Ocupação Ilegal em Terra Urbana: O Caso de Campinas

July 7, 2017 | Autor: J. Gonçalves de C... | Categoria: Movimentos sociais, Segregação Socioespacial, Campinas, Questão Urbana
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Ocupação Ilegal em Terra Urbana: O Caso de Campinas. Joelson Carvalho, Economista e mestrando em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da UNICAMP. Palavras Chave

A) Segregação, B) Ocupação, C) Movimentos Sociais.

Resumo O crescente processo de segregação social e urbana nas grandes cidades brasileiras tem-se tornado um dos maiores desafios da gestão urbana e regional nos anos recentes. Essas metrópoles, cada vez mais, se caracterizam por seus grandes montantes populacionais vis-à-vis distorções urbanas graves, como infra-estrutura social e econômica deficiente, problemas de abastecimento de água, saneamento básico, favelização, transporte urbano, poluição e degradação ambiental, entre outros. Dentre essas características comuns às grandes cidades, estamos diante de um enorme desafio para a análise de temas como os da periferização e exclusão social dado o seu alto vetor de expansão. Em sendo assim, esse trabalho traz um esforço analítico sobre um caso específico de resistência e luta pelo direito à cidade, presente em uma das maiores ocupações ilegais de terra urbana da América Latina, ocorrida em 1997 em Campinas-SP, – o Complexo Parque Oziel/Jardim Monte Cristo/Gleba B. Esse trabalho se propõe ainda, passados cinco anos da ocupação e, a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Habitação de Campinas, descrever o atual estágio de organização em que se encontra o “Parque”, suas conquistas e, em especial, seu nível de carências e repostas que o poder público tem dado ao problema.

Apresentação A recente criação da Região Metropolitana de Campinas, como unidade regional do Estado de São Paulo (Lei Complementar n.º 870, de 19/10/2000), constituída pelo agrupamento de 19 municípios, colocou grandes desafios, científicos e de responsabilidade social, para pesquisadores e instituições de pesquisa já reconhecidas como históricas especialistas em investigações sobre a dinâmica sócio-econômica desta região paulista1. É certo que, houve uma patente intensificação de estudos e pesquisas sobre a problemática metropolitana, sobretudo no que diz respeito às análises sobre os diversos aspectos que envolvem a crescente polarização e “dualização” social e urbana nos grandes aglomerados humanos. As novas perspectivas teórico-metodológicas, as transformações do capitalismo mundial, o aprofundamento das condições de desemprego e miséria da população brasi1 Cabe destaque os trabalhos coordenados pelo NESUR e pelo CEDE, desde a década de 80: “São Paulo no Limiar do Século XXI” (1992), 8 volumes; “A Interiorização do Desenvolvimento Econômico no Estado de São Paulo” (1992), 3 volumes; “Regiões Metropolitanas Institucionalizadas” (1998) e recentemente “Região Metropolitana de Campinas” (2002), 2 volumes.

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leira e o acúmulo de pesquisas sobre experiências metropolitanas as mais diversificadas, nos colocam, como tarefa imediata, a análise de temas como os da periferização, marginalidade e exclusão social. Sendo assim, esse trabalho buscará desenvolver, dentro desses temas, uma análise sobre uma das cidades mais ricas e “desenvolvidas” do interior do Brasil. Villaça (2001) alerta para o viés contido nos estudos da espacialidade metropolitana de “limitar-se aos municípios centrais destas regiões”, negligenciando o processo de periferização dos municípios do entorno próximo. Entretanto, nesse caso, apesar de não negar o processo de periferização de alguns municípios situados no entorno de Campinas, acreditamos ser de extrema importância identificar, não só o grau de precarização e miséria no núcleo central da região, como também demonstrar o grau crescente de organização popular que está se dando no município que, do nosso ponto de vista, encerra especificidades merecedoras de comentários.

Campinas: Integração Econômica e Exclusão Social Situada a 100 km da capital do Estado e a 166 km do Porto de Santos, Campinas possui grande facilidade de acesso aos principais centros do país, pelas curtas distâncias, pelas boas características do sistema viário e pela presença do aeroporto de Viracopos, importante especialmente na recepção de cargas internacionais. Esse Município, eminentemente urbano, polariza a Região Metropolitana de Campinas (RMC), institucionalizada em 2000, com mais de 2,3 milhões de habitantes (6,31% da população do Estado), abrangendo 19 municípios, constituindo-se no maior agrupamento urbano do Estado de São Paulo depois da região metropolitana da capital As transformações geradas pelo intenso processo de interiorização da industrialização, notadamente nos anos 70, não se restringiram apenas a Campinas, consolidando no seu entorno uma aglomeração urbana, onde, além do pólo regional, também conferiu aos demais municípios uma importante e dinâmica base econômica, tanto industrial, quanto agrícola, configurando uma estrutura diferenciada daquela das demais regiões metropolitanas brasileiras, geralmente caracterizadas quase que exclusivamente pela presença de um município rico cercado de municípios-dormitório pobres. Com um PIB estimado de mais de US$ 26 bilhões (Emplasa, 2001), a RMC apresenta a mais expressiva concentração industrial do interior de São Paulo e tem observado evolução significativa nas últimas décadas. Situa-se na macrorregião mais dinâmica do país, tendo-se afirmado, sobretudo nas duas últimas décadas, como o principal núcleo do processo de interiorização do desenvolvimento econômico do estado de São Paulo e elo fundamental de comando da economia paulista sobre a brasileira (Cano, 1992). Mais recentemente, a região tem reunido condições privilegiadas para responder aos novos requisitos locacionais da chamada acumulação flexível – que tendem a exigir uma série de economias externas positivas e sinergias para a instalação de novas atividades produtivas – apresentando notáveis vantagens competitivas, constituindo-se uma “ilha de produtividade”, termo que, apesar dos diversos ST2, 3

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sinônimos, quer expressar o isolamento de um lugar integrado ao mercado mundial diante da realidade de não integração do resto da economia nacional. Como centro regional e urbano mais bem dotado de externalidades positivas do país, representadas principalmente por fatores sistêmicos de competitividade, tais como centros de ciência e tecnologia, infra-estrutura logística, mão-de-obra qualificada, cultura empresarial, etc, a região de Campinas tem atraído, no contexto do processo de reconcentração geográfica da produção, vivido atualmente pela economia brasileira, vários empreendimentos de grande dinamismo econômico e conteúdo tecnológico, ao mesmo tempo em que tem realizado a reorganização produtiva e administrativa de suas plantas industriais dos setores tradicionais, tais como a têxtil e a alimentar. Dentre as externalidades mais importantes na Região podemos destacar as instituições de ensino e pesquisa como a UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas – e a PUCCAMP – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e institutos de pesquisa como IAC – Instituto Agronômico de Campinas, ITAL – Instituto de Tecnologia de Alimentos, CTI – Centro de Tecnologia de Informática, CPqD/Telebrás – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento e LNLS – Laboratório Nacional de Luz Síncotron, dentre os mais importantes (Souza & Garcia,1999). Com essas características, Campinas bem que poderia ser um bom exemplo de desenvolvimento local-endógeno, no qual o agenciamento de habilidades garantiria o sucesso do modelo pós-fordista ou de acumulação flexível. Pensando na ótica de Castells (1989), Campinas poderia estar sob a égide de um processo econômico que o autor denominou de “cidade informacional”, processo esse caracterizado pela articulação entre uma rede hierárquica na qual o “local deve ser capaz de encontrar seu papel específico [nessa nova] economia informacional. [E ainda], os governos locais devem desenvolver um papel central para organizar o controle social dos lugares em cima de uma lógica funcional do espaço dos fluxos” (pp.486-487).

Apesar de não ser considerada uma “metrópole global”, sob a ótica de Sassen (1991), não teríamos dificuldades em denominar Campinas como uma “cidade global”, isto é, o lugar-chave, que concentra os serviços avançados necessários à implementação e gerenciamento de operações econômicas mundiais2. São notórias as maiores possibilidades que Campinas tem de articulação com o mercado internacional, mas essa articulação global-local está longe de ser determinada endogenamente, como fazem crer alguns autores. A aludida “eficiência local”, eficiência essa na qual a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes dependem basicamente da sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente, a informação baseada em conhecimentos, sendo o limite de sua escala o global está longe de ser superada, mas tomemos o caso de Campinas para mostrar alguns dos “detalhes” que fre-

2 Para uma leitura crítica a esse respeito ver Brandão (2001) e Fernandes (2001).

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qüentemente são esquecidos pelos defensores do novo modelo de gestão do capitalismo. Apesar da reconhecida dinâmica campineira, o Município vem apresentando graves problemas socioeconômicos e problemática desorganização espacial. Se, em 1960, a cidade ostentava o status de primeiro município em qualidade de vida do país, hoje, a criminalidade e a violência superam a Baixada Fluminense no Rio de Janeiro, em termos relativos. Os problemas urbanos se multiplicam sem que surjam soluções viáveis para enfrentá-los. A crescente imigração passou a constituir parte componente da expressão econômica de Campinas e a implantação de infra-estrutura, devido à ausência de políticas públicas eficientes, não conseguiu acompanhar esse crescimento da cidade. Não obstante esta alta concentração de dinamismo e riqueza material, a região apresenta problemas típicos das grandes metrópoles do País e uma enorme dívida social acumulada. Um dos fenômenos sociais mais marcantes dos anos 80 e 90, período em que se consolida a metropolização definitiva de Campinas, foi o aparecimento de favelas e das grandes ocupações. Em 1970, a cidade tinha menos de 4 mil habitantes favelados (1% da população total), enquanto, em 2000, a cidade já possuia mais de 157 mil pessoas morando em favelas ou áreas ocupadas ilegalmente (16,4% da população total) acumulando um déficit habitacional de mais de 40 mil moradias. Cristalizam-se no urbano metropolitano campineiro marcados vetores de expansão e segmentação social. Estamos, assim, diante de uma metrópole marcada pela desigualdade. A dual city (Marcuse, 1997) se reafirma: ao mesmo tempo em que concentra parte significativa da renda nacional - possuindo uma parcela minoritária de sua população que passa a habitar os “enclaves fortificados - produz espaços urbanos com elevado grau de pobreza e exclusão social, consolidando um verdadeiro apartheid social, ou guetos de parcelas marginalizadas (Wacquant, 1995) e com poucos direitos à cidade.

Ocupações Ilegais de Terra Urbana: A Origem da Resistência Nos parece apropriada a colocação de Kowarick (2000), na qual as cidades, enquanto locus de produção e consumo, passam a expressar acirradas formas de segregação socioeconômicas, destacado-se, portanto não só a habitação em si como também o espaço habitado. No contexto amplo da produção de mercadorias, incluí-se a produção de um tipo de espaço urbano que reproduz a pobreza, não como carência, mas como parte integrante de uma lógica que vem transformando as cidades num imenso e sofisticado mercado, onde uma das mercadorias mais caras é a habitação, que se torna inacessível para a maioria dos seus habitantes, funcionado como forte fator de exclusão do direito à cidade, impedindo o acesso à habitação/moradia. Antes de entramos nas especificidades das ocupações em Campinas cabe um alerta conceitual: invadir e ocupar são dois conceitos que podem até se firmar no mesmo ato concreto, mas que carregam em si conotações políticas e ST2, 3

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morais completamente diferenciadas. O primeiro é tipificado no Código Penal Brasileiro como “esbulho possessório visando à obtenção de vantagens econômicas ou financeiras”. Invadir é ferir o direito à propriedade previsto em Constituição. O segundo forjado na própria dinâmica dos movimentos sociais de luta pela terra seja ela urbana ou rural, se legitima a partir da discussão da função social do uso, da posse e da propriedade da terra (Petuba, 2001). Sendo assim, todo esse trabalho tem como princípio que, terra vazia não é terra invadida é terra ocupada para cumprir seu fim social, visto que o ato em si não visa o enriquecimento ou o aproveitamento pessoal. Em Campinas, a crescente propagação das ocupações nos anos 90, pelo menos até 1997 se dá muito mais em função do agravamento da crise econômica e social do país e o avanço brutal do desemprego do que propriamente à consciência da necessidade de luta pelo direito à cidade. Apenas como ilustração, em 1989, aconteceram 20 ocupações, em 1990, foram 19 ocupações, que caíram para 5 em 1991. Em 1992, o número de ocupações subiu para 17, declinando para 5 em 1993, e voltando a aumentar, para 12, em 1994. Em 1995, foram 5 ocupações. Já em 1996 uma curiosa exceção quando praticamente não foram registradas ocupações. Contudo, queremos crer que a crescente organização do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), deu nova dinâmica às ocupações. No início de 1997, aconteceram as grandes ocupações do Parque Oziel, Jardim Monte Cristo, Jardim Campo Belo e Gleba B, as maiores de todos os tempos3. A origem do Parque Oziel é, no mínimo sintomática e abre a perspectiva para novas possibilidades de organização de movimentos populares, após um período relativamente longo de arrefecimento. Em 1997 o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – fez uma marcha nacional pedindo justiça pelo massacre de Eldorado dos Carajás4, chegando em Brasília com mais de 100.000 pessoas de todo o país. À medida que a marcha prosseguia, os militantes do MST faziam discussões a respeito da realidade de cada cidade e região em que passavam. Um dos objetivos dessas discussões era fazer uma análise mais concreta sobre a realidade urbana, identificando quais os principais problemas urbanos. No percurso estava Campinas, uma cidade com 908.906 habitantes5 e graves distorções sociais, em especial o emprego e a habitação. Findada a marcha, alguns militantes do MST voltaram para Campinas para contribuir em uma ocupação urbana com cerca de 800 famílias, que recebeu o nome de Parque Oziel, em homenagem a um dos mortos no Pará um ano antes. Em pouco tempo, o número de ocupantes chegou a 5 mil, sendo, em grande medida, resultado de trabalho de base das lideranças da ocupação. Cabe ressaltar que a experiência obtida no Parque Oziel serviu de apoio para

3 Por estarem na mesma área e terem início com a ocupação Parque Oziel, esse nome agrega as demais ocupações. 4 O massacre de Eldorado dos Carajás, ocorreu no Pará em 17 de abril de 1996, conseqüência de um confronto entre trabalhadores rurais e a polícia, deixando como resultado 21 mortos, todos do MST. 5 Contagem populacional de 1996 feita pelo IBGE.

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novas ocupações no país, em especial no Rio de Janeiro e São Paulo6 e para a organização definitiva do MTST (Benoit, 2002). A área ocupada em Campinas fica às margens da Rodovia Santos Dumont, próxima ao Km 76 e pertence a 121 proprietários, contudo pelo menos 80% se concentram em 23 proprietários, destacando-se dentre estes duas famílias com o maior número de posses. A luta dos trabalhadores e sua forma de expressão imediata: a ocupação de terras urbanas podia aparecer no discurso e no imaginário do poder público como o lugar da “não-cidade” ou dos “não-campineiros”, contudo, foi justamente essa “não cidade” que os moradores do Parque Oziel negaram em seu processo de luta, pois as ocupações urbanas, à medida que questionam concretamente essa lógica da urbanização, ampliam o sentido das reivindicações de água, luz, transporte, educação e saúde e ultrapassam o limite da luta por moradia redimensionando-a na perspectiva da conquista ao direito de participação no fazer-se da cidade sob a ótica dos setores populares. O confronto com as autoridades públicas foi fonte de politização para os ocupantes, pois nas suas idas a Prefeitura, nas ocupações das ante-salas do gabinete do prefeito, dos secretários municipais, da tribuna no plenário da Câmara Municipal, nas elaborações das palavras de ordem, na organização de passeatas, nas discussões com os responsáveis pelos serviços públicos reivindicados, na elaboração e na defesa de suas pautas de reivindicações, eles foram desmistificando os motivos da ação e da razão do Estado, foram percebendo os jogos de interesses privados no trato da “coisa pública”, se deparando com as demandas clientelistas e eleitoreiras, aprendendo o complexo movimento das relações de força presentes nas disputas e nas decisões políticas, administrativas e judiciais e percebendo o uso que poderiam fazer da força de pressão que tinham acumulado. Em suma, foi justamente diante da recusa em ter sua presença reconhecida pela administração pública municipal que o movimento reforçou sua identidade enquanto sujeito político aumentando-a em força inversamente proporcional à negativa da qual era alvo7. As primeiras conquistas práticas logo se fizeram sentir: no início de 1999 o então prefeito de Campinas, Francisco Amaral, declarou a área Parque Oziel e Jardim Monte Cristo de utilidade pública, num total de 1.535.585,69 de metros quadrados, sendo que destes 640 mil metros quadrados são efetivamente ocupados. Decreto renovado dois anos depois pela administração seguinte até abril de 2003. Não obstante isso, o próprio fato da permanência na área ocupada já se constituiu uma vitória, pois até abril de 2001 foram 29 ações de reintegração de posse e 8 liminares determinando a retirada das famílias, contudo a polícia nunca conseguiu cumprir as determinações legais dada à intensa resistência das famílias com manifestações gigantescas e bloqueio de rodovias.

6 Destaca-se o Assentamento Anita Garibaldi, feito pelo MTST em Guarulhos-SP. 7 As colocações feitas aqui também foram observadas para uma ocupação em Uberlândia-MG e estão descritas em Petuba (2001).

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Os Números do Complexo Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B O número de moradores é, até hoje, alvo de polêmicas. Em um levantamento realizado pela Companhia de Habitação de Campinas e a Secretaria Municipal de Habitação no final de 1998, estimou-se a população em 11.280 pessoas, contudo recentemente nova pesquisa encomendada pela Cohab reduziu esse número para 9.412 pessoas, distribuídas em 2.699 famílias. Os dados oferecidos pelas lideranças do local eram que a ocupação possuía, na data do primeiro levantamento 30.000 pessoas, e que hoje tem aproximadamente 55 mil pessoas. Segundo esse último levantamento, constatou-se que aproximadamente 64% dos ocupantes da área já moravam em Campinas há mais de 10 anos, demonstrando o forte déficit habitacional do município e descartando a hipótese defendida até então que a ocupação estaria atraindo população migrante. Tabela 1 - Tempo de Moradia na Cidade em Anos Tempo/Local

J. Monte Cristo

Parque Oziel

Gleba B

Menos de 1 ano

2,9

2,5

4,1

De 1 a 2 anos

7,4

9,6

10,2

De 3 a 5 anos

21,2

26,7

30,8

De 6 a 10 anos

25,9

27,6

18

Mais de 10 anos

42,4

33,5

36,5

Indefinido

0,2

0,1

0,4

Total

100

100

100

Fonte: Pesquisa COHAB, março de 2002.

A tabela 2 mostra bem o período de maior crescimento do Complexo. Tendo a ocupação se iniciado no primeiro semestre de 1997, o maior contingente populacional chegou a partir de fins de 1999 e coincide com a declaração da área enquanto de utilidade pública por parte do então prefeito Francisco Amaral. Ao todo foram declarados de interesse social pelo Decreto Nº 13.123, de abril de 1999, um total de 1.600.000m2. Tabela 2 - Tempo de Moradia na Área em Anos Tempo/Local

J. Monte Cristo

Parque Oziel

Gleba B

Menos de 1 ano

7,7

9,7

8,8

De 1 a 2 anos

22,7

28,5

26

De 3 a 5 anos

66,6

60,3

63

Mais de 5 anos

2,9

1,4

2,1

Indefinido

0,1

0,1

0,1

Total

100

100

100

Fonte: Pesquisa COHAB, março de 2002

Passados cinco anos desde a ocupação e dada a sua irreversibilidade, percebe-se que, no tocante à infra-estrutura, a situação continua precária. ST2, 3

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Com a privatização da CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz – o projeto de instalação de rede elétrica parou e a maioria das casas faz ligações clandestinas (gatos). Não há rede de esgoto e a população usa fossa negra. Quanto à água a maioria das casas tem água encanada, sem hidrômetro, pagando taxa mínima a Sanasa – Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A. Tabela 3 - Situação dos Serviços de Água, Energia Elétrica e Saneamento Básico Serviço

ÁGUA

LUZ

ESGOTO

Situação

Monte Cristo

Pq. Oziel

Gleba B

Canalizada COM hidrômetro

5,1

0,4

0,4

Canalizada SEM hidrômetro

91,2

95,3

38,7

Não existe

3,2

3,9

59

Outros

0,5

0,4

1,9

Poste SEM padrão

56

40,4

19,5

Poste COM padrão Comum

4

0,1

0

Ligação direta sem poste

37,1

59

80,5

Outros

2,9

0,5

0

Fossa

93,2

73,8

92

Despejo livre na rua

3,6

5,3

3

Despejo livre no córrego

2

17,6

0,8

Outros

1,2

3,3

4,2

Fonte: Pesquisa Cohab, março de 2002

Dos moradores do “Parque”, apenas 2.710 pessoas freqüentam a escola, isto corresponde, segundo os dados da prefeitura a cerca de 28,8% dos ocupantes da área. Acrescentando as crianças de até 6 anos que freqüentam creches e escolas municipais de ensino infantil, essa porcentagem chega a aproximadamente 32,5%. Cruzando esse dado com os dados dos jovens de até 15 anos, ou seja, em plena idade escolar, temos que 7,3% estão fora da escola. Se estendermos essa relação até os jovens de 24 anos, essa porcen tagem salta para 24%. A tabela 3 mostra o quão precário é o nível de escolaridade dos ocupantes. Tabela 3 – Perfil dos ocupantes – Escolaridade Respostas

Nº Absoluto

(%)

Não sabe ou não respondeu

1.065

11,3

Analfabeto

1.006

10,7

1º Grau incompleto

5.487

58,2

1º Grau completo

655

7

2º Grau incompleto

412

4,4

2º Grau completo

416

4,4

Superior

26

0,3

Creche/EMEI

345

3,7

Fonte: Pesquisa COHAB, março de 2002

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Caso tomemos como a resposta “não sabe ou não respondeu” enquanto até primeiro grau incompleto – o que empiricamente não seria uma atitude absurda – chegamos à conclusão que a maioria absoluta (cerca de 70%) não conseguiu concluir o ensino fundamental. Entre outros agravantes, olhando do ponto de vista do mercado de trabalho, a inserção em alguma ocupação remunerada, quando se dá, é com baixa remuneração. Corroborando com essa análise, um jornal local apresentou os seguintes dados: Tabela 4 – Perfil dos Ocupantes – Escolaridade Renda

(%)

Renda efetivamente zero

18

Até 1 Salário Mínimo

7

De 1 a 2 salários mínimos

22

De 2 a 3 salários mínimos

21

De 3 a 5 salários mínimos

16

Acima de 5 salários mínimos

16

Fonte: Levantamento da Secretaria de Habitação, divulgado pelo jornal Correio Popular,

Considerações Finais Segundo registros orais de militantes da área ocupada, os objetivos das famílias vão além da regularização fundiária, e se aproximam muito mais da luta pelo direito à cidade. Os dados de infra-estrutura apresentados demonstram bem que ainda falta muito em serviços de água, rede de esgotos e energia elétrica, além dos equipamentos de educação, saúde. Só como exemplo, as aulas para crianças são distribuídas em 10 containeres sem condições para a atividade desde o início da ocupação8 e os serviços de saúde funcionam em instalações ainda inadequadas. É certo que os ganhos obtidos pela mobilização popular, nesses cinco anos de ocupação são consideráveis. Acreditamos também que é de estrema importância a forma como o problema da habitação está sendo encarado por alguns órgãos de pesquisa e partidos políticos, em especial o Instituto da Cidadania e o Partido dos Trabalhadores. “Os dados de exclusão territorial, fornecidos pelas favelas e loteamentos ilegais, mostram que a terra urbanizada é um elemento central da política urbana e habitacional. Por isso mesmo, propõe-se conceituar a terra para os programas habitacionais como terra urbanizada, sempre, sem exceção. Com esse critério, a questão da habitação, do saneamento e do transporte público, passa a ser um dos eixos centrais do equacionamento da questão urbana, evitando as atuais práticas de espraiamento da cidade para regiões distantes, por força de interesses especulativos, ocupação predatória de determinadas áreas (fundos de vale, encostas), agressões ambientais e outras distorções, pelas quais toda a

8 Esta marcada para meados de 2002, a inauguração de uma escola pré-moldada de ferro.

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população acaba pagando o preço final, que é a degradação da cidade e da sua qualidade de vida.” (Instituto da Cidadania, p.41)9

A realidade de Campinas dá conta de um fato importante: é real o aumento da organização dos movimentos populares urbanos, movimentos esses que encontram terreno mais fértil em cidades governadas por partidos de esquerda e progressistas. Contudo, como lembra Maricato (2001), o arcabouço institucional que temos ainda é ineficiente para levar a presença do Estado aos bairros ilegais. Logo, à luz dos acontecimentos recentes em Campinas, podemos dizer que, cabe muito mais às organizações dos movimentos sociais que propriamente ao poder institucionalizado a tarefa propositiva e a ação reivindicatória.

Referências Bibliográficas BENOIT, H. (2002). O assentamento “Anita Garibaldi”. In:Crítica Marxista, nº 14. julho. Boitempo Editorial. BRANDÃO, A.C. (2001). Localismos, mitologias e banalizações na discussão do processo de desenvolvimento. In: I Seminário Internacional “Redefinição do Pacto Federativo, Globalização e Sistemas Produtivos Locais”. Porto Alegre. (mimeo). CANO, W. & BRANDÃO, A.C. (2002). Região Metropolitana de Campinas. Campinas: Editora da Unicamp. CANO, W. (1992). São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo, Fundação Seade. CASTELLS, M. (1989). La Ciudad Informacional: tecnologías de la información, reestructuración económica y el proceso urbano-regional. Madrid. Alianza Editorial. EMPLASA. (2001) – Por dentro da Região Metropolitana de Campinas. Série Por Dentro, São Paulo. FERNANDES, A.C (2001). Da Reestruturação Corporativa à Competição entre Cidades: lições urbanas sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo. In: Espaços e Debates, nº41, pps. 26-45. KOWARICK, L. (2000). Escritos Urbanos. São Paulo, Editora 34. MARCUSE, P. (1997) - "The enclave, the citadel and the guetto. What has changed in the post-fordist U.S. city" Urban Affairs Review Sage, v 33,nº.2, November, pp. 228-264 MARICATO, E. (2001). Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, Editora Vozes. PETUBA, R. (2001). Na Luta por Moradia: experiência, memória e cultura dos ocupantes de terra, bairro D. Almir (1990-1999). Uberlândia, UFU. (mimeo). SASSEN, S. (1991). The Global City: New York, London, Tokyo. Londres, Princeton Universty Press. SOUZA, M. C. A. F. & GARCIA, R. (1999). O Arranjo Produtivo de Industrial de Alta Tecnologia da Região de Campinas – Estado de São Paulo/Brasil. In: CASSIOLATO, J. E. & LASTRES, H. M. M. (coords). Arranjo e Sistemas Produtivos Locais e as Novas Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico. Rio de Janeiro: IE/UFRJ. Nota Técnica 27. VILLAÇA, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, Fapesp, Lincoln Institute. WACQUANT, L. (1995) – "Proscritos da cidade: estigma e divisão social no gueto americano e na periferia urbana francesa" Revista Novos Estudos. São Paulo, CEBRAP, no. 43, pp. 64-83.

9 Texto extraído dos documentos do programa de governo do PT, disponível em: http://www.lula.org.br/.

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