OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E CONFLITO DE FONTES INTERNACIONAIS

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OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E CONFLITO DE FONTES INTERNACIONAIS Rachel de Oliveira Lopes* José Augusto Fontoura Costa** [LOPES, Rachel de Oliveira; COSTA, José Augusto Fontoura. Obrigação Alimentar e Conflito de Fontes. Revista IBDFAM Família e Sucessões, Belo Horizonte, v. 15 , p. 177 - 200, mai/jun, 2016.]

RESUMO No presente estudo se desenvolve análise comparativa dos tratados internacionais sobre obrigação alimentar, alcançando-se mais detidamente a Convenção da Haia de 2007 Sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e o Protocolo Sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, para, ao final, estabelecer a influência destes dois documentos sobre a dinâmica do ordenamento jurídico pátrio, em cotejo com os demais tratados sobre a matéria de que também seja parte o Brasil, considerado o viés do conflito de fontes. Palavras-Chave Alimentos; Aplicação de Tratados; Brasil ABSTRACT This study aims to develop a comparative analysis of international treaties on maintenance obligation, reaching more closely the Convention of 23 November 2007 on the International Recovery of Child Support and Other Forms of Family Maintenance and the Protocol of 23 November 2007 on the Law Applicable to Maintenance Obligations, in order to establish the influence of this two documents on the Brazilian legal system dynamics, considering the conflict of sources. Key Words Maintenance Obligations; Treaties’ Aplication; Brazil Introdução Constitutivo do padrão mínimo de existência, o direito a alimentos tem contado – por isso mesmo – com o tratamento privilegiado da comunidade de Estados. Desde o final da Segunda Guerra Mundial1, já se tem notícia de pelo menos sete tratados multilaterais de âmbito universal para a regulação da matéria, antecedidos por inúmeros outros acordos bilaterais de cooperação, além de convênios regionais2, cujo escopo tem sido o de tornar efetivo o direito do credor de alimentos em face de obrigado que se encontre além das fronteiras de seu (credor) domicílio ou de sua residência habitual. À parte das garantias estatais de promoção do bem-estar, o direito a alimentos é assumido num primeiro plano no âmbito da família, como consequência do princípio da solidariedade que norteia o estabelecimento de obrigações interparentais, e voltando-se antes à proteção das crianças, mas alcançando também as demais relações familiares.

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Mestre em Direito Internacional; Membro do Grupo de Pesquisa Governança Global e Regimes Internacionais da Universidade Católica de Santos. ** Doutor em Direito Internacional; Professor Associado da Universidade de São Paulo (USP). 1 MARTINY, Dieter. Maintenance Obligations in the Conflicts of Law, Recueil des cours, 247, p. 133 – 289, 1994, p. 161. 2 V. g. Convenção Interamericana sobre Obrigação de Alimentar e da Convenção de Bruxelas sobre Jurisdição e Reconhecimento de Sentenças em Matéria Civil e Comercial emendada pela Acception Covention de 1978.

Um dos maiores problemas da comunidade internacional no período pós-guerras era o de garantir alimentos às crianças separadas de seus pais em decorrência dos conflitos3, donde deriva a precedência de normatização da matéria, em relação às questões de “proteção, posse e guarda, adoção e sequestro de crianças”4. Ao lado disso, a própria dinâmica familiar dos matrimônios desfeitos, ou da formação de prole a partir de relações não estáveis, associada às facilidades migratórias do mundo globalizado, dá cabimento à separação transfronteiriça entre credores e devedores de alimentos

e ao inadimplemento obrigacional

facilitado pela distância, trazendo à tona também neste campo as clássicas questões do Direito Internacional Privado (DIPr): demandas alcançadas por elemento estrangeiro, e, sobre estas, “a jurisdição competente, a lei aplicável, o reconhecimento/execução das sentenças estrangeiras no foro e a cooperação internacional para conseguir a cobrança da prestação alimentícia, com ou sem intervenção do Judiciário”5. Exatamente as questões sobre as quais dispõem os tratados multilaterais antes referidos, quais sejam: Convenção de Nova Iorque de 1956 sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro (Convenção de Nova Iorque); Convenção da Haia de 1956 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares das Crianças (Convenção da Haia de 1956); Convenção da Haia de 1958 sobre o Reconhecimento e Execução de Decisões Relativas às Obrigações Alimentares (Convenção da Haia de 1958); Convenção da Haia de 1973 sobre Reconhecimento e Execução de Decisões Relativas às Obrigações Alimentares (Convenção da Haia de 1973 sobre Execução); Convenção da Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares (Convenção de 1973 sobre a Lei Aplicável); Convenção da Haia de 2007 sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família (Convenção da Haia de 2007); Protocolo Sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos (Protocolo). O Brasil é membro apenas da Convenção de Nova Iorque, sem se olvidar que em sede regional também é parte da Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar (Convenção Interamericana), aprovada em Montevidéu em 1989 e inserida na ordem interna em 1997. Tal perspectiva, longe de afastar o manifesto o interesse nacional em torno da matéria, destaca a relevância dos reflexos da multiplicidade convencional sobre alimentos, principalmente se se leva em conta a iminente ratificação pelo Estado brasileiro da Convenção da Haia de 2007 e do Protocolo, já submetidos à autorização do Congresso Nacional mediante o Projeto de Decreto Legislativo n. 2516, de 2015 – em tramitação -, que tem origem na Mensagem Interministerial n. 1637, de 2015. Considerados tais fatos, no presente estudo se busca desenvolver uma análise comparativa dos tratados internacionais mencionados, alcançando-se mais detidamente os últimos documentos, para, ao final, estabelecer a situação do Estado brasileiro diante das Convenções abordadas, inclusive em cotejo com a legislação de origem interna. Ainda que, como já destacado, o Brasil não tenha ratificado a totalidade das 3

DYER, Adair. International Child Abduction by Parents, Recueil des cours, v. 168, p. 231 – 247, 1980, p. 238. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado, volume 01, tomo segundo, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 322. 5 Idem, ibidem. Vide também MARTINY, op. cit. p. 159. 6 Disponível em: . Acesso: 18 abr. 2018. 7 Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016. 4

Convenções mencionadas, vale a referência a cada uma delas com o objetivo de indicar a construção e a evolução do tratamento da matéria, mormente quando se tem notícia de que a novel Convenção foi mesmo negociada a partir dos textos dos documentos já existentes, notadamente a Convenção de Nova Iorque, as Convenções da Haia de 1973 e a Convenção Interamericana8. 1 Breves Comentários sobre as Convenções de Alimentos A primeira Convenção multilateral sobre Alimentos aberta à adesão universal remonta a 1956. Aprovada no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), a Convenção de Nova Iorque conta com o âmbito subjetivo de aplicação amplo, na medida em que dali não constam as características específicas do credor e do devedor de alimentos, pelo que se contemplam quaisquer relações que deem ensejo à obrigação em pauta, a partir da lei do Estado do demandado, elemento de conexão eleito para a realização do escopo material do Convênio. Conquanto este documento tenha previsto medida de persecução e execução de obrigação alimentar, ali não se dispôs sobre o reconhecimento de decisões proferidas em outros Estados, relegando tal assunto às ordens internas, inclusive a partir de outros documentos internacionais de que tenham sido partes os Estados em que se executará tal decisão, desde que aplicável o Convênio aos Estados de que são originárias9. De todo modo, segundo o documento, “a parte pode reclamar os alimentos tanto no país de sua residência habitual, e posteriormente cuidar do reconhecimento e execução no país estrangeiro, quanto ir ao país em que reside o devedor e entrar com a ação diretamente”10. Muito embora ainda não se vislumbre aí a unificação característica do sistema de autoridades centrais, posteriormente implementado pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (Conferência da Haia), ali já se apresenta a cooperação jurídica indireta, a partir da comunicação estabelecida entre as chamadas autoridades remetentes – no Estado demandante - e instituições intermediárias – no Estado demandado11. Esse viés cooperativo é dado marcante da Convenção de Nova Iorque, que tem razão de ser no objetivo humanitário já proclamado em seu preâmbulo, e que é aspecto divergente das Convenções universais que se seguiram para o tratamento exclusivo da obrigação de alimentar, que não contêm, em sua grande maioria, regras de cooperação administrativa, na medida em que seus objetivos estão mais propriamente situados na seara do DIPr, ainda aplicado em sua estrutura tradicional de uniformização, que dava prevalência aos aspectos adjetivos, sem utilização apropriada e eficaz das técnicas voltadas à realização do direito material alcançado pelas normas em conflito, ainda quando previstas.

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RODAS, João Grandino; MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos. A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: a participação do Brasil, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007, p. 232. 9 Vide PALSSON, op. cit. Vale observar que ainda que o artigo V faça referência às decisões proferidas no Estado do demandante, as aponta como meio de prova, e relega às normas do Estado demandado a possibilidade execução de tais decisões. 10 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira, 4ª edição atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 501. 11 Nada obstante, o Estado brasileiro tratou desde logo de unificar tais funções, indicando primeiramente a Procuradoria Geral do Distrito Federal como autoridade remetente e como instituição intermediária responsável pela aplicação do Convênio em sede nacional, e, posteriormente a Procuradoria Geral da República, que permanece até hoje como competente para exercício de tais atividades. Vide a Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968.

De qualquer forma, é preciso deixar claro que na cooperação jurídica apresentada pela Convenção de Nova Iorque ainda não se lança mão dos instrumentos mais modernos de fluxo comunicativo e fortalecimento dos vínculos de confiança mediante ação coordenada, situação somente alcançada pela Convenção da Haia de 2007, conforme se verá adiante. O Brasil firmou a Convenção de Nova Iorque em 31 de dezembro de 1956 e, tendo contado com autorização congressual procedida em 13 de novembro de 1958, depositou o instrumento de ratificação em 14 de novembro de 1960, ao que se seguiu o Decreto de Promulgação datado de 02 de setembro de 1965. O instrumento ainda mantém o vigor internacional e o vigor interno. Na Haia, por outro lado, o interesse pela matéria surge praticamente na mesma época de aprovação da Convenção de Nova Iorque. Tanto a Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares das Crianças, quanto a Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Decisões Relativas às Obrigações Alimentares, datam da década de 1950, a primeira de 1956 e a segunda de 1958. Referidos documentos possuíam âmbito subjetivo restrito à criança, concebida ali como pessoa não casada menor de 21 anos. Na Convenção de 1956 se trata de apontar a lei da residência habitual da criança como a adequada a dispor sobre o seu direito a alimentos, abandonando a eleição do princípio da nacionalidade como elemento de conexão, o que é assumido por Martiny como causa - não isolada - do sucesso do documento perante a comunidade de Estados12. De fato, os critérios tradicionais de domicílio ou de nacionalidade, além de se constituírem em critérios jurídicos variáveis a cada ordenamento, comportam multiplicidade. A residência habitual, ao contrário, é parâmetro fático e exclusivo, mesmo que passível de alteração, pelo que se afigura mais “fácil de qualificar e de detectar”, o que resguarda a “praticidade e o imediatismo requeridos na fixação de medidas que protejam a criança”13. Ademais, é o critério que realiza o princípio da proximidade, segundo o qual a lei de regência da relação deve ser aquela mais próxima ao ambiente em que vive a parte que carece de proteção, nos termos convencionais14. Não custa, todavia, referir o alerta de Jacob Dolinger no sentido de que, à parte do princípio da proximidade, foi o princípio de proteção da criança que norteou a possibilidade, disposta pelo artigo 3º do documento em trato, de recurso às regras de conflito internas sempre que a lei de residência habitual recusar o direito a alimentos. O princípio invocado também é apontado pelo doutrinador como fundamento à preservação de algum resquício da nacionalidade como elemento de conexão para as hipóteses em que alimentante e alimentando “são nacionais do Estado em que se processa o pedido”, desde que este Estado também se constitua como o local de residência habitual do demandado e, por certo, disponha internamente de modo mais benéfico do que se dispõe no local de residência habitual do alimentando15. A Convenção de 1958, por seu turno, trata do reconhecimento e da execução das decisões sobre alimentos, aí também incluídos os acordos homologados, ainda que sem previsão expressa, na medida em 12

Op. cit, p. 162. DOLINGER, op. cit, p. 131 – 132. 14 Idem, p. 326 – 327. 15 Ibidem, p. 329. 13

que a homologação lhes confere a natureza de sentenças judiciais stricto sensu16. É escopo material que passa ao largo de juízos de mérito. Vale notar, outrossim, que ainda que as decisões referidas também abranjam outros aspectos da relação entre demandante e demandado – tais como questões de paternidade, por exemplo-¸ a aplicação do Convênio se restringe à questão alimentar. Estes documentos foram substituídos pelas Convenções da Haia de 1973, que também dispõem sobre a lei aplicável e sobre o reconhecimento e execução de decisões de mesma natureza. Permanecem, contudo, em vigor para os Estados que não aderiram a estas últimas. As Convenções de 1973 possuem um escopo subjetivo mais ampliado do que aquele contido nas convenções da década de 1950: alcançam também os adultos em relações familiares originadas do parentesco, do casamento ou por afinidade. Também apresentam método mais moderno de satisfação do direito, que se desvia da justiça formal de resguardo da segurança jurídica, para a materialização do direito fundamental perseguido, conforme se denota da subsidiariedade estabelecida para a eleição da regra aplicável: faculta-se, além da eleição da lei do Estado de nacionalidade comum das partes – para as hipóteses de impossibilidade de obtenção de alimentos segundo a lei de residência habitual do demandante -, a aplicação da lei do foro, nos casos em que aquela também não proporcione o direito a alimentos. Afasta-se aí a técnica tradicional disposta pela Convenção de 1956, de transferência do critério de eleição para a lei do foro, abrindo possível sucessão de hipóteses mais vantajosas, com vistas ao resguardo do direito fundamental à obtenção de alimentos. O caráter substantivo que assume tal subsidiariedade confirma a alteração do pensamento no manejo do DIPr na Europa: “ao invés de considerá-lo como um mero direito de remissão, [passa-se a encará-lo] como um verdadeiro direito de decisão. Seu objetivo maior é promover a regulamentação adequada e materialmente mais justa da questão plurilocalizada”17. O Brasil não é Estado-membro de qualquer destas quatro últimas Convenções. Não se despreze, contudo, o fato de que o âmbito de aplicação territorial da Convenção de Nova Iorque

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é muito mais alargado do que aquele que alcança os Tratados da Haia19, inclusive no que diz

respeito às Convenções sobre a Lei Aplicável – cujo âmbito territorial é ainda mais restrito -, documentos de maior relevo num contexto comparativo, dada a já referida ausência de disposição, na Convenção de Nova Iorque, sobre o elemento de conexão para a solução dos conflitos entre as ordens jurídicas alcançadas, o que, em oposição, destacaria desvantagem relativa ao escopo material. Por outro lado, no que diz respeito ao âmbito de aplicação subjetivo, a ausência de indicações das características específicas do credor e do devedor de alimentos pela Convenção de Nova Iorque não confere vantagem necessária à aplicação deste Tratado, na medida em que as ordens internas podem mesmo é conter previsões mais restritivas do que aquelas dispostas pelas Convenções da Haia. Amplitude apenas aparente, que finda muitas vezes como limitadora da proteção. 16

Ibidem, p. 339 – 340. Op. cit, p. 53. 18 Vide: . Acesso em: 23 mar. 2016. 19 Informação disponível em: https://www.hcch.net/en/instruments/conventions. Acesso em: 23 mar. 2016. 17

De todo modo, a despeito das especificidades de cada âmbito de aplicação, o fato é que, como dito, o Brasil não ratificou ou aderiu a qualquer dos quatro documentos da Haia antes referidos. Manteve-se assim, em perspectiva universal, apenas como parte da Convenção de Nova Iorque, até a firma e ratificação da Convenção da Haia de 2007, ocorridas somente em 2015. A perspectiva dos interesses regionais, contudo, não foi desprezada: o Brasil é também Estadomembro da Convenção Interamericana, aprovada em 17 de julho de 1989, durante a quarta Conferência Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP)20. A vinculação no plano internacional se deu em 11 de julho de 1997, e consolidou-se no plano interno a partir da edição do Decreto 2.428, de 17 de dezembro de 1997. Relevante o fato de que, apesar do paralelismo temático e procedimental historicamente adotado pela CIDIP em relação à Conferência da Haia, o tema dos alimentos foi disposto pela Conferência americana num só corpo documental, em que se tratou a um só tempo tanto da lei aplicável quanto do reconhecimento e execução das decisões respectivas. A Convenção Interamericana possui âmbito de aplicação subjetivo um pouco mais restrito do que o disposto pelas Convenções da Haia porque, num primeiro plano, considera como criança pessoa menor de dezoito anos, admitindo a ampliação para vinte e um anos a depender das disposições domésticas em cada Estado. Contém, contudo, no que diz respeito às demais relações, régua similar de ampliação ou restrição do escopo subjetivo: a despeito de prever a possibilidade de sua aplicação às relações entre cônjuges ou excônjuges e de admitir sua extensão a outras relações, que não matrimoniais, desde que passíveis de ensejar o direito a alimentos, também permite limitação à prestação de alimentos somente a crianças. Tais parâmetros de ampliação e restrição, como visto, não são veiculados pela Convenção de Nova Iorque. A doutrina classifica a Convenção Interamericana como dupla ou perfeita, “por cuidar tanto da competência internacional na jurisdição procurada pela parte, como da competência internacional na jurisdição estrangeira que prolatou a sentença, para a qual se pede reconhecimento e execução” 21, classificação não estendida às Convenções da Haia, que não tratam da competência internacional da jurisdição procurada pela parte, nem tampouco à Convenção de Nova Iorque, que não contém disposições específicas de solução para os conflitos de jurisdição. Inegável, neste caso, o espectro mais protetivo da Convenção Interamericana, que afasta possíveis limitações domésticas da competência internacional, como inclusive ocorria com o artigo 88 do Código de Processo Civil brasileiro (CPC) de 1973, que não continha previsão de demanda no Estado de domicílio do credor, hipótese readequada a partir da novel disposição do artigo 22 do CPC de 2015, que prevê competência internacional da autoridade judiciária brasileira para conhecimento e decisão em matéria de alimentos cujo credor seja domiciliado ou residente no Brasil, possibilidade também estendida às hipóteses em que o devedor tenha vínculos jurídicos (bens e direitos) em território nacional. A Convenção Interamericana, além de conter previsão semelhante às disposições 20

Ainda em sede regional, não se ignora o vigor, inclusive interno, da Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código Bustamante), que apresenta dois dispositivos específicos sobre obrigação alimentar, apenas para ressaltar a natureza de ordem pública, e relegar à lei interna os aspectos substantivos da matéria. 21 DOLIGER, op. cit., p. 351.

domésticas referidas, permite à parte que opte pela provocação da autoridade do Estado de domicílio ou residência habitual do devedor. No que diz respeito à Lei aplicável, a Convenção Interamericana assume o critério da lei mais favorável ao credor, na esteira do quanto já disposto sobre a Convenção da Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável, ainda que com redação mais clara e direta. Paralelismo procedimental recuperado, inclusive no que diz respeito à ausência de estabelecimento de autoridades específicas para o trânsito comunicativo, pelo que divergem aí do quanto disposto pela Convenção de Nova Iorque que, neste aspecto, andou melhor: ainda que ali ainda não vislumbrasse a figura da autoridade única, o canal comunicativo para a cooperação em sede de alimentos já estava mais delineado, o que, no mínimo, favorece a diminuição do lapso temporal de cumprimento das decisões. Até aqui se fornece uma perspectiva ampla dos principais aspectos das Convenções sobre Alimentos. Pelo quanto disposto, é possível assumir que ainda que a Convenção de Nova Iorque tenha como objetivo viabilizar a consecução de alimentos em relação marcada por aspectos de extraterritorialidade, passa ao largo das questões de conflitos de lei e de jurisdição que, por outro lado, são historicamente tratadas na Haia e, portanto, alcançadas pelas Convenções das décadas de 1950 e de 1970 antes referidas, concebidas dentro padrão evolutivo que se inicia pela simples solução uniformizadora e de âmbito subjetivo mais restrito, mas alcança, com as Convenções de 1973, a tentativa de realização do próprio direito de base, e com ampliação dos âmbitos de aplicação. Esta última compreensão já apanha a Convenção Interamericana que, a despeito da unicidade documental relativa às Convenções da Haia, traz disposições bastantes semelhantes àquelas ali dispostas, sem descuidar, contudo, do aperfeiçoamento técnico que a posterioridade lhe permitiu, o que, por certo, e apesar do dito aperfeiçoamento, também não lhe garante vantagem absoluta em relação a todos os demais documentos, situação genericamente observada para cada uma das Convenções em trato. O fato é que cada uma das Convenções mencionadas padece de desvantagens aplicativas, destacando-se como principais motivos invocados pelos Estados para a não ratificação de um ou de outro dos documentos (i) a ausência de assistência administrativa, (ii) a jurisdição indireta ou, mais exatamente, à ausência de regra de solução de conflito de jurisdição em sede de conhecimento, e (iii) a firma de acordos bilaterais ou regionais. Esse o cenário que, ao lado das práticas e interpretações discrepantes, estabelece o interesse pela elaboração de mais um Tratado internacional sobre obrigação alimentar, a despeito da já existente multiplicidade no tratamento da matéria22. 2 Convenção da Haia de 2007 Sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e Protocolo Sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos Considerada a insuficiência da aplicação dos documentos universais que dispunham sobre obrigação alimentar23, e sob o pano de fundo da Convenção da ONU de 1990 Sobre os Direitos da Criança, 22

Vide Preliminary Documents. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2016. 23 Há notícias da resistência dos Estados quanto à adoção de mais um documento aberto à adesão universal, por força da já notória multiplicidade que, contudo, não foi suficiente a impedir aprovação do novo documento, por consideração da insuficiência e obsolescência dos demais (Vide BORRÁS, Alegría; DEGELING, Jennifer. Explanatory Report on the Convention of 23 November

mas sem descurar, por outro lado, das obrigações alimentares resultantes de relações entre adultos, nem tampouco das pessoas em estado de vulnerabilidade, a Convenção da Haia de 2007 e o Protocolo foram aprovados durante a vigésima primeira sessão da Conferência da Haia, realizada em 23 de novembro de 2007. Vale abrir um parêntese para destacar que a Conferência da Haia, fundada sob o propósito de “trabalhar para a unificação progressiva das regras de direito internacional privado” (artigo 1º do Estatuto), assumiu posteriormente o objetivo de promoção da cooperação, a partir de um giro valorativo que, por situar a dignidade humana como eixo central das ordens jurídicas, exerceu influência direta sobre a atuação das organizações internacionais, e apanhou mesmo a tradicional instituição de DIPr. Antes voltada apenas aos aspectos adjetivos, tal instituição passa a buscar a realização do conteúdo substantivo das normas uniformizadoras, pelo que ultrapassa a utilização do método conflitual para lançar mão de técnicas mais modernas, dentre as quais se incluem regras de promoção da cooperação administrativa e judiciária24, marco de relevo na transição do pensamento entre as Convenções de 1973 e a Convenção da Haia de 2007, na medida em que a perspectiva de realização do direito material já identificada naquelas primeiras passa ao largo das técnicas de fomento da cooperação apresentadas por esta última. De fato, a colaboração é o aspecto de destaque da Convenção da Haia de 2007 em que, muito embora não se descuide das questões de conflitos de jurisdição, se assume como meio principal para a realização do escopo material ali contido o estabelecimento de “um sistema abrangente de cooperação entre as autoridades dos Estados Contratantes” (artigo 1º, “a”), já construído sob bases mais avançadas do que aquelas sobre as quais se erigiu a Convenção de Nova Iorque que, como visto, bipartia funções entre autoridade remetente e instituição intermediária, relegando à vontade dos Estados-membros as vantagens da concentração que, por outro lado, ainda que empreendida, não redundava em exclusividade de funções desempenhadas, nem tampouco em especialização25. Tais qualidades, contudo - da especialização e da exclusividade – são justamente as que “realizam de forma muito mais efetiva o fluxo comunicativo, a identificação de falhas e, principalmente, o estabelecimento da confiança entre os membros, que passam a contar com interlocutores identificados” 26 para a promoção do regime convencional disposto. Ademais, é a atuação comunicativa destas autoridades que uniformiza a interpretação dos ditames convencionais e principalmente a prática voltada a tal realização, pelo que não é de se estranhar esse viés assumido pela Convenção da Haia de 2007: no relatório explicativo se deixa claro que a falha dos membros na consecução dos objetivos das Convenções anteriores não dizia 2007 on the International Recovery of Child Support and Others Forms of Family Maintenance. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2016; e vide Report on and Conclusions of the Special Commission on Maintenance Obligations of April 1999. Disponível em: < https://assets.hcch.net/upload/wop/maint1999concl_e.pdf.> Acesso em: 30 mar. 2016). 24 Vide ARAÚJO, 2008, op. cit. 25 Há referências à ausência de comunicação entre autoridade remetente e instituição intermediária de um mesmo Estado. (Report on and Conclusions of the Special Commission on Maintenance Obligations of April 1999, op. cit). 26 LOPES, Rachel de Oliveira. Aplicação Concorrente da Convenção da Haia e da Convenção de Montevidéu sobre Restituição Internacional de Crianças pelo Brasil. 2016. 167 f. Dissertação (Mestrado). Universidade Católica de Santos, Santos, 02/2016, p. 82.

respeito somente às disposições convencionais em si, mas à atuação estatal, que carecia de aperfeiçoamento27 e de informação sobre o funcionamento do sistema além de suas próprias fronteiras28. E, de fato, a cooperação jurídica em tema de alimentos fora até então desempenhada a partir do conceito clássico de “intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de outro Estado”29, muito mais afeito à transmissão de documentos judiciais, do que à prática comunicativoadministrativa que confere efetividade a tais regras. Leve-se em conta, por outro lado, que, inexistente cooperação administrativa que permita uma prática homogênea, a aplicação dos ordenamentos internos - em diferentes estágios de evolução, inclusive tecnológica - remanesce supervalorizada para pontos paralelos que, ainda quando meramente tangenciais, são capazes de exercer influência direta na (não) realização do direito perseguido. Esse é o caso das questões relacionadas, por exemplo, à paternidade, à localização do alimentante, à identificação de renda e transferência de fundos, à assistência judiciária, à transmissão, à tradução e autenticidade de documentos30, para os quais a ausência de uniformidade interpretativa e prática depõe contra o vínculo de confiança, contra a informação plena em sistema complexo e, principalmente, contra a celeridade tão cara em matéria de subsistência. Neste sentido, a Convenção da Haia de 2007 contém um escopo material ampliado em relação às Convenções anteriormente apresentadas, e encerra descrição pormenorizada das atividades relativas à cooperação administrativa voltadas ao referido escopo, por atuação de Autoridade Central – agente chave de referida cooperação -, apresentada já num contexto de exclusividade, mas conceitualmente aberta às diferentes capacidades estruturais e às disposições de competência havidas nos Estados-membros31. Vale notar, contudo, que o âmbito material comporta gradação em relação ao âmbito subjetivo de aplicação. Com efeito, ainda que o objeto do Convênio seja o de possibilitar e garantir a apresentação de pedidos e o reconhecimento e execução de decisões em matéria de alimentos, mediante sistema amplo de cooperação, que admita medidas eficazes à satisfação do direito perseguido (inteligência do artigo 1º), e ainda que, como já dito, o documento alcance relações de filiação, relações conjugais e relações por afinidade, a proteção da criança possui um peso relativo maior neste contexto: a imperatividade da cooperação disposta se volta para as obrigações alimentares atinentes a crianças até um limite etário de 21 anos, com possibilidade de restrição para 18 anos, respeitada a reciprocidade; e apenas se estende imediatamente ao reconhecimento e execução de obrigação de alimentos entre cônjuges quando relacionada a uma obrigação de mesma espécie em relação de filiação. Sendo assim, não há imposição aos Estados de manejo da cooperação administrativa e da via da autoridade central para os pedidos de estabelecimento de obrigação alimentar entre cônjuges, nem tampouco para os pedidos de reconhecimento e execução de decisões relativas a tais obrigações, quando inexistir relação com obrigação alimentar de uma criança. Há, 27

BORRÁS; DEGELING, op. cit, p. 51. Report on and Conclusions of the Special Commission on Maintenance Obligations of April 1999, op. cit., p. 18. 29 DIPP, Gilson. Apresentação. In: ARAÚJO, Nádia de. Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça: comentários à resolução nº 9/2005, Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 2. 30 Vide o texto integral do Report on and Conclusions of the Special Commission on Maintenance Obligations of April 1999, op. cit. 31 BORRÁS; DEGELING, op. cit., p. 79. 28

contudo, a possibilidade expressa de extensão plena do escopo material às relações conjugais e por afinidade, desde que o Estado assim o declare, guardada a reciprocidade na invocação de tal extensão perante outro Estado-membro. Ao que parece, a Convenção da Haia de 2007 apresenta solução para a queixa da ausência de assistência administrativa, convertendo-se, neste ponto, em documento mais vantajoso do que os anteriores, mormente quando se considera que, no que não diz respeito à cooperação jurídica, os âmbitos de aplicação material e subjetivo alcançam os mesmos parâmetros do conjunto dos Convênios até aqui referidos. Quanto ao âmbito de aplicação territorial, à parte da indicação de quais seriam os Estados-membros da Convenção da Haia de 200732, releva mesmo é tratar do tópico convergente do conflito de jurisdição. Ainda que a segunda crítica do Estados, relativa às Convenções anteriores, dissesse respeito exatamente à persistência da jurisdição indireta, o relatório explicativo aponta um equilíbrio entre os argumentos favoráveis e contrários ao estabelecimento de regras de solução de conflitos de jurisdição em sede de conhecimento, pelo que, mais uma vez, se optou pelo silêncio, relegando-se às ordens internas tais disposições33. A Convenção, todavia, considerada a possibilidade de litispendência e de decisões conflitantes, proíbe ao devedor que, em caso de já proferida decisão por autoridade do Estado no qual o credor tenha residência habitual, e enquanto tal residência for aí mantida, provoque outra jurisdição com intuito de modificar ou obter nova decisão. Nos termos do relatório explicativo, é espécie de disposição consistente com regimes que favorecem o credor, bem como a continuidade da jurisdição que proferiu a decisão original34. Persistem, contudo as seguintes ressalvas: a) quando as partes tiverem acordado por escrito a respeito da competência desse outro Estado Contratante, salvo em litígios sobre obrigações de prestar alimentos para crianças; b) quando o credor se submeter à competência do outro Estado Contratante, expressamente ou opondo-se quanto ao mérito do caso, sem impugnar essa competência na primeira oportunidade disponível; c) quando a autoridade competente do Estado de origem não puder ou se negar a exercer sua competência para modificar a decisão ou proferir uma nova; ou d) quando a decisão adotada no Estado de origem não puder ser reconhecida ou declarada executável no Estado Contratante no qual se esteja buscando procedimentos para modificar a decisão ou se proferir uma nova.

De tais exceções, por outro lado, ressalta o respeito à vontade das partes – quando possível a disposição do direito, o que por certo não se aplica aos menores de 21 anos -, e a aplicação do princípio do fórum necessitatis, que preceitua o acesso a tribunais originariamente incompetentes, com vistas a evitar o impedimento do acesso à justiça35. No que diz respeito ao reconhecimento e à execução de decisões estrangeiras, o documento traz algumas regras semelhantes àquelas contidas nas Convenções da Haia de 1958 e 1973, muito embora, por certo, agora inseridas em contexto de cooperação – ainda que sem empecilhos à provocação direta da 32

A Convenção da Haia de 2007 somente foi ratificada por 28 Estados até a presente data. Informação disponível em: . Acesso em: 3 abr. 2016. 33 BORRÁS; DEGELING, op. cit., p. 63. 34 Idem, p. 154 – 155. 35 GUERRA, Marcel Vitor de M. Conflito de Jurisdições: análise do princípio do fórum necessitatis, corolário do princípio de aceso à justiça. In: MOCHEN, Valesca Raizer Borges et al. Desafios do Processo Civil Internacional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 77 – 97.

autoridade de destino36 - e alcançadas por estratégias mais modernas de satisfação do direito perseguido e que, ao mesmo tempo, também diminuem a necessidade de modificação da decisão original, em casos de alteração da situação de fato37. Assim o faz a disposição que prevê a possibilidade de execução de decisões que disponham sobre “ajuste automático por indexação e exigência de pagar atrasados, alimentos retroativos ou juros, bem como fixação de custos ou despesas” (artigo 19). Tais estratégias de satisfação do direito, por outro lado, também redundam na ampliação das hipóteses de cabimento do reconhecimento e execução por jurisdição indireta, seja por exploração das diversas perspectivas do vínculo do devedor com o Estado de origem da decisão, seja para o acolhimento da já referida autonomia da vontade das partes, seja ainda por considerar que a obrigação de prestar alimentos pode surgir a partir de decisões que disponham sobre o estado civil ou que imputem responsabilidade. Neste sentido, além das já conhecidas hipóteses relacionadas ao local de residência habitual do credor ou do devedor (vide supra n. 1), a Convenção da Haia de 2007 também admite o reconhecimento e a execução de decisão estrangeira se (i) a criança para a qual se concedeu alimentos tinha sua residência habitual no Estado de origem ao tempo em que se iniciaram os procedimentos, desde que o demandado tenha vivido com a criança nesse Estado ou tenha residido nesse Estado e nele prestado alimentos para a criança; (ii) as partes tiverem acordado por escrito a competência, salvo em litígios sobre obrigações de prestar alimentos para crianças; ou (iii) a decisão tiver sido proferida por autoridade no exercício de sua competência sobre estado civil ou responsabilidade parental, salvo se dita competência tiver se baseada unicamente na nacionalidade de uma das partes.

Cabe destacar, outrossim, que a intenção de construção de um sistema flexível, não oneroso e, principalmente, capaz de rápido processamento de solicitações, - ressaltada desde as reuniões prévias à elaboração do texto38 -, redundou nas disposições do artigo 24, que apresenta um procedimento convencional de reconhecimento de decisões, o que, contudo, é estabelecido como via alternativa à regra de adoção das normas internas (artigo 23) e, portanto, carece de declaração. Não se olvide, todavia, que mesmo as regras internas são expressamente tangenciadas por disposições convencionais que preceituam a celeridade na aplicação dos procedimentos domesticamente eleitos, e que buscam sobretudo impedir o fracasso do Convênio em decorrência de práticas internas não adequadas. Bem por isso, “pela primeira vez na história, uma Convenção da Haia contém capítulo específico sobre a execução conforme a lei nacional” 39 (artigos 32 a 35). De qualquer forma, seja qual for a opção estatal, o artigo 52 da Convenção da Haia de 2007 deixa claro que não haverá impedimentos à adoção de “procedimentos simplificados e mais céleres relativos a pedido de reconhecimento ou de reconhecimento e execução de decisões em matéria de alimentos”. Estes os mesmos princípios que informam a possibilidade de reconhecimento e execução extraterritorial de acordos em matéria de alimentos, desde que também alcançados por reconhecimento e executoriedade no Estado de origem. É disposição que ratifica uma tendência pela busca de soluções amigáveis e, com tal objetivo, pela adoção de mecanismos alternativos de solução de disputas, que tornem 36

BORRÁS; DEGELING, op. cit., p. 159. Idem, p. 157-158. 38 Report on the First Meeting Of the Special Commission on the International Recovery of Child Support and Other Forms of Family Maintenance, p. 15. 39 BORRÁS; DEGELING, op. cit., p. 191. 37

mais célere e eficaz a realização do direito perseguido40, na própria medida da conversão de vontades já originariamente demonstrada. Como se percebe, também sob o aspecto do conflito de jurisdição, a Convenção da Haia de 2007 é documento mais vantajoso do que os anteriores, fato que, associado à já referida vantagem cooperativa, também depõe contra o argumento da não adesão com fundamento em acordos bilaterais ou regionais. Ainda que, na maioria das vezes, os interesses paralelos ao objetivo material destes acordos sejam determinantes a sua elaboração – razão pela qual permanecerão sendo produzidos, a despeito da disposição da matéria em outros documentos de âmbito territorial mais alargado-, não há como negar que tratados multilaterais para hipóteses em que a casuística é sempre estabelecida entre poucas partes-contratantes – em geral, entre duas apenas – ampliam a possibilidade de interação sem dificultar o fluxo comunicativo para cada relação estabelecida, o que acaba ressaltando também a vantagem do documento mais moderno e mais efetivo sobre os mencionados acordos bilaterais.

Neste contexto, a Convenção da Haia de 2007 acaba solucionando as

três queixas antes referidas (vide n. 1 supra). Cumpre ressaltar, por outro lado, que a questão da lei aplicável às obrigações alimentares internacionais não passou ao largo das discussões prévias à adoção do texto convencional ora em comento. É tema expressamente indicado no mandato conferido à Comissão Especial sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família41, ao qual, contudo, se destinou tratamento diverso daquela que vinha sendo adotado na Haia até então: ao contrário da aprovação de dois Tratados, optou-se pela adoção de um protocolo adicional, cujo objetivo é o de modernizar o quanto já disposto nas Convenções da Haia de 1956 e de 1973 sobre a Lei Aplicável. Muito embora se tenha considerado a possibilidade de inclusão de um capítulo específico sobre conflito de lei no próprio corpo da Convenção da Haia de 2007, divergências entre Estados de common law e de civil law42 levaram à conclusão de que seria mais prudente o estabelecimento de um Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, aberto à assinatura de quaisquer Estados, o que, considerada a sua autonomia e a distinção relativa ao processo de entrada em vigor 43 - sem obstar as “articulações genéticas e funcionais”44 com o Tratado -, admitiria a aprovação do texto convencional, apesar das discordâncias ainda existentes em torno da lei aplicável. O Protocolo, ainda que de certo modo alcançado pelas regras de cooperação estabelecidas na Convenção da Haia de 2007, traz parâmetros bastante semelhantes àqueles assumidos pelas Convenções da Haia precedentes, notadamente no que diz respeito ao âmbito de aplicação material, e à consideração da lei 40

Idem, p. 187. BONOMI, Andrea. Relatório Explicativo do Protocolo de 23 de novembro de 2007 sobre a Lei aplicável às Obrigações Alimentares, p. 11. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2016. 42 O princípio da proximidade (ou dos vínculos mais estreitos), referido no item 1 supra, já era aplicado pelos países de common law, todavia apenas no campo da responsabilidade civil (v. ARAÚJO, op. cit., p. 47-52). Para as questões de família, ali ainda se aplicava correntemente a lei do foro (v. BONOMI, op. cit., p. 12). Nos países de civil law, por outro lado, o princípio referido era aplicado com maior generalidade, o que inclusive já havia dado ensejo à sua adoção pela Convenção da Haia de 1973 que, todavia, não passou imune a críticas que a imputavam utilitarista, por ser “francamente a favor de quem deve receber alimentos, independente do direito aplicável às relações de família” (ARAÚJO, op. cit., p. 57). 43 DINH, Nguyen Q.; DAILLIER, Patrick; PELLET, Allain. Direito Internacional Público, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 122. 44 BONOMI, op. cit., p. 14. 41

de residência habitual do credor como elemento de conexão primário (artigo 3º), associado às regras subsidiárias em que se admitem conexões em cascata, para benefício do próprio credor (vide item 1 supra). Também o âmbito de aplicação subjetivo do Protocolo é semelhante àquele alcançado pela Convenção 1973: se aplica às relações filiais, conjugais e por afinidade, sem contar, contudo, com as possibilidades de ampliação ou restrição dispostas pela Convenção de 2007 que, portanto, possui escopo subjetivo mais restrito do que o Protocolo, não impedida eventual coincidência, em casos de opção pela ampliação convencionalmente prevista. De se supor, contudo, que a divergência anteriormente referida, entre Estados de tradição anglosaxônica e de tradição romano-germânica, tenha sido relevante para a não adoção do mesmo modelo relativo ao elemento de conexão apresentado pela Convenção Interamericana, que aponta de modo claro e direto a opção pela lei mais favorável ao credor. Do mesmo modo, as divergências em torno da noção de família, ou da possibilidade de se considerarem várias espécies de casamento ou união de onde derivem obrigações alimentares, e mesmo a ausência de uniformização internacional do regramento do divórcio, também sinalizaram para a necessidade de reestruturação que permitisse a adequação prática não impeditiva da efetividade, a depender da cultura jurídica de cada Estado. Neste sentido, ainda que a intenção tenha sido desde sempre a de fazer coincidir as disposições do Protocolo e da Convenção da Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável, com vistas a permitir a substituição (revogação) de documentos45, algumas atualizações foram procedidas. A relatora apresenta o destaque específico: As principais inovações relativamente à Convenção sobre as obrigações alimentares de 1973 (lei aplicável) são três. Em primeiro lugar, o reforço do papel da lex fori, que é promovida para os pedidos de determinadas categorias «privilegiadas» de credores, a título de critério principal, assumindo a lei da residência habitual do credor neste caso apenas um papel subsidiário (artigo 4, n.º 3). Em segundo lugar, relativamente às obrigações entre cônjuge e ex-cônjuge, a introdução de uma cláusula de salvaguarda baseada na ideia de proximidade (artigo 5.º), em rutura com a conexão imutável à lei aplicada ao divórcio que resulta do artigo 8.º da Convenção de 1973. Por último, a introdução de um certo grau de autonomia das partes, que assume duas formas: um acordo processual que permita às partes, relativamente a qualquer obrigação alimentar, escolher a lei do foro para efeitos de um procedimento específico (artigo 7.º) e a possibilidade de escolha da lei aplicável, em qualquer momento, por pessoas adultas e capazes de defender os seus interesses, sob reserva de certas condições e restrições (artigo 8.º) 46.

Repare-se que a novidade é, contudo, estabelecida sobre o mesmo pano de fundo da justiça material em que se construiu a Convenção de 1973, a Convenção Interamericana e, como ressaltado, a Convenção de 2007, de modo que a modernização apresentada, longe de desqualificar a paridade pretendida, reforçou uma escolha teleológica posta em prática desde a década de 1970. Como se vê, o mais importante a respeito da sistemática estabelecida pela Convenção de 2007 e pelo Protocolo adicional é a perspectiva da efetividade, que por sinal vem sendo – como de praxe na Haia – promovida pela ação de Comissão Especial que, além de monitorar a prática dos Estados, expede 45 46

Idem, p. 15. BONOMI, op.cit., p. 15.

recomendações47 e orientações48, estimula a atualização dos country profiles - fundamentais ao fluxo de informação -, entre outras medidas49. Tanto a Convenção da Haia de 2007, quanto o Protocolo, ostentam vigor internacional, sem ainda, contudo, vincular o Brasil, que não lançou firma, nem ratificou tais documentos, a despeito da destacada participação no processo de elaboração. Há, todavia, a notícia de tramitação do Projeto de Decreto Legislativo n. 251, de 2015, continente da autorização congressual constitucionalmente invocada, e já antecedido pela formação de um Grupo de Trabalho nacional destinado exatamente à “preparação da documentação necessária para a assinatura e ratificação da Convenção e do Protocolo”50; o que, dada a também potencial e esperada inserção na ordem doméstica - e considerado o vigor interno da Convenção de Nova Iorque e da Convenção Interamericana -, torna relevante o exame da dinâmica do ordenamento jurídico pátrio diante de normas que apresentam alguma intersecção nos âmbitos de aplicação. 3 Parâmetros da Aplicação da Convenção da Haia de 2007 e do Protocolo pelo Estado Brasileiro – Conflito de Fontes Antes de adentrar o âmbito da convivência de tratados e da solução para eventuais conflitos entre normas de mesma hipótese em sede nacional, importa deixar clara a inocorrência de ab-rogação dos documentos anteriores, a despeito da já mencionada intenção de substituição. De fato, os âmbitos de aplicação da Convenção de Nova Iorque, da Convenção Interamericana, da Convenção da Haia de 2007 e do Protocolo não são plenamente coextensivos: não alcançam exatamente os mesmos eventos, não se aplicam exatamente às mesmas pessoas, tampouco no território dos mesmos Estados. Não custa rememorar que, no plano objetivo, ao tempo em que a Convenção de Nova Iorque busca facilitar a obtenção de alimentos internacionais, sem tratar dos conflitos de ordenamentos, a Convenção Interamericana trata do direito aplicável e da escolha de jurisdição, temas, por sua vez, objetivamente repartidos entre a Convenção da Haia de 2007 e o Protocolo. Ademais disto, o plano subjetivo abrangente da Convenção de Nova Iorque não coincide com aquele apresentado pelos demais documentos, em que se estabelecem limites etários distintos – ainda que eventualmente coincidentes, a partir de ampliação ou restrição permitida - e qualificações diversas, como se denota, por exemplo, do alcance das pessoas vulneráveis, genericamente tratadas pela Convenção da Haia de 2007 e pelo Protocolo, mas sequer referidas pelas demais. Nada obstante, não há como negar a zona de intersecção material, pessoal e territorial entre os documentos, pelo que não se desqualificam como tratados sucessivos sobre o mesmo assunto, dando ensejo à aplicação da regra costumeira consolidada pelo artigo 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos 47

Vide Conclusions and Recommendations of the Special Commiission on the Implementation of the Child Support Convention ando f the 2007 Protocol on the Law Applicable to Maintenance Obligations. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016. 48 Vide Practical Handbook for Caseworkers. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016. 49 Vide Child Support Section. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2015. GUERRA, Marcel Vitor de M. Conflito de Jurisdições: análise do princípio do fórum necessitatis, corolário do princípio de aceso à justiça. In: MOCHEN, Valesca Raizer Borges et al. Desafios do Processo Civil Internacional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 77 – 97. LOPES, Rachel de Oliveira. Aplicação Concorrente da Convenção da Haia e da Convenção de Montevidéu sobre Restituição Internacional de Crianças pelo Brasil. 2016. 167 f. Dissertação (Mestrado). Universidade Católica de Santos, Santos, 02/2016. MARTINY, Dieter. Maintenance Obligations in the Conflicts of Law, Recueil des cours, 247, p. 133 – 289, 1994. RODAS, João Grandino; MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos. A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: a participação do Brasil, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007.

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