Obras de circulação não controlada.

May 31, 2017 | Autor: Ynae Cortez | Categoria: Artes Visuais
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO YNAÊ CORTEZ DE MORAIS

OBRAS DE CIRCULAÇÃO NÃO CONTROLADA: caso Antonio Manuel, caso Cildo Meireles e caso Grupo Poro

RIO DE JANEIRO 2015

YNAÊ CORTEZ DE MORAIS

OBRAS DE CIRCULAÇÃO NÃO CONTROLADA: caso Antonio Manuel, caso Cildo Meireles e caso Grupo Poro

Trabalho de conclusão de curso apresentado na graduação em História da Arte, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisitos parcial à obtenção do título de Bacharel em História da Arte.

Orientadora: Prof.ª Michelle Cunha Sales

RIO DE JANEIRO 2015

“As revoluções se produzem nos becos sem saída. ” BERTOLT BRECH

MORAIS, Ynaê. Obras de circulação não controlada: caso Antonio Manuel, caso Cildo Meireles e caso Grupo Poro. Rio de Janeiro, 2015. Trabalho de conclusão de curso – Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A pesquisa consiste em um estudo das obras de circulação não controlada no Brasil, que são obras que circulam de maneira livre sem que seja possível seu controle e sem o intermédio das instituições oficiais de arte. Esse estudo tem como objeto traçar um histórico das obras de circulação não controlada do Brasil ressaltando a importância dessas obras no campo artístico e na esfera político-social a partir da criação de meios de comunicação. Na minha pesquisa parti do estudo da formação do sistema de arte iniciando no mecenato perpassando a Academia de Bela Arte e o atual sistema Marchand-crítico. Na sequência pesquisei as peculiaridades do sistema Marchand-crítico no Brasil analisando o sistema precursor, sua estruturação e atuais característica. A partir do estudo da formação do sistema de arte ‘Marchand-crítico’ analiso obras que circulam de maneira não controlada contrapondo o sistema e o mercado de arte no Brasil. Meu objeto de estudo são as obras: Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles, a Série Clandestina de Antonio Manuel, FMI – Revisando Cildo Meireles e Propaganda política dá lucro!!! de autoria do coletivo Grupo Poro. Na análise dessas obras utilizo texto de críticos de arte brasileiro e entrevistas com os artistas. No caso do Grupo Poro tenho como base a entrevista que realizei com Brígida Campbell uma das integrantes do coletivo. Além dos objetos de estudo no quais me aprofundo também cito outras obras relevantes para a história da circulação não controlada no Brasil, sendo essas: As revistas Horizonte do clube de gravura de Porto Alegre, o jornal Rex Time do Grupo Rex e a série Inserção em Jornal do Paulo Bruscky. Traço um histórico da produção de obras de circulação não controlada no Brasil analisando suas características, seus diversos contextos e sua relevância para a história da arte no Brasil. Concluindo pesquisei a inserção das obras de circulação não controlada no circuito oficial de arte. Palavras-chave: Circulação, Sistema de arte, Meios de comunicação, Cildo Meireles, Antonio Manuel, Grupo Poro

Abstract This study approaches works of art produced in Brazil that circulate in an uncontrolled way, which means they circulate freely, without the mediation of official institutions of art. This study aims to trace the history of art works with an uncontrolled circulation in Brazil highlighting their importance in the artistic and politic spheres through creation of mass media. My research began started with the study of the formation of the art system, from patronage through Academy of Fine Arts and the actual system marchand-critic. From there, I researched the peculiarities of the system marchand-critic in Brazil analyzing the precursor system, the actual structure and its characteristics. After that, my study analyzed works of art which have an uncontrolled circulation counterpointing the system and the art market in Brazil. My object of study are: Inserções em circuitos ideológicos by Cildo Meireles; Série Clandestina by Antonio Manuel, FMI – Revisando Cildo Meireles and Propaganda política dá lucro!!! made by Grupo Poro. While analyzing these works I used texts and interviews of Brazilians critics of art. In the case of Grupo Poro, I based the analysis on an interview that I did with Brígida Campbell, who is one of the members of Grupo Poro. Besides my objects of study, I also studied other arts works relevant for the history of uncontrolled circulation in Brazil, which are: magazine Horizonte by clube de gravura from Porto Alegre, the newspaper Rex Time by Grupo Rex and série Inserção em Jornal by Paulo Bruscky. Analyzing these works I traced a history of art works that have an uncontrolled circulation in Brazil, analyzing their characteristics, the different contexts and their relevance to the history of art in Brazil. In conclusion, I researched the insertion of works of art that have an uncontrolled circulation in the official circuit of art.

Key-words: Circulation, Art System, Means of comunication, Cildo Meireles, Antonio Manuel, Grupo Poro

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração I Revista Horizonte, Porto Alegre, março – abril 1952..........................................................................47 Ilustração II Revista Horizonte, Porto Alegre, Janeiro 1952..................................................................................48 Ilustração III Revista Horizonte, Porto Alegre. Maio de 1951...............................................................................49 Ilustração IV Rex Time n.1, junho de 1966............................................................................................................50 Ilustração V Rex Time n.5, 25 de maio de 1967.....................................................................................................51 Ilustração VI Primeira Exposição Internacional de Art-door.1981.........................................................................52 Ilustração VII Paulo Bruscky. Inserção em Jornal: Poema de Repetição. 1977....................................................53 Ilustração VII – Paulo Bruscky. Máquina de filmar sonhos. 1977............................................,............................54 Ilustração IX – Cildo Meireles. Inserções em jornais. 1970...................................................................................55 Ilustração X – Cildo Meireles. Inserções em jornais .nº 2. 1970............................................................................55 Ilustração XI– Antonio Manuel. Sem título. 1966..................................................................................................56 Ilustração XII– Antonio Manuel. Bala mata fome. Série Flan. 1975…………...............................……………..57 Ilustração XIII– Antonio Manuel. Repressão outra vez eis o saldo. 1973.............................................................58 Ilustração XIV– Antonio Manuel. Repressão outra vez eis o saldo. 1973.............................................................58 Ilustração XV– Antonio Manuel. Deus um clarão no salão poeta virou estrela. Série Clandestina. 1975...........59 Ilustração XVI – Antonio Manuel. PINTOR MOSTRA PÓS - ARTE. Série Clandestina. 1975.............................60 Ilustração XVII – Antonio Manuel. PINTOR ENSINA DEUS A PINTAR. Série Clandestina. 1975......……...…61 Ilustração XVIII - Antonio Manuel. Amarrou um bode na dança do mal. Série Clandestina. 1975......................62 Ilustração XIX– Antonio Manuel. Chupava sangue dando gargalhadas. Série Clandestina. 1975…..…………63 Ilustração XX– Cildo Meireles. Quem matou Herzog? Série Inserções em circuitos ideológicos. 1975 ..............64 Ilustração XXI – Cildo Meireles. Yankes go home! Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970....................64 Ilustração XXII - Projeto cédula: gravar informações e opiniões críticas nas cédulas (papel moeda) – e devolvelas a circulação. Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970..........................................................................65 Ilustração XXIII –Cildo Meireles. Gravar nas garrafas de refrigerante (embalagens de retorno) informações e opiniões críticas, e devolve-las à circulação. Utiliza-se o processo de decalcomania (silk-screen) com tinta branca vitrificada (que não aparece quando a garrafa está cheia pois ai se vê a inscrição contra o fundo escuro do líquido Coca-Cola.) Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970..................................................................................66 Ilustração XXIV – Cildo Meireles. Which is the place of work of art? Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970............................................................................................................................. ............................................67 Ilustração XXV –Cildo Meireles. Molotov. Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970...................................68 Ilustração XXVI - Grupo Poro. Propaganda política dá lucro!!! 2002, 2004,2008 E 2010.....................................69 Ilustração XXVII - Grupo Poro. FMI – Revisando Cildo Meireles. 2002 – 2006.....................................................69

SÚMARIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................................9 CAPÍTULO 1 – MERCADO DE ARTE / SISTEMA DE ARTE.......................................10 1.1 Definição e contexto histórico na Europa...........................................................................10 1.2 Sistema de arte no Brasil precedente ao Boom do mercado..................................................15 1.3 O boom do mercado e suas consequências no sistema de arte no Brasil...............................17 CAPÍTULO 2 –A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA E A CRIAÇÃO DE VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO............................................................................................................20 2.1 A criação da revista Horizonte............................................................................................20 2.2 O jornal Rex Time...............................................................................................................22 CAPÍTULO 3 –A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA A PARTIR DA APROPRIAÇÃO DE VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO................................................................................24 3.1 Inserção de obras de artes em jornais: Caso Paulo Bruscky...............................................24 3.2 Inserção de obras de artes em jornais: Caso Cildo Meireles...............................................28 CAPÍTULO 4 –A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA E A CENSURA: DRIBLANDO A DITADURA.............................................................................................................................30 4.1 Caso Antonio Manuel.........................................................................................................30 4.2 Caso Cildo Meireles.............................................................................................................32 CAPÍTULO 5 – A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA A PARTIR DOS ANOS 2000......36 5.1 Caso Grupo Poro..................................................................................................................36 CAPÍTULO 6 – A ABSORÇÃO PELO CIRCUITO OFICIAL 6.1 Inserção de obras de circulação alternativa no circuito oficial...........................................39 CONCLUSÃO..........................................................................................................................43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................45 ANEXO I: ILUSTRAÇÕES.....................................................................................................47 ANEXO II: ENTREVISTA COM BRÍGIDA CAMPBELL....................................................70

Agradecimentos Primeiramente agradeço a minha família, Vander de Morais, Vania Alves, Antonio de Morais, Laura Alves e Patricia Cortez que sempre me apoiou em minhas escolhas por mais incertas que parecessem e possibilitou ao longo desses cinco anos que eu vivesse no Rio de Janeiro e cursasse essa graduação me dando total apoio pessoal e financeiro .Agradeço a todos os mestres da Universidade Federal do Rio de Janeiro que foram fundamentais na minha formação ao longo da graduação em História da Arte com destaque para a professora Michele Cunha Sales que me orientou no decorrer desta pesquisa me dando total apoio teórico e pessoal. Agradeço aos mestres da Escola de Artes Visuais Parque Laje que ampliaram meu conhecimento e visão das artes visuais com destaque para o professor Franz Manata que ampliou minha visão do sistema de arte e incentivou minha produção artística e teórica ao longo de um ano e meio em que cursei desenvolvimentos de projetos curso por ele ministrado. Aos meus colegas de classe que conjuntamente construímos um amplo conhecimento e com quem convivi integralmente nos últimos anos com destaque para os amigos Felipe Amancio, Christine Alves, Gabriele Nascimento e Mariana Rodrigues.

INTRODUÇÃO O presente trabalho pesquisa as obras de circulação não controlada no Brasil, analisando suas características, modo de circulação, contexto de cada obra. Essa pesquisa traça um histórico dessa produção no Brasil desde o seu surgimento a produção atual. O presente trabalho pesquisa as obras de circulação não controlada que são obras de arte concebidas para ter uma alta circulação, essas obras se caracterizam pela circulação alternativa livre sem a possibilidade de qualquer tipo de controle seja de galeristas, marchants, instituições, público ou do próprio artista. Defini como objeto de estudo as obras: Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles, a Série Clandestina de Antonio Manuel, FMI – Revisando Cildo Meireles e Propaganda política dá lucro!!! de autoria do coletivo Grupo Poro. Além dos objetos de estudo acima definidos também foram analisadas outras obras relevantes para a história da circulação não controlada no Brasil, sendo essas: As revistas Horizonte do clube de gravura de Porto Alegre, o jornal Rex Time do Grupo Rex e a série Inserção em Jornal do Paulo Bruscky. Na análise das obras foram utilizados textos de críticos e historiadores da arte, escritos de artistas e entrevistas com os artistas. Nos capítulos em que analiso as obras abordo suas rupturas tanto no campo artístico como no campo político e social. Dentre essas rupturas dou destaque para sua busca por uma comunicação ampla sem intermédios e sua relação com veículos de comunicação. Pesquisei as diversas relações com os meios de comunicação, entre elas a criação de novos veículos, apropriação de veículos existentes, subversão dos veículos de informação e criação de novos sistemas comunicacionais eficientes. Outra característica marcante dessas obras é o confronto ao sistema oficial de arte/mercado de arte, portanto realizei um breve histórico do mercado de arte/sistema de arte europeu e um histórico do mercado de arte/sistema de arte brasileiro contendo o surgimento das grandes instituições museológicas, primeiras galerias de arte e o boom do mercado nos anos 1980. Por fim discuto a absorção das obras de circulação não controlada pelo sistema oficial de arte/mercado de arte utilizando depoimentos de artistas que passaram por esse processo e textos críticos que comentam a absorção das vanguardas pelo mercado de arte e o modus operante do mercado de arte brasileiro. 9

CAPÍTULO 1 – MERCADO DE ARTE / SISTEMA DE ARTE. 1.1 Definição e contexto histórico na Europa Nessa monografia abordarei trabalhos de circulação não controlada, ou seja, trabalhos concebidos para ter uma ampla circulação, que se caracterizam pela circulação alternativa sem que seja possível qualquer tipo de controle seja de galeristas, marchands, instituições, público ou do artista. Meu objeto de estudo são: a Série Clandestina de Antonio Manuel, Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles, FMI – Revisando Cildo Meireles e Propaganda política dá lucro!!! autoria do coletivo Grupo Poro. Este trabalho traça um histórico das obras de circulação não controlada no Brasil, portanto além dos objetos de estudo acima definidos também serão analisadas outras obras que foram relevantes para a história da circulação não controlada no Brasil. Primeiramente para à análise de obras de arte que circulam de maneira alternativa e criam novos circuitos é necessário compreender o sistema oficial de arte e suas especificidades. Traçarei um breve histórico abrangendo desde o sistema do mecenato na renascença ao atual sistema marchand-crítico1 No século XV o sistema mercantil da arte era constituído a partir da relação entre produtor (artista) e mecenas (cliente). O estatuto do mecenato instituía uma relação serviçal na qual o artista prestava um serviço ao mecenas. O artista trabalhava sob encomenda do mecenas que era um agente que determinava a temática da obra, localização e também a própria criação era acompanhada pelo mecenas e deveria ocorrer conforme suas especificações. Muitas vezes o mecenas especificava o tema, a figura central, a palheta e a qualidade das tintas. Baxandall comenta a relação entre os pintores e o mecenas no século XV:

É importante saber que isso acontecia dessa forma, pois significa que o pintor se encontrava geralmente exposto a uma relação mais direta com um cliente – leigo um cidadão em particular, ou o prior de uma confraria ou de um mosteiro, ou um príncipe ou ainda o mandatário de um príncipe; mesmo nos casos mais complexos, o pintor normalmente trabalhava para alguém identificável, que tivera a iniciativa da obra, escolhera um artista, possuía uma ideia do resultado a obter e seguia a execução do quadro até o fim. ( Baxandall, M. 1991, P. 16)

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Conceito de sistema marchand-crítico disponível peintres XIX’ siècle, 1965. p 157.

em: Harrison e Cynthia White. La carrière dês 10

Embora muitas vezes as encomendas fossem feitas por um indivíduo, as pinturas frequentemente ocupavam lugares públicos como afrescos da capela ou painel do altar. Embora o acesso às obras fosse público as temáticas das obras muitas vezes referiam-se aos próprios encomendadores sejam esses integrantes da elite, membros da igreja ou o estado. O sistema do mecenato e a relação serviçal de artista mecenas foi desestruturado após o surgimento da Academia de Belas Artes uma instituição que centralizou o sistema de arte. Após o surgimento da academia ela passou a ser responsável pela formação dos artistas, gestão da carreira, premiação, venda e circulação das obras. O sistema do mecenato foi substituído por uma relação direta do artista com o revendedor (academia). Surge assim a demanda e consequentemente a especulação que será uma característica marcante do sistema marchandcritico posterior ao sistema acadêmico. O fim do mecenato e a centralização na academia implicou em um sistema de arte pautado na lógica mercantil produtor, produto e demanda. O artista passou então a ser um produtor, assumindo uma posição ambígua de criador de objetos estéticos e produtor de bens comerciais. A circulação do produto era controlada pela academia que circulava somente as obras de arte que obedeciam às regras por ela estabelecida normas que abrangiam tanto a temática das obras quanto a técnica. O sistema de arte acadêmico era totalitário e repressor, reprimia a liberdade de expressão artística e excluía do sistema aqueles que não se submetessem as suas normas. A Academia de Belas Artes passou a ser questionada por artista que criticavam a centralização do sistema de arte e reivindicam um sistema libertário que não se submetesse ao autoritarismo da academia. Paralelamente as reivindicações há um aumento da produção artística cujo sistema centralizado da academia não dava conta de controlar. Uma única Escola de Belas Artes, um único júri e um único salão não eram o suficiente para coordenar toda a produção artística francesa.

A ausência das atividades econômicas das quais a Academia Real havia muito se desobrigado doravante se faria sentir de forma muito cruel. O hotel Drout era o único recurso da estrutura academicogovernamental que permitia vender as obras de arte aos indivíduos. Ademais, a maior parte das vendas por leilão ali organizadas era de antigos mestres ou de antiguidades. O sistema acadêmico não soube nem desenvolver nem cultivar os diversos mercados potenciais que existiam dentro de um público aumentado de compradores, assim como também não soube, na mesma proporção, encorajar a identificação das individualidades artísticas com esses mercados.(White, C e Harrison. 1965, p. 157)

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Simultaneamente a reivindicação dos artistas por um sistema mais livre há um enriquecimento da burguesia e consequentemente o surgimento de novos compradores em potencial. Em resposta a reivindicação dos artistas por uma instituição menos autoritária e excludente o salão é declarado livre em 1848 e o número de pinturas expostas aumentam radicalmente em relação ao ano anterior. A liberação do salão é comentada por Anne Cauquelin:

... reivindicação de um sistema, mais livre, mais maleável, do direito á exposição. Como resultado, o salão é declarado ‘livre’ em 1848, nesse ano 5.180 telas são apresentadas, em vez das 2.536 exibidas em 1847 – uma vez e meia o número alcançado no ano anterior. A partir de 1850, cerca de 200 mil telas são produzidas por ano, obras de cerca de 3 mil pintores reunidos em Paris e de mil outros no interior. ( Cauquelin, Anne. 2005, p. 34)

Mesmo com a abertura do salão a Academia já não conseguia deter o Sistema de Arte na íntegra e sua atuação estava atrasada em relação ao desenvolvimento das linguagens artísticas. Enquanto a academia operava em meio à produção já consolidada pelos cânones da tradição, o novo mercado que se instaurava atuava no campo da especulação investindo em uma arte não oficial.

A academia assegurava a consagração exclusiva da arte oficial, sendo que esse poder de legitimação exercido em regime monopólio não reconhecia estatuto artístico a nenhuma forma de expressão que se afastasse dos seus cânones. A arte moderna ou mais tarde a arte de vanguarda, surge assim como uma arte não oficial, contra os acadêmicos e a arte oficial, criando os seus mecanismos próprios de legitimação no seio da sociedade global, designadamente através da crítica e de uma clientela burguesa. (Melo, Alexandre. 2012, p. 22)

Em contraponto a academia houve uma descentralização do sistema e a abertura do mercado, “ a abertura do mercado converge então em um sistema independente ‘ sistemamarchand-critico.”( White, C e Harrison. 1965, p. 157). Os novos atores do sistema de arte: o marchand e o crítico têm uma relevante importância no mercado de arte. Os marchands surgem como um dos atores essenciais ao sistema econômico de arte sendo eles responsáveis pela venda, exposição e promoção do artista. Aliado ao marchand o crítico também tem uma suma importância tanto no campo econômico quanto cultural, o crítico é responsável pela formação da opinião pública artística, difusão e legitimação do artista. Alexandre Melo comenta o papel econômico do crítico:

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No plano econômico, os críticos são sempre, e inevitavelmente, cúmplices das estratégias comerciais de promoção dos autores a quem dedicam a sua atenção, isto independentemente do conteúdo dos comentários que sobre eles possam produzir. Nesse terreno, portanto, todo moralismo é hipocrisia ou ignorância. Tudo o que os críticos podem fazer é ter plena consciência da perspectiva estratégica e do grau de eficácia do seu discurso para se poderem assegurar de que os efeitos sociais da sua intervenção correspondem de facto à suas opções e posições culturais de base. (Melo, Alexandre. 2012 , p. 59)

No sistema marchand-crítico o crítico é fundamental na legitimação do artista. Muitas vezes no processo de legitimação ocorre um benefício mútuo uma vez que o crítico ao comentar sobre o artista dá destaque a esse e o crítico ao legitimar um artista que se torna conhecido ao mesmo tempo está se legitimando enquanto crítico. Após a abertura do mercado, o crítico passa a atuar em um sistema amplo no qual ele deve apoiar um artista ou um grupo dentre inúmeras possibilidades. Partindo de objetivos financeiros o apoio a um grupo de artista é mais estratégico que a um indivíduo. “O sistema de consumo promove um grupo, não um artista isolado, pela simples razão, calcada no mercado, de que um produto único atrai menos consumidores do que uma constelação de produtos da mesma marca. ”(Cauquelin, Anne. 2005, P 47.)

O crítico representa um reconhecimento oficial de um artista ou grupo, reconhecimento esse muitas vezes aliado a uma especulação financeira dos artistas. O mercado de arte distinguese das leis de oferta e procura, não se trata de uma simples compra e revenda de arte o marchand apoiado pelo crítico investe na figura do produtor (artista). Assim como o investimento publicitário em uma marca os marchands e galeristas investem na figura do artista. Quanto mais o artista está presente no circuito do consumo de massa maior é o seu valor mercantil. O sistema marchand-critico é caracterizado por um amplo investimento nos meios de divulgação, o artista e sua obra passam a ser inseridos em veículos de comunicação específicos como revistas de arte e outras mídias mais abrangentes, muitas vezes também a imagem das obras circulam em objetos comerciais.

… a valorização econômica é prioritariamente função da fama. Na base da pirâmide da hierarquia da fama começam por estar todos os artistas cuja existência é apenas do conhecimento dos comentadores especializados, que são supostos conhecer tudo o que existe e fazer as primeiras triagens. Isto implica que, mesmo para fazerem parte desta base, esses artistas já tiveram de ultrapassar o limiar da inexistência social, ou seja, da ausência de qualquer tipo de reconhecimento público. A partir deste primeiro reconhecimento e das diferenciações que se elaboram no seio desta base, começam a operarse distinções, eliminações ou promoções, a que correspondem a passagem ou não para um nível superior, de que decorre o chegar ou não a ser conhecidos e reconhecidos por frações cada vez mais amplas dos comentadores, do conjunto dos agentes interessados na arte contemporânea e do público em geral. Assim se chega ao topo só atingido pelos artistas super famosos e superconsagrados, já

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caucionado pela história, e que, virtualmente são conhecidos por toda a gente e reconhecidos em todo o mundo. (Melo, Alexandre. 2012, p. 119)

Os atores do sistema de arte controlam além da circulação da arte sua inserção no ambiente cotidiano. Embora uma das causas da formação do sistema marchand-crítico tenha sido a reivindicação dos artistas por um sistema livre não necessariamente os artistas se beneficiaram com esse novo sistema. Quanto mais os objetivos financeiros regem o sistema de arte mais opressor ele se torna. O preço do artista no mercado é determinado pela oferta e demanda sendo que ambos são manipulados, os interesses do distribuidor e do artista muitas vezes divergem e o artista tem que se submeter as tensões do mercado.

O artista se isola de um sistema que lhe garantia a segurança, tornando-se uma figura marginal. Submetido às flutuações do mercado - devidas em boa parte à concorrência, ao número crescente de artistas - ele se aflinge por sua sobrevivência e se coloca na dependência de marchands e críticos. (Cauqueli, Anne. 2005, p. 46)

A subordinação aos marchands e críticos prejudica o artista no quesito financeiro e artístico. Muitas vezes o artista assina um contrato de exclusividade com uma galeria o que lhe garante uma estabilidade financeira, no entanto ele recebe pelos seus trabalhos um valor que varia de 30% a 50% abaixo do valor do mercado. Assim como no mecenato muitas vezes os galeristas também interferem na produção artística. Frequentemente artistas já consagrados pelo sistema cuja mercadoria vendida possui uma identidade são oprimidos ao experimentar novas linguagens e mudar aspectos formais dos trabalhos. Carlos Zilio de et al comentam a interferência do capital na produção artística:

A consequência inevitável de um mercado nesses moldes é a impossibilidade de uma produção que se situe à margem dele. Basta pensar na relação de assalariado - entre aspas- do artista e constata-se assim que a viabialização de uma obra implica a sua transformação em mercadoria. O que coloca o artista, obrigatoriamente, como produtor de mais valia. Não se trata mais de colocar um produto no mercado, mas é a capacidade de trabalho, por um lado, e o próprio trabalho, por outro, que se incorporam como fatores vivos do capital, em seu componente variável na produção de mais valia. (Carlos Zilio. de et al. 1976, p. 181)

Apesar de majoritariamente os artistas se submeterem ao sistema, um trabalho marginal não é impossível. Estudaremos aqui os artistas Antonio Manuel, Cildo Meires, Grupo Poro entre outros artistas brasileiros que subverteram o circuito oficial de arte criando novos circuitos 14

e uma circulação alternativa. Embora reconheça que esses artistas tiveram uma produção marginal em um período limitado que posteriormente foi absorvida pelo sistema oficial esses trabalhos foram fundamentais para uma expansão do circuito e da circulação da arte. Inicialmente contextuarei o sistema de arte brasileiro para compreender que circuito e que tipo de circulação esses artistas estão subvertendo.

1.2 Sistema de arte no Brasil precedente ao Boom do mercado No Brasil o sistema marchand-critico só foi implementando a partir dos anos 1970 juntamente com a consolidação do mercado de arte brasileiro. Anteriormente o sistema de vendas de arte consistia em uma relação direta entre produtor e consumidor sem a intercessão de marchands, galeristas ou críticos. Nessa relação direta os consumidores eram membros da elite e muitas vezes os próprios produtores também pertenciam a essa esfera social. Esse sistema englobou os pintores acadêmicos Pedro Américo, Pedro Alexandrino, Eliseu Visconti entre outros esse sistema ainda perpassou os modernistas da Semana de 22: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Jonh Graz , Vicente do Rego Monteiro , Zina Aita, Yan de Almeida Prado, Antônio Paim Vieira, Victor Brecheret, Wilhelm Haarberg, Hildegardo Velloso, e o grupo Santa Helena composto por Bonadei, Graciano, Martins, Rebolo, Rizotti, Rosa, Volpi e Zanini. A produção desses artistas era vendida diretamente aos clientes, no entanto posteriormente alguns artistas foram incorporados ao sistema marchand-crítico e passaram a ser revendidos em galerias. A galeria Colletio foi uma das pioneiras na inserção destes artistas no mercado de arte. A galeria Collectio foi fundada na cidade de São Paulo e teve um curto período de atuação foi inaugurada em 1969 e declarou falência em 1973 após a morte de seu fundador José Paulo Domingues. Rachael Vallego comenta o acervo da galeria Collectio:

...um importante acervo de obras de arte de expoentes do modernismo. A coleção é composta de obras nas técnicas de pintura, desenho, gravura e escultura que abrangem os seguintes artistas: Alberto da Veiga Guignard, Aldemir Martins, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Antonio Bandeira, Antonio Gomide, Antonio Carlos Rodrigues (Tuneu), Cícero Dias, Clovis Graciano, Charlotte Gross (Duja), Emiliano Di Cavalcanti, Francisco Cuoco, Fúlvio Pennacchi, Guilherme de Faria, Ismael Nery, Ivan Freitas, Maciej Babinski, Marcelo Grasmann, Milton Dacosta, Orlando Teruz, Salvador Dali, Tarsila do Amaral e Vicente do Rego Monteiro. (Vallego, Rachel. 2013, p. 135.)

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Além da galeria Collectio tiveram outros investimentos em inaugurações de galerias no eixo Rio de Janeiro - São Paulo. A partir de 1940 houve o início de um processo de institucionalização da arte com o surgimento de grandes exposições e museus. Em 1947, Assis Chateubriant fundou o Museu de Arte de São Paulo (MASP), no ano seguinte Francisco Matarazzo Sobrinho criou o Museu de Arte Moderna (MAM-SP), em 1949 por iniciativa de Niomar Muniz Sodré Bittencourt é fundando o Museu de Arte Moderna (MAM-RJ), Francisco Matarazzo Sobrinho em 1951 inicia a primeira Bienal de São Paulo e no ano seguinte a Comissão Nacional de Belas Artes fundou no Rio de Janeiro o primeiro Salão de Arte Moderna. Parecia então um ambiente favorável a estruturação de um mercado de arte, nesse período surgiram iniciativas de comercialização da Arte Moderna brasileira. Entre 1958 e 1964 foram inauguradas sete galerias no eixo Rio- São Paulo. A primeira galeria de São Paulo foi inaugurada em 1947, a galeria Domus, iniciativa de Nina Fiocca imigrante italiana que chegou ao brasil após o final da segunda guerra, a galeria Domus encerrou suas atividades em 1953 e cinco anos depois Nina Fiocca aliada a Enesto Wolf inauguraram a galeria São Luis também localizada em São Paulo. Também em 1953 foi fundada a galeria Petite Galerie2 iniciativa de Franco Terranova. No ano seguinte Stefano Gheiman fundou a galeria Astréia em São Paulo. Em 1960 foi inaugurada a galeria Bonino iniciativa de Gioana Bonino. Jean Boghicci inaugurou a galeria Relevo no Rio de Janeiro em 1961 e Emy Bonfim inaugurou a galeria Atrium em São Paulo. Também em São Paulo foi inaugurada a galeria Novas Tendencias em 1963. Em 1964 foram inauguradas duas galerias em São Paulo, a galeria Selearte por Giuseppe Baccaro e a galeria Mirante das Artes iniciativa de P.M Bardi. Embora houvessem iniciativas para uma comercialização da arte nos moldes marchand-crítico a economia brasileira não era propicia e as galerias atuaram por um curto período. Assim como na França na passagem do sistema acadêmico para a abertura do mercado foi necessário a ascensão da burguesia para uma ampliação dos consumidores o mesmo ocorreu no Brasil. As galerias inauguradas anteriormente a 1964 tiveram uma difícil atuação pois não existia um público pré-existente. Somente a partir de 1964 com ascensão da classe média que 2 Bueno, Maria Lúcia. O mercado de galerias e o comércio de arte moderna: São Paulo e Rio de Janeiro nos anos 1950- 1960 Sociedade e Estado. Brasília. Universidade de Brasília. 2005. A autora data a fundação da galeria como 1953, data que também será adotada nesta monografia. No entanto, segundo Pontes, Fernanda. Marchand Franco Terranova morre aos 90 anos. Rio de Janeiro. Jornal O Globo. Coluna Gente Boa. 30/12/2013. Fernanda Pontes data o surgimento da galeria como 1954. 16

foi possível uma estruturação do mercado de arte tendo seu auge nos anos 70. No próximo capítulo abordarei o boom do mercado de arte brasileiro nos anos 70 e suas consequências no sistema de arte no Brasil.

1.3 O boom do mercado e suas consequências no sistema de arte no Brasil A formação de um público comprador de arte só foi possível com o acesso financeiro da classe média aos bens duráveis, assim ampliava-se o público consumidor e consequentemente a oferta do mercado. Brito, Ronaldo do et al comentam o início do sistema marchand-crítico no Brasil.

A política econômica emergente com os governos a partir de 1964 e que veio permitir o estabelecimento de um mercado de arte. A maciça concentração de renda nos chamados escalões superiores estava, obviamente, na base do processo. Foi o que permitiu uma ampla faixa de classe média um maior acesso aos bens duráveis, ampliando assim o espaço possível para a atuação de um mercado de arte. O mecanismo acionado pelo mercado com o objetivo de atrair capitais foi, como se sabe, o de promover uma vertiginosa alta de preços: os leilões eram o palco principal dessa atividade especulativa capaz de proporcionar grandes lucros e garantir liquidez aos capitais empatados. Num período de inflação acelerada entre 1970 e 1973, o mercado de arte chegou a representar uma alternativa considerável no mercado de capitais como aplicação da poupança gerada pelo processo de concentração de renda. A esse fenômeno chamou-se o boom do mercado de arte. (Brito, Ronaldo.1976, p. 184)

O boom do mercado foi um momento de intensificação da venda e revenda das obras de arte, a partir da valorização e especulação do objeto fetiche. O objeto-fetiche é primordialmente o que sustenta o mercado de arte brasileiro, os atores desse sistema estão despreocupados com o produto cultural e seus esforços estão concentrados na preservação, modernização e reinvenção do objeto-fetiche. No sistema de arte brasileiro não há marchands que incentivem as vanguardas, o mercado é excludente e não assimila novas linguagens sua atuação se limita a uma produção já institucionalizada. Ronaldo Brito comenta a atuação do mercado:

Nos últimos anos, o mercado oficial de arte no Brasil utilizou quase exclusivamente um dispositivo de reação cultural - o bloqueio - que não é sequer o mais eficiente. Na defesa do estatuto tradicional da arte, o bloqueio da produção crítica é até certo ponto arcaica, embora sempre presente numa ou outra

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medida. O processo de recuperação é sem dúvida mais ágil e eficaz, até do escrito ponto de vista comercial. Isso porque inclui a apropriação do produto, distante já de seus pressupostos de produção e devidamente inscrito com as marcações da ideologia oficial. (Brito, Ronaldo. 2006, p. 264)

A crítica de arte aliada aos marchands é responsável pela consagração dos artistas e obras. Partindo de objetivos financeiros a crítica muitas vezes valoriza objetos-fetiches sem relevância a história da arte brasileira. Nesses casos os críticos desenvolvem textos que não contextualizam as obras historicamente ou estabelecem relações com o ambiente cultural, pautados em fins comerciais a crítica funciona como publicidade ás obras de arte. Assim o sistema é ainda mais opressor com os artistas cuja pesquisa se distancia do objeto. O opressor sistema de arte não garante uma estabilidade financeira aos artistas nele inseridos pois não apresenta vínculos estáveis entre produtor e comercializador. Atuando sob uma produção já institucionalizada o mercado exclui as vanguardas e a produção experimental. Assim paralelamente ao boom do mercado no anos 70 existia uma relevante produção artística no período que não era incorporada institucionalmente. O mercado de arte no Brasil atua de maneira retrógada com poucos investimentos na produção atual, o mercado age de modo a esperar que os artistas sejam incorporados ao sistema de arte, então os absorve e revende sua produção. Esse procedimento sucedeu-se com a produção dos anos 1970. Ronaldo Brito comenta o processo de institucionalização das obras dos anos 70.

A década de 70 inaugurou um novo período na arte brasileira ao estabelecer vínculos concretos entre produção e mercado. Até então o circuito de um modo geral comportava-se de forma mais ou menos amadora, ou melhor, artesanal. Como é notório, a consolidação do mercado de arte brasileiro - o chamado boom - se fez por intermédio de artistas cujas linguagens eram, digamos, redundantes e que por isso mesmo tinham penetração mais fácil junto ao público. A produção contemporânea, submetida também a pressões mais amplas, foi violentamente recalcada. É claro, no entanto, que não há contradição insuperável entre arte contemporânea e mercado, desde que que respeitadas determinadas condições. Pode-se vender tudo, inclusive as xerox dos conceituais. Como espero ter demonstrado acima, a ênfase na “descoberta” de artistas do passado foi sobretudo uma questão de “timing” comercial. Era necessário criar na cabeça do consumidor ignaro, uma “história” da arte brasileira, eleger os heróis, os mitos de nossa tradição cultural. Talvez estejamos ainda vivendo parcialmente essa fase. Mas aproxima-se o momento (se já não está em curso) em que a produção contemporânea será maciçamente confrontada com o mercado: algumas poucas obras serão bloqueadas, a maioria recuperada e entre essas uma ou outra sacralizada. (Brito, Ronaldo. 2006, p. 264)

A partir do dadaísmo, período no qual as obras de arte deixaram de estabelecer uma relação crítica com o movimento artístico anterior e passaram a questionar a instituição de arte instaura-se uma relação antagônica entre artistas e sistema de arte. De um lado o sistema de arte empenhado na venda de obras, circulação de artistas cotados no mercado, investindo através da publicidade na figura do artista. Do outro lado, artistas que realizam obras de arte que questionam o mercado, as instituições e a posição social da arte. Arhur Danto comenta a subversão das instituições:

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O artista era inevitavelmente cooptado, se quisesse ter êxito, a produzir obras que reforçassem essas instituições amplamente excludentes. E os museus por sua vez, subsidiados por financiamentos de corporações, atuavam como agentes mantedores do status quo. Mas isso significa que os artistas que trabalhavam fora do sistema poderiam ver a si mesmos como agentes de mudança social ou até mesmo uma revolução, não mais imaginados levantando barricadas, arremessando paralelepípedos e virando carros de pernas pro ar, mas fazendo uma arte que, para usar um termo que quase se tornou favorito; subvertia a situação institucional burlando a desconstrução de instituições tidas como opressivas. ( Danto, Arthur. 2006, p. 161)

No Brasil, a consolidação do mercado de arte só ocorreu nos anos 1970, no entanto paralelamente a sua consolidação e em poucos casos anteriormente já existiam artistas realizando trabalhos que subvertiam as instituições oficiais de arte. Nos próximos capítulos, analisarei trabalhos que se apropriaram ou criaram meios de comunicação que possibilitaram uma circulação alternativa das obras de arte.

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CAPÍTULO 2 –A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA E A CRIAÇÃO DE VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO. 2.1 A criação da revista Horizonte A partir de 1950, nota-se nos gravuristas brasileiros principalmente aqueles favoráveis as ideias socialistas uma preocupação com a circulação social da arte. Nesse período, predominam obras esteticamente realistas e em seu conteúdo destacam-se temáticas populares como os trabalhadores rurais e urbanos, lavadeiras e sertanejos. Por se tratar do período da Guerra Fria também se destacam temáticas ligadas a campanha da paz que exigia posturas pacificas das nações e criticava atitudes violentas. Diversos artistas atuaram nessas vertentes entre eles: Kaethe Kollwitz, Alfredo Zalce, Leopoldo Mendes, Chaves Morado, Edgard Koetz, Vasco Prado, Danúbio Gonçalves, Potty Lazzaroto, Virginia Artigas e Carlos Scliar. Os gravuristas viam na reprodução proporcionada pelos novos meios de reprodução técnica da imagem um recurso para um grande alcance popular. Historicamente a gravura já havia desempenhado um papel importante na comunicação social no México. Na revolução social mexicana iniciada em 1910 gravuras foram vastamente distribuídas pela cidade e pelo campo, a gravura mexicana ilustrava cartazes e panfletos que convocavam a população para a revolução social. No Brasil não houve uma distribuição urbana das gravuras, no entanto artistas como Virginia Artigas e Carlos Scliar circulavam seus trabalhos de ilustração e gravura em jornais, livros e revistas, uma maneira alternativa de transmitir suas mensagens e difundir suas obras. A possibilidade de uma circulação com maior alcance popular levou artistas brasileiros a criticarem a circulação tradicional vinculada a instituições de arte. Comenta Aracy Amaral:

Essa efetividade de comunicação, bem clara em trabalhos de Virginia Artigas e Scliar seja na primeira como ilustradora, seja no segundo em gravura, ocorre, pelo próprio veículo ( o jornal e a gravura) com dois públicos diversos. O que faria com que outros artistas, interessados também nessa problemática, não aceitassem os trabalhos dos gravadores do Sul, por alegarem que embora sua temática fosse baseada no assunto rural ou no trabalhador urbano, continuava circulando dentro do círculo “artístico”, ou seja em galerias e no ambiente convencional da arte.”( Amaral, Aracy. 2003, p. 176)

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Motivados por uma circulação democrática da arte o Clube de Gravura de Porto Alegre fundado por Vasco da Gama e Carlos Scliar desenvolveu sua própria revista. A revista Horizonte3 foi originalmente fundada por Scliar, Vasco da Gama, Lila Ripoll, Demétrio Ribeiro e Nelson Souza em 1949. Comentam os autores na primeira edição:

“HORIZONTE é uma revista de intelectuais de vanguarda. Nossa arte, portanto, estará a serviço do que, na sociedade humana e em nossa terra, represente o que há de novo, de progressista, que consulte às mais nobres aspirações da Humanidade e de nosso povo. [...] Cremos que a verdadeira arte só pode ser aquela que represente o nosso povo e seus anseios, sirva-lhe de estímulo em sua luta por melhores dias e pela emancipação nacional. [...] Queremos ser os herdeiros do que há de melhor e progressista em toda a Humanidade, das mais nobres tradições do Brasil e do Rio Grande e, como os grandes artistas do passado, pomos a nossa arte a serviço de nossa Pátria e de nosso povo. ” (Revista Horizonte n.1. 1950,

p. 1-2)

A revista Horizonte circulou no estado do Rio Grande do Sul entre 1949 e 1956. Seu conteúdo era direcionado a assuntos culturais que envolviam debates de arquitetura, artes plásticas e literatura. Alguns membros do Clube de Gravura de Porto Alegre eram filiados ao partido comunista e a revista também possuía uma vertente política com assuntos relacionados à Campanha da Paz e posicionamentos dos intelectuais de esquerda (ilustração I). Os membros do clube de gravura financiaram quatro edições da revista e as outras edições foram subsidiadas pelos associados do Clube de Gravura de Porto Alegre. Diferentemente do que ocorreu no México as gravuras não eram distribuídas pelo campo e meio urbano, sua circulação se limitava aos membros do clube de gravura que eram informados sobre a capa que consistia em uma gravura original que podia ser recortada e colecionada (ilustração II e III).

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A Revista Horizonte era um periódico diretamente ligado ao Partido Comunista do Brasil. Os dois gaúchos, já renomados no meio artístico nacional e militantes comunistas à época, receberam a tarefa de reorganizar o periódico com vistas a divulgar a ideologia e os programas do partido, em especial aquele relacionado às campanhas pacifistas, após voltarem de uma temporada na Europa. Lá, com militantes de todo o mundo, eles haviam participado ativamente dos congressos que deram origem ao Movimento Mundial pela Paz em 1949 – que logo se tornou a principal campanha dos Partidos Comunistas de todo o mundo. (Castro, Cassandra. O CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE: ARTE E POLÍTICA NA MODERNIDADE. Em Acesso em 22 de Abril de 2015.

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2.2 O jornal Rex Time Na cidade de São Paulo um grupo de artistas também realizou o seu próprio veículo de comunicação. O Grupo Rex foi formado em 1966 pelos artistas: Geraldo de Barros, Nelson Leirner, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e José Resende. O Grupo Rex tinha na sua ideologia um confronto ao circuito tradicional assim como a busca por novos meios de circulação e comunicação. A oposição ao sistema oficial de arte sempre esteve presente na atuação do Grupo Rex, buscando circuitos alternativos eles criaram sua própria galeria à Rex Gallery & Sons a fim de intervir diretamente no circuito de arte. Relatam seus integrantes: “A atuação do grupo busca novas formas de apresentação da arte sempre em processo, bem como outros tipos de comunicação com o público, em franco embate com o circuito tradicional do mercado e das mostras de arte e com a crítica de arte dominante. ” (Grupo Rex. 2006, P. 152). Quando o grupo inaugurava uma exposição na Rex Gallery & Sons ao invés de um catálogo era lançado um jornal boletim o Rex Time. O jornal Rex Time geralmente continha quatro páginas e circulou de 1966 á 1967 mesmo período de duração do grupo. O conteúdo do jornal era referente a assuntos culturais que envolviam os integrantes, conteúdos culturais externos, quadrinhos, reproduções de obras e textos de cunho político. Muitos dos textos e quadrinhos publicado no Rex Time criticam o circuito tradicional, instituições museológicas, o mercado e seus atores. O conteúdo apresentado era caracterizado pela irreverência e humor. Muitas vezes eram publicadas matérias ambíguas, absurdas, informações contraditórias e muitos jogos de palavras. Inclusive o próprio título Time é um jogo de palavra pois se assemelha ao jornal inglês “taime”, no entanto o título do jornal é Time em português referente à equipe, grupo. A primeira edição foi lançada junto com a abertura da galeria Rex Gallery and Sons no dia 3 de junho de 1966. Na primeira edição do Rex Time o grupo já declarava guerra ao circuito oficial de arte.

Aviso: É a Guerra” é o título do editorial escrito pelo poeta e jornalista Thomaz Souto Corrêa, que anuncia: “Tem gente que, depois de pensar e sofrer bem, achou que, do jeito que está, a situação das artes plásticas no Brasil não pode continuar. E, sempre pensando bem e sofrendo mais ainda, eles resolveram dar um grito de ‘basta!’. (...) Essas gentes são os Rex, que me pedem comunicar, e eu comunico”. (Lopes, Fernanda. 2006, p. 18)

Importante destacar que o grupo declarava um confronto direto ao mercado em 1966, mas a consolidação do Mercado de Arte brasileiro só aconteceu em 1970. José Rezende afirma 22

trinta anos depois “éramos contra o mercado antes mesmo dele existir” (Rezende, José. 2006, p. 23 ). Embora o grupo confrontasse um mercado inexistente, esse confronto era muito produtivo pois a crítica ao circuito oficial consistiu na formação de um circuito próprio do Grupo Rex. O grupo tinha a sua atuação independente do sistema oficial possuindo sua própria galeria, espaço expositivo, conteúdo teórico e seu próprio veículo de circulação. O Rex Time teve cinco edições A segunda edição a única que possuiu apenas duas páginas foi lançada em 9 de setembro de 1966. A terceira edição foi lançada em 21 de outubro de 1966, a quarta edição foi publicada em 10 de março de 1967. A quinta e última edição publicada em 25 de maio de 1967 relatava os motivos de encerramento do grupo e trazia um balanço de suas realizações no período de dois anos. A criação de veículos independentes como a revista Horizonte e o Rex Time enfrentam a dificuldade de conquistar leitores. No caso da revista Horizonte os leitores consistiam nos associados do clube de gravura e no caso do Rex Time o público eram os frequentadores da galeria Rex gallery & Sons. Portanto, esses veículos apesar de serem uma circulação alternativa não tiveram um grande alcance popular.

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CAPÍTULO 3 –A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA A PARTIR DA APROPRIAÇÃO DE VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO. 3.1 Inserção de obras de artes em jornais: Caso Paulo Bruscky Visando apropriar-se desta vasta circulação dos veículos tradicionais o artista Paulo Bruscky por exemplo ao invés de criar seu próprio veículo o artista comprou espaços nos jornais, dessa maneira o artista fez com que sua obra de arte circulasse dentre o público já leitor do jornal. A inserção de obras de arte em jornais além de ser um meio de atingir um grande público também aproxima a arte do cotidiano. A aproximação da arte do cotidiano e sua não restrição a museus e galerias ocorre de diversas maneiras, mas indubitavelmente a inserção da arte em objetos cotidianos é uma estratégia eficaz. “ O espaço da arte contemporânea salta da superfície da tela, adentro pelo mundo e interfere no cotidiano” (Tejo, Crtistina. 2006, p.9). A circulação da arte no cotidiano implica não apenas no confronto ao sistema de arte, mas também na democratização desta. “A criação de novos sistemas de circulação é uma forma de circular uma obra anti-burguesa, anticomercial e anti-sistema.”(Bruscky, Paulo. 2006, p. 23) Na história da arte o confronto as instituições de arte não são recentes. Analisando historicamente, no confronto a instituição de arte a importância do dadaísmo é inegável. Duchamp, por exemplo, confrontava o sistema de arte através do deslocamento de objetos cotidianos e a inserção desses no circuito oficial. Este deslocamento resultava em uma ressignificação do objeto que ao ser exibido em uma instituição de arte adquiria o status de arte.

O fato de Duchamp assinar os ready mades guarda uma clara referência à categoria de obra. A assinatura que legitima a obra como individual e irrepetível, é aqui impressa diretamente sobre um produto em série. Desta forma, a ideia da natureza da arte, assim como ela se formou desde o Renascimento – como criação individual de obras únicas -, e questionada em tom de provocação; o próprio ato da provocação assume o lugar da obra. Mas com isso se não se torna obsoleta a categoria de obra? A provocação de Duchamp se dirige contra a instituição social da arte como tal; na medida em que a obra de arte pertence a essa instituição, esse ataque vale igualmente para ela. (Burguer, Peter. 2008, p.107)

O movimento dadaísta diferentemente das vanguardas precedentes não busca uma ruptura com a vanguarda anterior, mas um confronto à instituição de arte, seu sistema e sua influência sobre a produção artística. No entanto a partir do momento que a produção dadaísta é absorvida pelo sistema de arte ela deixa de ser uma oposição ao sistema de arte e passa a ser

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parte integrante deste. Mesmo que atualmente o dadaísmo seja parte do sistema oficial de arte o movimento deixou seu legado no confronto à instituição de arte.

O dadaísmo inaugurou uma velocidade e experimenta uma mobilidade com vista à criação de novos esquemas, que acabou por se tornar para o artista contemporâneo uma necessidade imediata: é sua obrigação andar mais depressa que o mercado, aprofundando o seu trabalho de modo a adiantar-se ao inevitável processo de absorção e transformação ideológica de seu produto. (Brito, Ronaldo.2004, p.32)

Absorvido o dadaísmo pelo sistema de arte e a anulação da sua crítica a este, o ready made perde seu caráter de confronto a instituição. No entanto a insatisfação com as instituições artísticas e consequentemente a circulação da arte são questões que ainda afligem e motivam artistas. Preocupados com a influência do sistema de arte na produção artística, artistas brasileiros desenvolveram estratégias de confronto e subversão do sistema de arte. Paulo Bruscky expressa sua insatisfação:

...numa época onde a comunicação, apesar da multiplicidade dos meios, tornou-se mais difícil, enquanto que a arte oficial, cada vez mais, acha-se comprometida pela especulação do mercado capitalista, fugindo a toda uma realidade para beneficiar uns poucos: burgueses, marchands críticos e a maioria das galerias que explora os artistas de maneira insaciável. (BRUSCKY, Paulo. 2006, p.163)

Uma das estratégias utilizadas por Bruscky para a subversão do sistema foi a inserção de trabalhos em veículos de comunicação. Assim o artista cria um novo sistema de circulação da arte a partir da apropriação de um sistema de circulação já existente. Ao inserir a arte em jornais, Paulo Bruscky realiza processo contrário ao de Duchamp ao invés de deslocar o objeto cotidiano para o circuito de arte Bruscky insere a arte no circuito do objeto de consumo.

A noção de ready made como um pacote para comunicar ideias implicava importantes questionamentos das funções semióticas visuais do objeto a fim de produzir significados relacionados com sua posição estrutural num circuito ou contexto social mais amplo [...] A proposta conceitual procura, pois, transformar o modo como o ‘participante receptor’ reage as situações específicas que recriam nosso lugar na estrutura social e política, e por fim a utilização de teorias da comunicação da informação por parte dos artistas latino-americano para investigar os mecanismos através dos quais os significados são transmitidos ao observador. [...] os artistas se apropriam da imprensa, painéis informativos, televisão, quer em qualquer outro meio tecnológico de informação para uma obra em que o medium é a mensagem. ( Tejo, Cristiana. 2009, p. 10)

Ao deslocar a exibição da obra das instituições museológicas para um objeto do dia-adia, Bruscky aproxima a arte do cotidiano pelo viés da sua circulação diferentemente dos 25

artistas predecessores cuja aproximação da arte do cotidiano se dava através de seu conteúdo. Em referência a aproximação da arte do cotidiano Bruscky criou o neologismo COTIDIARTE palavra criada e muito utilizada em trabalhos de arte-correio pelo artista na década de 1970 para designar essa relação intima entre arte, cotidiano e a indistinção desses espaços. Comenta Cristina Freire:

Como artistas e poetas, sempre defenderam a ligação absoluta entre arte e política, sendo a “imaginação no poder” o seu lema. Acreditavam que as transformações deveriam tomar lugar no cotidiano, no uso que se faz da cidade pela apropriação subversiva das representações coletivas. A intervenção nos meios de comunicação de massas, como os classificados dos jornais, alinha-se a esse programa artístico/revolucionário. No caso da arte classificada, este lapso entre a leitura automática e cega dos classificados e a pausa poética irreverente forçada pelos anúncios non-sense, revela uma estratégia de guerrilha urbana em favor da poesia, sufocada pelo hábito e pela mediocridade vigente. (FREIRE, Cristina. 2006, p.46 )

A aproximação arte-cidade através de sua inserção no cotidiano é visível em diversos trabalhos do Paulo Bruscky, através da inserção da arte em locais que tenham como característica uma grande visibilidade, ampla circulação e que apresentem brechas que permitam a inserção de trabalhos que muitas vezes criticam a sociedade do consumo e o regime ditatorial na década de 1970. Uma das estratégias utilizadas por Paulo Bruscky para uma grande circulação de informação que não se submetesse a censura e ao mesmo tempo criase uma rede de comunicação foi a Arte Postal. Comenta Bruscky:

Esta arte encurtou as distancias entre povos e países proporcionando exposições e intercâmbios com grande facilidade, onde não há julgamentos nem premiações dos trabalhos, como nos velhos salões e nas caducas bienais. Na Arte Correio a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto a denúncia. (BRUSCKY, Paulo. 2006, p.163)

A Arte Postal durante os anos 60/70 foi responsável por inúmeras rupturas na arte brasileira como a criação de uma rede internacional de comunicação entre artistas, utilização de um meio de circulação isento da censura durante o período ditatorial, confronto ao sistema oficial de arte, aproximação da arte do cotidiano e ruptura com o espectador passivo. Segundo a autora Cristiana Tejo a Arte postal foi a melhor maneira de driblar a censura “O sistema de circulação dos correios e os novos meios que surgem (como o fax) são a melhor maneira de furar a censura tanto da ditadura militar quanto da distância territorial de seus pares” (Tejo, Cristiana. 2009,p. 11).

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Embora a Arte Postal apresente uma circulação alternativa e pense maneiras de atingir a um grande público se comparada com os trabalhos inseridos em veículos de informação percebe-se que sua circulação é limitada por não se tratar de um meio reprodutível com a possibilidade de inúmeras tiragens. O destinatário da Arte Postal ainda é restrito em comparação à dos meios de comunicação. A autora Cristiana Tejo comenta o interesse de Bruscky pelas técnicas reprodutíveis:

O interesse pela fotografia (e consequentemente, pela técnica de reprodutibilidade e pela noção de múltiplo) e pelas vanguardas históricas são elementos fundamentais de sua formação. O artista relembra que já no final dos anos 1960, refletia sobre a arte ser informação. (Tejo, Cristiana. 2009,p. 11)

Na obra de Paulo Bruscky a subversão da circulação da arte através da inserção da arte em meios de circulação se dá em duas vertentes: a primeira através da exposição Artdoor em 1981 que ocupava outdoors da cidade de Recife com cento e oitenta trabalhos de vinte e cinco artistas de diversos países. A mostra Artdoor foi realizada novamente no ano seguinte em vinte e duas cidades. A utilização do outdoor como suporte subverte um veículo cuja finalidade é mercantil e ao mesmo tempo subverte o mercado de arte ao criar um novo espaço para exposição com uma visibilidade do trabalho de arte maior do que a proporcionada pelas instituições de arte. Embora no outdoor a arte tenha uma grande visualidade sua circulação é limitada devido ao não deslocamento espacial deste, portanto apenas quem passar pelo local tem acesso ao trabalho semelhante ao que ocorre nos museus e galerias, outra limitação na circulação ocorre pelo tempo que a obra fica exposta sendo este limitado pelo contrato de locação do outdoor, quando encerrado a obra sai de circulação.

E a gente decidiu que ia usar o outdoor como suporte, como obra. Recife tem uma geografia perfeita para isso porque é plana. Mas a gente não conseguiu patrocínio, até que um prefeito, que era um cara culto, se interessou. A exibição durou 15 dias, que é o tempo que dura uma publicidade. (Bruscky, Paulo. 2014. Caderno 2)

A segunda vertente da inserção da arte em meios de circulação na obra de Paulo Bruscky se dá através da inserção em jornal cujo destaque visual é inferior ao outdoor no entanto a circulação é vasta com uma ampla tiragem e sem limites espaciais, mesmo que após o dia de 27

publicação os jornais são retirados da banca sua circulação ainda é possível através daqueles que o adquiriram diferentemente do outdoor. Cristiana Tejo comenta a relevância da ocupação de espaços públicos no trabalho de Bruscky.

No caso de Paulo Bruscky e de muitos de seus contemporâneos brasileiros, ocupar o espaço público é encurtar o caminho da mensagem, que não precisa necessariamente do mediador (instituição) para chegar até o receptor (público). Significa livrar-se de uma mediação cerceadora e garantir uma vida paralela e vibrante ao circuito oficial de arte. (Tejo, Cristiana. 2009. p. 33)

A busca por uma circulação livre isenta do intermédio de instituições museológicas é uma questão que também interessou a outros artistas do período. Contemporaneamente ao Paulo Bruscky outros artistas que veremos a seguir também pensavam maneiras de criar circuitos alternativos e uma circulação da arte independente das instituições. 3.2 Inserção de obras de artes em jornais: Caso Cildo Meireles A utilização do jornal como veículo para circulação da arte também foi utilizada no trabalho Inserções em jornais de Cildo Meireles em 1970. O projeto consistiu na inserção de publicações do artista em espaço dos classificados de jornais de ampla circulação no Rio de Janeiro. O artista comenta a sua concepção de inserção: “ Inserções existem na exata medida em que deixam de ser obras de uma só pessoa e provocam respostas por vários outros participantes dentro de um mesmo sistema de distribuição. ” (Maia, Carmem.2009, p. 56). No entanto a prática da inserção como uma rede que possibilita respostas do público só foi desenvolvida posteriormente pelo artista. Em Inserções em Jornais o artista ainda é o único autor do anuncio, sem receber respostas dos leitores. Inserções em Jornais foi realizado duas vezes a primeira em 13 de janeiro na qual o artista publicou o anuncio: “ Área n1 Gildo Meireles 70 (figura 9). Segundo Cildo o anuncio não foi publicado conforme ele desejava. “O primeiro anuncio não saiu como eu queria A ideia era ter uma clareira, um espaço inteiramente branco, demarcando um território numa página de classificados. ” (Scovino, Felipe. Cildo Meireles. 2009, p.248) A segunda publicação foi realizada no dia 13 de junho de 1970 seis meses após a primeira. Cildo anunciava: Áreas-Extensas. Selvagens. Longínquas. Cartas para Cildo Meireles Rua General Gicério 445 ap 1003. Laranjeiras. GB (figura 10). Segundo o artista a ideia era criar um anuncio sem verbo, no qual se vende a Amazônia. (Scovino, Felipe. Cildo Meireles. 2009, p.248).

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Cildo Meireles alega não ter prosseguido com o trabalho inserções em jornais, pois embora a inserção da arte nos jornais fosse um excelente meio de subversão do circuito oficial e uma estratégia para uma circulação alternativa ampla, no entanto no período ditatorial este meio cerceava a liberdade de expressão dos artistas apresentando uma restrição em relação ao conteúdo ali exposto. No período ditatorial no Brasil principalmente posterior ao Ato Inconstitucional Número 5 (AI5), proclamado em dezembro de 1968 foi um momento de intensificação da censura, recesso do congresso nacional e permissão do julgamento de “crimes políticos”. Nesse período os jornais estavam sob constante vigilância. “ A censura atuava amplamente (jornais, revistas, filmes, novelas, telejornais, exposições) e obrigava atalhos, caminhos alternativos de produção e difusão de trabalhos e ideias...” (Tejo, Cristiana. 2009, p. 11). Nesse contexto a inserção da arte em jornais deixa de ser um suporte para a livre expressão do artista e passa a ser um local restritivo e vigilado. Em relação à censura aos jornais e ao trabalho Inserções em Jornais Cildo comenta:

Quando comecei a fazer esse trabalho, não tinha feito inserções em circuitos ideológicos. Com inserções, o que me interessava estava muito além do jornal. Era exatamente a questão dos mecanismos de controle de informação no interior do sistema. A sua aparente liberdade poderia se afunilar drasticamente em meios como o rádio, a televisão e o jornal, que são facilmente controláveis. Quando a liberdade tem que passar por um corretor polonês perde sua eficácia. Este trabalho estaria portanto, aquém das possibilidades dos meios circulantes, ideias ou vasilhames. ” (Manuel, Antonio in Scovino Felipe (org.). 2009, p.64)

Neste período os artistas interessados em uma circulação alternativa das obras de arte também tinham que desenvolver métodos para escapar da censura. A circulação alternativa passou então a ser uma estratégia para que os artistas comunicassem sua mensagem, expressassem posturas políticas, circulassem informações e incentivassem a subversão do sistema. No próximo capítulo veremos estratégias adotadas pelos artistas do período.

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CAPÍTULO 4 –A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA E A CENSURA: DRIBLANDO A DITADURA. 4.1 Caso Antonio Manuel No final da década de 1960 e início dos anos 1970 o Brasil enfrentava o período mais repressivo e autoritário da ditadura, devido a proclamação do ato inconstitucional número 5 que autorizava o julgamento de crimes políticos e intensificava a censura agindo diretamente na vida social, política e cultural do país. Instaurada a repressão, diversos intelectuais, teóricos, artistas e pessoas ligadas a partidos de esquerda sofreram tortura e exílio. As drásticas mudanças na política do país afetaram a cena artística brasileiras e os meios de comunicação. Os artistas se uniram no confronto ao cerceamento da liberdade de expressão. A censura atuava constantemente sobre as práticas artísticas e os meios de comunicação restringindo seus conteúdos e impedindo de expressar qualquer oposição ao regime vigente. A mídias impressas do período passaram a interessar o artista Antonio Manuel que a explorou de diversas maneiras. Sua primeira intervenção em jornais foi em 1966, o artista realizou trabalhos nos quais ele interferia nas páginas dos jornais com desenhos em crayon (figura 11). Nesses desenhos, Antonio Manuel destacava detalhes de algumas notícias, apagava de outras, interferia nos retratos colocando amordaças e também fazia parecer que os personagens gritavam com feições amedrontadas. Suas interferências eram irônicas, subversivas e visavam comunicar o que estava sendo censurado, negligenciado e reprimido pela ditadura vigente. Após a interferência com desenhos nas páginas dos jornais, Antonio Manuel passou a se interessar pelos mecanismos de produção e publicação das mídias impressas. O artista passa a utilizar como suporte a matriz do jornal O Flan, também título da série. Nessa série, Antonio Manuel mantém o tamanho de uma página de jornal recriando o seu layout com jogos de palavras, imagens que mostram a violência policial e movimentos de resistência à ditadura. No flan Bala mata fome de 1975(figura 12), o artista utiliza uma metáfora para fazer alusão a violência do período, a frase bala mata fome é apresentada como um jogo de palavras, ela é gravada invertida ALAB ATAM EMOF e ironicamente a manchete abaixo é o PÃO NOSSO DE CADA DIA. Em 1968 o artista utilizou imagens do jornal Ultima Hora de São Paulo retratando a violência policial contra estudantes. Essas imagens assumiram uma escala monumental na série 30

Repressão outra vez – eis o saldo (figura 13 e 14). A instalação consiste em cinco painéis com imagens extraídas do jornal Última Hora, cada painel Silk- Screem foi impresso em tinta preta sob um fundo vermelho, importante destacar que para a censura a cor vermelha era considerada ligada ao comunismo e o preto ao movimento anarquista. Os painéis eram cobertos com um tecido preto, uma metáfora sobre o que estava acontecendo e não estava sendo mostrado. O tecido continha uma corda que o público poderia puxar para visualizar as imagens. Ainda no ano de 1968, o artista enviou um trabalho da série Repressão outra vez – eis o saldo para a Segunda Bienal da Bahia. No entanto, a exposição foi fechada pelo exército nacional no dia de sua inauguração e o artista nunca mais reviu o trabalho enviado. No ano seguinte o artista enviou outro trabalho da série para a exposição Pré-Bienal de Paris no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, na qual seriam expostos os trabalhos brasileiros selecionados para a Bienal francesa. Entretanto a Pré-Bienal de Paris foi fechada pela censura antes de sua inauguração. Nesse contexto repressivo e autoritário se tornava cada vez mais difícil realizar obras que contestassem o governo vigente e a realidade do país. Compromissado com o engajamento político de sua obra, Antonio Manuel elaborou uma estratégia para se infiltrar no sistema e difundir seu trabalho burlando a censura. A fim de circular informações negligenciadas, defender a liberdade de expressão, burlar a censura e circular seu trabalho de maneira eficaz atingindo a um grande público, o artista passou a interferir diretamente na criação e disseminação do jornal. Na série Clandestina realizada durante a década de 1970 o artista mantinha a diagramação do jornal O Dia para manter idêntica a original. No entanto as manchetes e notícias eram criadas pelo artista de maneira irônicas e subversivas. As matérias geralmente estavam relacionadas a política do país e eventos culturais. No exemplar Deus um clarão no salão poeta virou estrela (figura 15) o artista faz alusão a morte de Torquato Neto que abalou a comunidade artística em 1972. O poeta, jornalista e grande letrista do movimento tropicália cometeu suicídio aos 28 anos de idade após desilusões com a repressão sofrida pelos artistas e uma longa estadia em um hospital psiquiátrico. O exemplar também traz uma notícia sobre uma suposta renúncia do presidente Nixon dos Estados Unidos, país que apoiava e subsidiava a ditadura brasileira. Além de questões políticas os jornais da série Clandestina também ironizavam assuntos artísticos como por exemplo nas manchetes: “ PINTOR MOSTRA POS-ARTE” (figura 16) e “PINTOR ENSINA DEUS A PINTAR” (figura 17). 31

Antonio Manuel criava, imprimia e distribuía os jornais da série Clandetina. O artista tinha acesso a gráfica do jornal O Dia, aonde ele imprimia a série. O artista produziu uma série de dez páginas com uma tiragem que variava de 200 a 300 cada exemplar4. Os exemplares eram distribuídos pelo artista que fingia entregar cópias autenticas do jornal nas bancas dos principais bairros do Rio de Janeiro e as pessoas compravam como se estivessem levando os originais. A série Clandestina explora limites de circulação da arte, recepção e comunicação através de um suporte que tem como característica uma circulação imediata, ampla distribuição e forte poder de comunicação.

Através desse ato de revolta, ele expos falhas inerentes a comunicação social mesmo sob censura, mostrando as lacunas e omissões através de invenções diárias denunciando a repressão e também a vulnerabilidade do meio que pode ser infiltrado através dos seus próprios mecanismo de distribuição e circulação. ( Tradução livre. Carliman, Claudia. 2011, p. 12)

A comunicação social e ampla distribuição foram questões que também interessaram ao artista Cildo Meireles. A seguir veremos a obra Inserções em circuitos ideológicos que também aborda questões como a ampla comunicação, circulação de informações e ampla distribuição.

4.2 Caso Cildo Meireles O artista Cildo Meireles também sofria com a realidade opressora do país e a impossibilidade de exibir trabalhos que se relacionassem com a realidade autoritária no Brasils. Cildo comenta que o fechamento da Pré Bienal de Paris em 1969 o levou a refletir sobre o cerceamento da liberdade artística no país:

Este episódio, nos termos da cena artística no Brasil, foi decisivo, porque teve uma enorme repercussão internacional, que se refletiu no boicote à Bienal de São Paulo por mais de dez anos. Todos os artistas inclusive os que não tinham trabalhos políticos foram processados. No plano pessoal, esse foi o episódio que provocou uma mudança em meu trabalho; não exatamente isso, mas sim uma reflexão sobre as circunstancias. ( Erguita, Nuria; Scovino, Felipe (org.). 2009, p.98)

Cildo buscava um meio de inserção do seu trabalho em um circuito autônomo que fosse uma alternativa a comunicação no interior da sociedade. O artista buscava um meio que tivesse 4

Segundo Carliman, Claudia.2011, p.12. A tiragem variava entre 200 e 300 exemplares, raferência que aqui adotei. No entato, segundo Scovino, Felipe. 2009,p.1851. Antonio Manuel em entrevista ao autor declarou que a tiragem variava entre 100 e 200 exemplares.

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uma circulação eficaz, no qual pudesse inserir informações independente da censura e preservasse a liberdade de expressão do indivíduo. Com essa motivação Cildo Meireles inicia em 1970 a obra Inserções em circuitos ideológicos: projeto coca-cola e Inserções em circuitos ideológicos projeto: projeto cédula nessa obra o artista utiliza como suporte e ao mesmo tempo como meio de comunicação o papel moeda e as garrafas retornáveis de coca-cola, ambos têm como característica uma ampla circulação e difusão na sociedade. Ao invés da utilização de um meio de comunicação o artista criou um meio de comunicação e circulação de informações criando mecanismos de expressão do sujeito frente a sociedade. Inserções em circuitos ideológico:: projeto cédula o artista realiza inscrições em cédulas de dinheiro, as inscrições apresentam um cunho político como: Quem matou Herzog? (figura 20) Referente a morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975, cuja violenta ação da polícia e a farsa da morte do jornalista chocaram a sociedade brasileira.Abaixo relato da morte do jornalista fornecido pelo Instituto Vladimir Herzog.

Após uma tensa negociação, Vlado comprometeu-se a se apresentar espontaneamente na manhã seguinte. Chegou à sede DOI-CODI, às 8 horas, levado àquele endereço pelo jornalista Paulo Nunes, que cobria a área militar na redação da Cultura e dormira na casa do diretor da TV naquela noite para assegurar que ele se apresentaria na instalação militar logo cedo. Nunes foi dispensado na recepção e Vlado encaminhado para interrogatório. Foi então encapuzado, amarrado a uma cadeira, sufocado com amoníaco, submetido a espancamento e choques elétricos, conforme o manual ali praticado e seguindo a rotina a que foram submetidos centenas de outros presos políticos nos centros de tortura criados pela ditadura e financiados em boa parte por empresários que patrocinavam ações repressivas e de violação dos Direitos Humanos, como a Operação Bandeirante... o assassinato brutal, por espancamento, não era o limite a que podiam chegar os feitores do regime ditatorial. Esquivar-se da responsabilidade pelo crime forjando uma inverossímil cena de suicídio seria o próximo passo dos torturadores. Com uma tira de pano, amarraram o corpo pelo pescoço à grade de uma janela e convocaram um perito do Instituto Médico Legal para fotografar a “prova” de que o preso dera fim à própria vida, em um surto de enlouquecido arrependimento por ter escrito uma confissão que aparecia rasgada, no chão, na imagem divulgada pelos órgãos de repressão. A cena da morte de Vlado, fotografada pelo perito do IML, foi representada

pelo

artista

Elifas

Andreato

no

quadro

“25

de

Outubro”.

Na pressa para montar esse circo macabro, ignoraram detalhes como o fato de Vlado ser mais alto do que a janela com grade onde supostamente enforcou-se e a rotina de encarceramento que tira dos presos qualquer instrumento com o qual se possam enforcar, cintos e cadarços entre eles. (Instituto Vladimir Herzog.)

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Ao inserir, Quem matou Herzog? No papel moeda o artista questiona a farsa da morte do jornalista através de um meio de circulação de informações isento da fiscalização do regime ditatorial. Outra frase de cunho político foi, Yankes go home! (figura 21). Referente ao apoio que os Estados Unidos davam ao regime ditatorial no Brasil. Cildo Meireles também gravou o próprio projeto em uma cédula: Projeto cédula: gravar informações e opiniões críticas nas cédulas (papel moeda) – e devolve-las a circulação (figura 22). Desta maneira o artista convida o público a participar do projeto fazendo com que o receptor seja também o transmissor criando assim uma rede de comunicação. A rede de comunicação criada por Cildo é um meio de circulação de informações independente de um sistema de comunicação centralizado, o mesmo ocorre em Inserções em circuitos ideológicos: Projeto coca-cola. A obra consiste na inscrição de mensagens através da técnica do silk-screen em garrafas de coca-cola em circulação. A descrição do projeto também foi gravada nas garrafas: gravar nas garrafas de refrigerante (embalagens de retorno) informações e opiniões críticas, e devolve-las à circulação. Utiliza-se o processo de decalcomania (silk-screen) com tinta branca vitrificada (que não aparece quando a garrafa está cheia pois ai se vê a inscrição contra o fundo escuro do líquido Coca-Cola) (figura 23). Which is the place of the work of art? (figura 24). Foi uma das frases inserida nas garrafas que questionava a posição social da arte e ao mesmo tempo a aproximava do cotidiano por estar inserida em um objeto do dia-a-dia em um ambiente comum.

... em última análise, no momento em que a sociedade for harmônica o suficiente, a prática artística indiscutivelmente terá que se confundir com a prática da própria sociedade. Dificilmente vai haver distinção. Porque essa distinção do produtor de cultura é uma distinção decorrente de uma outra maior (quem detém o capital? Quem se apropriou dos meios de produção?). ( Manuel, Antonio; Scobino, Felipe (org.). 2009, p.62)

As inscrições também subvertiam o próprio suporte. Uma das inscrições é um desenho explicativo de como fazer um coquetel molotove com a garrafa de coca-cola (figura 25). O artista subverte a própria ideologia do produto feito para ingestão alimentícia, mas contém uma receita de bomba caseira. “O procedimento da inserção consistia em utilizar-se de objetos fabricados, muito marcados por sua circulação social, e colocar neles um corpo estranho, invertendo assim a sua “mensagem””. (Brito, Ronaldo.1981, p.12). Ao se apropriar das garrafas

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de coca-cola o artista se apropria também de seu circuito e incentiva que o público participante desse circuito também o subverta. Cildo comenta a inserção no circuito:

Do meu ponto de vista o importante no projeto foi a introdução do conceito de circuito (mais do que o de inserções). É esse conceito que determina que determina a carga dialética do trabalho, uma vez que parasitaria todo e qualquer esforço contido na essência mesmo do processo (ou media). Quer dizer a embalagem veicula sempre uma ideologia. Então, a ideia inicial era a constatação de circuito (natural) que existe, e sobre o qual é possível você fazer um trabalho real. Na verdade, o caráter da inserção nesse circuito será sempre de contra-informação. Capitalizaria a sofisticação do meio em proveito de uma ampliação da igualdade de acesso à comunicação de massa. (Manuel, Antonio; Scovino, Felipe (org.). 2009, p.61.)

Inserções em circuito ideológicos foi um trabalho transgressor que criou uma alternativa ao circuito oficial a partir de um circuito eficaz já existente. A obra em seu contexto apresenta uma alternativa para a livre expressão e subverte a ideologia do circuito do qual ela se apropria, uma maneira de circular uma contra-informação. Inserções em circuito ideológicos é um trabalho de 1970 que influenciou e influencia trabalhos que buscam a subversão do circuitos oficial de arte e uma circulação alternativa. No próximo capítulos analisarei trabalhos produzidos recentemente que possuem uma circulação alternativa.

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CAPÍTULO 5 – A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA A PARTIR DOS ANOS 2000. 5.1 Caso Grupo Poro Na atual produção artística o Grupo Poro vem se destacando pela abrangência comunicacional de sua obra, seus trabalhos são difundidos em diversas camadas da sociedade através da intervenção urbana, criação de novos circuitos, circulação alternativa e utilização das novas mídias. O grupo Poro é um coletivo fundado em 2002 pelos artistas Brígida Campbell e Marcelo Terça-nada, o coletivo busca na sua prática novas maneiras de inserção da arte no cotidiano. Segundo os artistas o Grupo Poro é um coletivo que realiza intervenções urbanas e ações efêmeras. Brigda Campbell define ações efêmeras:

Ações efêmeras são ações que tem um prazo curto de duração. Não são obras duráveis, pelo contrário, são pequenas situações que existem as vezes por apenas alguns segundos. Mas através dos registros podemos fazer essa durabilidade ser maior, pois o trabalho passa a existir em outras esferas. (Campbell, Brígida.2015, p.1)

A obra do Grupo Poro circula em diversas esferas muitas vezes se infiltrando nos meios de comunicação como mídias impressas, publicações, cartazes e internet. O Grupo Poro frequentemente disponibiliza suas obras na internet possibilitando que o público as reproduzam. Desta maneira a inserção da arte no cotidiano do público e o convite para que o público faça parte da difusão da obra rompe com a aura do objeto artístico e o paradigma da arte como algo externo ao mundo cotidiano. Embora o coletivo crie circuitos e maneiras de circulação independente dos espaços institucionalmente dedicados a arte a obra do Grupo Poro também circula no sistema oficial participando de exposições, premiações etc. A transição entre o circuito marginal e oficial é comum entre os artistas que buscam uma circulação alternativa, não necessariamente a preocupação por uma circulação alternativa é intrínseca a obra do artista e pode aparecer somente em uma determinada fase ou trabalho. O Grupo Poro realizou duas obras “impressas” que buscavam uma circulação alternativa. A primeira foi realizada em 2002, Propaganda Política dá Lucro!!! (figura 26). A obra consistia em um Santinho impresso em tipografia, com os seguintes dizeres:

“PROPAGANDA POLÍTICA DÁ LUCRO!!! Aproveite que 2008 é ano eleitoral e ganhe dinheiro tornando-se publicitário free-lance em uma semana. Curso Profissionalizante Cara-de-Pau Tópicos abordados: *Teatro do absurdo *Como vencer uma discussão sem precisar ter razão *Maquiagem e figurino (A sedução do terno, gravata e taiêr) *Pintura de fachada como princípio ético (A supremacia da embalagem sobre o conteúdo) *Estratégias de sonegação fiscal e superfaturamento de orçamentos (com político profissional especialista com 30 anos de prática) *Como manipular dados a seu favor (com representante da televisão brasileira). Curso Grátis. Você só paga a apostila! Informações: 0800 00 XX” (Transcrição Propaganda Política Dá Lucro. Grupo Poro. 2002)

Os santinhos eram distribuídos paralelamente aos das campanhas eleitorais, distribuídos em locais públicos e afixado em bares, padarias, orelhões, murais além de enviados pelo correio 36

e disponibilizados na internet para que o público possa imprimir e distribuir. Também foi criado um sistema para que o público faça panfletagem eletrônica, a distribuição é pragmática basta que a pessoa adicione os e-mails dos destinatários e o próprio sistema envia os santinhos. Brigda comenta a circulação do trabalho:

...nossas ideias ganhando o mundo de forma livre e circulando em outros lugares onde a gente nem imaginaria. Esse panfleto foi nossa primeira experiência com esse tipo de trabalho. Nós imprimimos e distribuímos uns 5000 panfletos na época (em 2002), também colávamos nos murais, mandamos pelo correio para amigos do Brasil todo e colocamos na internet. Foi uma experiência muito importante pra nós (Campbell, Brígida.2015, p.3)

Propaganda Política Dá Lucro!!! em sua circulação foi um trabalho de grande abrangência social pois atuava em diversas esferas, na esfera urbana através de sua distribuição em pontos de grande circulação, na esfera doméstica através do seu envio pelo correio e na esfera virtual através da panfletagem eletrônica. O Grupo Poro também realizou série FMI – Revisando Cildo Meireles entre 2002 e 2006 (figura 27). Influenciados pela abrangência comunicacional e eficácia da série Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles, obra referência para a circulação alternativa e arte política. O trabalho consistia em carimbar notas com os dizeres FMI – Fome e Miséria Internacional. O Grupo Poro fez uma parceria com o grupo argentino Pobre Diabos que realizou uma versão do trabalho em espanhol. Assim como o Inserções em circuitos Ideológicos o trabalho FMI – Revisando Cildo Meireles refere-se a um contexto político especifico. Contextualizando o trabalho Inserções em circuitos ideológicos, a obra foi iniciada em 1970 período ditatorial de extrema censura no Brasil. Através de suportes alternativos o artista inseriu informações independente da censura e preservou a liberdade de expressão. A releitura da obra de Cildo Meireles realizada pelo Grupo Poro FMI – Revisando Cildo Meireles foi uma obra realizada no contexto democrático isento da censura. No entanto a pertinência da obra FMI – Revisando Cildo Meireles no contexto democrático nos leva a refletir sobre a relevância da circulação alternativa nas atuais circunstancias. “Acredito que a relevância é a mesma. Aquela ditadura militar acabou, mas existem muitas coisas. Não podemos esquecer que o capitalismo também é uma ditadura, só que em escala global. É urgente ocupar todos os espaços com questões políticas e críticas.” (Campbell, Brígida.2015, p.2). Diferentemente do período ditatorial atualmente a circulação alternativa não confronta ao sistema político de maneira geral, no entanto cada vez mais os artistas voltam-se para questões políticas e sociais que são negligenciadas pelas mídias. A circulação alternativa passa 37

a abordar questões pontuais que são tratadas com descaso pelas mídias oficiais como é o caso da obra FMI – Revisando Cildo Meireles que aborda a pressão exercida pelo Fundo Monetário Internacional no Brasil e Argentina. Comenta Brígida Campbell:

Quando fizemos o trabalho do carimbo, o país estava vivendo as pressões do FMI, e isso teve um grande impacto social. Com o tempo, o governo pagou a dívida e passou, inclusive, a emprestar dinheiro para eles. Daí o trabalho perdeu um pouco o sentido e deixamos de realiza-lo. Acredito que as inserções em circuitos ideológicos hoje são as mesmas de sempre. É uma micropolítica sutil de intervenção que pode ser feita em vários meios. No caso das notas de dinheiro ainda é possível ver várias intervenções artísticas ou não circulando por aí. Isso é muito bacana! (Campbell, Brígida.2015, p.2).

Através da circulação alternativa, intervenção urbana, utilização das novas mídias entre outros o Grupo Poro construiu sua trajetória de maneira autônoma sem a intervenção direta do mercado de arte, no entanto o grupo já participou eventos artísticos característicos do sistema oficial. Segundo Brígida o interesse do grupo não é confrontar o sistema oficial mas atuar de maneira independente, “Talvez pudéssemos falar melhor em “circuito independente” ou “autônomo” ou “Do it yourself”... acho que tem mais a ver com produzir seu próprio circuito de circulação e produção, do que se confrontar com um suposto “circuito oficial”. ” (Campbell, Brígida.2015, p.4). Na arte contemporânea a transição entre circuitos oficiais e marginais vem sendo cada vez mais comum. Inclusive obras concebidas para uma circulação alternativa são absolvidas pelo circuito oficial. No próximo capítulo abordarei a absorção da circulação alternativa pelo circuito oficial.

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CAPÍTULO 6 – A ABSORÇÃO PELO CIRCUITO OFICIAL 6.1 Inserção de obras de circulação alternativa no circuito oficial Frequentemente artistas contemporâneos transitam entre o circuito marginal e o circuito oficial, esse fluxo é comum inclusive por artistas que possuem obras que buscam uma circulação marginal. Por exemplo o caso do Grupo Poro cuja a atuação se dá em diversas esferas. Comenta Brígida “circuito da arte é um sistema muito complexo e as diferentes camadas de inserção se misturam em diferentes modos de circulação e institucionalização.” (Brigída Campbell, 2015, p. 5) O processo de institucionalização de obras que a priori pertenciam ao circuito marginal é frequente. Atualmente encontramos obras de arte concebidas para uma circulação alternativa em exposições do circuito oficial, por exemplo a Série Clandestina de Antonio Manuel foi exibida na exposição Antonio Manuel: I Want to Act Not Represent com curadoria de Claudia Carliman e Gabriela Rangel na Society Art Galery – New York de 15 de setembro a 10 de dezembro. A Série Clandestina também foi exibida em uma exposição coletiva juntamente com a obra Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles na exposição AMERICA DO SUL, A POP ARTE DAS CONTRADIÇÕES com curadoria de Paulo Herknhoff no Museu de Arte Modera – Rio de Janeiro de 21 de junho a 14 de agosto de 2013. Inserções em circuitos Ideológicos também foi exposto na exposição “Resistir é Preciso…”, criada pelo Instituto Vladimir Herzog no Centro Cultural Banco do Brasil, a exposição percorreu quatro estados brasileiros entre 06 de agosto de 2013 a 28 de julho de 2014. Inserções em circuitos ideológicos também está permanentemente exposta no pavilhão do Cildo Meireles no Instituto Inhotim. Além dos exemplos citados ambos os trabalhos participam de inúmeras exposições no circuito oficial. O circuito oficial também absorveu obras dos integrantes do movimento de Mail Art que através da arte postal também propunha uma circulação autônoma do sistema de arte oficial. Julio Plaza um dos integrantes do movimento comenta a absorção de obras da Mail Art pelo sistema:

A Mail Art cria um circuito dentro do sistema da arte, ampliando-o, mas não sem contradições. Uma delas é sua penetração e apropriação por outros circuitos, mesmo institucionais. É claro que não é da natureza da Mail Art entrar em ritmo de exposição para o grande público: quando isto ocorre a Mail Art se satura na experiência do macrogrupo e a informação não é vista de uma forma fragmentária, mas em simultaneidade. (Plaza, Julio; Ferreira, Glória e Cotrim, Cecilia (org.). 2006, p. 455)

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A mesma contradição ocorre em relação as obras de circulação alternativa. Obras originalmente concebida para questionar a circulação social da arte e o sistema oficial após sua circulação alternativa a produção é absolvida pelo sistema oficial, ou seja, passam a ser exibidas em instituições museológicas e compor coleções. Ao integrar o circuito oficial, as obras concebidas para uma circulação ampla e incontrolável passam a ser controladas pelos próprios agentes do circuito oficial que a princípio essas obras confrontavam. Como exemplo podemos citar a produção artística brasileira dos anos 60 e 70. “A geração 60 e 70 atualmente sofre críticas por a princípio serem conhecidos como geração Tranca-ruas e atualmente participarem de exposições em instituições conservadoras. ”(Morais, Frederico. 2009 p. 48). Em entrevista a Frederico Morais, Cildo Meireles comenta a crítica a geração 60 e 70: “Não se trata de expor ou não em galerias. O erro não está em participar da Bienal, mas de fazer trabalhos “bienáticos”. A Bienal propõe um nível de leitura da nossa criação, mas existem outros. Cobrar da vanguarda um procedimento comezinhamente político me parece outra deformação.” (Morais, Frederico. 2009, p. 48) De certo conceber um trabalho pensando em sua institucionalização é prejudicial a obra, mas em outra esfera uma obra concebida para uma circulação livre ao entrar no circuito institucional perde uma característica essencial da sua concepção. Segundo Ronaldo Brito o processo de absorção de obras pelo mercado é inevitável mesmo á aqueles que o confrontam:

O dadaísmo inaugurou uma velocidade e experimenta uma mobilidade com vista à criação de novos esquemas, que acabou por se tornar para o artista contemporâneo uma necessidade imediata: é sua obrigação andar mais depressa que o mercado, aprofundando o seu trabalho de modo a adiantar-se ao inevitável processo de absorção e transformação ideológica de seu produto. (Brito, Ronaldo. 2004, p. 32)

Ao absorver as obras de circulação não controlada sua ideologia é transformada a partir de limitações de características essenciais a essas obras como a circulação livre, a ampla comunicação e o confronto ao sistema de arte. A absorção de obras políticas pelo mercado ocorre lentamente e posterior ao contexto político questionado pelo artista, por exemplo Inserções em circuitos ideológicos projeto cédula obra que continha a inscrição Quem matou Herzog só foi absorvida pelo mercado bem depois da morte do jornalista. Atualmente a produção de obras de circulação não controlada circula no circuito marginal, mas isso não garante que a posteriore quando houver um distanciamento temporal dos questionamentos por 40

ela apresentada essas obras sejam absorvidas pelo sistema oficial. Por outro lado, a circulação oficial permite que artistas atualmente dispostos a construir novos circuitos e uma circulação marginal tenham contato com referências significativas para a circulação alternativa e para a história da arte brasileira.

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CONCLUSÃO No Brasil desde 1949 até hoje em dia, artistas visuais veem desenvolvendo trabalhos que buscam uma circulação alternativa. A priori a circulação alternativa surgiu com a criação de novos veículos de comunicação, foi o caso da revista Horizonte e do jornal Rex time. A revista Horizonte era destinada a assuntos que tinham pouco espaço nas mídias convencionais. Suas temáticas envolviam os trabalhadores rurais e urbanos, lavadeiras e sertanejos. A revista que circulava no período da Guerra Fria também continha temáticas ligadas a campanha da paz que exigia posturas pacificas das nações e criticava atitudes violentas. As matérias eram escritas pelos artistas integrantes do Clube de Gravura: Scliar, Vasco da Gama, Lila Ripoll, Demétrio Ribeiro e Nelson Souza e também eram convidados intelectuais de esquerda. Em 1966 o Grupo Rex formado pelos artistas: Geraldo de Barros, Nelson Leirner, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e José Resende criou o seu próprio veículo de comunicação, o jornal Rex Time. O jornal possibilitava uma comunicação direta com o público e as matérias eram escritas pelos próprios integrantes do grupo e eram referentes a assuntos culturais envolvendo os integrantes, conteúdos culturais externos, quadrinhos, reproduções de obras e textos de cunho político. A criação de novos veículos de comunicação idealizados por artistas como a revista Horizonte e o Rex Time enfrentaram a dificuldade de conquistar leitores e acabaram tendo sua circulação limitada ao meio artístico. Posteriormente o alcance de um grande público foi um dos objetivos das obras de circulação alternativa que se apropriaram de veículos de comunicação já existentes. A apropriação de jornais através da compra de espaços nos classificados passa a ser uma estratégia para uma circulação alternativa abrangente que foi utilizada na década de 1970 pelos artistas Paulo Bruscky e Cildo Meireles. No entanto com o regime ditatorial instaurado no Brasil, os veículos de comunicação sofriam com a constante censura e os jornais deixaram de ser um espaço que possibilitava a livre expressão do artista. Nesse contexto os artistas que buscavam uma circulação alternativa isenta da censura criaram estratégias para burlar o sistema comunicacional e a censura. Circulou durante a década de 1970 a série Clandestina, na qual o artista Antonio Manuel mantinha a diagramação do jornal O Dia para manter idêntica a original. As manchetes e notícias eram criadas pelo artista e geralmente estavam relacionadas a política do país e eventos culturais. Dessa maneira o artista 42

circulou o seu trabalho dentre os leitores do jornal O Dia conseguindo burlar a censura e garantir a livre expressão. Também na década de 1970 o artista Cildo Meireles realizou a obra Inserções em circuitos ideológicos, na qual o artista utiliza suportes que tem como característica uma ampla circulação: o papel moeda e as garrafas retornáveis de coca-cola. Assim o artista se apropria de instrumentos que possuem ampla circulação social e cria um novo sistema comunicacional. Atualmente apesar do fim da censura as mídias continuam a negligenciar questões políticas e sociais, algumas destas questões foram abordadas em obras de circulação não controlada de autoria do Grupo Poro. Entre 2002 e 2006 período em que o Brasil sofria com a pressão do Fundo Monetário Internacional sob o país, o Grupo Poro realizou a obra FMI – Revisando Cildo Meireles, o trabalho consistia em carimbar notas com os dizeres FMI – Fome e Miséria Internacional. O Grupo Poro também realizou a partir de 2002, a obra Propaganda Política dá Lucro!!!. A obra consistia em um Santinho impresso em tipografia, que continha dizeres que ironizavam as campanhas políticas, a circulação desse trabalho ocorreu em diversas esferas através da distribuição em pontos de grande circulação, envio pelo correio e panfletagem eletrônica. No Brasil as obras de circulação não controlada foram relevantes para a arte em diversos contextos e sua pertinência persiste na atualidade. As motivações que levaram os artistas a criar obras de circulação não controlada foram diversas: ruptura com as instituições de arte tradicional, criação de novos circuitos, comunicação direta com o público sem intermédio do sistema de arte, burlar a censura e circular informações negligenciadas pelas grandes mídias. As obras de circulação não controlada são relevantes para a história da arte brasileira pois rompem com paradigmas da arte e transgredem limites impostos pelo sistema oficial de arte. Essas obras desenvolveram novos meios de comunicação cuja característica é uma circulação livre que rompe com o sistema tradicional de arte possibilitando uma comunicação direta com o público e eliminam o intermédio das instituições artísticas. A circulação não controlada criou novos circuitos que continham suas próprias regras em oposição ao circuito oficial. Em alguns casos as obras se apropriaram de meios de circulação apropriando-se assim de um circuito já existente objetivando uma grande difusão da obra e eficácia comunicacional. As obras Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles e Propaganda política dá lucro!!! e FMI revisando Cildo Meireles do Grupo Poro romperam com a noção de autoria 43

e permitem que o público participe da difusão da obra e criando um sistema de comunicação no qual o receptor também é o comunicador. Na análises da obras, a circulação não controlada mostrou seu caráter questionador que discute a posição social da arte. Por que a arte é exibida em um espaço exclusive que diverge da vida social? Em resposta a esse questionamento a circulação alternativa propõe uma abrangência democrática da arte através da sua inserção na vida cotidiana. Diversos questionamentos coerentes e cônscios foram abordados pelas obras de circulação não controlada tanto na esfera artística como na esfera política e social. Embora a relevância dessa produção para a arte brasileira seja notável nota-se a ausência de uma produção teórica que articule essa produção conjuntamente, os estudos referentes as obras de circulação não controlada limitam-se a análise de obras específicas, artistas ou estudos do circuito e mercado de arte. Dessa maneira o presente estudo foi pioneiro na análise conjunta dessas obras e o primeiro texto teórico que traçou um histórico das obras de circulação não controlada. Foi muito gratificante iniciar os estudos nessa área tão relevante para a história da arte brasileira que ainda tem muito a ser aprofundada.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amaral, Aracy .Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo. Studio Nobel. 3ª edição. 2003 Baxandall, Michael. O OLHAR RENASCENTE: PINTURA E EXPERIÊNCIA SOCIAL NA ITÁLIA DA RENASCENCIA. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1991 Brito, Ronaldo. Analise do circuito, in Glória Ferreira e Cecilia Cotrim (org.). ESCRITOS DE ARTISTAS ANOS 60/70. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2006. Primeira publicação Revista Malasartes n 1. 1975. Brito, Ronaldo. “Frequência imodulada” in: Cildo Meireles. Rio de Janeiro. Funarte, 1981. Brito, Ronaldo. Neoconcretismo. Vértice e ruptura no projeto construtivo brasileiro. São Paulo. Cosacnaify. 2004. Brito, Ronaldo; Caldas, Waltercio; Resende, José; Zilio, Carlos. O boom, o pós-boom e o disboom, in Basbaum, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001: 192. Primeira publicação in Opinião, Rio de Janeiro, edição de 3 de setembro de 1976. BRUSCKY, Paulo. Arte Correio: Hoje a Arte é este Comunicado. In. FERREIRA, Glória. Org. Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006. Bruscky, Paulo. Não se pode prender a arte. Jornal Tabare. Edição 30. Porto Alegre. 2014 Bueno, Maria Lúcia. O mercado de galerias e o comércio de arte moderna: São Paulo e Rio de Janeiro nos anos 1950- 1960 Sociedade e Estado. Brasília. Universidade de Brasília. 2005. Burguer, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo. Cosacnaify. 2008. Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011. Cauquelin, Anne. Arte Comtemporânea: Uma introdução. São Paulo. Martins Fontes. 2005 Danto, Arthur. Após o fim da arte. Arte contemporânea e os limites da história. Edusp. São Paulo. 2006 Erguita, Nuria. Entrevista Lugares de divagação. 1978 in Encontros Cildo Meireles.Organização Felipe Scovino. Azougue. Rio de Janeiro. 2009 FREIRE, Cristina. Paulo Bruscky: Arte, Arquivo e Utopia, São Paulo, 2006. Grupo Rex. Regulamento Rex em ESCRITOS DE ARTISTAS ANOS 60/70. Glória Ferreira e Cecilia Cotrim. Jorge Zahar 2006. 45

Harrison e Cynthia White. La carrière dês peintres XIX’ siècle, 1965. Instituto Vladimir Herzog. Biografia. Disponível em: acesso 18 de junho de 2015. Maia, Carmem. Cildo Meireles. Coleção fala do artista. Funarte. Rio de Janeiro. 2009 Manuel, Antonio. Entrevista ondas do corpo in Scovino, Felipe (org.). Encontros Cildo Meireles. . Rio de Janeiro. Azougue. 2009. Melo, Alexandre. Sistema da Arte Contemporânea. Documenta. 2012. Morais, Frederico. Entrevista O artista, como o garimpeiro, vive de procurar aquilo que não perdeu. 1977 in Scovino, Felipe (org.). Encontros Cildo Meireles.Rio de Janeiro. 2009. Plaza, Julio. Mail Art: arte em sincronia. 1981 in Ferreira, Glória e Cotrim, Cecilia (org.).ESCRITOS DE ARTISTAS ANOS 60/70.Rio de Janeiro. Jorge Zahar 2006. Revista Horizonte nº1, Porto Alegre, Nova Fase, dezembro 1950. Scovino, Felipe. Entrevista memórias in Scovino, Felipe (org). Encontros Cildo Meireles. Rio de Janeiro. Azougue. 2009. Scovino Felipe. DRIBLANDO O SISTEMA: UM PANORAMA DO DISCURSO DAS ARTES VISUAIS BRASILEIRAS DURANTE A DITADURA. Bahia. 2009. Disponível em: http://www.anpap.org.br/anais/2009/pdf/chtca/felipe_scovino_gomes_lima.pdf. Acesso em 20 de Maio de 2015. Tejo, Cristiana. Paulo Bruscky: Arte em todos os sentidos. Editora: Paulo Bruscky. Recife. 2009 Vallego, Rachel. MERCADO DE ARTE NO BRASIL: O MODERNISMO E O MILAGRE ECONÔMICO. Brasília. Universidade de Brasília, Instituto de Artes Programa de PósGraduação. 2013. Disponível em: file:///C:/Users/PC/Downloads/Rachel%20Vallego%20Rodrigues%20(2).pdf. Acesso em: 23 de maio de 2015.

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ANEXO I: ILUSTRAÇÕES

Ilustração I – Revista Horizonte, Porto Alegre, capa de Dánubio Gonçalves, março – abril. 1952. Fonte: Amaral, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo. Studio Nobel. 3ª edição. 2003. P. 173 47

Ilustração II– Revista Horizonte, Porto Alegre, Janeiro de 1952. Fonte: Imagem digital fornecida pelo Professor Círio Simon proveniente do acervo de Cícero Alvarez e Maximiliano FAYET. 48

-

Ilustração III - Revista Horizonte, Porto Alegre. Maio de 1951. Fonte: Imagem digital fornecida pelo Professor Círio Simon proveniente do acervo de Cícero Alvarez e Maximiliano FAYET.

49

Ilustração IV- Rex Time n.1. São Paulo, 3 de junho de 1966. 48 x 32,5 cm. Tiragem indefinida. P.2 Fonte: [Acessado em 20 de junho de 2015]

50

Ilustração V- Rex Time n.5. São Paulo, 25 de maio de 1967. 48 x 32,5 cm. Tiragem indefinida. Página 3. Fonte: Arquivo Fernanda Lopes. Disponível em: [Acessado em 20 de junho de 2015]

51

Ilustração VI- Primeira Exposição Internacional de Art-door. Recife.1981. Fonte: [Acessado em 15 de maio de 2015]

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I–

Ilustração VII - Paulo Bruscky, Poema de Repetição. 1977. Inserção em jornais. Fonte: [Acessado em 17 de fevereiro de 2015]

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Ilustração VIII – Paulo Bruscky. Máquina de filmar sonhos. 1977. Inserção em jornais. Fonte: [Acessado em 17 de abril de 2015]

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Ilustração IX – Cildo Meireles. Inserções em jornais. nº1. 1970. Inserção em jornal Fonte: < http://bienalartecultura.blogspot.com.br/2009/01/no-territorio-vasto-cildo-meireles-e.html> [Acessado em 17 de abril de 2015]

Ilustração X – Cildo Meireles. Inserções em jornais .nº 2. 1970. Inserção em jornal Fonte: < http://bienalartecultura.blogspot.com.br/2009/01/no-territorio-vasto-cildo-meireles-e.html> [Acessado em 25 de abril de 2015]

55

Ilustração XI– Antonio Manuel. Sem título. 1966. Cryon sob papel jornal. 22 x 21cm. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002006000300015 [Acessado em 27 de abril de 2015]

56

Ilustração XII– Antonio Manuel. Bala mata fome. Série Flan. 1975. Impressão sob molde flan. 22 x 15.cm Fonte: Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011, p.6.

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Ilustração XIII– Antonio Manuel. Repressão outra vez eis o saldo. 1973. Madeira, corda, tecido e serigrafia. 122 x 80 cm. Fonte: Imagem digital disponível em: < http://www.bienal.org.br/post.php?i=267> [Acessado em 10 de junho de 2015]

Ilustração XIV– Antonio Manuel. Repressão outra vez eis o saldo. 1973. Madeira, corda, tecido e serigrafia. 122 x 80 cm. Fonte: < http://www.bienal.org.br/post.php?i=267> [Acessado em 10 de junho de 2015]

58

Ilustração XV– Antonio Manuel. Deus um clarão no salão poeta virou estrela. Série Clandestina.1975. Jornal. 22 x 15 cm. Fonte: Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011, p.14.

59

Ilustração XVI– Antonio Manuel. PINTOR MOSTRA PÓS – ARTE. Série Clandestina. 1975. Jornal.22 x 15cm. Fonte: Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011, p.15.

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Ilustração XVII – Antonio Manuel. PINTOR ENSINA DEUS A PINTAR. Série Clandestina. 1975. Jornal.22 x 15cm. Fonte: Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011, p.17.

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Figura 18 –

Ilustração XVIII - Antonio Manuel. Amarrou um bode na dança do mal. Série Clandestina. 1975. Jornal.22 x 15cm. Fonte: Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011. p.14.

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Ilustração XIX– Antonio Manuel. Chupava sangue dando gargalhadas. Série Clandestina. 1975. Jornal. 22 x 15cm. Fonte: Carliman, Claudia at all. I want tho act not represent! New York. Americas Society. 2011. p.17.

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Ilustração XX– Cildo Meireles. Quem matou Herzog? Série Inserções em circuitos ideológicos. 1975. Carimbos de borracha sobre cédula. 6,5 x 15 cm. Fonte: < http://cildomeireles.blogspot.com.br> [Acessado em 10 de junho de 2015]

Ilustração XXI – Cildo Meireles. Yankes go home! Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970. Carimbos de borracha sobre cédula. 6,5 x 15 cm. Fonte: < http://www.mutualart.com/OpenArticle/Art-under-Dictatorship--Art-in-Brazilin/32CC997FBD18CFD9> [Acessado em 10 de junho de 2015]

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Ilustração XXII - Projeto cédula: gravar informações e opiniões críticas nas cédulas (papel moeda) – e devolvelas a circulação. Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970. Carimbos de borracha sobre cédula. 6,5 x 15 cm.

Fonte:: < http://www.artcontexto.com.br/artigo-edicao03_EricoLima.html > [Acessado em 10 de junho de 2015]

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Ilustração XXIII –Cildo Meireles. Gravar nas garrafas de refrigerante (embalagens de retorno) informações e opiniões críticas, e devolve-las à circulação. Utiliza-se o processo de decalcomania (silk-screen) com tinta branca vitrificada (que não aparece quando a garrafa está cheia pois ai se vê a inscrição contra o fundo escuro do líquido Coca-Cola.) Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970. Decalque em Silk Screen. 24,5 x 6,1 cm. Fonte: < http://revistacarbono.com/artigos/04carbono-entrevista-cildo-meireles/> [Acessado em 10 de junho de 2015]

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Ilustração XXIV – Cildo Meireles. Which is the place of work of art? Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970. . Decalque em Silk Screen. 24,5 x 6,1 cm. Fonte: < https://www.pinterest.com/pin/218987600604405026//> [Acessado em 10 de junho de 2015]

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Ilustração XXV –Cildo Meireles. Molotov. Série Inserções em circuitos ideológicos. 1970. . Decalque em Silk Screen. 24,5 x 6,1 cm. Fonte: [Acessado em 10 de junho de 2015]

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Ilustração XXVI - Grupo Poro. Propaganda política dá lucro!!! 2002, 2004,2008 E 2010. Santinho impresso em tipografia. 10 x 7 cm. Fonte: [Acessado em 10 de junho de 2015]

Ilustração XXVII - Grupo Poro. FMI – Revisando Cildo Meireles. 2002 – 2006. Carimbos de borracha sobre cédula. 6,5 x 15 cm. Fonte: < http://poro.redezero.org/intervencao/fmi-fome-e-miseria-internacional/ > [Acessado em 10 de junho de 2015]

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ANEXO II: ENTREVISTA COM BRÍGIDA CAMPBELL

O grupo Poro é um coletivo de intervenções urbanas e ações efêmeras, o que são ações efêmeras? São ações que tem um prazo curto de duração. Não são obras duráveis, pelo contrário, são pequenas situações que existem as vezes por apenas alguns segundos. Mas através dos registros podemos fazer essa durabilidade ser maior, pois o trabalho passa a existir em outras esferas. Qual a posição da arte na sociedade? Como vocês veem a aproximação da arte do cotidiano? Bom, sua pergunta é muito complexa. Pode ser abordada por diversos aspectos, políticos, econômicos, estéticos... Existem várias formas de arte que se relacionam de diferentes maneiras nas esferas públicas. Nós buscamos fazer uma arte que se relaciona com cotidiano, uma vez que ela não está apenas nos espaços dedicados a arte, como centro culturais e museus, mas está nos espaços públicos, nas publicações, nos registros e em uma infinidade de formas de circulação e fruição. A gente entende que dessa forma nosso trabalho ganha muito, pois ampliamos o espectro de leituras e relações, aproximando a arte da vida ordinária. Retirando a aura do objeto de arte como algo fora do mundo cotidiano. Que estratégia o coletivo Grupo Poro utiliza para essa aproximação? Bom, fazemos nosso trabalho existir em diversos meios e não o circulamos apenas nos meios de arte. Nosso trabalho circula entre mundos bem diversos e nos infiltramos nas camadas de comunicação populares, publicações, cartazes e tudo mais que possa circular por aí. Nossas obras em geral estão disponibilizadas na internet para que as pessoas possam reproduzi-las. Entre 2002 e 2006 vocês realizam o trabalho FMI – Fome e Miséria Internacional revisitando Cildo Meireles, como vocês mesmo citam esse trabalho foi influenciado pelo inserções em circuitos ideológicos do Cildo Meireles, como se da a inserção em circuitos ideológicos atualmente? O Cildo Meireles é um artista de referência para nós. O teor político de suas obras nos influenciou bastante. Quando fizemos o trabalho do carimbo, o país estava vivendo as pressões do FMI, e isso teve um grande impacto social. Com o tempo, o governo pagou a dívida e passou, inclusive, a emprestar dinheiro para eles. Daí o trabalho perdeu um pouco o sentido e deixamos 70

de realiza-lo. Acredito que as inserções em circuitos ideológicos hoje são as mesmas de sempre. É uma micropolítica sutil de intervenção que pode ser feita em vários meios. No caso das notas de dinheiro ainda é possível ver várias intervenções artísticas ou não circulando por aí. Isso é muito bacana! Inserções em circuitos ideológicos é um trabalho do Cildo Meireles realizado entre 1970 e 1976 período da ditadura após o decreto do AI-5 que proibia de atividades ou manifestações sobre assuntos de natureza política. Com a censura instaurada a circulação da arte e de informações de maneira alternativa era extremamente necessária, qual a relevância da circulação alternativa atualmente? Acredito que a mesma. Aquela ditadura militar acabou, mas existem muitas coisas. Não podemos esquecer que o capitalismo também é uma ditadura, só que em escala global. É urgente ocupar todos os espaços com questões políticas e críticas. Além do Cildo Meireles quais artistas foram referências para vocês na realização de trabalhos que circulam a margem do circuito oficial como FMI – Fome e Miséria Internacional e Propaganda Política dá lucro? Vamos lá: Hélio Oiticica, Lygia Clark, Artur Barrio, Paulo Bruscky, Gordon Matta-Clark, os Situacionistas, os Dadaístas e toda forma de arte crítica e política. O Grupo Poro participa de discussões sobre a circulação alternativa, vocês tem contato com outros artistas que realizam trabalhos com uma circulação marginal? Sim, na verdade uma das grandes vantagens de se trabalhar coletivamente é que mesmo sem querer nos associamos a vários grupos e pessoas que tem em geral as mesmas preocupações e processos criativos. Daí criamos uma rede muito bacana de circulação dos nossos projetos e trabalho. Não penso como uma circulação marginal, pois essas obras de arte entram e saem dos “circuitos oficiais”. É muito difícil definir como marginal essas formas de produção. Gosto mais de pensar em circulação livre e sem pretensões, e que tem a liberdade de ser cada uma o que quiser. Não se trata de negar o circuito ou algo assim, também fazemos parte dele e nos alimentamos dele. No trabalho propaganda política dá lucro vocês disponibilizam o trabalho para que a população possa imprimir e distribuir, é uma estratégia para atingir um grande público?

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Não sei se podemos falar em “grande público”, o fato de estar disponível na internet não significa que as pessoas vão reproduzi-lo em massa. É mais um tesão nosso mesmo de ver as nossas ideias ganhando o mundo de forma livre e circulando em outros lugares onde a gente nem imaginaria. Esse panfleto foi nossa primeira experiência com esse tipo de trabalho. Nós imprimimos e distribuímos uns 5000 panfletos na época (em 2002), também colávamos nos murais, mandamos pelo correio para amigos do Brasil todo e colocamos na internet. Foi uma experiência muito importante pra nós. Vocês acreditam em uma deselitização da arte? Sim, há arte em tudo e em todos. Vocês acreditam que com uma aproximação do cotidiano e a participação da população no processo artístico, há uma deselitização da arte? Não sei, pois a circulação das obras, apesar de ter uma abrangência grande, acaba sendo em um meio já de pessoas que gostam de arte. Mas com certeza conseguimos falar para pessoas que normalmente não estariam nos circuitos culturais e nós gostamos muito disso. Mas não posso dizer que isso seja uma questão pra nós, um objetivo, sabe.. acreditamos que a arte está em todos e em tudo. Acreditamos que arte pode ativar a sensibilidade das pessoas, para que inclusive acabasse com a luta de classes. Mas isso é meio utópico né!? Bom, desejamos a deselitização da arte como desejamos a deselitização de tudo. Somos sonhadores e imaginamos um mundo mais igualitário e humanizado em geral, não apenas no que diz respeito ao circuito artístico. O Grupo Poro atua no circuito marginal? Como vocês veem a profissionalização de artistas que atuem no circuito marginal? Não podemos dizer que atuamos em um circuito marginal, nós já fizemos exposições, publicamos, já ganhamos um prêmio, estamos até concorrendo agora ao prêmio PIPA... não tem nada de marginal nisso. Acreditamos que conseguimos ir construindo nossa carreira de forma autônoma do mercado. Fomos nos articulando coletivamente para fazer nosso trabalho acontecer de maneira interessante e livre. Sobre a profissionalização dos artistas podemos dizer que cada um possui uma poética específica que demanda diferentes envolvimentos com o mercado e o circuito. Como se da à circulação dos trabalhos do Grupo Poro atualmente? Vocês possuem trabalhos inseridos no circuito oficial? 72

Você acredita que exista um circuito oficial e um circuito marginal? Suas perguntas me deram a entender isso. Eu não sei se é bem assim... o circuito da arte é um sistema muito complexo e as diferentes camadas de inserção se misturam em diferentes modos de circulação e institucionalização. Quando você fala de circuito oficial do que está falando? Do mercado? Museus? Instituições culturais? Tudo isso pode ser marginal e oficial, vai depender do contexto e das propostas. Talvez pudéssemos falar melhor em “circuito independente” ou “autônomo” ou “Do it yourself”... acho que tem mais a ver com produzir seu próprio circuito de circulação e produção, do que se confrontar com um suposto “circuito oficial”. Se trata de amor na produção, fazer o que sonhamos e nos expressar através de nossas obras.... e não buscar um confronto, ou a negação de tudo que está estabelecido. Como você vê a inserção no circuito oficial de trabalhos concebidos para um circuito marginal? Voltamos para a mesma questão acima. Muitas vezes se um evento de porte nacional, como por exemplo a Bienal de São Paulo, pode expor trabalhos como os do artista Paulo Bruscky, que ficou muito tempo esquecido pelo sistema da arte, e mostrar sua obra nacionalmente. Isso é uma coisa muito boa não? Talvez o que você esteja preocupada seja mais com o mercado, como ele as vezes pode cooptar as ações rebeldes, estetizando e neutralizando sua carga política? Sim, isso pode acontecer também, mas como te disse, cada artista e cada poética demanda processos de trabalho diferentes. Nossa poética por exemplo, é muito barata e fácil de produzir sem apoio, mas existem diversas outras formas poéticas de arte, que elas sim, vão demandar recursos financeiros, espaço e produção crítica... são opções. Não se trata de negar, mas de produzir e ser coerente. Para nós se um artista é coerente com sua poético e ético nas suas ações, não tem problema algum vender suas obras nas feiras de arte ou leilões. Vivemos num mundo muito complexo, onde as questões éticas são sempre maleáveis, não existe o bem e o mau de forma rígida, tudo é fluxo.

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