Obra Completa de Ricardo Reis

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obra completa de ricardo reis fernando pessoa edição de

jerónimo pizarro · jorge uribe

coordenador da colecção jerónimo pizarro

LISBOA mmx v i

tinta-da-china

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© Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, 2016 Todos os direitos desta edição reservados à Tinta‑da‑china Rua Francisco Ferrer, n.º 6-A 1500-461 Lisboa Tels.: 21 726 90 28/9 E‑mail: [email protected] www.tintadachina.pt Título: Obra Completa de Ricardo Reis Autor: Fernando Pessoa Editores: Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe Coordenador da colecção: Jerónimo Pizarro Edição: Tinta‑da‑china Composição: Tinta‑da‑china (P. Serpa) Capa: Tinta‑da‑china (V. Tavares) 1.ª edição: Outubro de 2016 isbn 978‑989‑671‑345-4 depósito legal n.º 415 911/16

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índice

apresentação  • 9

poesia 1. odes  • 35 2. athena  • 73 3. presença  • 87 4. outras odes e poemas  • 95 anexos  • 177

prosa 1. prefácio ao livro odes  • 199 2. prefácio a alberto caeiro  • 207 3. outros textos  • 285 anexos  • 335 notas  • 375 ordem topográfica das cotas  • 495 índice dos primeiros versos  • 499 índice onomástico  • 505 bibliografia  • 507 notas biográficas  • 511

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apresentação j erón i m o p i z a rro j o rg e u ri be

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Comecemos pela ficção e pela versão que nos é mais familiar. Ricardo Reis, segundo Fernando Pessoa, foi um médico que «nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mez, mas tenho-os algures), no Porto […] um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte [do que Caeiro]»; esse médico, de «um vago moreno mate», teria sido «educado num collegio de jesuitas» – foi «um latinista por educa‑ ção alheia, e um semi-hellenista por educação propria» – e teria saído de Portugal para ir residir no Brasil, expatriando-se volun‑ tariamente, em 1919, «por ser monarchico» (cf. Pessoa, 2013c, pp. 648-649), o que permite supor que o poeta de «Os jogadores de xadrez» (83) não se manteve alheio à tentativa de restauração da monarquia ocorrida no Norte do país. Reis terá nascido em 1887, um ano antes de Pessoa, mas terá tido um segundo nascimento, na alma deste, em 1912 (ou antes), quando primeiro se esboçou, e um terceiro nascimento, mais concreto, em 1914, quando finalmente surgiu. Pessoa dá a entender que o surgimento quase mediúnico de Reis foi contemporâneo do aparecimento quase milagroso de Alberto Caeiro e da irrupção quase triunfal de Álvaro de Campos, embora Caeiro tenha surgido em Março de 1914, e Campos e Reis por volta de Junho do mesmo ano. Mas o mais relevante do relato de Pessoa – o famoso relato da carta de 13 de Janeiro de 1935 – não é tanto a precisão das datas, mas a informação que fornece acerca de uma figura – Reis – que já vivia, nessa altura, há pelo menos 20 anos e meio na alma em que tinha surgido, e que, em princípio, já podia ser descrita com alguma segurança, mesmo que faltasse ainda ob ra c om ple ta de r icar d o r e is

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projecto de odes ricardinas, início de 1917 (48g-21 r)

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Mestre, são placidas Todas as horas Que nós perdemos, Se no perdel-as, Qual n’uma jarra, Nós pômos flores.

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Não ha tristezas Nem alegrias Na nossa vida. Assim saibamos, Sabios incautos, Não a viver, Mas decorrel-a, Tranquillos, placidos, Tendo as creanças Por nossas mestras, E os olhos cheios De Natureza… Á beira-rio, Á beira-estrada, Conforme calha, Sempre no mesmo ob ra c om ple ta de r icar d o r e is

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testemunho dactilografado das «três odes» (51-54 r) nas margens: «emquanto eu vir o sol luzir nas folhas»

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Não só vinho, mas nelle o olvido, deito Na taça: serei ledo, porque a dita É ignara. Quem, lembrando Ou prevendo, sorrira? Dos brutos, não a vida, senão a alma, Consigamos, pensando; recolhidos No impalpavel destino Que não spera nem lembra. Com mão mortal elevo á mortal bocca Em fragil taça o passageiro vinho, Baços os olhos feitos Para deixar de ver.

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Quanta tristeza e amargura afoga Em confusão a streita vida! Quanto Infortunio mesquinho Nos opprime supremo! Feliz o bruto que nos verdes campos Pasce, para si mesmo anonymo, e entra Na morte como em casa; Ou o sabio que, perdido Na sciencia, a futil vida austera eleva Além da nossa, como o fumo que ergue

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«que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida,» (52-26 r)

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Rasteja molle pelos campos ermos O vento socegado. Mais parece tremer de um tremor proprio, Que do vento, o que é herva. E se as nuvens no céu, brancas e altas, Se movem, mais parecem Que gira a terra rapida e ellas passam, Por muito altas, lentas. Aqui neste socego dilatado Me esquecerei de tudo, Nem hospede será do que conheço A vida que deslembro. Assim meus dias seu decurso falso Gosarão verdadeiro.

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Quero ignorado, e calmo Por ignorado, e proprio Por calmo, encher meus dias De não querer mais d’elles.

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Aos que a riqueza toca O ouro irrita a pelle. Aos que a fama bafeja Embacia-se a vida. Aos que a felicidade É sol, virá a noite. Mas ao que nada spera Tudo que vem é grato.

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• 28. O deus Pan não morreu 7 12-6-14. • 29. De Apollo o carro rodou p’ra fóra 8 12-6-14. • 30. A pallidez do dia é levemente dourada 15 19-6-14 ________ • 31. Ao longe os montes teem neve ao sol 6 16-6-14.________ • 32. Não tenhas nada nas mãos 4 19-6-14. • 33. Vem sentar-te commigo, Lydia,    á beira do rio 12 12-6-14. • 34. Sabio é o que se contenta com o    espectaculo do mundo 9 19-6-14. • 35. Só o ter flores pela vista fóra 16-6-14. ________ • 36. Neera, passeemos junctos 20 12-6-14.

Anexo 14 [1917]

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ODES de Ricardo Reis. I. Mestre, são placidas… II. Da lampada nocturna… —― III. Este, seu escasso campo ora lavrando… IV. Não tenhas nada nas mãos… V. Quero, Neera, que os teus labios laves… VI. Ao longe os montes têem neve ao sol… VII. O Deus Pan não morreu… VIII. De Apollo o carro rodou pra fóra… IX. Sabio é o que se contenta com o espectaculo do mundo… X. Os deuses desterrados…  XI. Coroae-me de rosas… XII. Vem sentar-te commigo, Lydia, á beira do rio… XIII. Breve o inverno virá com sua branca… XIV. Aqui, Neera, longe… XV. A pallidez do dia é levemente doirada… — XVI. De anjos ou deuses, sempre nós tivemos… f er nand o p e s s oa

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XVII. Da nossa similhança1 com os deuses… XVIII. Cuidas tu, louro Flacco, que apertando… —― XIX. O mar jaz. Gemem em segredo os ventos… XX. Neera, passeemos junctos… XXI. Não pra mim, mas pra ti teço as grinaldas… XXII. Vós que, crentes em Christos e Marias… XXIII. Não como ante donzella, ou mulher viva… XXIV. Só esta liberdade nos concedem… —― XXV. O rhythmo antigo que ha nos pés descalços…2 XXVI. Não porque os deuses findaram, alva Lydia, chóro… XXVII. Passando a vida em ver passar a de outros… XXVIII. Deixemos, Lydia, a sciencia, que não põe… XXIX. Neste dia em que os campos são de Apollo… XXX. É tão suave a fuga d’este dia… XXXI. Acima da verdade estão os deuses… —― XXXII. Não consentem os deuses mais que a vida… —― XXXIII. As rosas amo dos jardins de Adonis… XXXIV. Antes de nós nos mesmos arvoredos… XXXV. Cada cousa a seu tempo tem seu tempo… XXXVI. Boccas rôxas de vinho… XXXVII. Tirem-me os deuses em seu arbitrio… XXXVIII. Feliz aquelle3 a quem a vida grata…  XXXIX. Olho os campos, Neera… XL. Deixa passar o vento… —― (ultima ode — Só o ter flores pela vista fóra…)

Cumpre a lei, seja vil ou vil tu sejas… • Tuas, não minhas, teço estas grinaldas…  A flôr que és, não a que dás, eu quero… • Cuidas, invio1, que cumpres apertando… ob ra c om ple ta de r icar d o r e is

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Anexo 15 [c. 1923]

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sentimento não é inhibitorio, mas apenas a razão o é. Em determi‑ nadas circumstancias pode tornar-se ◊ Ha só trez9 elementos moraes, isto é, inhibidores10– o medo physico, os instinctos recalcados pela educação11, e a razão. Todo o nosso empenho deve estar em substituir aos dois primeiros o ter‑ ceiro. Isto nunca poderá ser feito senão incompletamente12. Mas o nosso dever é tental-o.

286 [1914-1915]

Ult[im]o cap[itul]o A religião é uma metaphysica recreativa. A obra sanificadora da sciencia tem de ser gradual. Nenhum homem de sciencia quer “revolucionar”, reformar de repente. Aquillo a que é costume chamar “os maus resultados de tirar a crença ao povo” não é senão uma estigmatisação perfeitamente justa dos methodos de cerebros mal educados na sciencia1 que commetteram o duplo erro de julgar que se pode arrancar uma crença a um povo de repente, e de lhe ir pregar absurdos como o que de que “Deus não existe” e “não ha immortalidade da alma”– cousas que ninguem sabe se ha ou não ha, e sobre as quaes a sciencia não tem voz nem decisão. Quantas gerações não serão precisas para a libertação, pela sc[ienci]a, de um povo! Se ainda não foi possivel a libertação, pela sciencia, dos homens de sciencia, e da gente culta!2 Não se deve ir abalar a crença a um ignorante. Deve-se instruil-o. A instrucção lhe abalará a crença. E se não lh’a abalar é que ella está ainda arraigada de mais para poder ser abalada. Fica para outra geração. É mesmo duvidoso se se deva prohibir o ensino religioso. Deve crear-se uma atmosphera de cultura scientifica que o vá lentamente

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«a religião é uma metaphysica recreativa» (52A-32 r)

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Registam-se aqui as variações de cada texto a partir dos originais do espólio de Fernando Pessoa (Biblioteca Nacional de Portugal/Espólio n.Ø  3; BNP/E3). Nas notas podem ocorrer os símbolos seguintes, também utilizados na edição crítica das obras do autor: ◊ espaço deixado em branco pelo autor * leitura conjecturada † palavra ilegível // passagem dubitada pelo autor segmento autógrafo riscado /\ substituição por superposição [↑ ] substituição por riscado e acrescento [↑ ] acrescento na entrelinha superior [↓ ] acrescento na entrelinha inferior [→ ] acrescento na margem direita [← ] acrescento na margem esquerda Nesta secção, as palavras dos editores figuram em tipo itálico. 3 76

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Poema inicial do projecto de 1917 dactilografado (48G­‑21r) e número 25 da versão manuscrita desse mesmo projecto (48G­‑20r). Existem dois testemunhos completos: A (51­‑1r), com título, «A A. Caeiro», assinatura, «R. Reis», e data, «12/6/14», manuscrito a tinta preta em meia folha de papel com a marca­‑d’água Wisconsin Bond | MMC; e B (51­‑9r), sob o título geral «Algumas odes de Ricardo Reis.| Do livro i. das “Odes”, provavelmente», e sob o número de ordem «i.», sem título, sem assinatura, mas com data, «(12­‑6­‑14)», dactilografado a tinta roxa numa folha de papel com marca­‑d’água Wisconsin Bond | MMC, que forma, com as folhas 51­ ‑10r a 51­‑13r, um conjunto que contém 11 odes ricardianas numeradas de «i.» a «xi.». E existe um testemunho parcial, 66­‑75av (ver anexo 1), com os cinco primeiros versos da ode, manuscritos a tinta preta num bifólio de papel timbrado do Cafe Chave D’ouro de Lisboa, com a indicação inicial, sublinhada, «A Alberto Caeiro». Em 66­‑75av também se encontra um texto em prosa intitulado «Como a terra pode ser plana» (anexo 2), um poema intitulado «A Christo» (anexo 3), um fragmento poético destinado ao Fausto pessoano (anexo 7) e outros textos avulsos (anexos 4, 5 e 6). Cf. Poemas de Ricardo Reis (1994b, pp. 87­‑88 e 248­‑250) e Ricardo Reis. Poesia (2007b, pp. 41­‑43 e 328).

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[51­‑9r] [51­‑1r] [Anexo 66­‑75av]

N O TA S

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A [↑ Que nós

A [↑ Qual n’]uma jarra, B Qual n’uma jarra, A [↓ Nós pômos

flores] B Nós pômos flores. A [↑ Na nossa vida…] B Na nossa vida. 11 A verso inexistente. B Sabios incautos, 12 A Não a viver… B Não a viver, 18 A De natureza… B De Natureza… 24 A De estar vivendo… B De estar vivendo. 26 A Não nos diz nada… B Não nos diz nada. 27 A Envelhecemos… B Envelhecemos. 29 A Obedientes, B Maliciosos, 30 A Sentir­‑nos ir… B Sentir­‑nos ir. 32 A Fazer um gesto… B Fazer um gesto. 34 A Ao Deus atroz B Ao deus atroz 41 A Para [↑ aprendermos] B Para aprendermos 42 A Calma tambem… B Calma tambem. 45 A [↓ Da vida ↑ iremos] B Da vida iremos 9

A N E XO 1 [66­‑75av — ms. e riscado]

A Alberto Caeiro. Mestre, são placidas Todas as horas Que nós vivemos, Se no vivel­‑as Nós pomos flores.

perdemos] B Que nós perdemos,

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foi composto em caracteres filosofia e verlag, e impresso na eigal, artes gráficas, sobre papel coral book de 80 g/m2, no mês de outubro de 2016.

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