígenas, e nos quais há uma voz em off explicando as imagens que aparecem na tela, estes filmes trazem as comunidades falando por si mesmas. Ao contrário dos documentários expositivos (Nichols 2005, 146), onde defendem um argumento e tem a convergência perfeita entre o que é narrado em off e o que é mostrado em imagens, estes aos quais assistimos em canais como Discovery channel e National Geografic; no cinema direto14 escolhido pelo VNA, privilegia-se o som direto, aquele onde as vozes dos personagens estão em primeiro plano, sem a

voz em off que caracteriza uma parcela dos documentários

clássicos sobre índios. A passagem da locução em off para a palavra direta é muito importante em termos de um deslocamento autoral, “pois se antes o 'autor branco ocidental' tinha, por intermédio de sua narração, o poder de inventar a cultura do outro para a sua sociedade, esse outro passa a compartilhar essa autoridade ao ganhar o direito à sua própria voz” (Gonçalves, 2009 p. 137). 13Segundo Gonçalves (2008,p.58-61), Jean Rouch diz que a câmera intervém na realidade filmada, ou seja, essa realidade é objetivamente registrada pela câmera ao mesmo tempo em que é provocada por sua presença. Quando o cineasta e etnólogo nomeia sua forma de fazer filmes etnográficos como cinema-verdade aponta para a provisoriedade da construção de uma verdade a qual está buscando-se interpretar. A verdade do cinema é tudo aquilo que se tornaria passível de ser filmado, do mesmo modo que a verdade da etnografia seria o que pode ser escrito. 14No cinema direto o áudio dos diálogos e depoimentos dos atores em cena é gravado ao mesmo tempo da imagem, em sua edição privilegia-se a voz dos atores e não a da narrador em off.

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Dessa forma, o VNA nos revela autores com subjetividade e não objetos de estudo da antropologia. Essa escolha se relaciona diretamente com o momento em que a antropologia se questiona a respeito da subjetividade de seus etnografados, como citamos anteriormente. Contudo, antes mesmo de Carelli descobrir Jean Rouch e o seu cinema-verdade, antes de mais nada, ele diz que o jeito de fazer cinema do VNA é fruto de um estilo de relacionamento, de convivência, de escuta dos povos com os quais trabalham. O método de filmagem é importante, mas se não houver um bom relacionamento e respeito com toda a aldeia o trabalho com o vídeo fica impossibilitado. Nessas comunidades é preciso entender as políticas internas e saber se colocar, se nesse primeiro contato, algo der errado, pode impossibilitar qualquer trabalho. Assim, o VNA trabalha numa produção compartilhada conceito que a a organização cita em seu site como sendo a essência do seu trabalho e guia para sua metodologia. Para entendermos melhor a ideia de produção compartilhada do Vídeo nas Aldeias podemos traçar um paralelo com o método instaurado por Jean Rouch, na etnografia, denominado como antropologia compartilhada. Este método de pesquisa tem como princípio “compartilhar [o fazer etnográfico] com as pessoas que, de outro modo, não passariam de objetos de pesquisa”, fazendo delas sujeitos (Gonçalves 2008, p.62). Dessa maneira, a ong coloca os personagens como protagonistas de todo o processo de produção dos vídeos. Sendo, esses vídeos, frutos de um encontro assim como no método antranpológico citado.

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3.2As oficinas e a sua metodologia Por serem, os grupos indígenas, muito diferentes entre si em sua formação social e expressões culturais, encontrar uma única metodologia de trabalho para uma escola de cinema indígena seria um tanto trabalhoso. Por isso, a partir de relatos da equipe 15 ,podemos entender que, dificilmente, poderíamos traçar aqui uma única metodologia de trabalho que atenderia à diversidade dos grupos indígenas num espaço de tempo de 28 anos de existência do Vídeo nas Aldeias. Contudo, há atuações e objetivos em comum, o própria câmera a qual os indígenas aprenderão a manejar é a mesma que usamos em nossas escolas de comunicação, isso implica num vasto conhecimento acumulado de décadas desde a origem do cinema aos dias de hoje que dão base aos instrutores, e é esse conhecimento que eles se empenharão em traduzir aos indígenas. Dessa forma, podemos encontrar atuações semelhantes nas diferentes oficinas. Outro fator que complica a busca por um método único é a formação das equipes. Atualmente, por ter sérios problemas de financiamento, a organização conta com uma rede de colaboradores que são chamados eventualmente para oficinas propostas por outras organizações em parceria com o VNA. Portanto, cada instrutor, ditará as regras para cada oficina e o sucesso delas dependerá em muito da aceitação e demanda da aldeia. Em entrevista por telefone, Pedro Portela 16, que presta serviços como coordenador de oficinas à organização há 8 anos, afirma que apesar do método mudar de acordo com os instrutores, algumas ações permanecem desde a época em que Mari Correa trouxe o método de gravação do Ateliers de Varan. Isto é, basicamente, menor interferência dos instrutores na hora da filmagem e a busca por um trabalho de autoria por parte dos indígenas. Sendo assim, o que permanece na prática, primeiramente, é a discussão sobre os temas com os quais a aldeia gostaria de trabalhar em vídeo; uma introdução ás noções de fotografia, diz-se nas aulas o que é sombra, o que é cor saturada, brilho e etc; o exercício de sair com a câmera por um dia na aldeia e no fim do dia fazer os visionamentos dessas imagens - dessa forma, os instrutores apontam para erros e acertos - e por último, as sessões de filmes todos os dias. Essas são as ações que permanecem independente do instrutor e da etnia, a interferência do instrutor na filmagem mudará de acordo com a necessidade do grupo que participa da oficina. No fim da oficina cada aldeia ganha um kit com equipamentos para produzir e editar seus vídeos. 15 Há um vasto material com entrevistas de alguns participantes das oficinas no último livro lançado pela ONG intitulado “Vídeo nas Aldeias, 25 anos” e lançado em 2011. 16 Entrevista realizada em 26 de abril de 2014.

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3.3 Os Vídeos Da longa jornada em busca de uma metodologia de ensino às mais de 100 oficinas de vídeo oferecidas aos povos indígenas, o VNA tem mais de 70 vídeos em seu acervo on line que não para de crescer. De toda forma, ao assistir um montante de 20 vídeos desse acervo percebemos que a característica fundamental que perpassa a maioria dos filmes tanto como tema tanto como estilo de abordagem do tema é a relação com a alteridade. A alteridade, aquilo que vem do “outro” sempre foi uma temática recorrente nos documentários das últimas décadas, desde o cinema direto e o cinema- verdade, seja o outro sendo filmado ou o outro se filmando. No entanto, notamos que em algumas obras do VNA há uma descrição da cena feita pelos próprios personagens, esse é um elemento característico de suas produções. Estamos familiarizados – em nossos documentários - com a voz em off de um especialista que explique o que está acontecendo no vídeo ou uma voz que narre uma tese que se torna o fio condutor das imagens, sendo ela o próprio significado das imagens. Ou seja, duas maneiras de olhar de fora um “outro”. Talvez, essas produções de cineastas indígenas estejam mais perto de um deslocamento do seu centro para se tornar um outro também, é que o Bernadet vai defender como sendo a “verdadeira filosofia da alteridade”: Sempre tive a convicção que este “outro” no documentário e em geral nas filosofias da alteridade não passava da falsa solução de um problema mal equacionado. O “outro” é sempre designado por um sujeito, que, para fazer uso desse pronome, tem que se afirmar como sujeito, como lugar de fala, como lugar de onde parte a visão. Ora, a afirmação desse sujeito como centro é a própria negação do “outro”, do reconhecimento da sua existência, porque o nega como lugar de onde possam partir a fala e a visão. Acredito que a filosofia da alteridade só começa quando o sujeito que emprega a palavra “outro” aceita ser ele mesmo um “outro” se o centro se deslocar, aceita ser um “outro” para o “outro”. (Bernadet 2004, p. 8)

Um exemplo emblemático para esse deslocamento do centro para que torne ele também um “outro”, é o filme “Priara-Jo, depois do ovo a guerra”. A narrativa nos leva ao seio da aldeia Panará. Nos tornamos estrangeiros partícipes de uma brincadeira de criança. O filme começa assim: em meio as galinhas, dentro de uma casa Panará tradicional, três meninos conversam a respeito de fazerem algo. O primeiro diz: “Vou pegar numa arma de fogo de verdade, para matar mesmo”, dito na língua dos Paraná. A câmera os pega de frente, eles 43

estão sentados e não olham para ela, aliás, não se incomodam com sua presença em nenhum momento. Até que o mesmo menino continua: “Que tal a gente fazer borduna 17?” E todos se levantam saindo da casa. Num outro plano, os vemos cortando troncos de madeiras com facões para a confecção da borduna, o maior diz: “Vamos matar os Txukarramãe18, eles estão vindo por ali”. Todo o preparo para a guerra continua: os três se alimentam de ovo e tapioca, e o menino que serve o alimento diz para a câmera: “Estou alimentando eles, as mulheres não vão comer o ovo.” Dada descrição olhando para a câmera, é como se eles dissessem que o quê estão fazendo não é um dado, não é obvio para nós que estamos assistindo, por isso é necessário explicar. Aqui ele identifica seu espectador como um outro também. Voltando ao filme; os meninos, que agora são quatro, caminham rumo à floresta com suas bordunas e uma garrafa com urucum dissolvido em água. Com a câmera e o plano fixos a vemos um a um passando diante dela enquanto dizem: “Estou carregando isso para a gente se pintar”; “eu peguei essa tesoura pra cortar o cabelo”. E, continuam sua caminhada. Temos aí duas outra frases descritivas. Esse caráter descritivo permanece até o fim do filme quando eles realmente cortam os cabelos uns dos outros, se pintam e simulam uma guerra como faziam seus ancestrais. Por ora, nos sentimos uma outra criança por somente entendermos como funciona a brincadeira deles a partir do que nos explicam. Diferentemente de documentários feitos por não-indígenas e que tem essas etnias como tema, na maioria dos vídeos produzidos pelo Vídeo nas Aldeias vemos que: “A fala, mesmo quando dirigida à câmera, nunca é explicativa ou analítica, ela é sobretudo descritiva. Mesmo em filmes que apresentam rituais, como na “iniciação do jovem Xavante”ou “O poder do sonho”, os índios descrevem as práticas e as várias fases das cerimônias, e quando explicam será conforme o seu imaginário. Nestes filmes o discurso antropológico ou etnográfico não tem lugar.” (Bernadet, 2004)

O exemplo de “Depois do ovo a guerra” é emblemático quando falamos de uma metodologia de filmagem onde o encontro da equipe do VNA com a aldeia é feito.

17 Diferente do arco e flecha que são usados no di-a-dia para caça, a borduna é usada exclusivamente para a guerra. 18 Povo inimigo dos Panará.

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3.4 O uso do vídeo para além do que se imaginava A descrição de cenas e a fala direcionada à câmera são elementos que prevêem uma relação direta com seu espectador, sendo esta fala de caráter descritivo, como nos disse Bernadet, isso nos leva a um espectador que não é ambientado ao mundo do qual esses sujeitos narram. Esses dois elementos nos indicam que a relação comunicativa daquele vídeo não está atrelada somente aos seus familiares, mas também ao seu redor, o mundo urbano. É a partir dessa reflexão que podemos dizer, portanto, que os vídeos do VNA estão em basicamente três tipos de relação comunicativa: (1) entre membros da própria comunidade, pois refletiram sobre seu modo de vida e planejaram projetos de identidade quando viram as próprias imagens (como no caso dos Nambikwara); (2) a segunda relação acontece entre povos distintos que não falam a mesma língua, mas mesmo assim se veem como “parentes”, pois também são indígenas; (3) a terceira se dá entre esses povos e a sociedade não indígena, esses vídeos já passaram na televisão, é reconhecido nacional e internacionalmente e agraciados com inúmeros prêmios em festivais de cinema. Na comunicação primeira, feita entre os membros da mesma aldeia, há a possibilidade de se enxergar à distância fazendo com que seja viável a análise de si próprio, sendo assim, pode-se fazer ajustes e discutir as próprias formas de vida e projetos de identidade. Como afirma Pinhanta: Foi interessante se ver no vídeo porque surgiu aquela questão da festa, da música não ser a nossa. Aquilo já é de outro povo, vem do contato com outra sociedade. Aí eu comecei a perceber que o vídeo podia servir para discutir a nossa cultura, organizar a escola, pensar em todo sistema de vida. Por mais que o povo fale sua própria língua, tenha a cultura forte, tem algo de fora que também está entrando ali e a gente não está nem percebendo. Então, o vídeo serviu muito nas discussões com a comunidade. (2004, p.14-15)

Pode-se perceber que uma análise parecida com a de Pinhanta é feita pelo diretor guarani Ariel ao gravar o filme “Nós e a cidade” (2009). Este último vídeo, já citado no primeiro capítulo deste trabalho, mostra como os Mbya Guarani vendem seu artesanato na cidade. A fala de Ariel feita a seus parentes discorre sobre a mudança de seus rostos durante a venda. Segundo Ariel as pessoas mudam seus semblantes quando começam a vender o artesanato aos brancos, detalhe que não haveria percebido se não estivesse ali em função do vídeo, como um

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observador em posse de uma câmera. No fim do dia quando os clientes vão embora, Ariel diz aos seus parentes: “Hoje, eu percebi o que acontece aqui, experimente vir sem vender e só ficar observando. Aí, vocês vão ver como os rostos dos Mbya Guarani mudam”. Um outro evento que marca esse tipo de interação que a presença da câmera incita dentro da aldeia é o narrado por Carelli (2011) que nos conta que já aconteceu de “ver um grupo de jovens entrevistando um velho – feliz este por estar sendo indagado – se espantarem com histórias desconhecidas para eles, e chegar até a cobrar do velho: “Por que nunca nos contou isso antes? E o velho responder: porque vocês nunca me perguntaram.” O segundo nível, observado também por depoimentos dos participantes, é a comunicação entre povos indígenas, que não necessariamente falam línguas parentes. A título de exemplo, um relato de Carelli quando o mesmo apresenta seu filme feito entre os Nambikwara, A festa da moça (1987), para uma aldeia de índios Gavião. O filme exibia um rito de passagem de jovens moças para a vida adulta que consistia, entre outras ações, na furação dos lábios delas. Após a sessão do filme feita por Carelli na aldeia, os Gavião decidiram fazer uma retomada do ritual de furação de lábios dos meninos, evento que não realizavam há anos. A chegada desse vídeo na aldeia coincidiu com a retomada cultural e econômica 19 do grupo. Portanto, ao assistirem ao filme dos Nambikwara tiveram mais um incentivo para voltar a fazer o ritual. Esse diálogo interétnico entre indígenas está resultando, hoje em dia, numa rede entre povos indígenas20 . Sendo o vídeo o melhor instrumento para tal feito, nas palavras de Gallois e Carelli: O vídeo é um representante, de fato, um instrumento de comunicação e um veículo de informação apropriado ao intercâmbio entre grupos que não só mantêm tradições culturais diversas, mas desenvolveram formas diferenciadas de adaptação ao contato com os brancos. Diversidade ainda maior pelo fato de estarem extremamente dispersos e isolados entre si, tendo raramente a possibilidade de se conhecer. Mesmo que a extensão dessa experiência ainda se limite a alguns povos, representa uma inovação significativa, tanto no panorama interno dos modos tradicionais de comunicação quanto na conjuntura externa, bastante repressiva com relação aos direitos dos índios na área de comunicação. (Carelli & Gallois 1998, 19 Depois de uma traumática "pacificação" feita pelo governo, ocorrida na década de 1970, na qual perderam 70% da população, os Gavião venceram a crise populacional e reconstruíram seu modo de vida retomando o domínio da venda da castanha. 20 A mérito de exemplo dessa rede, em julho de 2013 mais de 10 grupos de cineastas indígenas se reuniram no contexto do 45º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais na escrita de uma carta reivindicando um acesso mais democrático aos meios de comunicação.

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p.16)

Já no terceiro nível, a comunicação entre esses povos e a sociedade não- indígena, temos o exemplo de diálogo entre aldeia e cidade envolvente que é o episódio descrito também por Pinhanta no qual o seu vídeo cria um elo de ligação entre sua aldeia e a cidade vizinha: Eu levei o No tempo das chuvas (2000) para o secretário de educação de lá. (…) Foi muito importante trabalhar ali perto da nossa aldeia, com as pessoas que discriminavam a gente, dizendo 'Ah! Pra que eles querem tanta terra, índio é preguiçoso'... Eles começaram a ver, através do material didático e do vídeo que eu dei para o secretário, que a gente está se organizando, está se planejando. (2004, p.14-15)

Ao também filmar “Shomõtsi”, filme que narra a história de seu vizinho que foi até a cidade para dar entrada na sua aposentadoria, Isaac percebeu que a aposentadoria também era uma questão relevante para seu povo no contato com a cidade. Por isso também o levou para a exibição em escolas e outras instituições no município, assim conseguiram conversar sobre a aposentadoria e questões afins. O uso que o Vídeo nas Aldeias faz do audiovisual nos mostra sua polivalência comunicativa. Portanto, suas narrativas alcançam objetivos variados e exercem a função comunicacional em diferentes níveis: intertribal, entre aldeia e cidade e entre os próprios membros da mesma comunidade. Portanto, além da sua força política no que tange as reivindicações desses povos por seus direitos, a experiência do VNA também comprova que a apropriação do vídeo pelos povos indígenas pode extrapolar a função instrumental da comunicação. “Comparado com outros instrumentos de comunicação utilizados em programas de “resgate” cultural, a inovação que o vídeo representa tem uma dupla vantagem: sua apreciação passa pela imagem, mas sua apropriação é coletiva” (Carelli & Gallois 1998).

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Considerações Finais Das idas e vindas dos meus encontros com a vida acadêmica da qual esta monografia resulta, a maior proximidade com alguma realidade conclusiva a qual cheguei é a de que o processo de aprendizagem me foi imensamente transformador. Durante a escrita, por vezes, me vi distante de mim mesma, do meu objeto e, sobretudo, do “como escrever” essas pouco mais de 40 páginas. Por vezes, é possível que essas dúvidas estejam transcritas no próprio texto como transparências de mim, pois o “eu” que escreve esteve ali desde o início. Posso dizer que dar lugar à escrita científica aos meus dedos foi um grande exercício de deslocamento do meu olhar, centrado no meu mundo cheio de opiniões, para um objeto de estudo com seu outro próprio universo. Contudo, o maior desafio, sem dúvidas, foi o de fazerme inteligível a outrem, a ação comunicativa com o meu leitor. A comunicação em si é um grande desafio, era no século XVIII, assim como o é agora. Quando me propus a estudar a ong Vídeo nas Aldeias, sabia que estava entrando em um terreno pedregoso (mas não tinha ideia o quanto). Por mais que estivesse ambientada com o universo da antropologia através de pessoas próximas e meus próprios estudos, sabia que não tinha bagagem teórica/conceitual para falar em conceitos como cultura, transculturação, representação, alteridade, e ainda se prestar a uma análise de cerca de 70 vídeos de uma organização com 28 anos de trabalho. Por isso, este trabalho é fruto de um namoro, mesmo que à distância, com a antropologia, principalmente com os filmes etnográficos, onde a pretensão está em tentar trazer à tona algumas das questões que este objeto poderia ter aos olhos da comunicação. Acima de tudo, quis conectar o fazer etnográfico aos estudos de mídia, um pretensioso objetivo para quem teve uma formação conturbada pela vida profissional. Entretanto, a respeito do produto final desse processo de escrita, talvez o fato de, nos primeiros capítulos, ter optado por remontar a trajetória de alguns estereótipos a cerca dos indígenas tenha sido uma tentativa de, a todo custo, buscar entender os motivos que tornou necessária a existência do Vídeo nas Aldeias. Nessa busca, encontrei uma possível origem do estereótipo do “selvagem” atribuído aos indígenas, assim como um debate que trazia à antropologia o conceito de transculturação. Nesse sentido, os estudos de Mary Louise Pratt e Marshall Sahlins serviram como dois pilares teóricos que auxiliaram no entendimento do contexto histórico do qual a criação de narrativas indígenas se fez necessária. Ao entrar em contato com a ressurgência desses estereótipos, dessas “formas que 48

permanecem”, desde as grandes navegações europeias até os dias atuais, percebi, de fato, a urgência de narrativas que falassem o oposto dessas, que nos dessem a ouvir as próprias vozes indígenas. Narrativas estas que revelam diante dos nossos olhos o quanto a distância entre o estereótipo do “selvagem” e a realidade de indígenas que vivem próximos à cidade tem consequências profundas em suas vidas. Portanto, na reconstrução do imaginário europeu até os dias atuais, demonstra-se um cenário no qual a criação de narrativas de auto-representação é primordial para re-significar esse imaginário em prol das populações indígenas. E, mais que a re-significação de um imaginário, vimos como o uso do audiovisual promoveu relações comunicativas em diferentes níveis, vimos que a resistência cultural desses povos se deu numa boa convergência entre esse meio de expressaõ e suas culturas. Portanto, a partir da comunicação vimos que houve um fortalecimento dessas aldeias diante da opressão da cidade, dentre os próprios membros delas e para com outras etnias.

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Referências Bibliográficas

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