Obrigado por Vir

June 4, 2017 | Autor: Frederico Canuto | Categoria: Dance, Conviviality
Share Embed


Descrição do Produto

O...............R [sobre Obrigado Por Vir] Obrigado é uma palavra, etimologicamente, desdobrável. E quando colocada em contexto numa frase ou num titulo, junto a outras palavras, como é o caso aqui, tal característica ganha contornos ainda mais específicos. É uma forma de agradecimento assim como particípio do verbo obrigar, que é forçar, violentar, ir contra a vontade. Diz de quem briga: o brigado. Expõe a situação daquele que está ali: forçado, obrigado. Aponta para (o) que(m) vem – por vir – ou para (o) que(m) é – porvir. Portanto, linhas de sentido são produzidas pelas múltiplas significações através da voz daquele que enuncia o titulo do trabalho da Key Zetta e Cia. A escrita aqui abre campos. Num determinado momento, um dos cinco “obrigados” enuncia ao longo de um monólogo a moral como estritamente relacionada a obrigação com a seguinte frase: "moral é o início da confusão". Essa, a moral, é começo dos obrigados, mas também seu limite. É ela o início da confusão, que é o obrigado para a voz enunciadora. É ela que circunscreve um território no qual ela mesma existe pela lei. Assim, sendo o obrigado e seu limite, a lei, o mesmo que confusão na frase, então a moral é ponto de partida contra si. Por ser contra afetos, contra a selvageria, contra diversas vontades de poder, contra desejos, obrigar é confundir, porque é da própria língua e seu exercício, linguagem, o poder de abrir sentidos pela voz. Se moral é confusão predeterminada ou com limite, isso significa que determinados padrões de obrigação objetivam suspender qualquer afeto em relação ao outro para parametrizá-lo como obrigação: “sim”, “não”, “thanks for be in here”. Assim, agradece-se obrigatoriamente: "agradeço e não é sincero, mas obrigação". O território da moral, desenhado por um quadrado no solo, é o limite dos obrigados – corpos inertes que se debatem – mas também sua possibilidade de autonomização pelo uso da voz. Um por vir / porvir que não se desenha ao final como tal, mas dançado como potência latente pois é o movimento pela linguagem em exercício que assegura um grau zero de passiva atividade: I would prefer not to = obrigado por vir. O movimento como biopolítica e soberania, como potencialidade que o corpo social inerte quer conter. Nos movimentos mecânicos acotovelados e para dentro de cada um dos obrigados, indiferentes aos que estão ao lado, nas palavras padrão saídas do corpo e adensadas pelo(s) microfone(s) a frente, tudo permanece em estado de latência.

Assim, no espaço-território de controle, multiplicado em escala até estes corpos que se contorcem num palco e que a sombra de qualquer disfunção são estetizados como num cemitério, com flores, ri-se de si. Um riso (in)contido. Mas para quem será espectador: há uma tensão, mas esta não comprometese. O-brigar não vira nada que não seja um contorcionismo da carne e chute de flores; ninguém obriga-se a olhar para o lado. Obrigado por vir como irônico slogan publicitário é a armadilha do oxímoro, projetando final destensionado e repetível até o esgotamento. Resta ao espectador enfrentar este jogo de sentido, infindável por natureza, na qual o esgotamento se torna para quem assiste, potencialmente continuidade. É esse resto que é ponto de partida e não de chegada.

Frederico Canuto é professor Adjunto A na Universidade Federal de São João Del Rei. Tem como campo de pesquisa a questão do comum na contemporaneidade a partir de diversos campos disciplinares envolvendo o espaço, desde a arquitetura passando pela antropologia, arte, geografia, literatura e filosofia.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.