OEA e a desintegração regional

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QUINTA-FEIRA, 05.06.2014

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS OEA e a desintegração regional

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esde a deposição do presidente Manuel Zelaya, de Honduras, em junho de 2009, a Organização dos Estados Americanos (OEA) não recebia tanta atenção quanto a que recebeu nesses últimos dias. O motivo parece desinteressante, mas possui forte simbolismo. Assunção sedia a 44ª Assembleia Geral da OEA, e sua primeira sessão plenária foi palco de uma, no mínimo, ousada manobra da diplomacia equatoriana. Os diplomatas de Rafael Correa propuseram “mudanças substanciais” na constituição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização, baseadas em três pontos: i) a ratificação por todos os membros da OEA do Pacto de San José da Costa Rica (efetivando assim o funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos); ii) mudança da sede do organismo de Washington para o Haiti ou Costa Rica, e; iii) modificações na dotação orçamentária e autonomia de determinadas relatorias do órgão.

Como disse, o que pode parecer distante e tedioso, engana. Correa foi duramente criticado pela relatoria de liberdade de expressão do CIDH, quando seu governo abriu processos judiciais contra jornalistas e opositores. Quando pressionados durante as reuniões com a Secretaria Geral, os equatorianos ameaçaram retirar-se da organização. Retórica pura. Seria contraproducente ao Equador e a sua imagem denunciarem o tratado hemisférico. Irreal. A tentativa de reforma, amenizada pelos pares da Unasul (em especial Brasil, Argentina e Chile - ou talvez boicotada pelos membros do bloco) soa como uma tentativa de diminuir a pressão direcionada pela comunidade às tensões que o vizinho bolivariano sofre nos últimos tempos. O governo da Venezuela não avançou em nada no impasse dos últimos meses com a oposição, e as negociações ameaçam retroceder. É curioso que tal manobra tenha sido realizada num foro como a OEA, que recebe forte desconfiança por parte dos latino-americanos e que tem perdido importância ao longos dos anos, e salvo o caso hondurenho, não teve atuação de relevância em assuntos hemisféricos na última década. Prova disso é a presença de apenas 25 chanceleres à Assembleia, menos do que os 28 confirmados e o envio de nove delegações encabeçadas por funcionários de menor nível. Os principais membros, EUA, Canadá, México e Brasil têm modificado suas agendas, mirando outros arranjos re-

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gionais, como a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) ou o TPP (Trans-Pacific Partnership), reduzindo à operacionalidade burocrática a OEA. Concorre a isso a multiplicação dos arranjos e cúpulas sub-regionais nos últimos 20 anos, que concentram boa parte da energia e responsabilidade nas trocas diplomáticas, ao invés de transferirem esforços para fortalecer mecanismos já (frouxamente) institucionalizados, acabando por dissipar o foco de ações importantes, como infraestrutura e cooperação técnica. A despeito da velocidade com que tais arranjos aparecem, e também pelo clamor que provocam em presidentes

e chefes de Estados da região, o que assistimos é um processo de desintegração, cuja definição é de um momento em que os arranjos de integração regional atingem um estado de estagnação, não inercial, no qual os interesses individuais de seus membros não são mais atendidos, paralisando a ampliação de seu espaço regional. O Equador nos deu um claro exemplo de como esse processo acontece.

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS É PESQUISADOR DO NÚCLEO DE PESQUISA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (NUPRI/USP) E DOUTORANDO EM INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA PELA MESMA UNIVERSIDADE

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