Ocupar o que foi esvaziado

June 4, 2017 | Autor: A. Pereira | Categoria: Impeachment, Dilma Roussef (PT), Lava Jato
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Seminário A Defesa da Democracia no Cenário Político Atual
Dia 22/03/2016 – Auditório Manoel Vereza, CCJE, UFES
Autor: André R. V. V. Pereira
Título: Ocupar o que foi esvaziado
Em primeiro lugar, quero deixar claro que não sou e nunca fui filiado a nenhum partido político. Não sou e nunca fui membro de nenhuma organização.
Eu estou aqui falando com professor da UFES e, evidentemente, não represento a instituição. Eu falo em meu nome e espero poder contribuir de alguma forma.
Neste momento, podemos pensar em dois cenários:
O primeiro é o do impeachment de Dilma Roussef. É sabido que o PMDB e o PSDB negociam um governo de Michel Temer. A operação Lava Jato está começando a ampliar os seus alvos e atingir ou ameaçar empresários de outros setores que não a construção civil e lideranças políticas fora do arco de alianças do PT.
Desta forma, retirar a direita das ruas, baixar o clima de radicalização, e controlar a Lava Jato, concentrando seu foco apenas no PT é uma necessidade das elites dirigentes.
Há comentários sobre o tipo de compromisso que Temer teria assumido, no sentido de não se candidatar em 2018 e tomar medidas duras para enfrentar a crise econômica.
Por medidas duras devemos compreender a implantação de um ajuste neoliberal mais profundo do que já está proposto pelo governo do PT e a aprovação da agenda conservadora no campo da educação, da saúde pública e dos direitos sociais.
Neste cenário, com o desembarque de uma grande quantidade de petistas e militantes do PCdoB de cargos governamentais, seria de se esperar uma radicalização da CUT, da CTB e do MST.
Se esta aliança vier a compor com o MTST e com as correntes de esquerda no sindicalismo e nos movimentos sociais, é possível pensar em uma frente de resistência ao enorme ataque que está sendo preparado contra a classe trabalhadora.
A grande questão, porém, é a se estes setores teriam a capacidade de superar suas diferenças e conflitos históricos.
É óbvio que esta elaboração de cenário pode estar errada, pois existem muitas outras variáveis que podem interferir. Porém, o ponto fundamental é a queda do atual governo.
O segundo cenário é aquele no qual o PT consegue evitar o impeachment na Câmara ou no Senado, negociando os votos dos parlamentares a preços muito elevados.
Não é impossível que mobilizações de rua contra o Golpe e pela Democracia ofereçam um certo grau de legitimidade ao PT para se manter no governo.
Todavia, o sucesso deste tipo de manifestação vai depender de um investimento forte da CUT, CTB e MST pela mobilização, juntamente com a continuidade de ações no campo jurídico que estimulem os setores progressistas e de esquerda a defenderem a ordem democrática.
É bastante duvidoso saber se todas estas condições vão se cumprir. Além disso, fica claro que a direita está bem mais mobilizada e pronta para responder à altura. Já se criou um clima de confronto que é mais favorável aos conservadores.
Se Dilma permanecer e o conflito de rua se exacerbar, podemos prever o fortalecimento de organizações filofascistas, o que representaria um retrocesso muito grave. Quando estes grupos se estabeleceram na Europa nos anos 90, nada do que foi feito conseguiu retirá-los da arena pública.
Nós estamos perigosamente perto de viver a mesma situação.
Se Dilma permanecer, isto será resultado de um grande acordo com setores de direita da elite política que terão que ser honrados. Além disso, o mercado financeiro continuará o ataque especulativo à moeda, a Lava Jato vai continuar com seus vazamentos seletivos, a grande imprensa vai continuar com a cobertura espetacular dos escândalos.
A continuidade do governo Dilma é a continuidade da crise. E o governo Temer é o aprofundamento da contrarreforma neoliberal.
Tudo isto significa que o atual momento é caracterizado pela vitória de uma grande coalizão de inimigos, dentro e fora do Brasil, que se organizaram para barrar o projeto de Nação do PT.
Esta coalizão atuou em vários planos. Um deles foi o plano da cultura.
A direita que ocupou as ruas usa um discurso e uma prática de tipo fascista, com uma linguagem agressiva que nega o direito à diferença. Não se admite diálogo. Não se admite a possibilidade de acordo. Os inimigos são todos os que não concordam conosco e são demonizados. Os inimigos tem que ser destruídos.
Ao chegar ao poder, o PT fez alianças com grupos de direita. Durante o seu período de governo, o PT cedeu espaços a estes grupos, que os utilizaram para crescer na Sociedade.
A direita evangélica, com forte presença nos meios de comunicação de massa, vem, há anos, alimentando um discurso raivoso e impositivo. Nos governos do PT, ela consolidou a bandeira da defesa da família e demonizou seus inimigos: as drogas, os homossexuais e iniciativas progressistas no campo da educação.
O PT tomou a decisão de não fazer avançar a luta pela regulação da mídia e não teve uma política cultural que gerasse espaços para os setores progressistas.
O resultado disso foi o aprofundamento de uma guinada dos grandes órgãos de imprensa para a militância liberal e conservadora, com forte ênfase nos escândalos de corrupção, tratados de maneira superficial.
Durante este tempo, não houve direcionamento de verbas de propaganda governamental para órgãos de imprensa que tivessem uma leitura alternativa.
No caso da TV, deu-se a proliferação de programas populistas especializados no tema da segurança pública. Todos eles usam linguagem agressiva, impositiva, que demoniza os criminosos e apelam para soluções repressivas.
No caso do humor, mais uma vez, a ausência de uma política cultural abriu espaços para programas como Pânico ou como CQC que, cada um ao seu estilo, desenvolveram formas agressivas e humilhantes de lidar com entrevistados. Uma linha de humoristas de direita surgiu e se consolidou.
No caso de políticas educacionais, iniciativas mais progressistas, como o Programa Brasil sem Homofobia, foram vetadas pela direita. Ao contrário do que pensam os conservadores, não existe nada sistematizado em termos de proposta pedagógica.
No caso das universidades, os governos do PT aprofundaram o modelo de produção acadêmica elaborado pelo governo do PSDB. O aumento da competitividade entre os professores contaminou os alunos e o descompromisso com a Sociedade se fortaleceu.
Este caldo cultural criou base para que a enorme campanha iniciada em 2014 colocasse a direita nas ruas com um discurso que tem elementos comuns a toda esta prática: uma fala impositiva, raivosa, que associou o PT à corrupção e ao comunismo. O partido é um inimigo que deve ser destruído e quem não concorda com isso deve ir com ele.
A prática cultural conservadora se associou a uma campanha muito bem orquestrada e não houve resposta a contento. Mas nada disso era inevitável.
Em 2013, o tema do combate à corrupção estava presente nas manifestações de rua, mas lá também estava a bandeira dos Hospitais Padrão FIFA.
Historicamente, a maior demanda da classe trabalhadora é por Saúde, em primeiro lugar, e por Educação e Segurança Pública, mais ou menos empatados em segundo lugar.
Atualmente, devido ao avanço do desemprego e ao lugar ocupado pelo tema da corrupção, as pesquisas revelam mudança no foco, mas isto não deveria ter acontecido necessariamente.
Os setores progressistas da Sociedade brasileira perderam a bandeira dos hospitais padrão FIFA, ou seja, das políticas sociais de qualidade.
E devemos lembrar que uma das maiores reclamações no que se refere à Saúde é à forma como as pessoas são tratadas pelos médicos.
Em Cuba, por exemplo, há um serviço dentro dos hospitais que recebe reclamações dos pacientes contra os médicos e eles são rapidamente cobrados. Esta é uma das razões que faz com que eles sejam atenciosos e educados.
A bandeira dos Hospitais Padrão FIFA deveria ser recuperada e incluir não só a questão dos recursos, do financiamento da saúde, mas também cobrar a presença dos médicos nos serviço e medidas concretas que alterem o seu comportamento.
Os hospitais da atualidade resolvem o problema por meio de seguranças privados ou da PM.
Os setores progressistas também deixaram que a bandeira da corrupção fosse apropriada pela direita.
O escândalo do HSBC nos mostrou que o capital financeiro internacional é responsável por lavar dinheiro do crime comum e dos esquemas de corrupção no mundo inteiro.
Se queremos combater corrupção, não podemos ceder ao argumento fácil de que o PT ou os políticos de uma maneira geral são corruptos e tirá-los do poder resolve o problema.
Além de medidas internas ao nosso país, a regulação, a transparência e o controle do capital financeiro são essenciais. E só a cooperação internacional resolve isto.
Mecanismos de corrupção também estão profundamente associados ao nosso sistema tributário e à dívida pública.
Graças à Lei Kandir, criada em 1996, empresas como a Vale, a ArcelorMittal, a Fibria, e a Samarco não pagam ICMS. Além disso, ficam com crédito de ICMS junto ao governo do Estado.
Não há transparência com relação a estes créditos de ICMS e a forma como eles são negociados. Na época de José Ignácio Ferreira, montou-se um sistema de corrupção para autorizar sua venda.
A Sociedade não sabe que estas grandes empresas não pagam ICMS.
A Sociedade também está mal informada sobre o tamanho da nossa dívida pública e os esquemas de corrução à ela associados.
Na campanha presidencial de 2014, os candidatos de esquerda e um concorrente de direita, que foi Levi Fidelix, tematizaram a questão da dívida e o papel dos bancos.
Porém, tanto a bandeira dos Hospitais Padrão FIFA quando o debate sobre a dívida pública foram esquecidos.
Neste meio tempo, a linguagem fascistóide se fortaleceu, a direita obteve maioria no Congresso Nacional, a coalizão de inimigos do PT atacou a Petrobras e tematizou a questão da corrupção.
Tudo isto chegou a um ponto no qual a Democracia está em jogo.
O que eu estou defendendo aqui é que não importa o que vá acontecer com o mandato de Dilma Roussef.
A defesa da Democracia implica em um combate no plano da cultura e na recuperação de bandeiras que sejam permanentemente discutidas.
É o caso do Hospital Padrão FIFA no sentido do financiamento e do comportamento dos médicos.
É o caso dos impostos e do benefício aos ricos. A Lei Kandir tem que acabar. Não se fala nisso.
Na Europa, após a crise de 2008, os governos impuseram impostos pesados sobre os mais ricos. Aqui, não conseguimos colocar este assunto na pauta.
É o caso também dos setores progressistas tomarem para si a questão da corrupção.
É o caso, enfim, da Universidade assumir o seu compromisso com a Sociedade. Se nós estamos satisfeitos com este modelo de cobrança de produtividade e não for da nossa vontade acabar com ele, então, pelo menos, que políticas culturais, de comunicação e de divulgação do conhecimento sejam também pontuadas e reconhecidas como relevantes.
A Rádio Universitária faz um trabalho importante de comunicação, mas se encontra à míngua.
É preciso, enfim, ocupar um lugar na arena pública, porque, em política, não existe vazio.




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