Olhares transnacionais - ligações perigosas: Suíça e a ditadura portuguesa
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Olhares transnacionais: A Suíça e a ditadura portuguesa Considerações sobre uma história ainda por escrever Moisés Prieto, Humboldt‐Universität zu Berlin Falar de olhares transnacionais entre a Suíça e o Portugal de Salazar/Caetano é uma tarefa árdua, comparável ao estudo duma língua feito sem documentos escritos. Pois em realidade, estes olhares são praticamente inexistentes. Praticamente, quer dizer não completamente. Portanto, há excepções mas falarei mais tarde sobre elas. Falemos antes das regras. Até hoje faltam trabalhos em profundidade sobre as relações diplomáticas entre os dois países. Os arquivos nacionais conservam material ainda virgem; documentos, atas, correspondência, anotações, listas, etc. tudo material ansioso por ser estudado. O mesmo é válido para qual quiser relação extra‐estatal, como o apoio ao movimento de oposição ao regime autoritário Também não faltam as motivações para uma óptica luso‐suíça no pós‐guerra. Sem ir mais longe, os dois países foram membros‐fundadores da Associação Europeia de Livre Comércio (em inglês European Free Trade Association, EFTA) no ano 1960. Desde o ponto de vista literário, há dois suíços com fortíssimas afinidades lusófilas e com credos políticos diametralmente opostos. No ano 1938 o professor de literatura da Universidade de Friburgo Gonzague de Reynold recebeu das mãos do ditador Salazar o prémio Camões pelo seu livro intitulado Portugal. Reynold foi um apologista de regímenes autoritários como o português ou e da Itália fascista de Mussolini, mas ambicionava também um modelo de estado autoritário e estamental para a Suíça. No outro extremo encontramos o escritor, jornalista e poeta zuriquês Hugo Loetscher. No ano 1965, a Televisão Suíça tinha previsto emitir um documentário sobre a ditadura salazarista de tons muito críticos. No mesmo, Loetscher tinha previsto recitar a sua famosa “elegia política” Ach, Herr Salazar (“Ai, Senhor Salazar”). Mas a televisão suspendeu a emissão poucos instantes antes, alegando o parágrafo pertinente da Concessão Federal para a Radiotelevisão que proibia conteúdos em contra dos interesses diplomáticos da Suíça. Posteriormente, Loetscher trataria o acontecimento no seu livro Der Immune (O imune). O documentário de Loetscher desapareceu: nem os arquivos da televisão, nem o Arquivo Suíço da Literatura sabem onde é que está. 1
Ambos casos são geralmente conhecidos. Gonzague de Reynold e a sua adesão espiritual ao salazarismo foram tratados pelo historiador suíço Aram Mattioli na sua tese de doutoramento. Loetscher, pelo contrário, é um tema recorrente na pesquisa do professor de literatura Jeroen Dewulf. Apesar da notoriedade destes casos, há que sublinhar que são casos isolados e estão muito longe duma representação ampla e fidedigna. Mas quais são as excepções que referi anteriormente? Para este esboço sobre o estado da pesquisa utilizarei três bases de dados suíças: a Bibliographie de l´Histoire Suisse, os Documents Diplomatiques Suisses e a base de dados da Sociedade Suíça de História sobre as teses de doutoramento e de licenciatura. A Bibliographie de l´Histoire Suisse, base de dados administrada pela Biblioteca Nacional Suíça, recolhe dezassete títulos relacionados com o termo “Portugal”. Aparece a tese de Reto Monico Suisse‐Portugal: regards croisés, réalités et représentations, defendida na Universidade de Genebra, mas trata a época anterior ao salazarismo. Do mesmo autor aparecem um artigo e um capítulo que tratam conjuntamente um lapso entre 1928 e 1945. Aparece também a tese de licenciatura defendida na Universidade de Neuchâtel de Myriam Liechti no ano 1997 Le Portugal et la Suisse : des relations étonnantes de 1941 à 1943, e a tese de mestrado de Patricia Diogo La presse romande face au Portugal : entre l'inéluctabilité de la décolonisation et la peur du communisme (1957‐1973), defendida no ano 2012 na Universidade de Friburgo. Não falta também um artigo de Nuno Pereira intitulado Le mouvement suisse de 68 et le Portugal : de la dictature à la révolution. A base de dados dos Documents Diplomatiques Suisses presenta as já mencionadas teses de Monico e de Liechti. A base de dados das teses de doutoramento e licenciatura da Sociedade Suíça de História presenta um total de 14 teses sobre Portugal. Aparecem as já citadas de Diogo e Liechti, mas também aquela de Pereira sobre a primeira fase do salazarismo. Há também uma tese de mestrado de Dimitri Buchs intitulada Traditionelle Werte im modernen Staat: Estado Novo und Bildpropaganda im Portugal Salazars e defendida na Universidade de Friburgo. Um balanço até agora mostra que o cenário de desinteresse mostrado ao princípio da minha intervenção é provavelmente exageradamente pessimista. Algumas coisas sim têm sido 2
estudadas mesmo se duma forma pontual ou considerando somente a prensa escrita, sem considerar o estudo de material de arquivo ou outras fontes. Chama a atenção que os trabalhos existentes estejam localizados praticamente só na Suíça francesa, sem contar três teses feitas respectivamente em Basileia, Lucerna e Zurique. Aqui observamos uma congruência do interesse por Portugal com a presencia de portugueses na Suíça. Mas já o historiador Victor Pereira quem estudou o exílio português na Suíça num artigo publicado em 2010 em homenagem a José Medeiros Ferreira constatou um marcado interesse por parte de dissidentes pelas universidades francófonas da Suíça. O mesmo Medeiros Ferreira, historiador e posteriormente ministro dos negócios estrangeiros no primeiro governo constitucional de Portugal, tinha estudado história na Universidade de Genebra. Na mesma alma mater estudou também o sociólogo e também ministro António Barreto. Também o tema da imigração portuguesa na Suíça sofre duma certa relutância por parte do mundo académico. É verdade que as ondas migratórias lusas para a Suíça não começaram até os anos oitenta, é dizer muito posterior a imigração italiana e à espanhola, vigorosamente apoiada pelo regime franquista já desde os anos sessenta. Mas acho que também neste caso pode‐se constatar um certo abandono dum tema com grande potencial. Fica ainda muito por fazer e acho que o novo enfoque transnacional tão prometedor e tão elogiado tem algumas dificuldades em empreender o voo. Trabalhos sobre relações entre Suíça, Alemanha e Áustria são sem dúvida interessantes, mas adoptar uma óptica transnacional para nem sequer cruzar a fronteira linguística parece‐me um desaproveitamento e uma prova de incapacidade intelectual. A história transnacional contém um potencial do qual o enfoque Portugal‐Suíça pode e deve beneficiar‐se. Mas que quer dizer “transnacional”? Na história já desde os anos 70 discute‐se sobre a necessidade de superar o estado como ponto de referência da história e monopolizador do estatuto de actor. Portanto, indivíduos, organizações, redes, contactos, partidos, sindicatos, publicações têm uma dignidade de agentes históricos não menos importante que a correspondência entre governos, embaixadas e demais representações estatais. Mas mesmo um enfoque tradicional, objectivista e rankiano que considere os 3
materiais dos respectivos arquivos, entre a Torre do Tombo e a Archivstrasse de Berna, é bem‐vindo e aprovável, pois até agora inexistente. As vias para uma pesquisa transnacional são numerosas. Já Victor Pereira indicou no seu capítulo o grande número de grupos políticos, partidos e sociedades anti‐salazaristas fundados na Suíça a partir dos anos sessenta. Estes centros de dissidência gozavam de liberdades políticas graças ao regime democrático existente na Suíça. Mas os limites dessas liberdades estavam marcados pela doutrina anticomunista que depois da Segunda guerra mundial teve um renascimento e uma aceitação por parte dum amplo espectro ideológico desde o conservadorismo católico até os socialistas suíços. As hostilidades em frente de pessoas que criticavam o estado suíço adoptaram práticas improprias duma democracia. Baixo a Defesa Espiritual Nacional, nome do movimento político, social, económico e cultural entre os anos trinta e os anos sessenta, a polícia política observou, espiou, controlou e fichou um número de pessoas que alcançaria as 900.000 ao final dos anos oitenta. O escândalo das fichas provocou uma grave crise de estado e da cidadania. A missão da polícia política foi reconsiderada mas não suspendida. Portanto, a presencia de grupos de esquerda portugueses durante a Guerra fria é inconcebível sem a ajuda de partidos ou sindicatos suíços, solidários com os camaradas portugueses e também observados incansavelmente pela polícia política suíça. A historiografia suíça tende a banalizar o role desta instituição, sublinhando o seu carácter preventivo em vez de repressivo. Embora no ano 1962 a Polícia Federal rejeitasse uma colaboração com a polícia franquista e considerando que a polícia política portuguesa, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), mantivesse uma rede de colaborações com muitas outras polícias nacionais, como estudado por Irene Pimentel, seria importante investigar se uma tal colaboração considerou‐se também entre a Suíça e Portugal. Mas a guerra fria não foi somente uma época gris, de paranóias e ansiedades. O pós‐guerra significou prosperidade económica, tempo livre, férias, prazer, etc. O turismo converteu‐se numa prática ao alcance de todos. Passar as férias no Sul de Europa, era tirar proveito do clima e do câmbio favorável. Mesmo se os esforços por uma organização da industria do turismo em Portugal foram inferiores do que em Espanha, França ou Itália, o regime tentou uma breve apertura turística. Julgando a partir dum documento na Biblioteca Nacional de Portugal, Suíça deveu ter um papel considerável como o documento intitulado Portugal visto por uma senhora suíça indica, publicado já em 1958. 4
Falar de turismo implica falar de economia e das relações económicas entre os dois países. A Suíça, notoriamente exportadora de produtos industriais como máquinas, relógios, teve um grande interesse em exportar armas. Entre os seus clientes principais encontravam‐se a Pérsia e a Espanha de Franco, é dizer, dois países autoritários e irrespeitosos dos direitos humanos. A lei federal de 1972 proibia exportar material de guerra a países desse tipo ou em guerra. Ainda assim, o Conselho Federal continuou a práxis preexistente, mas a guerra colonial na que se encontrava Portugal desde 1961 obrigou as autoridades federais a adoptar uma política mais restritiva. O feito de pertencer os dois países a EFTA, foi uma simplificação para o comércio mútuo. O fundo da Union suisse du commerce et de l'industrie conservado no Arquivo da História Contemporânea de Zurique é sem dúvida um recurso muito útil para a pesquisa sobre os interesses suíços na península ibérica. Não deveríamos de ficar surpreendidos de descobrir a falta de pudor no mundo do comércio e das finanças suíço à hora de intensificar as relações com um regime impiedoso da mesma maneira que no caso do regime franquista. Censura, tortura, falta de direitos humanos, terrorismo de estado… que é o que se sabia na Suíça sobre a ditadura portuguesa? Esta pergunta conduze‐nos à situação dos meios de comunicação na Suíça. Certamente, a prensa gozava aqui de liberdades impensáveis em Portugal. Porém, alguns jornalistas liberal‐conservadores defendiam a posição duma autocensura ante alguns altares da pátria como o exército suíço, é dizer, os jornalistas não deviam criticar determinadas instituições e valores. Aos finais dos anos cinquenta, a televisão foi introduzida no país helvético, concebida como serviço público para a sociedade. Optou‐se por uma solução de direito público, não pertencente ao estado, mas com determinadas obrigações perante a administração pública. Como já tenho dito, a relação entre a Sociedade Suíça de Radiotelevisão e a Confederação Suíça estava regrada por uma Concessão que estipulava as regras do jogo. Portanto, o estado podia impedir a transmissão de determinados conteúdos qualificáveis de comprometedores o incómodos. Em outras palavras, o estado suíço podia impor indirectamente uma censura ao trabalho dos jornalistas da televisão suíça. E o caso de Loetscher, anteriormente citado, é a proba mais clara disto. 5
Durante os anos sessenta, os jornalistas de rádio e televisão lutariam por obter os mesmos direitos do que os colegas da prensa. Os mesmos meios de comunicação electrónicos, de monopólio de estado, foram escrutinados minuciosamente nessa época de fortes reflexos anticomunistas. Alguns historiadores falam incluso dum “macartismo suíço”. A paranóia duma infiltração da rádio e televisão suíças por parte dos comunistas converteu‐se num lugar‐comum nas bocas de políticos conservadores. Embora os comunistas estiverem longe da radiotelevisão suíça, a partir da segunda metade dos anos sessenta os socialistas suíços começaram a ocupar postos estratégicos na administração dos meios de monopólio. Dario Robbiani foi primeiro director do telejornal de língua italiana, e a partir de 1969 director geral do telejornal. Ueli Götsch foi director da secção informativa da televisão e Heinz Roschewski da rádio. E se para alguns o telejornal parecia demasiado vermelho, outros, exponentes da nova esquerda antiautoritária de pós‐ 68 consideravam‐no demasiado burguês. Entre os apocalípticos que criticavam a televisão pelas suas tendências de esquerda encontrava‐se o político conservador e catedrático de história contemporânea na Universidade de Berna Walther Hofer. Finalmente, em Janeiro de 1974 fundaria a Associação Suíça de Radiotelevisão que passaria à história como “Clube Hofer”. O clube tinha como objectivo informar a opinião pública sobre a infiltração dos meios electrónicos por parte de pessoas de ideologia de esquerda. Esta tarefa realizava‐se através de boletins que o clube publicava mais o menos com regularidade. Nalguns casos os esforços para informar à sociedade foram notáveis. No ano 1977, o Clube Hofer publicou um estudo sobre a cobertura mediática da Revolução dos Cravos por parte de distintos programas informativos da Televisão Suíça. O Telejornal, o Panorama semanal e a Retrospectiva de fim de ano foram analisados minuciosamente em quase 250 páginas. Na introdução os autores – não especificados em nenhuma parte da obra – presentam os sucessos em Portugal entre 1974 e 1975 como um cenário único no qual pode‐se averiguar em miniatura todos os conflitos atuais como Rússia, Europa de Leste, Chile e Grécia. O estudo pretende averiguar a qualidade da cobertura dos programas informativos da televisão, baixo a premissa da manipulação das informações e dum credo “progressista”. Além disso, os autores declaram querer fazer uma análise histórica enfocada mais na crítica 6
dos reportagens do que nas informações sobre Portugal. A literatura consultada está composta de obras de Laszlo Revesz, Mário Soares, António de Spínola e documentos do Conselho de Europa sobre a revolução portuguesa, além de literatura qualificada de “comunista ou de extrema‐esquerda” como a famosa reportagem do jornalista alemão Günter Wallfraff. A análise descompõe o Período Revolucionário em Curso em doze eventos. O primeiro é a renúncia de Spínola como Presidente da República Portuguesa, depois a tentativa de golpe de estado de direita do 11 de Março de 1975 pelo mesmo Spínola, as eleições para a Assembleia Constituinte, a ocupação da Rádio Renascença, a saída dos socialistas do quarto governo provisório, a formação do triunvirato Costa Gomes – Gonçalves – Carvalho, o quinto e o sexto governo provisório e finalmente o golpe de estado do 25 de Novembro de 1975. Seguem uma comparação de dois casos e considerações sobre a terminologia empregada pelo telejornal. Na minha presentação enfocarei somente dois episódios: o primeiro e o último. No livro, as análises fazem‐se seguindo um modelo recorrente: uma citação procedente dum programa televisivo é comentada e criticada seguidamente. Ao final do evento há uma crítica de resumo, seguindo o modelo hegeliano de tese, antítese e síntese. As condições gerais descritas pelo programa Panorama semanal corresponderiam às reflexões feitas pelo dirigente comunista Álvaro Cunhal numa entrevista. Além disso, os autores criticam o uso do adjectivo “democrático” por Cunhal para criticar a Spínola. Alegam que “democrático” em boca dum comunista quer dizer “popular democrático” para distingui‐o do “burguês democrático”. Numa outra parte, os autores criticam as mudanças na denominação do governo de Spínola por parte do Panorama, é dizer, as vezes qualificado de homem de direita e outras vezes de centro. Também não se salva da crítica o tratamento do livro de Spínola Portugal e o futuro. No resumo da análise do evento, os autores criticam a visão distorcida dos informativos. Em vez de reflexionar sobre os distintos significados de “democracia”, a televisão suíça preferiu sublinhar a importância dos caetanistas ressurgidos. Os informativos são acusados de ignorar a história recente de Portugal. Falar‐se‐ia duma “deslocação do poder” e duma “vitória sobre as forças conservadoras” mas sem perguntar‐se quem são os beneficiários destas mudanças. Segundo os autores, os informativos da televisão adoptariam as interpretações da extrema‐esquerda. 7
Em realidade, podemos constatar uma pergunta retórica de forma subliminal. No ideário e na retórica conservadora e anticomunista ao qual adiria o Clube Hofer, o principal beneficiário duma tomada do poder por parte dos comunistas é a União Soviética que através do apoio dos seus camaradas lusos estenderia o seu poder até a costa atlântica. Os acontecimentos em Novembro de 1975 foram seguidos pelos meios suíços com grande interesse. A “greve” do governo provocada pela crise de autoridade devida ao estado de assédio durante dois dias por parte de manifestantes de esquerda foi um episódio chave na última fase do processo revolucionário. Os autores do estudo criticaram a maneira unilateral de explicar as causas da greve do governo e a omissão das actividades dos comunistas e da extrema‐esquerda. Na informação sobre o atentado contra uma emissora de rádio, sempre em Novembro de 1975, o telejornal manifestou suspeitas sobre a sua autoria, insinuando as forças de direita como possíveis autores. Para os autores do estudo, a afirmação significa uma vontade de acusar a direita e de proteger a esquerda. As purgações no exército foram outro tema de discórdia para o clube Hofer. Os oficiais despedidos foram qualificados de “radicais” pelo programa Panorama semanal. O livro objectou contra o uso deste qualificativo que pretende velar a verdadeira ideologia desses oficiais, é dizer, comunistas ou de extrema‐esquerda. Além disso, os autores criticam a falta dos verdadeiros motivos dos despidos: não pertinência ao radicalismo mas falta de disciplina e insubordinação. Na crítica de síntese, acusa‐se os informativos da televisão suíça da incapacidade de situar os acontecimentos num contexto mais amplo e mais complexo. O Partido Comunista Português desapareceria da narração jornalística. Portanto, a redacções dos programas informativos efectuariam uma redução do problema enfocando somente um aspecto parcial. Afirmações erróneas combinadas a omissões de feitos considerados relevantes são as incriminações principais. No texto, a palavra “minimização” chama a atenção pela sua frequência. O substantivo utiliza‐se para qualificar o tratamento benévolo do Partido Comunista Português. Este é caracterizado indirectamente de criminal, pois o PCP teria entregado armas a povoação para uma ofensiva popular. Chama a atenção a importância da escolha das palavras como um dos critérios fundamentais para acusar os jornalistas da televisão. 8
Dicotomias como esquerda/direita, radical/conservador, ditadura/democracia ocupam um papel decisivo na argumentação dos autores. Também sobre o termo “fascismo” há uma discussão no livro. As citações procedentes dos três formatos de informação televisiva indicam o uso da palavra “fascismo” para o regime de Caetano e a ditadura de “quase cinquenta anos”. Para os autores do livro, o uso de “fascismo” é altamente problemático. A televisão suíça teria adoptado este termo direitamente do uso ou abuso da língua em Portugal. Segue uma discussão sobre a taxonomia e a idoneidade de “fascismo” para os regímenes de Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, dos coronéis gregos e de Pinochet. Franco e Salazar são chamados “autoritarismos conservadores”. Portanto, através dessa equiparação artificial, as diferencias estruturais desapareceriam. O regime hitleriano seria banalizado enquanto a “ditadura branda” de Salazar seria demonizada. O termo teria sido abusado pelos comunistas já desde os anos vinte para desacreditar os adversários políticos, continuam os autores. A falta dum partido forte encarregado de politizar as massas seria o principal critério contra a pertinência do franquismo e do salazarismo à família do fascismo. Com uma citação do filósofo e sociólogo francês Raymond Aron pretende‐se corroborar a tese: Diferentemente de Hitler e Mussolini, Salazar estava interessado em despolitizar as massas e ceder autonomia as corporações. Numa outra citação, esta vez de Karl Dietrich Bracher, refere‐se a uma tendência típica da Guerra fria que identificava o comunismo com o nacional‐socialismo na denominação de “totalitarismo”. Desta maneira, outras ditaduras como o salazarismo, o franquismo e muitos outros casos em América Latina tiveram um judicio mais benévolo. As reflexões sobre o termo “fascismo” terminam retomando o qualificativo de “ditadura branda” o “estado estamental autoritário” para o regime de Salazar e Caetano. “Portugal 74/75” é um escrito minucioso e superficial no mesmo tempo. Minucioso pela quantidade de material considerado para o estudo. Superficial pela escassa literatura empregada para contrastar as afirmações dos jornalistas da televisão suíça. A acusação de tendenciosa formulada contra os programas televisivos fica absurda e cínica. A suposta benevolência dos jornalistas perante as forças revolucionarias, radicais ou comunistas de Portugal é respondida com uma benevolência subliminal perante uma tirania através dum
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judicio histórico distorcido no qual os crimines da ditadura salazarista são silenciados, o mesmo regime edulcorado através de eufemismos como “autoritarismo” e “conservador”. O texto inscreve‐se perfeitamente nas ansiedades geopolíticas de Europa causadas pelos acontecimentos na península ibérica: revolução dos cravos e morte do general Franco. Os posteriores desenvolvimentos nos dois países desembocariam numa dicotomia entre o modelo português, é dizer, incerto, revolucionário, violento e portanto não digno de ser emulado, e a transição espanhola, celebrada por politólogos, historiadores, sociólogos em panegíricos como panaceia contra todas as ditaduras do mundo. Na minha comunicação intentei mostrar que os olhares transnacionais entre a Suíça e Portugal são muito prometedores e permitem escrutar vias até agora não tomadas. Diferentes métodos e aproximações, diferentes tipos de fontes podem ser adoptados nesta tarefa. Mas em qualquer caso, fica inevitável ter bons conhecimentos da língua portuguesa. Muito obrigado.
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