OLHARES SOBRE O INDÍGENA: RESSIGNIFICAÇÃO CULTURAL E ABORDAGENS EM SALA DE AULA

July 26, 2017 | Autor: Milene Galvão | Categoria: Cultural History
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OLHARES SOBRE O INDÍGENA: RESSIGNIFICAÇÃO CULTURAL E ABORDAGENS EM SALA DE
AULA

Milene Aparecida Padilha – UNICENTRO – Irati – PPGH/I[1]

Resumo: Pensar o índio atualmente tem sido umas das nossas questões mais
polêmicas. Pensá-lo como cultura, como possuidor dos mesmos direitos que
nós, às vezes dos mesmos costumes é extremamente difícil, principalmente na
mente dos nossos jovens alunos. Sabemos que desde a época da colonização o
índio tem passado por um processo de modificação e adaptação cultural. Para
isso é necessário que levemos em consideração uma série de aspectos,
culturais, sociais, econômicos, dentre outros para podermos analisar o
índio em sua integralidade e visualizá-lo como ele realmente é.

Palavras – chaves: indígena, cultura, mentiras, verdades, modificação.


Muitas coisas têm sido debatidas na atualidade. Uma questão
bastante polêmica, bastante contraditória, é a indígena. Falar sobre os
índios não é difícil, mas é absolutamente necessária certa responsabilidade
na abordagem do tema. Isso se deve grande parte aos estereótipos que são
feitos e transmitidos sobre os índios. É comum, entre os alunos dos ensinos
fundamental e médio, a transmissão de ideias retratando o índio como um ser
selvagem, conhecedor da natureza, amigo dos animais, que anda sem roupas
pelas florestas, com um arco e flecha nas mãos, que vive apenas da caça,
pesca e coleta.
Partindo desta análise, é preciso reconstruir para tais alunos o
que é realmente um indígena, que ele não é apenas um ser sem "fé, sem lei e
sem rei" (VAINFAS, 2000.), mas que ele pode ser um índio e não morar
necessariamente numa floresta, viver numa oca, andar nu por aí.
Conceber um indígena é conceber uma cultura não apenas sob a ótica
de seu passado, mas também de seu presente, da maneira como vivem hoje,
suas construções, seu contexto, suas simbologias. Levar em consideração que
o índio mesmo usando roupas, morando em casas de madeira ou alvenaria,
continua ainda mantendo a sua tradição, a sua identidade, embora reprimida
muitas vezes por esta nossa sociedade capitalista e preconceituosa.
É preciso conceber o indígena fora desta imagem, fora dos
estereótipos da História Tradicional, onde tudo é de apenas uma maneira e
ponto final. Há a necessidade de se pensar novos conceitos e novos
paradigmas nos quais o indígena está inserido. E que mesmo "atualizado" ele
não perdeu a sua identidade, que embora não pareça, está cada dia mais
viva.
Mas antes mesmo de fazermos esta desmistificação do índio, fez
necessária a contextualização do processo histórico que levou o índio a ser
caracterizado como tal, os acontecimentos ao longo de sua história que os
marcou de uma maneira errônea e discriminatória. A partir destes
pressupostos, pudemos trabalhar com uma cronologia, focando a história
indígena, sem perder nosso objetivo que é o de redesenhar o índio mesmo
durante a colonização e até depois dela, ou seja, na atualidade, onde os
problemas de vivência e aceitação não são dos menores. Propusemo-nos então,
já que tivemos que fazer uma análise cronológica do índio, a trabalhar com
um pesquisador da área bastante conhecido entre os historiadores, Tzvetan
Todorov. Para tal, tomamos como base a seguinte afirmativa:

"quero falar da descoberta que o eu faz do outro.
(...). podem-se descobrir os outros em si mesmo, e
perceber que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada
um dos outros é um eu também, sujeito como eu.(...).
(TODOROV, 2010, p. 03)

E exatamente desta maneira começamos a nossa Oficina de Estudos
Indígenas. Foi nossa proposta realizar uma aula diferente, sob nova
perspectiva. Esta perspectiva é inovadora ao ponto de não querermos dar uma
aula propriamente dita, mas instigar os alunos a pensarem um pouco mais a
respeito do que realmente é um índio. Esta Oficina de Estudos Indígenas
realizou-se da mesma maneira que uma aula, mas com alguns porém; a nossa
ideia era expor aos alunos uma nova perspectiva ao alhar para os povos
indígenas. Mostrar a eles o quão significativo é poder pensar o indígena
com novas características, com novas visões, desmistificados de todas as
concepções e ideias pelas quais o pensamento de tais alunos foi construindo
o indígena.

Fizemos isto na medida em que os alunos começarem a participar da
Oficina, com questionamentos, pareceres, análises, dúvidas. Tivemos a
pretensão de fugir das rotineiras aulas em sala, cheia de palavras, onde
normalmente apenas o professor fala e os alunos escutam e saem sem nada a
dizer. Nossa intenção foi fazer exatamente ao contrário, fazer com que os
alunos fossem participantes desta Oficina, que eles pudessem usar de sua
subjetividade para determinar o conceito de índio, fazendo assim, com que
uma nova semente, de reconhecimento e valorização da cultura do outro fosse
plantada em suas mentes. Também fora de nosso interesse e de nossa
pretensão, fazer com que os alunos entrassem em contato com outras visões a
respeito da cultura indígena e contrapusessem as informações a respeito da
mesma. Possibilitá-los de uma investigação conceitual, que aborde novas
perspectivas, novas análises, isto é, que mostrasse o índio despido de
qualquer discriminação ou preconceitos.

Gostaríamos de fomentar o questionamento dos alunos, assim como a
investigação a respeito desta cultura tão presente em nosso dia-a-dia, mas
que passa despercebida aos olhos de muitos. E exatamente desta maneira
trabalhamos com os alunos durante a nossa Oficina. Objetivamos assim,
alguns fatores principais:

a) Uma contextualização a respeito dos indígenas desde 1500, com a
chegada dos portugueses até os dias atuais, mostrando que o
índio não é apenas o que alguns livros didáticos mostram;

b) Uma explicação das origens da visão preconceituosa e
discriminatória das pessoas frente à cultura indígena;

c) Uma desmistificação da ideia de índio – aqui propomos questões
acerca da identidade indígena, vestimentas, moradia, valores,
inserção social.

d) Uma releitura do índio: quem ele é, como vive e as
interferências de uma colonização intensiva numa sociedade
aparentemente indefesa, subjugada à condição de objetos que
sofre até hoje as consequências deste ato.




Desta maneira, estabelecemos um conteúdo programático, no qual
abordamos o conceito de indígenas e as modificações pelas quais eles
passaram desde o período colonial até os dias atuais, tendo como foco sua
cultura, religiosidade, organização social. Partindo destas questões,
levantadas durante a Oficina de Estudos Indígenas, obtivemos algumas
possibilidades interdisciplinares, tais como: Língua Portuguesa, com a
análise de algumas palavras de origem indígena usadas ainda hoje em nosso
cotidiano, Biologia com a análise das características naturais dos povos
indígenas, Geografia, a partir da análise territorial dos indígenas, isto
é, levando em consideração os principais lugares que habitam, a
Antropologia e a sociologia ao analisarmos as relações entre culturas e
sociedades indígenas, bem como as influências de umas sobre as outras. As
atividades propostas durante a realização da Oficina procedeu-se da
seguinte maneira:

a) Confecção de cartazes figurativos, para uma percepção visual a
respeito do índio no período colonial e nos dias atuais;

b) Dinâmicas de grupo: mitos e verdades sobre os índios, onde a
turma será dividida em dois grupos e cada um fará o seu cartaz
expondo suas ideias de mito e verdade. Após isto, serão reunidos
os dois cartazes e analisado pelas palestrantes e destes
cartazes iniciais sairá um terceiro cartaz, contendo os mitos e
as verdades a respeito dos indígenas do grupo total;

c) Contextualização da história dos indígenas bem como o processo
de construção social e cultural pelo qual estes passaram durante
todo o desenrolar de sua história – 1500 até 2011 – suas
práticas, seus valores, a repressão que sofreram e ainda sofrem,
a marginalização de sua cultura, a sua religiosidade, o modo
como foram e como são aceitos e inseridos socialmente;

d) A construção de uma "sala indígena", ou sala multivisual, na
qual estarão dispostos artefatos artesanais feitos pelos
próprios indígenas, tais como cestas, balaios, anéis, pulseiras,
petecas e também cascas de árvores, galhos, água, frutos e
também palavras de origem indígena e artigos tecnológicos como
câmera fotográfica, notebooks, roupas e os próprios cartazes,
dos quais falamos anteriormente. Esta sala será utilizada no
final da Oficina, numa análise em conjunto com os alunos a fim
de que se possa visualizar melhor a questão da identidade
indígena e auxiliar na questão da desconstrução dos estereótipos
fetos a seu respeito.

Propusemos-nos desta maneira, analisar os indígenas sob as novas
perspectivas da História Cultural, na qual podemos estudar mais abertamente
questões como estas dos indígenas, tratar sem receio nenhum de todo o
processo "civilizatório" pelo qual esta etnia passou, analisando todas as
consequências resultantes de tal acontecimento, toda a série de estragos
causados numa cultura rica em conhecimentos, saberes e culturas que
simplesmente pelo fato de ser estranha e diferente foi exposta à crimes
horríveis como por exemplo a escravidão, a catequização, a imposição de
adaptação ao novo. Pensar que durante muito tempo, a história estagnou, ou
seja, parou no tempo e deixou-se registrar apenas por grandes
acontecimentos por inúmeros anos, ou talvez melhor, durante muitos séculos
esta história se deixou dominar ora pela Igreja, ora pelos reis, ora pela
elite. Eram apenas os vencedores que contavam e que narravam a história e
era apenas a partir de seus olhos e de suas interpretações que existiam
escritos e feitos.

Mas mesmo assim, em meio a tantas dificuldades, a tanta repressão,
houve pessoas que decididamente resolveram mudar estes rumos e adotar novos
olhares, novas perspectivas, novos moldes, novos métodos enfim, construir
uma nova história, que pudesse ir além daquilo que os grandes
acontecimentos e personagens mostravam. Esta nova história, que se dá a
partir da Escola dos Annales, proporciona aos novos historiadores uma nova
visão, desta vez mais abrangedora e que contemple também as pessoas e
culturas "comuns" e marginalizadas da sociedade.

Partindo desta interpretação e deste novo modelo, adotamos em nossa
Oficina de Estudos Indígenas a interpretação da Nova História Cultural,
isto é, repensar o conceito de indígena, levando em consideração, como já
mencionamos, todas as transformações, mudanças e adaptações pelas quais
este povo passou desde a chegada dos imigrantes europeus até a
discriminação, o preconceito e a estigmatização pelos quais esta etnia
ainda passa.

Repensar que este mesmo índio, tendo passado por toda uma
reinserção cultural continua resistindo a todo o tipo de opressão, sujeição
e discriminação, num país que se diz "de todos". Que da mesma maneira que
há 500 anos, ele deseja a valorização de sua cultura, ser respeitado e
inserido socialmente, afinal, se a mudança veio, faz-se necessário aderir a
ela. Analisar o que Maria Regina Celestino de Almeida quis nos dizer quando
mencionou:

"As populações indígenas integradas à colonização perdiam,
junto com a guerra, suas culturas identidades étnicas e
todas as possibilidades de resistência, passando a
constituir massa amorfa e inerte à disposição de
missionários, colonos ambiciosos e autoridades corruptas
que dispunham deles à vontade". (ALMEIDA, 2003, p.27).




Que não apenas os indígenas perderam, mas muito mais nós perdemos,
ao enquadrá-los na condição de diferentes, selvagens, não humanos e desejar
"civiliza-los", como se a nossa fosse a melhor e mais pura etnia e
civilização, como se os nossos paradigmas fossem os melhores. Nós
perdemos, continuamos e continuaremos perdendo enquanto não nos dermos
conta de que a realidade hoje não é mais a realidade quinhentista e que os
indígenas também não são os mesmos. E que da mesma maneira que nós, eles
também têm direito, e até bem mais direitos do que nós; afinal, somos nós
os invasores e os "bárbaros" e não eles.

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e
cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, 2003.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. Tradução:
Beatriz Perrone – Moisés – 4ª edição – São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2010.

VAINFAS, Ronaldo. As Heresias dos Índios. Rio de Janeiro, Editora Jorge
Zahar, 2000.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro,1976.


RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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[1] Graduada em História pela Universidade Estadual do Centro Oeste –
UNICENTRO, aluna do PPGH Mestrado em História e Regiões – UNICENTRO –
Irati, pesquisa fomentada com recursos da CAPES.
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