Olhares transnacionais - ligações perigosas: Suíça e a ditadura portuguesa

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Olhares transnacionais: A Suíça e a ditadura portuguesa  Considerações sobre uma história ainda por escrever    Moisés Prieto, Humboldt‐Universität zu Berlin         Falar de olhares transnacionais entre a Suíça e o Portugal de Salazar/Caetano é uma tarefa  árdua, comparável ao estudo duma língua feito sem documentos escritos. Pois em realidade,  estes olhares são praticamente inexistentes. Praticamente, quer dizer não completamente.  Portanto, há excepções mas falarei mais tarde sobre elas. Falemos antes das regras.  Até  hoje  faltam  trabalhos  em  profundidade  sobre  as  relações  diplomáticas  entre  os  dois  países.  Os  arquivos  nacionais  conservam  material  ainda  virgem;  documentos,  atas,  correspondência, anotações, listas, etc. tudo material ansioso por ser estudado. O mesmo é  válido  para  qual  quiser  relação  extra‐estatal,  como  o  apoio  ao  movimento  de  oposição  ao  regime autoritário  Também  não  faltam  as  motivações  para  uma  óptica  luso‐suíça  no  pós‐guerra.  Sem  ir  mais  longe, os dois países foram membros‐fundadores da Associação Europeia de Livre Comércio  (em inglês European Free Trade Association, EFTA) no ano 1960.  Desde  o  ponto  de  vista  literário,  há  dois  suíços  com  fortíssimas  afinidades  lusófilas  e  com  credos  políticos  diametralmente  opostos.  No  ano  1938  o  professor  de  literatura  da  Universidade  de  Friburgo  Gonzague  de  Reynold  recebeu  das  mãos  do  ditador  Salazar  o  prémio Camões pelo seu livro intitulado Portugal. Reynold foi um apologista de regímenes  autoritários como o português ou e da Itália fascista de Mussolini, mas ambicionava também  um modelo de estado autoritário e estamental para a Suíça.  No  outro  extremo  encontramos  o  escritor,  jornalista  e  poeta  zuriquês  Hugo  Loetscher.  No  ano  1965,  a  Televisão  Suíça  tinha  previsto  emitir  um  documentário  sobre  a  ditadura  salazarista de tons muito críticos. No mesmo, Loetscher tinha previsto recitar a sua famosa  “elegia  política”  Ach,  Herr  Salazar  (“Ai,  Senhor  Salazar”).  Mas  a  televisão  suspendeu  a  emissão poucos instantes antes, alegando o parágrafo pertinente da Concessão Federal para  a  Radiotelevisão  que  proibia  conteúdos  em  contra  dos  interesses  diplomáticos  da  Suíça.  Posteriormente, Loetscher trataria o acontecimento no seu livro Der Immune (O imune). O  documentário de Loetscher desapareceu: nem os arquivos da televisão, nem o Arquivo Suíço  da Literatura sabem onde é que está.  1   

 

Ambos casos são geralmente conhecidos. Gonzague de Reynold e a sua adesão espiritual ao  salazarismo  foram  tratados  pelo  historiador  suíço  Aram  Mattioli  na  sua  tese  de  doutoramento. Loetscher, pelo contrário, é um tema recorrente na pesquisa do professor de  literatura  Jeroen  Dewulf.  Apesar  da  notoriedade  destes  casos,  há  que  sublinhar  que  são  casos isolados e estão muito longe duma representação ampla e fidedigna.    Mas quais são as excepções que referi anteriormente? Para este esboço sobre o estado da  pesquisa  utilizarei  três  bases  de  dados  suíças:  a  Bibliographie  de  l´Histoire  Suisse,  os  Documents Diplomatiques Suisses e a base de dados da Sociedade Suíça de História sobre as  teses de doutoramento e de licenciatura.  A  Bibliographie  de  l´Histoire  Suisse,  base  de  dados  administrada  pela  Biblioteca  Nacional  Suíça,  recolhe  dezassete  títulos  relacionados  com  o  termo  “Portugal”.  Aparece  a  tese  de  Reto  Monico  Suisse‐Portugal:  regards  croisés,  réalités  et  représentations,  defendida  na  Universidade  de  Genebra,  mas  trata  a  época  anterior  ao  salazarismo.  Do  mesmo  autor  aparecem um artigo e um capítulo que tratam conjuntamente um lapso entre 1928 e 1945.  Aparece também a tese de licenciatura defendida na Universidade de Neuchâtel de Myriam  Liechti no ano 1997 Le Portugal et la Suisse : des relations étonnantes de 1941 à 1943, e a  tese de mestrado de Patricia Diogo La presse romande face au Portugal : entre l'inéluctabilité  de  la  décolonisation  et  la  peur  du  communisme  (1957‐1973),  defendida  no  ano  2012  na  Universidade  de  Friburgo.  Não  falta  também  um  artigo  de  Nuno  Pereira  intitulado  Le  mouvement suisse de 68 et le Portugal : de la dictature à la révolution.    A base de dados dos Documents Diplomatiques Suisses presenta as já mencionadas teses de  Monico e de Liechti.    A  base  de  dados  das  teses  de  doutoramento  e  licenciatura  da  Sociedade  Suíça  de  História  presenta um total de 14 teses sobre Portugal. Aparecem as já citadas de Diogo e Liechti, mas  também  aquela  de  Pereira  sobre  a  primeira  fase  do  salazarismo.  Há  também  uma  tese  de  mestrado  de  Dimitri  Buchs  intitulada  Traditionelle  Werte  im  modernen  Staat:  Estado  Novo  und Bildpropaganda im Portugal Salazars e defendida na Universidade de Friburgo.  Um balanço até agora mostra que o cenário de desinteresse mostrado ao princípio da minha  intervenção  é  provavelmente  exageradamente  pessimista.  Algumas  coisas  sim  têm  sido  2   

 

estudadas mesmo se duma forma pontual ou considerando somente a prensa escrita, sem  considerar o estudo de material de arquivo ou outras fontes.  Chama a atenção que os trabalhos existentes estejam localizados praticamente só na Suíça  francesa, sem contar três teses feitas respectivamente em Basileia, Lucerna e Zurique. Aqui  observamos uma congruência do interesse por Portugal com a presencia de portugueses na  Suíça.  Mas  já  o  historiador  Victor  Pereira  quem  estudou  o  exílio  português  na  Suíça  num  artigo publicado em 2010  em homenagem a José Medeiros Ferreira constatou um marcado  interesse  por  parte  de  dissidentes  pelas  universidades  francófonas  da  Suíça.  O  mesmo  Medeiros  Ferreira,  historiador  e  posteriormente  ministro  dos  negócios  estrangeiros  no  primeiro  governo  constitucional  de  Portugal,  tinha  estudado  história  na  Universidade  de  Genebra. Na mesma alma mater estudou também o sociólogo e também ministro António  Barreto.     Também o tema da imigração portuguesa na Suíça sofre duma certa relutância por parte do  mundo académico. É verdade que as ondas migratórias lusas para a Suíça não começaram  até  os  anos  oitenta,  é  dizer  muito  posterior  a  imigração  italiana  e  à  espanhola,  vigorosamente  apoiada  pelo  regime  franquista  já  desde  os  anos  sessenta.  Mas  acho  que  também neste caso pode‐se constatar um certo abandono dum tema com grande potencial.    Fica ainda muito por fazer e acho que o novo enfoque transnacional tão prometedor e tão  elogiado  tem  algumas  dificuldades  em  empreender  o  voo.  Trabalhos  sobre  relações  entre  Suíça,  Alemanha  e  Áustria  são  sem  dúvida  interessantes,  mas  adoptar  uma  óptica  transnacional  para  nem  sequer  cruzar  a  fronteira  linguística  parece‐me  um  desaproveitamento e uma prova de incapacidade intelectual.    A história transnacional contém um potencial do qual o enfoque Portugal‐Suíça pode e deve  beneficiar‐se. Mas que quer dizer “transnacional”? Na história já desde os anos 70 discute‐se  sobre  a  necessidade  de  superar  o  estado  como  ponto  de  referência  da  história  e  monopolizador  do  estatuto  de  actor.  Portanto,  indivíduos,  organizações,  redes,  contactos,  partidos,  sindicatos,  publicações  têm  uma  dignidade  de  agentes  históricos  não  menos  importante  que  a  correspondência  entre  governos,  embaixadas  e  demais  representações  estatais.  Mas  mesmo  um  enfoque  tradicional,  objectivista  e  rankiano  que  considere  os  3   

 

materiais  dos  respectivos  arquivos,  entre  a  Torre  do  Tombo  e  a  Archivstrasse  de  Berna,  é  bem‐vindo e aprovável, pois até agora inexistente.  As  vias  para  uma  pesquisa  transnacional  são  numerosas.  Já  Victor  Pereira  indicou  no  seu  capítulo  o  grande  número  de  grupos  políticos,  partidos  e  sociedades  anti‐salazaristas  fundados  na  Suíça  a  partir  dos  anos  sessenta.  Estes  centros  de  dissidência  gozavam  de  liberdades políticas graças ao regime democrático existente na Suíça. Mas os limites dessas  liberdades  estavam  marcados  pela  doutrina  anticomunista  que  depois  da  Segunda  guerra  mundial teve um renascimento e uma aceitação por parte dum amplo espectro ideológico  desde  o  conservadorismo  católico  até  os  socialistas  suíços.  As  hostilidades  em  frente  de  pessoas  que  criticavam  o  estado  suíço  adoptaram  práticas  improprias  duma  democracia.  Baixo a Defesa Espiritual Nacional, nome do movimento político, social, económico e cultural  entre  os  anos  trinta  e  os  anos  sessenta,  a  polícia  política  observou,  espiou,  controlou  e  fichou  um  número  de  pessoas  que  alcançaria  as  900.000  ao  final  dos  anos  oitenta.  O  escândalo das fichas provocou uma grave crise de estado e da cidadania. A missão da polícia  política foi reconsiderada mas não suspendida.  Portanto,  a  presencia  de  grupos  de  esquerda  portugueses  durante  a  Guerra  fria  é  inconcebível  sem  a  ajuda  de  partidos  ou  sindicatos  suíços,  solidários  com  os  camaradas  portugueses e também observados incansavelmente pela polícia política suíça.   A historiografia suíça tende a banalizar o role desta instituição, sublinhando o seu carácter  preventivo  em  vez  de  repressivo.  Embora  no  ano  1962  a  Polícia  Federal  rejeitasse  uma  colaboração  com  a  polícia  franquista  e  considerando  que  a  polícia  política  portuguesa,  a  PIDE  (Polícia  Internacional  e  de  Defesa  do  Estado),  mantivesse  uma  rede  de  colaborações  com muitas outras polícias nacionais, como estudado por Irene Pimentel, seria importante  investigar se uma tal colaboração considerou‐se também entre a Suíça e Portugal.  Mas a guerra fria não foi somente uma época gris, de paranóias e ansiedades. O pós‐guerra  significou prosperidade económica, tempo livre, férias, prazer, etc. O turismo converteu‐se  numa  prática  ao  alcance  de  todos.  Passar  as  férias  no  Sul  de  Europa, era  tirar  proveito  do  clima  e  do  câmbio  favorável.  Mesmo  se  os  esforços  por  uma  organização  da  industria  do  turismo em Portugal foram inferiores do que em Espanha, França ou Itália, o regime tentou  uma  breve  apertura  turística.  Julgando  a  partir  dum  documento  na  Biblioteca  Nacional  de  Portugal, Suíça deveu ter um papel considerável como o documento intitulado Portugal visto  por uma senhora suíça indica, publicado já em 1958.  4   

 

   Falar de turismo implica falar de economia e das relações económicas entre os dois países. A  Suíça, notoriamente exportadora de produtos industriais como máquinas, relógios, teve um  grande  interesse  em  exportar  armas.  Entre  os  seus  clientes  principais  encontravam‐se  a  Pérsia  e  a  Espanha  de  Franco,  é  dizer,  dois  países  autoritários  e  irrespeitosos  dos  direitos  humanos. A lei federal de 1972  proibia exportar material de guerra a países desse tipo ou  em guerra. Ainda assim, o Conselho Federal continuou a práxis preexistente, mas a guerra  colonial  na  que  se  encontrava  Portugal  desde  1961  obrigou  as  autoridades  federais  a  adoptar uma política mais restritiva.  O feito de pertencer os dois países a EFTA, foi uma simplificação para o comércio mútuo. O  fundo  da  Union  suisse  du  commerce  et  de  l'industrie  conservado  no  Arquivo  da  História  Contemporânea  de  Zurique  é  sem  dúvida  um  recurso  muito  útil  para  a  pesquisa  sobre  os  interesses suíços na península ibérica. Não deveríamos de ficar surpreendidos de descobrir a  falta de pudor no mundo do comércio e das finanças suíço à hora de intensificar as relações  com um regime impiedoso da mesma maneira que no caso do regime franquista.    Censura, tortura, falta de direitos humanos, terrorismo de estado… que é o que se sabia na  Suíça  sobre  a  ditadura  portuguesa?  Esta  pergunta  conduze‐nos  à  situação  dos  meios  de  comunicação  na  Suíça.  Certamente,  a  prensa  gozava  aqui  de  liberdades  impensáveis  em  Portugal.  Porém,  alguns  jornalistas  liberal‐conservadores  defendiam  a  posição  duma  autocensura ante alguns altares da pátria como o exército suíço, é dizer, os jornalistas não  deviam criticar determinadas instituições e valores.   Aos finais dos anos cinquenta, a televisão foi introduzida no país helvético, concebida como  serviço  público  para  a  sociedade.  Optou‐se  por  uma  solução  de  direito  público,  não  pertencente ao estado, mas com determinadas obrigações perante a administração pública.  Como já tenho dito, a relação entre a Sociedade Suíça de Radiotelevisão e a Confederação  Suíça  estava  regrada  por  uma  Concessão  que  estipulava  as  regras  do  jogo.  Portanto,  o  estado  podia  impedir  a  transmissão  de  determinados  conteúdos  qualificáveis  de  comprometedores  o  incómodos.  Em  outras  palavras,  o  estado  suíço  podia  impor  indirectamente  uma  censura  ao  trabalho  dos  jornalistas  da  televisão  suíça.  E  o  caso  de  Loetscher, anteriormente citado, é a proba mais clara disto.    5   

 

Durante os anos sessenta, os jornalistas de rádio e televisão lutariam por obter os mesmos  direitos do que os colegas da prensa.  Os  mesmos  meios  de  comunicação  electrónicos,  de  monopólio  de  estado,  foram  escrutinados  minuciosamente  nessa  época  de  fortes  reflexos  anticomunistas.  Alguns  historiadores falam incluso dum “macartismo suíço”. A paranóia duma infiltração da rádio e  televisão  suíças  por  parte  dos  comunistas  converteu‐se  num  lugar‐comum  nas  bocas  de  políticos conservadores.  Embora os comunistas estiverem longe da radiotelevisão suíça, a partir da segunda metade  dos  anos  sessenta  os  socialistas  suíços  começaram  a  ocupar  postos  estratégicos  na  administração dos meios de monopólio. Dario Robbiani foi primeiro director do telejornal de  língua  italiana,  e  a  partir  de  1969  director  geral  do  telejornal.  Ueli  Götsch  foi  director  da  secção  informativa  da  televisão  e Heinz  Roschewski  da  rádio.  E  se  para  alguns  o  telejornal  parecia demasiado vermelho, outros, exponentes da nova esquerda antiautoritária de pós‐ 68 consideravam‐no demasiado burguês.   Entre  os  apocalípticos  que  criticavam  a  televisão  pelas  suas  tendências  de  esquerda  encontrava‐se  o  político  conservador  e  catedrático  de  história  contemporânea  na  Universidade de Berna Walther Hofer. Finalmente, em Janeiro de 1974 fundaria a Associação  Suíça  de  Radiotelevisão  que  passaria  à  história  como  “Clube  Hofer”.  O  clube  tinha  como  objectivo informar a opinião pública sobre a infiltração dos meios electrónicos por parte de  pessoas  de  ideologia  de  esquerda.  Esta  tarefa  realizava‐se  através  de  boletins  que  o  clube  publicava  mais  o  menos  com  regularidade.  Nalguns  casos  os  esforços  para  informar  à  sociedade foram notáveis.  No ano 1977, o Clube Hofer publicou um estudo sobre a cobertura mediática da Revolução  dos Cravos por parte de distintos programas informativos da Televisão Suíça. O Telejornal, o  Panorama  semanal  e  a Retrospectiva  de  fim  de  ano  foram  analisados  minuciosamente  em  quase 250 páginas.   Na  introdução  os  autores  –  não  especificados  em  nenhuma  parte  da  obra  –  presentam  os  sucessos em Portugal entre 1974 e 1975 como um cenário único no qual pode‐se averiguar  em  miniatura  todos  os  conflitos  atuais  como  Rússia,  Europa  de  Leste,  Chile  e  Grécia.  O  estudo  pretende  averiguar  a  qualidade  da  cobertura  dos  programas  informativos  da  televisão,  baixo  a  premissa  da  manipulação  das  informações  e  dum  credo  “progressista”.  Além disso, os autores declaram querer fazer uma análise histórica enfocada mais na crítica  6   

 

dos  reportagens  do  que  nas  informações  sobre  Portugal.  A  literatura  consultada  está  composta  de  obras  de  Laszlo  Revesz,  Mário  Soares,  António  de  Spínola  e  documentos  do  Conselho  de  Europa  sobre  a  revolução  portuguesa,  além  de  literatura  qualificada  de  “comunista  ou  de  extrema‐esquerda”  como  a  famosa  reportagem  do  jornalista  alemão  Günter Wallfraff.   A análise descompõe o Período Revolucionário em Curso em doze eventos. O primeiro é a  renúncia de Spínola como Presidente da República Portuguesa, depois a tentativa de golpe  de  estado  de  direita  do  11  de  Março  de  1975  pelo  mesmo  Spínola,  as  eleições  para  a  Assembleia Constituinte, a ocupação da Rádio Renascença, a saída dos socialistas do quarto  governo provisório, a formação do triunvirato Costa Gomes – Gonçalves – Carvalho, o quinto  e o sexto governo provisório e finalmente o golpe de estado do 25 de Novembro de 1975.  Seguem  uma  comparação  de  dois  casos  e  considerações  sobre  a  terminologia  empregada  pelo telejornal.  Na minha presentação enfocarei somente dois episódios: o primeiro e o último.   No livro, as análises fazem‐se seguindo um modelo recorrente: uma citação procedente dum  programa  televisivo  é  comentada  e  criticada  seguidamente.  Ao  final  do  evento  há  uma  crítica de resumo, seguindo o modelo hegeliano de tese, antítese e síntese.  As  condições  gerais  descritas  pelo  programa  Panorama  semanal  corresponderiam  às  reflexões  feitas  pelo  dirigente  comunista  Álvaro  Cunhal  numa  entrevista.  Além  disso,  os  autores criticam o uso do adjectivo “democrático” por Cunhal para criticar a Spínola. Alegam  que  “democrático”  em  boca  dum  comunista  quer  dizer  “popular  democrático”  para  distingui‐o do “burguês democrático”.  Numa outra parte, os autores criticam as mudanças na denominação do governo de Spínola  por parte do Panorama, é dizer, as vezes qualificado de homem de direita e outras vezes de  centro. Também não se salva da crítica o tratamento do livro de Spínola Portugal e o futuro.  No resumo da análise do evento, os autores criticam a visão distorcida dos informativos. Em  vez de reflexionar sobre os distintos significados de “democracia”, a televisão suíça preferiu  sublinhar  a  importância  dos  caetanistas  ressurgidos.  Os  informativos  são  acusados  de  ignorar  a  história  recente  de  Portugal.  Falar‐se‐ia  duma  “deslocação  do  poder”  e  duma  “vitória  sobre  as  forças  conservadoras”  mas  sem  perguntar‐se  quem  são  os  beneficiários  destas  mudanças.  Segundo  os  autores,  os  informativos  da  televisão  adoptariam  as  interpretações da extrema‐esquerda.   7   

 

Em realidade, podemos constatar uma pergunta retórica de forma subliminal. No ideário e  na  retórica  conservadora  e  anticomunista  ao  qual  adiria  o  Clube  Hofer,  o  principal  beneficiário  duma  tomada  do  poder  por  parte  dos  comunistas  é  a  União  Soviética  que  através do apoio dos seus camaradas lusos estenderia o seu poder até a costa atlântica.    Os acontecimentos em Novembro de 1975 foram seguidos pelos meios suíços com grande  interesse.  A  “greve”  do  governo  provocada  pela  crise  de  autoridade  devida  ao  estado  de  assédio durante dois dias por parte de manifestantes de esquerda foi um episódio chave na  última fase do processo revolucionário. Os autores do estudo criticaram a maneira unilateral  de explicar as causas da greve do governo e a omissão das actividades dos comunistas e da  extrema‐esquerda.   Na  informação  sobre  o  atentado  contra  uma  emissora  de  rádio,  sempre  em  Novembro  de  1975, o telejornal manifestou suspeitas sobre a sua autoria, insinuando as forças de direita  como  possíveis  autores.  Para  os  autores  do  estudo,  a  afirmação  significa  uma  vontade  de  acusar a direita e de proteger a esquerda.  As  purgações  no  exército  foram  outro  tema  de  discórdia  para  o  clube  Hofer.  Os  oficiais  despedidos  foram  qualificados  de  “radicais”  pelo  programa  Panorama  semanal.  O  livro  objectou contra o uso deste qualificativo que pretende velar a verdadeira ideologia desses  oficiais, é dizer, comunistas ou de extrema‐esquerda. Além disso, os autores criticam a falta  dos verdadeiros motivos dos despidos: não pertinência ao radicalismo mas falta de disciplina  e insubordinação.  Na crítica de síntese, acusa‐se os informativos da televisão suíça da incapacidade de situar os  acontecimentos num contexto mais amplo e mais complexo. O Partido Comunista Português  desapareceria  da  narração  jornalística.  Portanto,  a  redacções  dos  programas  informativos  efectuariam uma redução do problema enfocando somente um aspecto parcial. Afirmações  erróneas  combinadas  a  omissões  de  feitos  considerados  relevantes  são  as  incriminações  principais.  No  texto,  a  palavra  “minimização”  chama  a  atenção  pela  sua  frequência.  O  substantivo  utiliza‐se  para  qualificar  o  tratamento  benévolo  do  Partido  Comunista  Português.  Este  é  caracterizado  indirectamente  de  criminal,  pois  o  PCP  teria  entregado  armas a povoação para uma ofensiva popular.  Chama a atenção a importância da escolha das palavras como um dos critérios fundamentais  para acusar os jornalistas da televisão.   8   

 

Dicotomias  como  esquerda/direita,  radical/conservador,  ditadura/democracia  ocupam  um  papel  decisivo  na  argumentação  dos  autores.  Também  sobre  o  termo  “fascismo”  há  uma  discussão no livro.  As citações procedentes dos três formatos de informação televisiva indicam o uso da palavra  “fascismo”  para  o  regime  de  Caetano  e  a  ditadura  de  “quase  cinquenta  anos”.  Para  os  autores  do  livro,  o  uso  de  “fascismo”  é  altamente  problemático.  A  televisão  suíça  teria  adoptado  este  termo  direitamente  do  uso  ou  abuso  da  língua  em  Portugal.  Segue  uma  discussão  sobre  a  taxonomia  e  a  idoneidade  de  “fascismo”  para  os  regímenes  de  Hitler,  Mussolini,  Franco,  Salazar,  dos  coronéis  gregos  e  de  Pinochet.  Franco  e  Salazar  são  chamados “autoritarismos conservadores”. Portanto, através dessa equiparação artificial, as  diferencias  estruturais  desapareceriam.  O  regime  hitleriano  seria  banalizado  enquanto  a  “ditadura branda” de Salazar seria demonizada.   O  termo  teria  sido  abusado  pelos  comunistas  já  desde  os  anos  vinte  para  desacreditar  os  adversários  políticos,  continuam  os  autores.  A  falta  dum  partido  forte  encarregado  de  politizar  as  massas  seria  o  principal  critério  contra  a  pertinência  do  franquismo  e  do  salazarismo à família do fascismo. Com uma citação do filósofo e sociólogo francês Raymond  Aron  pretende‐se  corroborar  a  tese:  Diferentemente  de  Hitler  e  Mussolini,  Salazar  estava  interessado  em  despolitizar  as  massas  e  ceder  autonomia  as  corporações.  Numa  outra  citação, esta vez de Karl Dietrich Bracher, refere‐se a uma tendência típica da Guerra fria que  identificava  o  comunismo  com  o  nacional‐socialismo  na  denominação  de  “totalitarismo”.  Desta maneira, outras ditaduras como o salazarismo, o franquismo e muitos outros casos em  América  Latina  tiveram  um  judicio  mais  benévolo.  As  reflexões  sobre  o  termo  “fascismo”  terminam retomando o qualificativo de “ditadura branda” o “estado estamental autoritário”  para o regime de Salazar e Caetano.    “Portugal  74/75”  é  um  escrito  minucioso  e  superficial  no  mesmo  tempo.  Minucioso  pela  quantidade  de  material  considerado  para  o  estudo.  Superficial  pela  escassa  literatura  empregada para contrastar as afirmações dos jornalistas da televisão suíça. A acusação de  tendenciosa  formulada  contra  os  programas  televisivos  fica  absurda  e  cínica.  A  suposta  benevolência  dos  jornalistas  perante  as  forças  revolucionarias,  radicais  ou  comunistas  de  Portugal  é  respondida  com  uma  benevolência  subliminal  perante  uma  tirania  através  dum 

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judicio  histórico  distorcido  no  qual  os  crimines  da  ditadura  salazarista  são  silenciados,  o  mesmo regime edulcorado através de eufemismos como “autoritarismo” e “conservador”.   O  texto  inscreve‐se  perfeitamente  nas  ansiedades  geopolíticas  de  Europa  causadas  pelos  acontecimentos  na  península  ibérica:  revolução  dos  cravos  e  morte  do  general  Franco.  Os  posteriores  desenvolvimentos  nos  dois  países  desembocariam  numa  dicotomia  entre  o  modelo  português,  é  dizer,  incerto,  revolucionário,  violento  e  portanto  não  digno  de  ser  emulado,  e  a  transição  espanhola,  celebrada  por  politólogos,  historiadores,  sociólogos  em  panegíricos como panaceia contra todas as ditaduras do mundo.    Na  minha  comunicação  intentei  mostrar  que  os  olhares  transnacionais  entre  a  Suíça  e  Portugal  são  muito  prometedores  e  permitem  escrutar  vias  até  agora  não  tomadas.  Diferentes métodos e aproximações, diferentes tipos de fontes podem ser adoptados nesta  tarefa. Mas em qualquer caso, fica inevitável ter bons conhecimentos da língua portuguesa.    Muito obrigado.         

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