OCUPAÇÕESCERAMISTASTUPIEGÊEMSÃOPAULO:ESPACIALIZAÇÃOECRONOLOGIA

July 27, 2017 | Autor: Marianne Sallum | Categoria: Ceramics (Archaeology), Arqueologia Brasileira (Brazilian Archeology)
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20 a 23 de setembro de 2009 Hotel Sagres - Belém - Pará

Trabalhos completos

Comunicação Parte I

OCUPAÇÕES CERAMISTAS TUPI E GÊ EM SÃO PAULO: ESPACIALIZAÇÃO E CRONOLOGIA Marisa Coutinho Afonso, Marianne Sallum, Marcel Lopes Resumo A distribuição dos sítios cerâmicos no Estado de São Paulo apresenta uma complexidade que reflete contextos de interação cultural. A espacialização dos sítios, através da elaboração de cartas arqueológicas, permite a observação das áreas de concentração e os “vazios” provocados pela falta de informação e/ou pela ausência de projetos de arqueologia mais sistemáticos. Grupos advindos de outras regiões trouxeram características próprias que estão sendo identificadas em vários sítios localizados durante a realização de projetos recentes ou em desenvolvimento, principalmente na região norte – nordeste do Estado. Uma síntese dos sítios será apresentada para a melhor compreensão das informações relacionadas aos sítios cerâmicos, o que permitirá o cruzamento dos dados espaciais e temporais no território paulista. Abstract The distribution of ceramic sites in the State of São Paulo shows a complexity that reflects contexts of cultural interaction. The spatialization of the sites, through archaeological maps, allows the observation of concentration areas and “empty” areas, caused by lack of information and/or absence of more systematic archaeological projects. Groups from other regions brought their own characteristics, which are being identified in some sites located during recent and ongoing projects, mostly on the north-northeast part of the State. A brief presentation of the sites is important for understanding of ceramic sites related information, allowing a correlation between spatial and chronological data in the State of São Paulo. Palavras-chave: ceramistas, arqueologia Tupi, ocupação Gê Introdução Robrahn-González (2000) discutiu as indústrias diversas dos cerca de 200 sítios cerâmicos conhecidos em São Paulo até 1997, e agrupou-as em três grandes unidades classificatórias: a tradição Tupiguarani, mais antiga, com vestígios que se distribuem por todo o Estado de São Paulo; a tradição Itararé, com sítios localizados na porção sul e a tradiçãoAratu-Sapucaí com sítios na região norte. Desde então, muitos sítios cerâmicos foram localizados nas regiões centrais e setentrionais de São Paulo, tanto através de projetos acadêmicos quanto de arqueologia preventiva, especialmente na bacia do rio Grande, que faz a divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais. Este texto trata especialmente dos sítios Tupi (tradição Tupiguarani), que apresentam uma variabilidade na cerâmica, apontando uma diversidade regional, e os sítios associados a grupos Gê, filiados às tradições Aratu-Sapucaí e Uru (Afonso, 2009). II.1.ATradição Tupiguarani Scatamacchia (1984) discutiu as fontes etnohistóricas e arqueológicas da ocupação tupi-guarani no estado de São Paulo. Na região norte/nordeste de São Paulo, vários projetos foram desenvolvidos na bacia do rio Mogi Guaçu, afluente do rio Pardo, tributário da bacia do rio Grande, por Pallestrini, Caldarelli e Morais, com a localização de dez sítios arqueológicos filiados à tradição Tupiguarani: Franco de Godoy, Franco de Campos, da Barragem, Ponta Preta, Jardim Igaçaba (sítios cerâmicos pré-coloniais), Porto de Areia, Monjolo, Ribeira, Bom Retiro (com datação de 924 anosAP) e Córrego do Canavial (sítios cerâmicos pré-coloniais). O sítio Franco de Godoy foi objeto de intervenções arqueológicas (Pallestrini, 1982 e Morais, 1995) e datado: 1.550 anos A.P. Embora os sítios desta região sejam classificados como aldeias ceramistas de tradição Tupiguarani pelas características da cerâmica e dos sítios, há diferenças entre eles (para uma discussão atual sobre a tradição Tupiguarani, ver Noelli, 2008; Prous & Lima, 2008). Os cinco sítios estudados durante o salvamento arqueológico da PCH Mogi-Guaçu por Morais, além do Franco de Godoy, localizam-se nas margens do rio Mogi-Guaçu, alguns próximos a cachoeiras. Os sítios Franco de Godoy, Franco de Campos, Barragem e Porto deAreia localizam-se a leste da sede do Município de Mogi-Guaçu (o sítio Franco de Godoy a aproximadamente 7,5 km). Os quatro sítios localizados no Município de Luís Antônio (Caldarelli, 1983) distam de 1 a 2 km do rio Mogi Guaçu e situam-se próximos a afluentes do curso d'água principal da região. É possível 1 Museu de Arqueologia e Etnologia/ Universidade de São Paulo, bolsista do CNPq. (email: [email protected]) 2 Mestranda do Museu de Arqueologia e Etnologia/Universidade de São Paulo, bolsista da FAPESP 3 Bolsista de Iniciação Científica do PIBIC/CNPq, no MAE/USP

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notar que houve uma ocupação de grupos ceramistas pré-históricos na região do alto e médio Mogi-Guaçu pelo menos entre 1.550 anos BP (ou 400 anos depois de Cristo) e 924 anos BP (ou 1.026 anos DC), portanto antes da chegada dos portugueses. Há também, nos sítios localizados durante as pesquisas da PCH de Mogi Guaçu, cerâmicas que apresentam alguns atributos típicos de materiais que indicam contato com os europeus. No norte do estado, na bacia do rio Pardo, o sítio Lambari II (Casa Branca, SP) mostrou uma indústria cerâmica filiada à tradição tupiguarani com idade 1.085 130 anos (TL). A Zanettini Arqueologia (2008, 2009) tem realizado pesquisas no norte/nordeste do estado de São Paulo, nas Usinas São José e Guarani, e sua equipe tem localizado vários sítios como Olímpia I, II, III, IV, V e VI, identificando a proximidade espacial dos sítios com diferentes tradições culturais (Tupiguarani,Aratu/Sapucaí e Uru). Lopes & Afonso (2008) analisaram uma quantidade significativa de calibradores em suporte cerâmico do Sítio Olímpia IV (Olímpia, SP), trabalhados pela empresa Zanettini Arqueologia (2007). Este sítio foi associado à Tradição Tupiguarani, mas se encontra próximo a sítios pertencentes aos grupos ceramistas com características das Tradições encontradas no Planalto Central, revelando uma influência Gê. Moraes (2007) tem procurado caracterizar os grupos Tupi do interior, com materiais que não podem ser enquadrados na subtradição Guarani nem na Tupinambá (Brochado, 1984). Como exemplo, pode ser citado o sítio Colina I (pesquisado pela Zanettini Arqueologia), porque apresenta uma diferenciação na cultura material Tupiguarani. Possivelmente esta associação proximidade geográfica - diferenciação de materiais cerâmicos - podem refletir contextos regionais. Lopes & Moraes Wichers (2009) pesquisaram os sítio arqueológicos Colina I, localizado no município de Barretos e Olímpia IV inserido no município homônimo e observaram que apontam para a existência de ocupações Tupi no norte do estado de São Paulo que se diferem daquelas associadas às subtradições Guarani e Tupinambá, mas que guardam especificidades internas mostrando a relevância da região para o estudo da história indígena no interior do Estado. Na bacia do rio Tietê, na região de Rio Claro, Altenfelder Silva identificou sítios da tradição Tupiguarani; também nesta bacia foi desenvolvido o “Projeto do Baixo e Médio Vale do rio Tietê”, coordenado por Sílvia Maranca, cujo início ocorreu no diagnóstico da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira no rio Paraná, oeste do Estado de São Paulo. Segundo Maranca, Silva & Scabello (1994), foram prospectados oito aldeamentos pré-históricos lito-cerâmicos. Quatro destes aldeamentos foram datados por termoluminescência revelando idades de 2200 a 1040 A.P. e filiados à tradição Tupiguarani. Mais 26 aldeamentos pré-históricos foram localizados, sendo 25 lito-cerâmicos e um lítico. No baixo vale do rio Tietê, as autoras notaram características distintas entre a área delimitada pelos rios Paraná, Tietê e São João dos Dourados das encontrados mais a leste, nos municípios de Araçatuba, Promissão e Birigui, que apresentam maior variedade de técnicas de decoração cerâmica (Maranca, Silva & Scabello, 1994). Também no vale médio do rio Tietê, está sendo pesquisado o sítio Gramado que, com base na forma e decoração da cerâmica, associa-se à tradição Tupiguarani, representando um dos poucos sítios não vinculados a caçadorescoletores desta área (Goulart &Afonso, 1998;Afonso, 2005). A região central do Estado de São Paulo é ponto crucial para os movimentos de expansão dentro do território paulista. Os poucos estudos arqueológicos na região só vem reforçar a necessidade de aprofundamento dos dados já levantados e o aparecimento de elementos que venham a enriquecer a compreensão acerca dos grupos humanos e os movimentos de ocupação do estado. O número grande de fragmentos cerâmicos (5.000) num mesmo local contribuiu para justificar a importância deste sítio. Há duas datas para o sítio Gramado, ambas por termoluminescência, realizadas pela FATEC: 190 ± 20 anos BP (Afonso, 2005) e 400 ± 20 anos BP (Sallum, 2009). Estas datações indicam tratar-se de um sítio recente, porém sem indícios de contato. Está em andamento um projeto de mestrado pela Universidade de São Paulo sobre o sítio Gramado, por Marianne Sallum, onde a partir do estudo do gesto e utilizando-se da experimentação com cerâmica, pretende-se evidenciar traços culturais de um grupo, analisando as escolhas de manufatura dos vasilhames, tanto com relação à forma dos potes, como aos elementos decorativos. Para tanto, têm-se realizado análises de medidas arqueométricas relação pasta-pigmento, composição da argila; características de queima; análise da decoração plástica – corrugado simples, corrugado clássico, corrugado perpendicular, oblíquo, assimétrico, ungulado (La Salvia e Brochado, 1989) e análise da decoração pintada – vermelho, preto e branco, técnica de produção – acordelado e modelado, a fim de compreender aspectos de comportamento de uma sociedade. Esta região precisa ser melhor investigado porque o vale do Tietê tem sido considerado, por alguns autores, como o limite das subdivisões da tradição Tupiguarani, com Tupi ao norte e Guarani ao sul, mas há poucos estudos que tratam de sítios cerâmicos neste território. As figuras 1 e 2 exemplificam os tipos de decorações mais encontradas no sítio Gramado: pintada e ungulada (na borda do vasilhame).

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Cerâmica pintada do sítio Gramado (Brotas, SP). Foto e desenho: Marianne Sallum

Cerâmica com decoração ungulada do sítio Gramado e experimentação (Marianne Sallum)

II.2. TradiçãoAratu-Sapucaí; Tradição Uru: Gê em SP No caso da tradição Aratu-Sapucaí, vinculada a sítios localizados nas regiões centro-oeste e nordeste do Brasil, tem nos sítios do norte de São Paulo sua manifestação mais meridional. Entre os sítios filiados à tradição Aratu-Sapucaí, alguns podem ser citados para exemplificar a pesquisa com grupos não-Tupi em São Paulo: sítio Maranata (Olímpia, SP), Água Lima (MonteAlto, SP), Água Vermelha 2 (Ouroeste, SP) e sítio Baixadão (Paulo de Faria, SP). O sítio Maranata (Olímpia, SP) foi filiado à tradição com base na reconstituição das formas dos vasilhames (Maranca, Silva & Scabello, 1994) e o primeiro desta tradição a ser identificado na bacia do Rio Grande. A presença na cerâmica de urnas globulares, formas duplas e vasilhas esféricas com borda extrovertida levaram a sua filiação à tradição Aratu-Sapucaí, embora a autora alerte para os atributos decorativos (pintura em faixas vermelhas) e morfológicos (bases planas e formas de perfil complexo) como possíveis indicadores de influências externas (Fernandes, 2001). Para o sítio Água Limpa há datas de 1524 ± 215 anos AP a 375 ± 40 anos AP sinalizando uma ocupação por um período longo do século V ao século XVII, embora os materiais mais vinculados à tradição AratuSapucaí tenham apresentado as seguintes datas: 720 ± 70 anosAP para uma borda ondulada e 456 ± 50 anosAP. O sítio Água Vermelha 2 (Ouroeste), localizado no limite dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, é uma aldeia extensa, apresentando vestígios cerâmicos morfologicamente associados à tradição Aratu-Sapucaí, com formas duplas, sem decoração e antiplástico composto por mineral, caco-moído e cariapé (Robrahn-Gonzalez, Afonso, De Blasis, Figuti, Neves & Eggers, 1998). Foram encontradas formas de contorno simples (vasilhas de meia elipse, cônicas e semi-esféricas) e infletido (forma esférica e forma oval), sendo que as vasilhas rasas (tigelas) serviriam ao preparo e ao consumo de alimentos e as de contorno infletido à cocção. Segundo os autores, a ocupação do sítio Água Vermelha 2 estaria relacionada ao XV CONGRESSO DA SOCIEDADE DE ARQUEOLOGIA BRASILEIRA - Anais Trabalhos Científicos - Comunicação (2010)

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processo de diversificação cultural ocorrido na região centro-oeste, entre os séculos IX e X. Algumas características da cerâmica, como o uso do caco moído como antiplástico e as formas infletidas, seriam associadas à influência Tupi e o uso de cariapé aos Grupos Uru, indicando cerâmicas de origens variadas como encontradas no Brasil Central. A cronologia do sítio (1010 ± 50 anos BP e 700 ± 70 anos BP) indicaria uma rapidez no processo de diversificação cultural. Nas proximidades do sítio Água Vermelha 2, o Água Vermelha 1 apresenta características da Tradição Uru, sendo que a presença de cariapé e lâminas de machado meia-lua remetem a um contexto do oeste do Araguaia, relacionado aos grupos portadores da cerâmica Uru (Robrahn-Gonzalez, Afonso, De Blasis, Figuti, Neves, Eggers, 1998). O sítio Baixadão (Paulo de Faria, SP) foi objeto de cadastramento e apesar do pouco material coletado, foram identificadas duas bordas, uma com decoração plástica externa na forma de uma linha incisa paralela à borda e a outra fazia parte de uma tigela geminada, características da tradiçãoAratu (Penin & De Blasis, 2005/2006). Na Ilhabela, litoral norte de São Paulo, Cali (2005) identificou sítios cerâmicos provavelmente de tradição Itararé e observou que é a primeira informação sobre a ocupação de grupos Gê em um área que, até então, era considerada de ocupação tupi-guarani. Na região do rio Pardo, foram encontrados quatro sítios cerâmicos, sendo três classificados como de tradição neobrasileira pela datação de um deles e características da cerâmica (sítios Lagoa Preta I, com 280 anos AP, Lagoa Preta II e Bebedouro da Pedra) e um quarto, Tamanduazinho, no Município de São Simão, datado de 990 70 anos AP e com características não semelhantes à cerâmica da tradição tupiguarani (Caldarelli, 2001-2002). Moraes (2007) reanalisou estes vestígios e percebeu que devem estar relacionados à ocupação Gê na área. Caldarelli & Neves (1981) já haviam apontado que “quanto aos horticultores, nitidamente representados na área por duas ocupações distintas, uma Gê e uma Tupi-Guarani, a problemática que se nos apresenta atualmente é de ordem cronológica”. Os autores referem-se aos documentos históricos que mencionam apenas índios do grupo lingüístico Gê, como os Caiapó, sendo que os Tupi-Guarani já não se encontrariam na área quando da ocupação européia. Para os autores, haveria uma ocupação da área com os Tupi-Guarani no vale do rio Mogi Guaçu e os Gê no vale do rio Pardo. O sítio Água Branca (Casa Branca, SP), situado próximo ao rio Pardo, apresenta cerâmica com características das Tradições Aratu-Sapucaí (cariapé, formas duplas, apêndices, brunidura), Tupiguarani (caco moído, ombros indicando vasos de formas complexas) e Uru (cariapé, bases planas com ângulos de 90º (Afonso & Moraes, 2005/2006). O fato do material cerâmico desse sítio apresentar características de tradições cerâmicas distintas demonstra um contexto de interação cultural. As características da cerâmica, a datação recente (205 ± 20 anos BP por termoluminescência para um fragmento cerâmico), a morfologia aproximadamente circular da aldeia e os dados levantados pela pesquisa etnohistórica (Moraes, 2003) indicam que o grupo que ocupou o sítio Água Branca está associado à ocupação Gê da região. Os materiais dos sítios Lagoa Preta II e Água Branca apresentaram várias semelhanças, como presença de cariapé, bases planas, ausência de decoração e bom tratamento de superfície (Afonso & Moraes, 2005-2006). A região nordeste do Estado de São Paulo aponta uma problemática arqueológica que merece melhor investigação, com sítios cerâmicos filiados às tradições Tupiguarani e Aratu/Sapucaí (Moraes, Zanettini & Afonso, 2008). Além do sítio Água Branca, outros apresentam características da ocupação de grupos Gê no norte e nordeste do Estado de São Paulo, como os sítios Maranata (Olímpia), Água Limpa (Monte Alto), Lagoa Preta I, Lagoa Preta II, Bebedouro da Pedra (Serra Azul), Tamanduazinho (São Simão), Água Vermelha 2 (Ouroeste) e Baixadão (Paulo de Faria) na bacia do rio Grande; o sítio Cachoeira de Emas 1 na Bacia do rio Mogi Guaçu. Moraes (2007) estudou a variabilidade artefatual em sítios arqueológicos associados à Tradição Tupiguarani no nordeste do Estado de São Paulo e notou que, em duas regiões, sítios tupi como o Lambari II (Casa Branca, SP) e Cachoeira de Emas 2 (Pirassununga, SP) estão associados a contextos onde, a menos de um quilômetro, há ocupações ceramistas não-Tupi com características similares e datações tardias. Enquanto no primeiro caso não aparecem elementos de interação, no segundo algumas peças remetem à troca de objetos. Para a autora, a descoberta de sítios associados às Tradições Aratu e Uru no nordeste do Estado de São Paulo e as informações etnográficas que sugerem a dominação desse território por índios kaiapó no séculos XVII-XVIII mostram que é necessário uma melhor avaliação da interação entre esses grupos e os grupos Tupi. Em Pirassununga, Moraes (2007) pesquisou o sítio Cachoeira de Emas 2 que apresentou material cerâmico relacionado à tradição tupiguarani, mas Godoy (1974), ao realizar pesquisas na área da Cachoeira de Emas, já tinha registrado a presença de lâminas de machado com formato semi-lunar, comumente associados a grupos Macro-Gê, além de indicar a presença de virotes, como um encontrado no sítio Água Branca. Até na cidade de São Paulo, no Pico do Jaraguá, Robrahn-González (2005) assinalou a localização do sítio Jaraguá 1, datado em 660 anos BP (1.290 dC): “Corresponde à data atualmente mais antiga para a Arqueologia de São Paulo. Todavia, o fato de sua indústria cerâmica remeter a um horizonte mal definido para o Brasil Meridional, mas que se configura em associação a grupos pertencentes ao tronco lingüístico Macro-Gê, aponta interessantes horizontes de discussão, uma vez que apenas 200 anos depois desta data os colonizadores portugueses indicavam uma presença maciça de grupos Tupiguarani nos campos de Piratininga”.

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Mapa do Estado de São Paulo, com a localização de alguns sítios citados no texto, com os sítios Gramado, Água Branca e Lambari II (Afonso, 2005)

Mapa com a distribuição dos grupos ceramistas e tradições no Estado de São Paulo (Afonso, 2005)

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Considerações finais Na arqueologia paulista, tratando dos grupos ceramistas, o limite Tupinambá-Guarani continua como um tema de discussão, além das influências do norte (Tupi), noroeste (Aratu-Uru) e sul (Guarani e Itararé-Taquara) no território. Vários sítios, mencionados anteriormente, apresentam características de ocupação de grupos Gê no norte/nordeste do Estado de São Paulo. Em alguns deles a indústria cerâmica apresenta características de mais de uma tradição, como o sítio Água Branca com características de três tradições distintas. Morais (1999/2000) identificou os sistemas regionais de povoamento presentes na região Sudeste e sugeriu que as tradições Aratu, Sapucaí e Uru poderiam formar um extenso sistema regional de povoamento de agricultores précoloniais, mesmo guardando-se suas peculiaridades específicas. Em uma reflexão regional ampla, os sítios Água Branca, Lagoa Preta I, Lagoa Preta II e Cachoeira de Emas 1 podem ser inseridos nesse Sistema Regional, chamado pelo autor de “Aratu-Sapucaí”. A idéia de São Paulo como uma “terra de fronteiras” para os grupos ceramistas (Robrahn-González, 2000) que, a partir dos últimos séculos a.C., começam a ocupá-lo fica mais clara com as pesquisas recentes. Esses grupos advindos de outras regiões trouxeram características próprias e, desta maneira, os sítios de São Paulo apresentam particularidades relacionadas a um contexto de interação cultural. Segundo Morais (2005), na metade norte do território paulista, os interflúvios das bacias dos rios Tietê e Grande marcam o eixo de uma larga faixa de sobreposição entre os sistemas Tupinambá e Guarani e um possível sistema Sapucaí, correlacionável à tradição arqueológica homônima. Afonso (2005) propôs uma região de influência de grupos Gê no norte de São Paulo abrangendo a bacia do rio Grande, incluindo a sub-bacia do rio Pardo, identificando uma área de contatos com ceramistas do Planalto Central. Os sítios ceramistas do norte de São Paulo refletem contextos extra-regionais com influências do norte (Tupinambá), do sul e do oeste (Guarani) e do noroeste (Aratu-Sapucaí-Uru) de uma forma bastante complexa e que necessita ser melhor investigada. A espacialização das diferentes manifestações arqueológicas (Morais, 1999/2000; Afonso, 2005) deixa mais evidente os problemas, as áreas sem informação ou com dados contraditórios, além das lacunas cronológicas. A confecção dos mapas é um exercício importante para se compreender melhor o território de ocupação e deixar claro os melhores locais a serem investigados para a discussão de fronteiras culturais. Devido ao aumento do número de projetos arqueológicos no Estado de São Paulo, principalmente de arqueologia preventiva, novas áreas estão sendo pesquisadas produzindo conhecimento arqueológico. O entendimento das ocupações no Estado é fundamental para a compreensão das rotas de dispersão dos grupos Gê meridionais, dos Gê do Planalto Central, dos Tupi do norte e dos Guarani do sul; portanto a pesquisa arqueológica do território paulista pode contribuir para a melhor compreensão do contexto espacial e temporal dos grupos ceramistas de várias regiões brasileiras.

Agradecimentos: Ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa para Marisa Coutinho Afonso e pela bolsa de iniciação científica (PIBIC/CNPq) para Marcel Lopes; à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo) pela bolsa de mestrado para Marianne Sallum. Os autores agradecem à Camila Azevedo de Moraes Wichers e ao Paulo Eduardo Zanettini pela discussão sobre tupis e tapuias em São Paulo, e à Jacqueline Freitas de Oliveira pela elaboração dos mapas. Referências Bibliográficas AFONSO, M.C. 2005. Um Olhar para a Arqueologia Pré-Histórica do Estado de São Paulo. Tese de Livre Docência. Museu deArqueologia e Etnologia/ Universidade de São Paulo. AFONSO, M. C. 2009. Um painel da arqueologia pré-histórica no Estado de São Paulo: os sítios cerâmicos. Especiaria (UESC) (no prelo). AFONSO, M.C. & MORAES, C.A 2005/2006. O Sítio Água Branca: interações culturais entre grupos ceramistas no norte do Estado de São Paulo. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 15: 59-72. BROCHADO, J.P. 1984. An Ecologic Model of the Sprea of Pottery and Agriculture into Eastern South America. Urbana-Champaign: University of Illinois (Tese de Doutorado). BROCHADO, J.P. 1990. Um modelo ecológico de difusão da cerâmica e da agricultura no leste da América do Sul. Anais do I Simpósio de Pré-História do Nordeste Brasileiro, Recife, Universidade Federal do Pernambuco, p.85-88. CALDARELLI, S.B. 1983. Aldeias tupiguarani no vale do rio Mogi-Guaçu, Estado de São Paulo. Revista de PréHistória, São Paulo, IPH-USP , n.5, p.37-124. XV CONGRESSO DA SOCIEDADE DE ARQUEOLOGIA BRASILEIRA - Anais Trabalhos Científicos - Comunicação (2010)

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