OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: Prática abusiva no mercado de consumo

July 22, 2017 | Autor: Laís Bergstein | Categoria: Consumer Behavior, Direito Do Consumidor, CONSUMIDOR
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Nº 55 - Outubro 2014

Sumário OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: Prática abusiva no mercado de consumo - LAÍS BERGSTEIN

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PLS 283/2012: A NOVA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BANCÁRIO - Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira

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PUBLICIDADE E O APELO AO CONSUMO – DESEQUILÍBRIO SOCIAL - Maristela Denise Marques de Souza

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OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: Prática abusiva no mercado de consumo

LAÍS BERGSTEIN

Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 54.454; Professora de Direito Civil das Faculdades da Indústria (Sistema FIEP); Mestre em Direito Econômico e Socioambiental (PUC/PR); Integrante do Grupo de Pesquisa Virada de Copérnico (UFPR); Advogada no Escritório Prof. René Dotti, em Curitiba/PR.

“N

ossa sociedade é uma sociedade de consumo”, como já disse Zygmunt Bauman ainda antes da virada do milênio.1

Dentro dessa arquitetura social, a produção, o consumo e o crédito passam a ser ofere-

cidos em massa, com a ampla disseminação da publicidade e das estratégias para impulsionar as vendas, tornando o consumidor cada vez mais vulnerável às ações dos produtores e fornecedores de bens e serviços.2 No contexto de incitação do consumo desenfreado e inconsequente, urgem diversas crises, as quais conduziram o legislador pátrio à edição de uma legislação protetiva ao consumidor, frequentemente identificada como um microssistema jurídico próprio: a Lei nº 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor.

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Com efeito, no âmbito do direito das relações de consumo, entende-se como prática comercial abusiva qualquer conduta desleal, que ignore os deveres decorrentes da boa-fé ou atribua ao fornecedor de produtos ou serviços uma vantagem indevida, em detrimento do consumidor ou de outras pessoas expostas à sua atuação comercial – os chamados “consumidores por equiparação”. Diante deste respaldo legal, surgiram, recentemente, novas demandas judiciais que pretendem coibir uma prática comercial abusiva conhecida como obsolescência programada ou obsolescência planejada, consistente na “redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes”3. Trata-se de temática discutida desde a década de 1920, quando se deflagrou a polêmica envolvendo o suposto “Cartel Phoebus”, que atuaria junto aos fabricantes para limitar o tempo de vida útil das lâmpadas incandescentes a apenas mil horas, significativamente menos do que a tecnologia à época conseguia garantir aos consumidores. Tal estratégia, ilicitamente adotada por alguns fornecedores, visa estimular a aquisição de novos produtos em um curto período de tempo, alavancando, com isso, suas vendas e, consequentemente, seu lucro. A ideia é induzir o consumidor a comprar, descartar rapidamente e adquirir outra vez, repetidamente. O tema foi brevemente abordado no Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 984.106. No acórdão, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, foram citados como exemplos desta prática: “a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajosa a recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por

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completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga.”4 Em abril deste ano (2014), a primeira Turma Recursal Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve uma condenação da Apple Inc. ao pagamento de indenização por danos materiais, haja vista o reconhecimento de que “o aparelho de telefonia celular da autora, modelo iPhone 3G, tornou-se imprestável para uso em razão do lançamento de nova versão do iOS pela requerida.”5 Reconheceu-se, no julgado, que o funcionamento de diversos aplicativos (como o WhatsApp e o Instagram) foi comprometido a partir de uma determinada atualização do sistema operacional, limitando-se o uso do equipamento que, até então, funcionava perfeitamente. Além disso, as atualizações posteriores do mesmo sistema, que poderiam solucionar a questão, não foram disponibilizadas pela companhia para instalação no aparelho. A Apple Inc. foi condenada pagamento da quantia necessária para aquisição de um novo aparelho. Apenas o pedido de indenização por dano moral foi afastado no caso. Vale destacar que o mero lançamento ou disponibilização no mercado de novas versões de produtos, especialmente de eletrônicos, não caracteriza a prática abusiva da obsolescência programada, ainda que isto ocorra em um breve interregno de tempo. Nesse sentido, a própria legislação consumerista estabelece expressamente que “o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado” (art. 12, § 2º, CDC). No entanto, o Código de Defesa do Consumidor determina que os fornecedores mantenham a oferta de componentes e peças de reposição no mercado enquanto não cessar a fabricação ou a importação do produto (art. 32, parágrafo único, CDC). E, quando isso ocorrer,

a oferta dessas peças deve ainda perdurar por um período razoável de tempo; prazo este que, consoante o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, deverá ser compatível com o seu tempo de vida útil normal. Assim, a partir de uma análise teleológica da norma, conclui-se que, na hipótese de serem lançadas novas versões ou edições de produtos, os fornecedores deverão oferecer meios para que aqueles anteriormente adquiridos pelos consumidores permaneçam funcionando adequadamente até que precisem ser descartados em função de seu desgaste

natural. As técnicas empregadas para burlar esta regra é que caracterizam a prática ilícita da obsolescência programada. Pondera-se, por fim, que uma das contrapartidas para atenuar os efeitos socioambientais maléficos decorrentes do consumo desmedido e irresponsável da era pós-moderna é, paradoxalmente, a disseminação do consumo, posto que inerente à existência humana em sociedade, mas um consumo que seja consciente das suas consequências e impactos. E isso implica obstar as tentativas de conduzir o consumidor a uma compra artificialmente prematura.

1 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 87. 2 EFING, Antônio Carlos; BERGSTEIN, Laís Gomes; GIBRAN, Fernanda Mara. A ilicitude da publicidade invisível sob a perspectiva da ordem jurídica de proteção e defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 81, São Paulo, Revista dos Tribunais, jan. 2012. p. 91. 3 MIRAGEM, Bruno. Vício oculto, vida útil do produto e extensão da responsabilidade do fornecedor. Revista de Direito do Consumidor, v. 85, São Paulo, Revista dos Tribunais, jan. 2013. p. 325. 4 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 984106. SC. Julg. 04/10/2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar. jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=984106>, acesso em: 24 set. 2014. 5 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Primeira Turma Recursal. Processo nº 71004479119 (N° CNJ: 0024249-68.2013.8.21.9000), Relator Lucas Maltez Kachny, julgado em 22/04/2014, DJe 24/04/2014.

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PLS 283/2012: A NOVA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BANCÁRIO

Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira

Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº OAB/PR 36.115; Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR; Professora na Escola Superior de Advocacia da OAB/PR e em pós-graduações na Universidade Positivo, ABDConst e FIEP; Presidente da Comissão de Direito do Consumidor e Secretária da Comissão de Direito da Saúde da OAB/PR; Secretária Adjunta da Comissão Permanente de Acesso à Justiça do Brasilcon.

O

mercado de consumo brasileiro passou por mudanças importantes na última década, com a ascensão de milhões de pessoas para a classe média, impulsionando o aumento do consumo e a explosão do uso do crédito, especialmente pela classe C.1 Conforme observa Geraldo de Faria Martins da Costa, na economia de endividamento brasileira “tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como meio de financiar a atividade econômica. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida.”2 Entretanto, o uso desmedido do crédito

contempla o risco inerente de endividamento excessivo, sendo que 62,6% das famílias brasileiras estão endividadas.3 No consumo do crédito, o déficit informacional é significativo. Conforme constatam as pesquisas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, 80% (oitenta por cento) dos consumidores brasileiros desconhecem o direito ao pacote de serviços essenciais gratuitos, nas contas correntes.4 E, de acordo com os dados apurados pela multinacional IPSOS, em 2011, cerca de 67% (sessenta e sete por cento) dos brasileiros não sabem o quanto pagam de juros nos empréstimos.5 Dadas as complexidades econômicas e jurídicas do crédito, seria crível que as instituições financeiras cumprissem seu dever, de orientar os consumidores quanto à escolha da modalidade de operação de crédito mais adequada a suas necessidades. Isto porque, no consumo de crédito, as informações sobre modalidade de produto ou serviço, preço e riscos, contempladas no art. 6°, III, CDC, estão diretamente entrelaçadas, pois quanto maior o risco da operação de crédito, maior a taxa de juros. Entretanto, a assimetria de informação, que

1 Renda familiar média mensal de R$1.764,00 (hum mil, setecentos e sessenta e quatro reais) a R$4.076,00 (quatro mil e setenta e seis reais) e renda per capita entre R$291,00 (duzentos e noventa e um reais) e R$1.019,00 (hum mil e dezenove reais), conforme critérios adotados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do Governo Federal, a partir de 2012, disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/ noticia/2012/06/comrenda-de-classe-media-trabalhador-diz-que-so-faz-o-basico.html. Acesso em 07/12/2013. 2 COSTA, Geraldo de Faria Martins da. O direito do consumidor endividado e a técnica do prazo de reflexão. Revista de Direito do Consumidor n. 43. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 259-272. 3 Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) em 2011, realizada pela Confederação Nacional do Comércio e Bens, Serviços e Turismo. 4 Fonte: Conjur, 10 de agosto de 2010. www.conjur.com.br/2010-ago-10/bancos-sao-obrigados-informar-servicos-essenciais, acesso em 12/08/2010. 5 Fonte: Ipsos (2011).

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é inerente à complexidade do crédito, é acentuada pelas condutas adotadas pelas instituições financeiras, ao sonegarem informações que instruam o consumidor para utilização adequada do crédito, estimulando o uso de modalidades mais onerosas - a exemplo das notórias práticas de concessão e aumento de limites de cheque especial e envio de cartões de crédito, sem solicitação prévia dos clientes. Além disso, os dados apurados em pesquisas empíricas,6 sobre ausência de entrega do contrato ao consumidor, ausência de informação clara sobre o total da dívida a ser paga com financiamento (violando os arts. 46 e 52, CDC), e prevalência da concessão de crédito sem garantia, demonstram como a vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica e informacional do consumidor pode ser maximizada, no consumo do crédito. Diante deste cenário, a aprovação do PLS 283/2012 urge como medida de extrema relevância, para atualizar o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com a inclusão de novas regras, para lidar com o fenômeno social do superendividamento. Em nível mundial se reconhece a necessidade de se estabelecerem mecanismos, para a prevenção e tratamento do superendividamento, pois embora o superendividamento seja um fato individual, gera consequências sociais e sistêmicas. A exemplo do recente estudo elaborado pelo Banco Mundial, após a crise econômica instaurada a partir de 2008.7 Neste viés, a aprovação do PLS 283/2012 revela-se como um importante passo para o fortalecimento da defesa do consumidor bancário. Em linhas gerais, o PLS 283/2012 preza pelo respeito da boa-fé nas relações de consumo, reforçando os deveres dos fornecedores de crédito, na transparência das informações e na cooperação, para que o contrato de empréstimo não seja

motivo da escravidão financeira do consumidor. O anteprojeto aposta na informação, na entrega da cópia do contrato ao consumidor, na prevenção do superendividamento e na preservação do mínimo existencial. Como o maior instrumento de prevenção ao superendividamento é a informação, foca no combate às práticas de promoção do endividamento, exige a informação detalhada sobre os elementos principais do crédito, esclarecendo o consumidor, leigo, sobre os riscos da operação e o comprometimento futuro da renda. Na fase pré-contratual, para reduzir o déficit informacional, exige que a proposta de crédito seja fornecida por escrito, de modo a facilitar a compreensão sobre os encargos bancários. Além disso, a concessão responsável do crédito impõe que o fornecedor avalie de forma adequada as condições de pagamento pelo consumidor, devendo não apenas informar, mas também “esclarecer, aconselhar e advertir adequadamente o consumidor sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, assim como sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento” (art. 54-C, I). E, para evitar o assédio na oferta do crédito, o anteprojeto reforça a proteção aos sujeitos hipervulneráveis (art. 54-F, IV) e veda a adoção de práticas comuns hoje no Brasil, tais com formular preço para pagamento a prazo idêntico ao pagamento à vista; fazer referência a crédito “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo”, com “taxa zero” ou expressão de sentido ou entendimento semelhante; e indicar que uma operação de crédito poderá ser concluída, sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor (art. 54-B). Para assegurar o cumprimento a estes novos deveres, o projeto estipula que o desrespeito

6 MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor n. 55, jul-set/2005; CARPENA, Heloísa. Uma lei para os consumidores superendividados. Revista de Direito do Consumidor n. 61, jan-mar/2007. 7 SOARES, Ardylis Alves. Conclusões do Relatório do Banco Mundial sobre o tratamento do superendividamento e insolvência da pessoa física – Resumo e conclusões finais. Tradução por Ardyllis Alves Soares. Revista de Direito do Consumidor n. 89, set-out/2013, 435-451.

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a tais exigências “acarreta a inexigibilidade ou a redução dos juros, encargos, ou qualquer acréscimo ao principal, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e da indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor” (art. 54-C, §2°). Por fim, dentre as novas garantias, inclui-se o direito básico do consumidor à repactuação das dívidas, com a preservação do mínimo existencial (art. 6°, XII). E cria um procedimento de tratamento das situações de superendividamento, que pode ser conduzido de forma consensual, formulando-se um plano global de pagamento com credores, preservando o mínimo existencial ao consumidor, que assume compromisso de não se endividar novamente. Não sendo alcançada a conciliação, prossegue-se com o plano compulsório de reestruturação judicial, em que o juiz, após determinar “a suspensão da exigibilidade do

débito e a interrupção dos encargos”, analisará a totalidade da renda e patrimônio disponível do consumidor e o passivo pendente, para então reescalonar as dívidas, podendo para tanto reduzir (ou excluir) os encargos, dilatar os prazos de pagamento (sem aumento da dívida), constituir ou substituir garantias. As novas medidas propostas no PLS 283/2012, para prevenção e tratamento do superendividamento, constituem um importante avanço para a concretização da defesa do consumidor. Especialmente num momento em que a defesa judicial do consumidor bancário não tem mais a acolhida de outrora, em razão de novas normas e construções jurisprudenciais, que tem enfraquecido a revisão judicial dos contratos bancários. Desta forma, a aprovação imediata do PLS 283/2012 representa um grande benefício da sociedade brasileira, em respeito ao direito fundamental de defesa do consumidor.

PUBLICIDADE E O APELO AO

CONSUMO – DESEQUILÍBRIO SOCIAL Maristela Denise Marques de Souza

Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 22.924; Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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ive-se a massificação do consumo na sociedade contemporânea, de produtos e serviços regulados pelo mercado descartável da obsolescência produzida e perceptiva, da constante troca dos objetos de consumo, desejados e atraídos pelo constante apelo do ter, adquirir ou contratar. A transição da sociedade do século XX –

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sociedade de produção, para a sociedade do século XXI – sociedade de consumo, operou-se pela difusão globalizada dos mercados de capitais, trabalho e mercadorias, pelas modernas formas de produção, ainda que não uniformes mundialmente, mas significativamente exploratória dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, com vistas ao escoamento da superprodução dos países desenvolvidos e industrializados, ao ponto de resultar em importante desequilíbrio social. O consumo sem limites e sem fronteiras. A publicidade é uma atividade econômica e empresarial ligada ao marketing, que por meio da mass media procura comunicar e transmitir

mensagens ao conjunto de consumidores que constitui o seu principal objetivo, com a intenção de persuadir a um comportamento num sentido determinado e preestabelecido. Assim, por meio de processos de comunicação, gera um discurso que poderá atrair ou não o consumidor, com suas estratégias ou técnicas publicitárias. Fato é que o objetivo do desenvolvimento das atuais estratégias é, basicamente, atingir a maior quantidade de público consumidor potencial através do menor investimento financeiro. Ou, em determinados casos, posicionar uma marca como líder, inicialmente na mente do consumidor, para depois se tornar líder de sua preferência e, finalmente, líder de mercado. Seja pela otimização dos investimentos, seja pela necessidade de atingir o consumidor quase na totalidade de seu dia, é que as estratégias utilizadas atualmente se tornaram cada vez mais diferenciadas. Desta forma, chega-se ao panorama atual, onde existe uma infinidade de canais de comunicação, gerando informação e possibilitando a utilização das estratégias mais diversas para se obter a preferência do consumidor, ou mesmo, o desenvolvimento de novos hábitos e culturas de consumo. Nesta perspectiva, inegável a influência da publicidade na sociedade de consumo, contudo, depara-se com certas condutas ou formas publicitárias, que no desejo de atrair a atenção dos consumidores à venda de produtos e serviços por ela anunciados, a publicidade deixa de exercer o seu papel social fundamental o da informação, com base nos princípios da transparência e veracidade, que de forma nociva corrompe a vontade do consumidor. A massificação da mídia contemporânea se limita às vendas de produtos e serviços anunciados pela publicidade de consumo, sem se preocupar com as extensões negativas dessa massificação persuasiva, em relação às questões sociais.

A publicidade incitando ao consumo colabora para a conformação de um número cada vez mais crescente de sujeitos marginalizados pelo consumo, penalizados pela impossibilidade de integração social, por não se enquadrarem no consumidor modelo ou pela impossibilidade econômica ao acesso a bens de consumo indispensáveis à sobrevivência, os estereótipos do “não consumidor”. A publicidade abusiva que estimula o consumo exagerado estabelecendo desequilíbrio de ordem social fere os deveres anexos da boa-fé, de cooperação, colaboração e solidariedade com as questões sociais que envolvem o mundo contemporâneo, a realidade reflexa da sociedade de consumo: marginalização das classes, constituindo uma verdadeira plêiade de excluídos da cadeia de consumo, até mesmo de gêneros de primeira necessidade; observa-se nesse árido contexto um recrudescimento da violência, destacadamente dos roubos com violência, como expressa a sociologia a “criminalidade da exclusão”.1 A precariedade e o agravamento das desigualdades sociais não têm um único algoz, o consumo e a manipulação pela publicidade massiva, certamente um complexo de fatores contribuem para essa realidade social, contudo o cerne deste artigo é efetivamente a sociedade de consumo, e essas disfunções sociais estão ligadas à sociedade liberal de consumo, para Lipovetsky2, hiperconsumo. Milhões de pessoas no mundo vivem abaixo do limiar de pobreza ou em condições econômicas muito frágeis, da própria exclusão do consumo, dentro de uma perspectiva de pobreza e vulnerabilidade de massa. O que deve ser interpretado de que esses excluídos do mercado de trabalho formal, marginalizados dos apelos consumistas, partilham “dos valores individualistas e consumistas das classes médias,

1 LIPOVETSKY, Guilles. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.193. 2 Ibidem, p.193. continua na página 8

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a preocupação com a personalidade individual e auto-realização”3, e mesmo desprivilegiados pretendem ter acesso aos bens e símbolos de consumo, como se pudessem “escapar ao desprezo social e à imagem negativa de si”.4 O respeito aos valores sociais, nesse novo cenário social, conectado com o consumo e sua sustentabilidade social, a publicidade não deve mais transmitir as ideias da classe dominante, como sucesso de seus negócios e empreendimentos, mas uma ferramenta para o bem social, de tal forma a estimular o consumo que satisfaça as necessidades individuais sem perder o foco na promoção do desenvolvimento humano, sua dignidade. O aprendizado individual leva ao aprendizado coletivo pela experiência estimulada e propagada entre os atores sociais pela publicidade de consumo, seguindo a mesma ordem estabelecida pelas teorias ou técnicas utilizadas pelos meios publicitários. Se a construção de uma mensagem persuasiva é fruto de uma cuidadosa análise de comportamento do consumidor, pesquisa de palavras e concretização de símbolos, para que se grave na memória e se estimule persuasivamente o consumo, o mesmo se dá na construção da mensagem com os mesmos artifícios ou técnicas, para o alcance do resultado positivo de conscientização coletiva e mudança de atitudes em relação ao consumo, sustentável e consciente, destacando valores como a justiça, a igualdade, a liberdade, a tolerância, o valor da vida, da diferença, da solidariedade e expressamente e declaradamente combater antivalores como a violência, o racismo, a destruição do meio ambiente, a discriminação, o fanatismo, o terrorismo, o eufemismo, extraindo

a publicidade do ciclo vicioso do consumismo. Nesse compromisso coletivo que a humanidade assume no século XXI, importante o papel da publicidade como instrumento formador de consciência social, independentemente de a publicidade se mostrar ora persuasiva, ora informativa, ela é capaz de atingir o inconsciente e o consciente do consumidor individual e coletivo, se prestando como instrumento de conscientização coletiva, das responsabilidades sociais de todos, consumidores, fornecedores e anunciantes. E não sendo possível descartar o consumo da sociedade impregnada culturalmente deste, parte-se da proposta permissiva de que o consumo pode prestar-se positivamente a favor dessa mesma sociedade que o criou e que insistentemente o estimula pela publicidade, de tal modo que esta seja utilizável a favor de um consumo consciente sem perder de vista o respeito à qualidade da vida humana, a possibilidade de inclusão social das centenas de milhares de pessoas em situação de exclusão social. O consumidor como ator social é agente de transformação, com poder de exigir um padrão de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente equilibrado, quando consciente das implicações de seus atos de consumo, passa a compreender que tem ao seu alcance a possibilidade de exigir dos setores produtivos, de gestão, do comércio, financeiros, medidas e modelos de contenção da produção, financiamentos e comercialização de produtos e serviços impactantes para as dimensões sociais, culturais e ecológicas. Tarefa árdua, hercúlea, mas desafiadora, pois requer mobilizações individuais e coletivas, contra o poder de gigantes.

3 Ibidem, p. 191-192. 4 Ibidem, p. 192.

Expediente:

ISSN 2175-1056 Diagramação: Ctrl S Comunicação www.ctrlscomunicacao.com.br

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Coordenação Acadêmica: Estêvão Lourenço Corrêa Advogado inscrito na OAB/PR sob nº. 35.082 OAB Paraná – Rua Brasilino Moura, 253 – 80.540-340 Telefone: 3250-5700 | www.oabpr.org.br

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