OCORRÊNCIA DE FORMIGAS LAVA-PÉS (Solenopsis sp.) EM CARCAÇA DE Felis catus LINNAEUS, 1758

July 5, 2017 | Autor: B. Corrêa Barbosa | Categoria: Ecology
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OCORRÊNCIA DE FORMIGAS LAVA-PÉS (Solenopsis sp.) EM CARCAÇA DE Felis catus LINNAEUS, 1758 Tatiane Tagliatti Maciel1, Mariana Monteiro de Castro1, Bruno Corrêa Barbosa1, Elisa Furtado Fernandes1, Helba Helena Santos-Prezoto1, Fábio Prezoto1 1

Laboratório de Ecologia Comportamental e Bioacústica – LABEC, Universidade Federal de Juiz de Fora. Campus Universitário, Bairro Martelos, Juiz de Fora, Minas Gerais, CEP 36036-900, Brasil

Palavras-chave: Decomposição de carcaça, Entomologia forense, Formigas necrófagas, Gato doméstico. INTRODUÇÃO Os insetos são os primeiros organismos a detectar e a colonizar animais mortos, estando presentes em todos os estágios de decomposição (CARVALHO et al., 2000). Os insetos que colonizam carcaças estão divididos em necrófagos, que se alimentam do cadáver e são os primeiros a chegar; inimigos naturais (predadores e parasitoides) alimentam-se dos necrófagos que se encontram no cadáver; omnívoros, que se alimentam do cadáver e da fauna presente ou associada; oportunistas, que usam o cadáver como refúgio, aquecimento, e outros; acidentais, aqueles que se encontram no cadáver sem finalidade aparente (ALMEIDA et al., 2010). Estudos faunísticos e ecológicos que visam avaliar a entomofauna associada à decomposição de cadáveres de vertebrados são essenciais para entender a dinâmica de ciclagem de nutrientes nos ecossistemas, assim como para o conhecimento da diversidade relacionada a estes processos (GOMES, 2010). Além disso, insetos associados a casos de homicídio e processos de decomposição do cadáver, podem participar de cenas de crimes e ainda servirem de evidência para a resolução destes casos (OLIVEIRA-COSTA, 2011). Um dos grupos de insetos mais importantes em termos de atividade, abundância e número de espécies que se relacionam com animais em decomposição (CORNABY, 1974) é a família Formicidae. O papel ecológico das formigas nesse processo varia de predadora, ao alimentar-se de ovos, larvas, pupas e adultos de insetos presentes na carcaça, a necrófaga, quando se alimenta dos tecidos em decomposição ou exudatos do cadáver (EARLY & GOFF, 1986). Um dos mais importantes gêneros na entomologia forense é o gênero Solenopsis Westwood, 1840, que engloba indivíduos conhecidos popularmente como formigas lava-pés, que desempenham o papel de necrófago e predador, e estão presentes em várias fases do processo de decomposição (OLIVEIRA-COSTA et al., 2008). O objetivo do presente estudo foi registrar a presença do gênero Solenopsis em carcaça de gato doméstico (Felis catus Linnaeus, 1758), bem como os comportamentos exibidos pela espécie neste processo. MATERIAL E MÉTODOS As observações ocorreram no período diurno nos dias 30 e 31 de agosto de 2014 em via pública de um condomínio residencial (21º46’02,72’’S; 43º22’34,9’’O) localizado na área urbana do município de Juiz de Fora, Minas Gerais. O clima da região é caracterizado como subtropical de altitude – Cwa de acordo com a classificação de KÖPPEN (1970), e as condições climáticas no período do experimento foram de inverno (temperatura média de 14,1ºC), com curtos períodos de precipitação (0,2mm). Foi encontrada uma carcaça de gato doméstico (fêmea adulta), de causa mortis desconhecida. O cadáver se encontrava nos primeiros estágios do processo de decomposição, em transição da fase de coloração para a fase gasosa, segundo classificação de OLIVEIRA-COSTA et al. (2008). Acredita-se que o óbito ocorreu cerca de 24 horas antes do início das observações. A associação entre registro direto e observação espontânea através do método ad libitum

(ALTMANN, 1974) foi utilizada para a coleta de dados sobre os comportamentos das formigas Solenopsis na carcaça. Exemplares da formiga foram coletados e fixados em álcool 70% em tubos eppendorfs para confirmação do gênero em laboratório. Foi utilizada a chave dicotômica de FERNÁNDEZ (2003) para identificação, além de comparações com exemplares testemunhos, devidamente identificados por especialistas e depositados na coleção do Laboratório de Ecologia Comportamental e Bioacústica (LABEC) da Universidade Federal de Juiz de Fora. As observações foram encerradas no dia 31 de agosto de 2014, devido à remoção da carcaça pela equipe de manutenção do condomínio. RESULTADOS E DISCUSSÃO As formigas Solenopsis (Figura 1A) foram encontradas explorando toda a carcaça, sendo os tecidos e secreções presentes nos orifícios e nas mucosas utilizados como fonte alimentar. Foi observado um trabalho ativo de forrageio das formigas sobre a carcaça e na construção de uma estrutura física (composta por terra) ao redor da carcaça (Figura 1B e C). Essa terra acumulada ao redor do cadáver pode ter impedido a ação (ovipostura) de moscas necrófagas (Figura 1D), visto que as mesmas não conseguiam encontrar um local apropriado (cavidade do corpo) para realizar a ovipostura. Essa ação das formigas sobre a carcaça também inibiu o aparecimento de outras espécies de insetos associados ao processo de decomposição. CELINO et al. (2009) também observaram o mesmo fenômeno de revolvimento do solo e sugeriram que com este comportamento as operárias procuravam as larvas que se enterravam no solo. Contudo, de maneira bastante particular, destaca-se que a terra acumulada pelas formigas para construção da estrutura ao redor da carcaça foi trazida pelas formigas de outro local (provavelmente da calçada), uma vez que a carcaça se encontrava na interface do asfalto e do meio fio, não fornecendo assim recurso para construção da estrutura. Com base nas observações, destaca-se que as formigas acumularam a maior quantidade de terra na região da cabeça do cadáver, que se encontrava parcialmente recoberta (Figura 1 B). Esse comportamento exibido pelas formigas limitou a ação dos insetos necrófagos (principalmente moscas), os quais obtinham acesso restrito às cavidades naturais dessa região (boca, narinas, olhos e ouvidos). Segundo OLIVEIRA-COSTA (2011), a região da cabeça é a principal via de acesso dos necrófagos para ovipostura, sendo a parte do corpo que primeiro se decompõe. O comportamento das formigas Solenopsis de cobrir esta região com terra demonstra o domínio que esta formiga pode exercer sobre uma carcaça, restringindo a ação de outros insetos e alterando a marcha da decomposição. O trabalho de ZARA & CAETANO (2010) relata que as formigas Solenopsis podem de fato utilizar uma carcaça propositalmente, tornando-se dominante sobre o recurso e evitando competidores pelo recrutamento em massa exibido pelas formigas. Essas formigas podem ser encontradas em áreas urbanas e de florestas (MOURA et al., 1997) e sua colonização altera o padrão de sucessão e evita que outras espécies de insetos deixem ovos na carcaça (MOURA et al., 2005). A ocorrência de Solenopsis e o comportamento de enterrar uma carcaça de vertebrado de médio porte demonstram a capacidade de modificação do processo de decomposição pelas operárias. Essas observações são relevantes para o maior conhecimento da atuação desse gênero de formigas sobre o processo de decomposição de cadáver de outros animais, inclusive humanos.

Stefânia Sangi

Fábio Prezoto

Fábio Prezoto

Fábio Prezoto

Figura 1: Formigas do gênero Solenopsis fotografadas sob estereomicroscópio (A); estrutura física (composta por terra) ao redor da carcaça do gato (B e C); Mosca necrófaga impedida de ovipositar no orifício (cavidade anal), devido à presença das formigas sobre o corpo e na estrutura ao redor da carcaça (D). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, E.C. et al. 2010. Noções de perícia criminal e o vestígio entomológico na estimativa do IPM. In: Entomologia Forense: Novas tendências e tecnologias nas ciências criminais (GOMES, L. ed.). Rio de Janeiro: Technical Books, p. 133-167. ALTMANN, J. 1974. Observation study of behavior: sampling methods. Behaviour 49: 223–265. CARVALHO, L.M.L; THYSSEN, P.J.; LINHARES, A.X. & PALHARES, F.A.B. 2000. A checklist of arthropods associated with pig carrion and human coposes in southeastern Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 95(1): p. 135-138. CELINO, T.B.; OLIVEIRA-COSTA, J.; MAHYE-NUNES, A.; ROSA, D.O.; COSTA, C.E.S.; FONTOURA, P. & MATEINI, N. 2009. Papel ecológico de formigas do gênero Solenopsis Westwood relacionada à decomposição de carcaça de porco - Sus scrofa (L.). In: IX Congresso de Ecologia do Brasil, São Lourenço. Anais... São Lourenço: Ecologia, p. 1-3. CORNABY, B.W. 1974. Carrion reduction by animals in contrasting habitats. Biotropica 6: 51-63. EARLY, M. & GOFF, M.L. 1986. Arthropod succession patterns in exposed carrion on the island of Oahu, Hawaiian Islands, USA. Journal of Medical Entomology 23: 520-531. FERNÁNDEZ, F. 2003. Introducción a lãs hormigas de la región Neotropical. Bogotá, Instituto de Investigación de Recursos Biológicos Alexander Von Humboldt. 398p.

GOMES, L. 2010. Entomologia Forense: novas tendências e tecnologias nas ciências criminais. Rio de Janeiro: Technical Books. 523p. KÖPPEN, W. 1970. Roteiro para classificação climática. [Mimeo] MOURA, M.O.; CARVALHO,C.J.B. & MONTEIRO-FILHO, E.L.A. 1997. A preliminary analysis of insects of medico-legal importance in Curitiba, State of Paraná. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 92(2): 269-274. MOURA, M; MONTERI-FILHO, E.L.A. & CARVALHO, C.J.B. 2005. Heterotrophic Succession in Carrion Arthropod Assemblages. Brazilian Archives of Biology and Technology 48(3): 473-482. OLIVEIRA-COSTA, J. 2008. Metodologias de estimativa de IPM. In: Entomologia Forense: quando os insetos são vestígios (OLIVEIRA-COSTA, J. ed.). Campinas: Millenium. p. 51-65. OLIVEIRA-COSTA, J.; CELINO, T.B. & SANTANA, D.O. 2008. Himenópteros de interesse forense no Brasil. In: Entomologia Forense: quando os insetos são vestígios (OLIVEIRA-COSTA, J. ed.). Campinas: Millenium. p. 241-252. OLIVEIRA-COSTA, J. & ZUBEN, C.J.V. 2011. Entomologia aplicada a procedimentos legais no Brasil: considerações e estudo de casos. Vetores e Pragas 27: 33-37. ZARA, F.J. & CAETANO, F.H. 2010. Mirmecologia e formigas que ocorrem em carcaças. In: Entomologia forense: novas tendências e tecnologias nas ciências criminais (GOMES, L. ed.). Rio de Janeiro: Technical Books. p. 237-269.

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