Olha me nos olhos peca pequena

May 24, 2017 | Autor: Rosa Vieira Guedes | Categoria: Drama In Education
Share Embed


Descrição do Produto

“Olha-me nos Olhos” Ano lectivo 2016/2017 Estreia 10 de Fevereiro de 2017 no Auditório da Escola Secundária Tomás Cabreira – Faro. Turma do 1º Ano do Curso Profissional de Artes do Espectáculo - Interpretação Intérpretes: Mónica - Mónica Pinheiro Margarida – Margarida Lucas Miguel – Miguel Domingos Flávio – Flávio Araújo Helena – Maria Semedo João – João Guerreiro Laura – Laura Flórido Micaela – Mihaela Iaczko Leonardo – Leonardo Carmo David – David Mártires

Margarida, Flávio, Miguel, Helena, Mónica, João, Laura, Micaela, Leonardo, David Estão em pé alinhados na boca de cena TODOS: A observação é um elemento necessário à minha educação. A observação é um elemento necessário à minha educação. (Ouve –se um tiro. Todos reagem como se estivessem a observar alguma coisa – cada qual com a sua própria pose e reação). (Mónica): Há quanto tempo estamos a fazer isto? (Flávio): O quê? (Margarida): Shhh. (Miguel): Dez anos. (Helena): Dez anos. (Miguel): Feliz aniversário. (Helena): Dez anos. Uau. São muitos corpos. (Margarida): Shh!

1

(Helena):É muito mau obrigarem-nos a fazer isto até aos 25. Ei. Algum de vocês tem já cabelos brancos? (Margarida):Dois. (Mónica): Eu encontrei um esta manhã. (Miguel): As pessoas não costumavam ter cabelos brancos tão jovens. (Flávio): E? (Miguel): E nada. (Flávio): Tens obviamente alguma coisa para dizer. (Mónica): Eu desejo que eles não nos possam ver. (Helena): Viram aquele tipo na última fornada? Gritando e implorando e escalando a parede? (Flávio): Patético. (Helena): Como se os tivéssemos de salvar ou algo assim. Oh, oh! Lembram-se daquele ano em que fizeram fornadas de vinte? (Flávio): Helena…. (Helena): E o grupo todo invadiu os espaços proibidos e tentaram escalar e partir a janela por dentro? (Miguel): Lembro-me. (Flávio): Completamente inútil. O vidro é inquebrável. (Margarida): Eles não sabiam. (Flávio): Estás a dizer que não faz mal eles tentarem partir o vidro? (Margarida):Não, não estava – não estava a dizer nada. (Miguel): Deixa-a. Ela não estava a dizer nada. (Margarida):É verdade. (Miguel): Ela nunca diz nada. (Margarida):Isso



hey!

(Helena):Eu gostava das fornadas maiores. Com cinco é tão…contido.. . Eles sabem que estão em desvantagem. Eles sabem que não há nada que possam fazer. Eles sabem o que vai acontecer. E que isso é o que acontece uma vez e outra vez e outra e outra e… .Quando havia mais havia sempre a possibilidade de que qualquer coisa pudesse (vê qualquer coisa brilhar através da janela) Uau! Olhem para aquilo! (Todos reagem ao ver um acontecimento através da janela) (Margarida):

Eles falharam. 2

(Flávio): Eles nunca falham. (Helena): Não posso acreditar! (Mónica):Ele vai conseguir escapar? (Miguel): Onde é que ele há-de ir? (Helena): Agarrem-no. Agarrem-no. (Margarida):Nem posso acreditar que eles falharam, eles – Oh. (Helena): Agarrem-no. Fixe! (Miguel): Eu pergunto-me quantas vezes é que isto acontece. (Helena): Viram-no? Praticamente a escalar as paredes. Até que enfim uma coisa fixe para escrever no relatório. (Flávio): Eles também estão a tirar os obstáculos. (Mónica): Não podem estar sem obstáculos, pois não? Flávio reage ao ouvir um anúncio. (Flávio): Um intervalo? Agora? Isto não é normal. (Miguel): Deve ser por causa do tipo. (Helena): Eu quero fazer isto. (Miguel): O quê, escalar os muros e tentar fugir? (Helena): Não sejas parvo. (Margarida):Queres ser um dissuasor? (Helena): Claro. No último dia da nossa observação vou-me inscrever para formação. (Margarida):Sabes bem que eles não aceitam ninguém. Tens que fazer um bilião de testes psicotécnicos. (Helena): Eu passo a todos. Isso não me incomoda nada. (Miguel): É suposto que te incomode qualquer coisa. (Helena): Porquê? (Miguel): Para que não faças nada que te faça levar um tiro. (Helena):Nunca acontecerá. (Margarida):Ou não o acertar. (Helena):Nunca acontecerá. Fico imóvel como uma rocha. Sou uma montanha. Sou Everestiana. Nada me faz mover. 3

(Miguel): Ai não? (Helena):Nada. Especialmente aquelas doninhas. Eu olhá-lo-ia nos olhos. Não existiria mais nada na sala senão eu e ele. Ele e eu. E nessa altura dir-lhe-ia… (Margarida):Acho que não é permitido falar com os tipos. . (Helena): Eu diria com o meu olhar. Diria com o meu olhar. Diria: “Eu sei o que fizeste. Sei tudo sobre ti. Sei o que te vai acontecer em 5 – 4 – 3 – 2 – PUM!!”” (Miguel): Davas um bom dissuasor. (Flávio): (para Mónica) Queres ir à reunião hoje à noite? (Mónica):Hum? Não. Acho que não. Não me estou a sentir bem. (Helena): Estou tão contente por terem voltado a usar armas. O gás era tão aborrecido. (Flávio): É a segunda a que não vais. (Mónica): Ai é? (Miguel): Talvez ela já não faça parte das multidões estúpidas a que costumava pertencer. (Flávio): Eu estava a falar contigo? (Margarida):Devias ir. Toda a gente tem que ir às reuniões. (Miguel): Não é obrigatório. (Helena): Eu adoro as reuniões. (Miguel): Claro que adoras. (Flávio): Quando foi a última vez que foste a uma reunião? (Miguel): Hmmmmmm – não sei. (Flávio): É esquisito se não fores. Parece que não apoias o sistema. E tu apoias o sistema, não é Miguel? (Miguel):Vocês já não trabalham para eles. Não há necessidade de me olharem com esses olhares assustadores. (Margarida):Como é que podes dizer isso? Sabes que eles estão a ouvir. (Miguel):Não, não sei. (Flávio): Tenho a certeza que estão. Tenho a certeza que eles estão a escutar pessoas como tu a toda a hora. (Miguel): Não sei porquê se têm pessoas como tu para o fazer por eles.

4

(Margarida): (um pouco histérica) É suposto que estivéssemos a refletir sobre a sessão. É suposto que estivéssemos a refletir sobre o que testemunhámos e agradecermos ao Centro de Dissuasão por tornar a nossa sociedade segura e livre de cúmplices. (Miguel): Muito bem Margarida. (Margarida): Obrigada. (Mónica): Vocês acham que funciona? (Flávio): O quê? (Mónica): O sistema. Funciona? (Flávio): Mónica o que se passa contigo? (Mónica): Nada.

II PARTE (outro grupo) _____________________________________________________________________________ (Micaela): É claro que funciona. Se forem suficientemente estúpidos para cometer um crime têm que sofrer as consequências. Claro e simples. (Laura): Todos os crimes são tratados da mesma maneira. Nada menos. Nada mais. E agora não há crimes. (David): Se não há crimes o que continuamos a fazer aqui? (Leonardo): (referindo-se a David) Não o oiçam. Ele vai lixar a vida dele e o problema é dele – não se envolvam nisso. (João): Não estou envolvido… Achas que funciona, Leonardo? (Leonardo): (como se fosse rotineiro) A evidência do sistema está à vista. Vocês sabem. A nossa geração tem a taxa de violência mais baixa, a taxa de dependências mais baixa, os adolescentes já nem fumam. (Laura):Somos cidadãos modelo. (Leonardo): Somos sim. Somos a realização de um governo que se preocupa connosco. Somos o produto de anos e anos de trabalho após séculos de fracassos.. Como podemos esperar que nossa geração carregue o peso da sociedade se não estamos preparados para o fazer? (David): Isso é muito bom. De cor e tudo. 5

(Leonardo): (numa súbita explosão) Olha para ti próprio, seu estúpido… (volta a estar calmo) Vá lá Laura. Eu penso contigo. Vamos para ali para não termos influências indesejáveis. Vens João? (João): Humm? Não, estou bem aqui, obrigado. Leonardo olha-o de um modo estranho. Ele e Laura afastam-se. David vai para perto de João. Os dois têm uma conversa particular. (David): Bem. O que se passa contigo? (João): O quê? Nada. (David): Estás tão quieto.. (João): Achas? (David): Hum hum. A tua cabeça não está aqui. Então. O que aconteceu entre ti e o Leonardo? (João): Nada. (David): Então como é que não estás na onda dele? Tu e ele costumavam conversar. Tu e ele estavam sempre a conversar. Blá, blá, blá. Ama-me e ama a observação. Os tipos têm o que merecem. Eu vi-o e vi-o na manifestação de ontem. Não vi isto e aquilo, o que é que isso significa? Então, o que é que se passa?? Leonardo e Laura fazem “hum” enquanto pensam. Talvez façam gestos também. (João): Como é que consegues fazer isto? (David): O quê?. (João): Falar. (David): Abro a boca.. (João): Tu sabes o que eu quero dizer. Como podes falar como falas? Sem medo. (David): Não conheço outro modo de falar. É como falamos em casa. (João): Como é que não tens medo de te meter em sarilhos? És a única pessoa que conheço que não tem medo de abrir a boca. Acho que a Laura era capaz de coser a sua própria boca se pudesse. Assim nunca dizia nada que a pudesse pôr em sarilhos. (David): Não é um grande modo de vida. (João): Estás cada vez mais irónico. (David): A sério? Uau, isso não é grande coisa, pois não? (João): Não, não é. Não é se não quiseres levar um tiro. (David): Eu só vejo o que vejo e digo o que digo.

6

João olha para Leonardo e Laura. Olha-os como se estivesse a contemplar algo e puxa David para mais perto de si. (Leonardo/Laura):Vivemos no presente para o futuro. Arrependemo-nos do passado perdido. Compreendemos os erros dos nossos antepassados. Corrigimo-los para os nossos filhos. (João): (silenciosamente) O Leonardo quer transformar-te. (Laura):A observação é um elemento necessário à minha educação. (David): Então porque é que ele não entende? (Leonardo): A observação mostra-me as consequências de ações cúmplices. (João): Ele…acho que por que estamos juntos há tanto tempo. Foi o que o parou antes. Pode ter sido mau para ele. Mas ele tem falado nisso muitas vezes ultimamente. (David): E porque estás a falar comigo? (Laura):A observação ajuda-me no meu desenvolvimento enquanto um ser humano estável e não violento. (João): Não sei. (David): Não vais ter problemas? (João): Talvez. Só que ultimamente…Não sei se as coisas são tão a preto e branco como é suposto serem. (Leonardo/Laura):Vivemos numa sociedade justa. Vivemos numa sociedade segura. Vivemos numa sociedade livre de violência (David): A sério. . (Laura): (para Micaela) Tens que andar assim? Estás a enervar-me. (Micaela): Porquê? Fizeste alguma coisa de mal? (Laura):Não, claro que não. (Micaela): Então o que é que interessa? (Leonardo):Hey Micaela quase me esqueci de te perguntar. O que é que os Inspetores das Ofensas estavam a fazer esta manhã em tua casa? (Micaela): Hum? (Leonardo): Passei a conduzir e estava uma carrinha preta à tua porta. (Micaela): Como é que sabes onde eu vivo? (Laura):Não fizeste nada de mal pois não Micaela? (Micaela): Claro que não.

7

(Leonardo): Mas era uma carrinha. (Micaela): Bem, ninguém me prendeu. Estou aqui. Os meus pais estão em casa bem e de saúde. (Laura):E o teu irmão? (Micaela): O que é que tem? Ele nem está cá. Está no estrangeiro. (Laura): Eu só….

-

(Micaela): Não metas o nariz onde não és chamado. (para Leonardo) E tu também. (Leonardo): Desculpa. Não te queria preocupar. (Micaela): Não estou preocupada. (Leonardo): Não se pode culpar um rapaz por ser curioso. (David): Não és curioso. Estás é sedento de sangue. (Leonardo): Cala-te. Estou farto de ti. (David): Ok, olhos assustadores. (Leonardo): Não me chames isso. (David): Senão fazes o quê? (Leonardo): Não queres mesmo saber. (David): Senão o quê? Entregas-me? Denuncias-me? (Leonardo): Talvez. (David): Já estou a tremer dentro das botas.. (Leonardo): É melhor! É melhor estares! Talvez te arrependesses seu sarcástico ranhoso! Sarcástico! (Laura):Parem. Parem. (João): Tens sede de sangue. Isto é tudo sobre o sangue de quem tu podes salpicar o chão. Sou eu o próximo? Depois de ires atrás da Micaela vens atrás de mim? É assim que isto funciona? (Leonardo): Mas de que é que estão a falar? (João): Diz-me outra vez. O sistema funciona. Diz! (Leonardo):Tu sabes (Laura): O sistema tornou-nos seguros. (Leonardo): Eu não vou à reunião…

8

(João): Se o sistema funciona, então porque continuamos a ter que ir a reuniões de dissuasão há dez anos? Porque é que as sessões são cada vez mais longas, ano após ano? Se não há crime, de onde vêm estas pessoas? (Laura): É para o nosso próprio bem. (João): E como é que há tantas infrações? Crime de Infração. O que é isso? É roubar em lojas? É esfaquear uma velhota num beco? (Leonardo): João, chega! (João): Então está certo alvejar num ladrão de lojas. Está certo atirar em alguém que toma uma decisão errada, que esteja no lugar errado à hora errada. (Micaela): Se não tiveres cuidado tu é que és alvejado. (João): Está certo atirar em quem esteja doente. (Leonardo): Todos eles merecem ser alvejados. Não estariam aqui se não merecessem. O sistema dá-nos segurança João. Sabes bem disso. Não oiçam o que o David diz. (João): As ruas são seguras. Os becos são seguros. As estradas são seguras. A minha casa é segura. A minha família está segura. (Micaela) Então porque é que sinto medo sempre? Do que tenho eu medo? (Laura) À noite fico deitada acordada, o meu coração bate tão depressa que não consigo adormecer. É suposto o mundo ser seguro. Por que não me sinto segura Em Drama Teacher AcAdemy © 2014 LinDsay Price 12 – Tradução e adaptação de Rosa Vieira Guedes (2016)

9

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.