Onde está a Graça de Lisboa - Memórias e interações dos residentes da Vila Berta

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Trabalho Académico NÃO Publicado, com avaliação de 15 valores

Onde está a Graça de Lisboa Memórias e interações dos residentes da Vila Berta

Métodos e Técnicas e Investigação: Intensivos Docente: Ana Saint-Maurice Relatório Final de Grupo 2º Ano ● Licenciatura em Sociologia Ano Letivo 2012/2013 ● 1ºSemestre ● SB1 Andreia Vaz ● nº 54916 Diogo Santos ● nº 54915 Filipa Pereira ● nº 54931 Maria João Martinho ● nº 54963

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Índice 1. Introdução ................................................................................................................................. 1 2. Apresentação do objeto e dos objetivos da investigação e modelo de análise ....................... 3 2.1 Problemática - objeto e objetivos da investigação ............................................................. 3 2.2 Modelo de análise ............................................................................................................... 5 2.3 Operacionalização de conceitos.......................................................................................... 6 3. Apresentação e justificação do método de pesquisa ............................................................... 7 3.1 Métodos e técnicas ............................................................................................................. 7 3.2 Método de análise das entrevistas realizadas .................................................................... 8 3.3 Campo de observação ......................................................................................................... 8 3.4 Procedimento ...................................................................................................................... 9 3.4.1 Amostra ........................................................................................................................ 9 4. Apresentação de resultados.................................................................................................... 11 5. Conclusão ................................................................................................................................ 13 6. Referências bibliográficas ....................................................................................................... 15 7. Anexos ..................................................................................................................................... 17

Índice de Tabelas Tabela 1 - Operacionalização de conceitos

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Tabela 2 - População residente com 18 e mais anos de idade

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Índice de Esquemas Esquema 1 - Modelo de análise

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Esquema 2 - Amostragem

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1. Introdução Atualmente num contexto global, as relações sociais são profundamente influenciadas, não só por contextos macro sociais, mas também económicos e políticos. Desta forma verifica-se que «Vivemos num mundo de transformações que afetam quase tudo o que fazemos. Para o melhor ou para o pior, estamos a ser empurrados para uma ordem global que ainda não compreendemos na sua totalidade, mas cujos efeitos já se fazem sentir em nós.» (Giddens, 2006 : 19) Portugal, não ficou indiferente à globalização. Com as mudanças estruturais que este processo implica e «que afetam a própria governação» (Giddens, 2006 : 27) a identidade de social e até mesmo grupal, tornam interessante a investigação em locais com história e estórias que detêm um valor especial para o estudo das relações entre os moradores e a sua relação com o espaço. A freguesia da Graça apresenta-se como um local de grande relevância1 histórica, no entanto, «como unidade administrativa, religiosa e civil é relativamente recente, pois formou-se já muito depois do terramoto de 1755 [...]» (Calado & Ferreira, 1993 : 17). Abundam monumentos num espaço tão confinado, entre eles a Igreja e o convento da Graça, a Ermida da Nossa Senhora do Monte, a Capela de Nossa Senhora da Glória, a Igreja de S. Vicente de Fora, A Voz do Operário, o antigo Convento das Mónicas e o Caracol da Graça2. Existem pequenas áreas nesta freguesia que apresentam características idênticas, sendo que «as fronteiras ultrapassam muitas vezes os limites administrativos rígidos onde ruas e quarteirões uniformes chegam a ser repartidos.» (Calado & Ferreira, 1993 : 17). Ao relacionar a construção destes espaços com o contexto histórico e com transformações económicas e sociais, verifica-se que na maioria se destinavam operários (Caldas & Ferreira, 1993 : 44), no entanto este fato não se aplica a todas elas. Importa assim perceber as razões históricas para o aparecimento destas vilas na cidade de Lisboa. Dado que era necessário «encontrarem soluções para as graves situações de alojamento» (Pereira, 1994 : 509) causado pelo aumento demográfico foram criados novos bairros. No entanto «as camadas mais pobres das classes trabalhadoras, com relevo para o operariado, não tinham capacidade económica para habitar esses bairros.» (Pereira, 1994 : 510).

1 2

Ver Anexos, Figura 1, página i Ver Anexos, Figura 2, página ii

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Desta forma e tendo em conta a época «a iniciativa privada começou a interessar-se pela situação, com a construção de vilas operárias, onde as condições não seriam tão miseráveis e que dariam, provavelmente, bons lucros aos investidores.» (Pereira, 1994 : 510). Feita a apresentação do bairro da Graça e a contextualização da construção dos pátios e vilas na cidade de Lisboa, é necessário referir o espaço em estudo e em que a atenção irá centrar-se na Vila Berta3. Ao contrário da maioria das vilas e pátios existentes em Lisboa, a Vila Berta, não se destinava a operários. Segundo o herdeiro do arquiteto Joaquim Francisco Tojal, que construiu a Vila no início do século XX, esta era destinada a trabalhadores especializados, desenhadores, encarregados de obras, trabalhadores de oficinas e arquitetos, e que apenas por erro histórico ficou conotada ao operariado. Esta vila apresenta características distintas, designada pelo arquiteto Nuno Pereira como «vila formando rua» (Caldas & Ferreira, 1993 : 4) constituída por edifícios iguais, de dois pisos, de ambos os lados e com uma plataforma saliente até ao nível da rua com as fachadas decoradas de azulejos pintados à mão, «com edifícios para diferentes estratos sociais e de grande apuro formal, em que também é notável o recurso a estruturas metálicas e a rica decoração [...].» (Pereira, 1994 : 518). Tal como outras vilas de Lisboa, na Vila Berta residia também o construtor e a sua família numa casa independente, e estaticamente diferente, das restantes. Era protegida por dois portões e com um guarda que também realizava a manutenção dos jardins das casas. Mais recentemente foi considerada espaço público e ainda património protegido o que faz com que as características físicas mais antigas ainda persistam, principalmente no que se refere aos azulejos, pintados à mão, e a todas as características estruturais dos edifícios. No que toca ao património cultural verifica-se que alguns dos festejos realizados na vila, e que deixaram de ser organizados, voltaram mais recentemente, a ser preparados e deram uma nova vitalidade à vila e aos seus habitantes, atraindo turistas que se deslumbram com a beleza tanto dos edifícios como das festividades que se realizam, principalmente durante dos Santos Populares.

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Ver Anexos, Figura 2, página ii, nº6

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2. Apresentação do objeto e dos objetivos da investigação e modelo de análise 2.1 Problemática - objeto e objetivos da investigação Questão de partida: 



Perceber, através das memórias individuais dos habitantes da Vila Berta, de que forma a interação e a existência de relações de sociabilidade são condicionantes da coesão social. Perceber de que forma se expressa essa mesma coesão social.

Tomando como ponto de partida para este projeto de investigação a questão acima descrita, torna-se bastante relevante ter em conta, antes de mais nada, a delimitação do nosso objeto de estudo através da análise de alguns conceitos-chave que nos guiarão ao longo desta pesquisa. Assim sendo, uma vez que queremos perceber de que forma as vivências são experienciadas e partilhadas entre os habitantes da Vila Berta, recorreremos à memória coletiva, sendo que esta se traduz num “processo social de reconstrução do passado vivido e experimentado por um determinado grupo, comunidade ou sociedade” (Halbwachs, 1991, cit. in Silva, 2009 : 4), que no nosso caso reside naquele espaço há mais de 40 anos, partilhando desta forma sentimentos e memórias relativas a acontecimentos que se desenrolaram naquele espaço e de certa forma ajudaram a que todos se sentissem integrados e se identificassem com o local. Acrescenta-se ainda que “Este passado vivido é distinto da história, a qual se refere mais a fatos e eventos registados, como dados e feitos, independentemente destes terem sido sentidos e experimentados por alguém.” (Halbwachs, 1991, cit. in Silva, 2009 : 4), ou seja, pegando num lado mais simbólico e afetivo destes factos queremos, de certa forma, recriar as formas de vivências do passado no centro da cidade de Lisboa. Falando de vivências, o nosso estudo centra-se na distinção dos diversos estilos de vida que coexistem num mesmo espaço, que segundo Pierre Bourdieu, derivam das condições de vida dos indivíduos, estruturadas pelo habitus que por sua vez criam sistemas de esquemas de práticas e sistemas de esquemas de perceção. Dizendo que “os estilos de vida são assim os produtos sistemáticos dos habitus que, percecionados com as suas relações mútuas seguindo os esquemas do habitus, se tornam sistemas de sinais socialmente qualificados” (Bourdieu, 2010 : 272).

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Desta forma, iniciando a pesquisa através dos estilos de vida, é nosso intuito perceber de que maneiras os sistemas de práticas se materializam nos nossos dias, em particular na tradicional Vila Berta. Posto isto, é necessário apresentar um novo conceito que está inteiramente ligado com o anterior, uma vez que diferentes estilos de vida dão origem a diferentes formas de sociabilidade “entendida [segundo a Escola de Chicago] como uma consideração dos modos, padrões e formas de relacionamento social concreto em contextos ou círculos de interação e convívio social” (Frúgoli, 2007 : 17). Desconstruindo este conceito, a nossa intenção é conseguir apurar de que modo os residentes se relacionam uns com os outros, em que espaços é mais intensa esta sociabilidade (traduzindo-se assim pela apropriação do espaço social), se é por iniciativa própria ou por reprodução de hábitos já adquiridos e ainda distinguir diferentes formas de sociabilidade consoante o género dos moradores (entenda-se género, segundo Robert Stoller, por “tremendous areas of behaviour, fellings, thoughs and fantasies that are related to the sexes and yet do not have primarily biological connotations” (Stoller, 1968, cit. por Millet, 1977 : 29 in Amâncio, 2003 : 694)) e a forma como se apropriam do próprio espaço em si, ou seja, se permanecem nele a tempo inteiro ou se se torna apenas num espaço de dormitório, o qual apenas frequentam à noite. Por fim e como grande objetivo desta pesquisa, apresentamos um último conceito, que pretendemos, através da articulação dos anteriores identificar de que forma está implícito nas relações bairristas e qual a importância dos fatores já enunciados para a sua criação e fortificação. Sendo este o conceito de integração, que segundo João Ferreira de Almeida se salienta “sobretudo [nas] questões ligadas à reconstrução ou à redinamização da sociabilidade e identidades locais” (Almeida, 1993 : 832), o nosso objetivo final é entender se os moradores da Vila Berta sentem que a coesão social do bairro os ajuda a sentirem-se integrados na restante comunidade da Freguesia da Graça e dentro da própria vila e se, por outro lado, ajuda a formar um forte sentimento de identidade social constituído pelas características do bairro, com as quais os habitantes se identificam facilmente, sentindo-se intensamente ligados ao espaço, experimentando quase a sensação de se tornarem numa dessas mesmas características.

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2.2 Modelo de análise

Memória individual

Memória coletiva

Estilos de vida

Relações Sociais

Sociabilidade

Espaços de Interação

Género

Relações de Vizinhança

Apropriação do Espaço

COESÃO SOCIAL

Esquema 1 - Modelo de análise

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2.3 Operacionalização de conceitos Tabela 1 - Operacionalização de conceitos Conceitos Memória

Dimensões Individual Coletiva

Estilos de vida Sociabilidade

Espaços de interação Apropriação do espaço

Género Coesão Social

Relações de vizinhança Interação com o espaço

Indicadores Ponto 2.8 do Guião Ponto 3.3 e 3.4 do Guião Ponto 2 do Guião Ponto 4 do Guião Ponto 3.6 do Guião Ponto 3 do Guião Ponto 2 do Guião

Verifica-se que em contexto analítico, dado que através da memória irão ser analisados os restantes conceitos, é necessário distinguir memoria individual de memória coletiva, por forma a identificar padrões de correlação entre as duas que influenciem a definição de estilos de vida. A memória individual não irá corresponder à verdadeira realidade, mas sim a uma representação da mesma por parte dos indivíduos através do registo dos traços mais relevantes dos acontecimentos, segundo as próprias experiências pessoais. Este registo possibilitará um maior entendimento em relação aos estilos de vida dos indivíduos, e, no seu conjunto, e memória individual proporcionará o acesso a uma memória coletiva, ou seja, será assim possível ter conhecimento das experiências e fenómenos a nível coletivo em que são partilhados os acontecimentos vividos e que influenciaram as experiencias pessoais. Os estilos de vida dos entrevistados, por sua vez, poderão traduzir-se através de relações sociais e relações de sociabilidade, que serão determinadas, e desta forma observáveis, através de espaços de interação. Estes podem, ainda, ser privados ou públicos, e desta forma evidenciar a profundidade das relações de vizinhança estabelecidas, sendo possível assim verificar através da apropriação do espaço, tentando compreender se existem ligações fortes entre os indivíduos, e se se tratam de relações ocasionais ou pelo contrário fortes e prolongadas. Estes três indicadores serão condicionantes no o surgimento de coesão social, no entanto o inverso também se verifica, uma vez que a existência de coesão no local em análise é condição necessária para a existência de espaços de interação, ou a partilha desses espaços. Isto significa que a coesão social é condicionada e condicionante da existência e partilha de espaços de interação, da apropriação desses mesmos espaços e do estabelecer de relações de vizinhança entre os moradores. 6

3. Apresentação e justificação do método de pesquisa 3.1 Métodos e técnicas No âmbito deste trabalho foi-nos sugerido centrarmo-nos na cidade de Lisboa, e mediante tal fato selecionamos uma vila específica da freguesia da Graça, a vila Berta, um local com características bastante tradicionais. No decorrer desta investigação pretende-se utilizar os métodos intensivos de modo a alcançar o objetivo enunciado na problemática. A técnica de investigação a utilizar é não documental visto que será o grupo a recolher a informação necessária, em primeira mão, através de entrevistas. Entendendo-se este método como sendo “uma conversa com um objetivo” (Bingham & Moore, 1924 cit. in Matalon, 1992 : 64), utilizaremos então como principal metodologia a entrevista semi-diretiva que consiste na criação de “um esquema de entrevista, porém, a ordem pela qual os temas podem ser abordados é livre; se o e. (entrevistado) não abordar espontaneamente um ou vários dos temas do esquema, E. (Entrevistador), deve propor-lhe o tema”. Mediante as entrevistas a realizar no local, pretendemos que os indivíduos recorram à sua memória individual como modo de explicitar as relações estabelecidas com o local bem como as relações entre os indivíduos residentes. A memória é vista como um processo que advém da mente do individuo em relação ao mundo exterior, portanto todas as experiências interpessoais e culturais vivenciadas pelo individuo irão constituir as suas memórias. Sendo que as informações obtidas pelas entrevistas devem ser tratadas através da análise de conteúdo, uma vez que iremos analisar as interpretações e memórias dos entrevistados. Posto isto, podemos afirmar que a memória coletiva é resultado de memórias individuais partilhadas pelo individuo, constituindo um passado que é simultaneamente compartilhado por todos – memória social. “A história pretende dar conta das transformações da sociedade, a memória coletiva insiste em assegurar a permanência do tempo e da homogeneidade da vida, como um intento de mostrar que o passado permanece [...] Enquanto a história é informativa a memória é comunicativa.” (Maurice in Silva, 2009 : 18) Através da ideia do autor subentende-se que a memória individual é quase que impossível existir sem a presença de uma memória coletiva, pois esta é grande parte construída socialmente, ou seja, da comunidade afetiva que fez parte da vida do individuo. Pretendemos ver o lado mais subjetivo da realidade recorrendo de certa forma aos sentimentos, a emoções e recordações do passado através dos filtros da memória de cada um dos indivíduos a entrevistar. De modo a explicitar as relações estabelecidas com o local, bem como, as relações estabelecidas com os indivíduos residentes.

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3.2 Método de análise das entrevistas realizadas Nesta fase confrontamo-nos com a análise de 5 entrevistas realizadas em que o objetivo final é conseguir inferir algo, através das palavras transcritas, a propósito de uma realidade sociológica representativa de uma população de indivíduos. Para uma análise de conteúdo mais aprofundada procedemos à construção de uma grelha de análise categorial, beneficiando a repetição de frequência dos temas. “O resultado final será uma abstração incapaz de transmitir o essencial das significações produzidas pelas pessoas, deixando escapar o latente, o original, o estrutural, o contextual”. (Bardin, 2009 : 91) A entrevista trata-se de um discurso preparado embora seja mais um discurso espontâneo, assim sendo segundo o autor Laurence Bardin, nas margens das transcrições das entrevistas irão aparecer as anotações, através de uma seleção de cores diferentes para maior facilidade de pressionar os temas abordados no decorrer das entrevistas. Estas serão diferenciadas através da atribuição de um número. Por fim a entrevista é dividida em sequências, de acordo com o tema predominante e critérios estilísticos (rutura de ritmos e operações gramáticas)

3.3 Campo de observação Na estatística indutiva procura-se caracterizar o todo (a população ou universo) a partir de um conjunto de dados limitados (uma amostra), ou seja, retirar conclusões sobre universos a partir de amostras que se pretendem representativas da população. A amostra é o subconjunto dos indivíduos pertencentes a uma população e para a poder representar bem tem de ter qualidade e quantidade, assim contém o “como” e “onde” selecionar os elementos da amostra (qualidade) e o calculo da quantidade dos elementos da amostra que depende das características da população e da pesquisa bem como da dimensão da população (quantidade)4. Para a nossa a população a inquirir ou o universo de trabalho será o objeto verdadeiro de análise (operacionalização concreta da população alvo), da qual se obtém a amostra que será os residentes da Vila Berta com idades superiores a 50 anos. Devido ao facto de existir já escalões pré-definidos noutras investigações a nossa amostra será os habitantes da vila no qual vamos entrevistar indivíduos com idade superior a 50 anos.

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Ver Esquema 2, página 10

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Estipulamos à partida que serão realizadas 5 entrevistas no Bairro da Graça, mais propriamente na Vila Berta. Posto isto, passamos a apresentar as razões que nos levaram a escolher este espaço: Local Vila Berta

Justificação Trata-se de uma vila de grande relevância histórica e social, bem como uma zona de habitação de população maioritariamente jovem e idosa.

3.4 Procedimento 3.4.1 Amostra

Assim a nossa amostra reduz-se a entrevistar as pessoas na Vila Berta com idades superiores a 50 anos, pois queremos recorrer à sua memória, através de recordações do passado e temos mais facilidade nas deslocações para o local onde queremos realizar a nossa investigação uma vez que estudamos em Lisboa e nos identificamos com a cultura social presente no Bairro Popular da Graça. Como procedimento iremos realizar entrevistas de estudo, sendo estas requeridas pelo Entrevistador com características de aprofundamento, tratando-se de um campo em que conhecemos os temas, mas que não consideramos suficientemente explicados num ou noutro aspeto, por sua vez, as entrevistas de estudo não tem consequências no comportamento dos entrevistados, mesmo quando o entrevistado dá informações íntimas sobre as suas experiências e também não espera qualquer benefício pessoal da entrevista a que se submeteu. Esquema 2 - Amostragem

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Tabela 2 - População residente com 18 e mais anos de idade, por Local de residência (à data dos Censos 2011), Grupo etário.

Grupo Etário

Lisboa

Graça

50-54 anos

182884

315

55-59 anos

178352

362

60-64 anos

176613

371

65-69 anos

151763

343

70-74 anos

127059

401

75-79 anos

106543

385

80-84 anos

71952

288

85-89 anos

39498

161

90-94 anos

12849

66

95-99 anos

3795

18

100 ou mais anos

383

1

Total

1 051 691

2 711

Fonte: População residente com 12 e mais anos de idade (N.º) por Local de residência (à data dos Censos 2011), Sexo, Grupo etário e Estado civil; Decenal, in INE, Recenseamento da População e Habitação

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4. Apresentação de resultados Após a analise realizada, podemos verificar diversos resultados, entre eles, o facto de as habitações serem na sua maioria transmitidas por herança, de pais para filhos, que dessa forma, passaram a viver lá com as suas famílias. Apenas a Sra. Cidalina não é proprietária da habitação, fora este caso, todos os outros o são. Verificou-se ainda que, em um dos casos, a mudança de habitação era interna, quer isto dizer que, era dentro desse mesmo bairro, como podemos apreender pela entrevista realizada a Isilda Martins. Outra constatação em relação à habitação dos entrevistados, é que para alem da casa na Vila Berta, os indivíduos, tinham casa própria noutros locais, poderiam estes ser relativamente perto ou como os próprios enunciam "na terra". Ao avaliar as profissões dos entrevistados, concluímos que, se tratam de reformados, de profissões de classe média alta, todos eles apresentam indícios de uma boa qualidade de vida, como se pode verificar, com aquilo que foi anteriormente referido, a posse de outras casas para além daquela em que atualmente residem, na vila Berta. Todos estes mencionaram que a vila é valorizada pela sua boa acessibilidade, existência de diversos meios de transporte e centralidade na cidade, bem como, a diversidade comercial, tanto no que toca à restauração e pequeno comercio, como também o comercio relacionado com o vestuário e pronto-a-vestir. Salientam ainda, a calma e sossego em oposição ao ambiente mais agitado vivido no Largo da Graça, onde se concentra a maioria do comércio e serviços. Para além disto, destacam a segurança a beleza e a limpeza da sua vila. A respeito dos espaços de convívio, apurámos que a junta de freguesia disponibiliza um espaço de convívio, mas que, apenas um dos entrevistados o frequenta. Todos eles referiram que desenvolviam diversas tarefas ao longo do dia, ocupando assim o seu tempo diário - muitos deles dedicam-se à lida doméstica e à jardinagem. É de referir que grande parte destas atividades não eram realizadas entre residentes, cada um ocupava o seu tempo numa forma mais individualizadora. Ainda assim a Sra. Isilda referiu que frequentemente se deslocava com uma vizinha, para tomar o pequeno almoço ou almoçar. Relativamente às festas comunitárias, podemos dizer que, todos eles afirmam que as festas são importantes para a vila e para a sua divulgação, no entanto, apenas a Sra. Isilda, participa de uma forma ativa na organização das festas populares. Ainda assim, a maioria, vê da janela as atividades decorrentes durante as festas, não indo para a rua. Demostram satisfação e orgulho com a beleza da rua.

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O Sr. Jorge revelou ainda que considerava bastante incómodo o barulho realizado durante estes períodos, a Sra. Cidalina, também manifestou estar de acordo com esta opinião, embora de forma menos acentuada. Estas festividades, apresentam-se como um foco de atração turística que reforça a identidade da vila e dos indivíduos enquanto residentes. O facto de ter sido considerada, por volta dos anos de 1980, como património protegido, permitiu salvaguardar a beleza da vila, fazendo com que as transformações estruturais não fossem permitidas e que a vila permanecesse inalterada. Durante as entrevistas, evidenciou-se que muitas das vezes foi referida a família Tojal, nesses momento, o discurso, alterava-se, nomeadamente no tom, passando a ser mais cuidado, o que remete para um grande respeito. Todos afirmam a inexistência de conflitos entre moradores, e que todos têm uma relação relativamente próxima, no entanto, não frequentam a casa uns dos outros. Desta forma, consideram-se amigos, mas não tem a necessidade de o fazerem, visto que isto não é de facto importante para uma maior ligação entre eles. O "Sr. arquiteto" diferenciou-se dos restantes, dizendo que os habitantes não eram amigos, mas sim conhecidos, pois a relação entre eles não envolvia uma grande intimidade, sendo as conversas e os cumprimentos feitos apenas de forma cordial e fugaz. Os indivíduos mais velhos claramente, se relacionam entre eles, apresentando um certo desconhecimento em relação aos indivíduos mais novos na vila. A principal forma de comunicação entre estas pessoas desenrola-se à janela, com uma certa distanciação. Durante os discursos ficou bastante vincada a ideia de que os indivíduos com maior visibilidade pública, são um fator de orgulho para a vila e que por isso os referem de forma enaltecida. Relativamente ao género, apesar de não fazerem diferenciação direta ao se referirem aos relacionamentos, todos mostraram preferência quando se tratavam das suas atividades quotidianas em relação ao género, ou seja, de forma implícita o género era um fator de diferenciação entre relações. Os homens tendiam a conviverem com indivíduos do mesmo sexo e o mesmo se verificava com as mulheres. Ao analisar a dimensão utilitária das relações, verificamos que, todos eles se mostraram prestáveis para ajudar os outros moradores em caso de ser necessário, demonstram disponibilidade para ajudar o vizinho, seja num caso de emergência ou em pequenos gestos no seu quotidiano.

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5. Conclusão Nesta fase final do trabalho, iremos apresentar as principais conclusões retiradas a partir da anterior apresentação de resultados. Desta forma, iniciaremos esta reflexão final através da análise da adequabilidade do método escolhido para a recolha de informação, as entrevistas. Sendo que estas se centraram em cinco indivíduos diferenciados, podemos assim ter diferentes perceções acerca das alterações sofridas naquele espaço, ao longo do tempo; diversas opiniões relativas às relações estabelecidas entre moradores; e ainda uma parte um pouco mais subjetiva, relacionada com a própria opinião de cada um, referente ao sítio onde habitam. Partindo destas evidências podemos assim constatar que a técnica escolhida foi realmente adequada visto que falar diretamente com os moradores, de modo a incentivá-los a desenvolver um tema de certo modo íntimo, que os deixe orgulhosos e desperte o sentimento de pertença e identidade bairrista. De modo a confirmar a ideia anteriormente descrita, queremos ainda referir que concordamos que a opção pela realização de entrevistas foi a mais correta visto ser um método qualitativo que nos permitiu comprovar uma realidade mais associada ao nível simbólico dos acontecimentos, que pelo método quantitativo, mais especificamente, os inquéritos por questionário não permitiriam alcançar. Assim sendo, procurámos a confirmação das hipóteses inicialmente estabelecidas acerca das relações entre os moradores e a própria Vila Berta, e desta forma, reconhecemos que o papel da memória individual e coletiva foi verdadeiramente relevante e que sem recorrermos a este instrumento seria quase impossível confirmar ou refutar as hipóteses inicialmente criadas. Posto isto, a primeira conclusão à qual chegámos foi a de que a coesão social na Vila Berta não é assegurada tanto pela relação entre moradores mas sim pela relação com a própria vila, ou seja, as relações entre os indivíduos são distanciadas uma vez que não partilham vivências pessoais nem ocupam os seus tempos livres em conjunto mas quando se trata de reforçar a identidade da vila e da sua divulgação e dinamização, todos concordam e se predispõem a ajudar e a colaborar de maneira a transmitir uma ideia de comunidade e união entre todos. Em segundo lugar, a partir da análise destas entrevistas realizadas podemos concluir que a boa qualidade de vida, a calma, a acessibilidade e beleza do local são as variáveis que mais contribuem para que os sentimentos de pertença e orgulho dos moradores se intensifiquem e desta forma, se disponibilizem para cooperar no sentido de unificar todos os esforços, traduzindo-se estes na fortificação da coesão social do bairro. 13

Por fim, foi-nos permitido demonstrar que todas as opiniões dos residentes da Vila Berta são convergentes, partilhando da mesma opinião relativamente aos diversos aspetos do espaço em questão. Para finalizar, podemos dizer que desenvolvemos variadas competências com este contacto no terreno, mostrando ser uma experiência bastante enriquecedora que nos permitiu desenvolver e aumentar os nossos conhecimentos na área da pesquisa sociológica.

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6. Referências bibliográficas Bibliografia Temática Aguiar, A. (2010). Fragmentos de uma velhice [in]acabada: o processo integração social do idosos nos lares. Câmara de Lobos: O Liberal. Almeida, J. (1993). Integração social e exclusão social. Análise Social, nº 123/124, Volume 28, 829-834. Amâncio, L. (2003). O género no discurso das ciências sociais. Análise Social, nº 168, Volume 38, 687-713. Bauman, Z. (2001). The individualized society. Cambridge: Polity. Beck-Gernsheim, E & Beck, U. (2001). Individualization: institutionalized individualism and its social and political consequences. London: Sage Publications. Bourdieu, P. (2010). A Distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Coimbra: Edições 70. Calado, M. & Ferreira, V. (1993). Lisboa freguesia da Graça. Lisboa: Câmara Municipal. Cordeiro, G. (2001). Territórios e identidades sobre escalas de organização sócioespacial num bairro de Lisboa. Estudos Históricos, nº 28, 125-142. Fentress J. & Wickham C. (1994). Memória social: novas perspectivas sobre o passado. Lisboa: Teorema. Firmino, A. (1999). Sociedade de bairro - Dinâmicas da identidade cultural. Oeiras: Celta Editora. Frúgoli, H. (2007). Sociabilidade Urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Giddens, A. (1991). Modernity and Self-Identity. Oxford: Polity Press. Giddens, A. (2006). O mundo na era da globalização. Lisboa: Editorial Presença. Guerra, M. (1987). A territorialização das relações sociais: elementos para a análise da vida social local. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Trabalho e da Empresa. Halbwachs, M. (1990). A memória colectiva. São Paulo: Edições Vértice. Mauriti, R. (2011). Viver só: mudança social e estilos de vida. Lisboa: Mundos Sociais. Pereira, N. (1994). Pátios e vilas de Lisboa, 1870-1930: a promoção privada do alojamento operário. Análise Social, nº 127, 509-524. 15

Proença, F. & Santos, T. & Albuquerque, R. (2005). Coesão, coerência e cidadania na Europa alargada: Encontro de Lisboa. Lisboa: ACEP - Associação para a Cooperação Entre os Povos. Silva, C. (2009). A Teoria da Memória Coletiva de Maurice Halbwachs em Diálogo com Dostoivski: Uma Análise Sociológica Religiosa a partir da Literatura. Revista Theos, V. 5, nº2, 1980-0215.

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Anexos

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Índice Anexos Contextualização Geográfica......................................................................................................... ii Relato da Pesquisa de Campo ...................................................................................................iv Guião de Entrevistas .....................................................................................................................ix Análise das Entrevistas .................................................................................................................. x

i

Contextualização Geográfica

Figura 1 - Freguesias de Lisboa

ii

Figura 2 - Freguesia da Graça

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Relato da Pesquisa de Campo Definido o objetivo, nesta fase teríamos de escolher uma das vilas da Freguesia da Graça, mostrado estar de acordo com os nossos padrões de escolha e seleção, para a realização das cinco entrevistas. No dia 22 de Novembro de 2012, efetuamos uma deslocação à freguesia que escolhemos para trabalhar, por forma a identificar o lugar com características mais interessantes ao nível sociológico, a qual iríamos tratar posteriormente neste trabalho. Antes de descrevermos o percurso propriamente dito, é necessário realçar o facto de que chegados ao bairro da Graça e nos sentimos um pouco indecisos relativamente ao local, daí optamos por nos dirigir ao edifício da Junta de Freguesia, de maneira a conseguir alguma informação acerca de que zonas do bairro ainda mantêm a mesma imagem da cultura tradicional do passado. De seguida, dirigimo-nos aos locais históricos, as Vilas, que nos foram indicados pela rececionista da Junta de Freguesia, para compreendermos que importância adquire, para os moradores, um património com uma relevância bastante demarcada tanto para a história como para a imagem da cidade de Lisboa. Desta forma, e como consideramos interessante o estudo de uma das muitas vilas que foram construídas em Lisboa durante o século XX, fomos visitar as mais próximas destes locais turísticos. Para além da Vila Berta, que acabaria por ser a nossa escolha, visitámos ainda a Vila Sousa, que apesar de esteticamente ser mais interessante para o ponto de vista sociológico, devido ao facto de se tratar de um espaço confinado (em forma de quadrado), revelou-se um problema pela falta de contacto e interações entre os próprios moradores dentro da vila e dos mesmos com o exterior, e desta forma, abandonámos a ideia. Visitámos ainda a Vila Estrela D’Ouro, mas a falta de simpatia e a pouca disponibilidade dos moradores para nos recebem não facilitou a comunicação, o que nos fez abandonar este local apesar de ser um espaço interessante em termos históricos e certamente relacionais entre os residentes. Tirámos diversas fotografias na zona, e verificámos que a Vila Berta é a mais calma e a que simultaneamente apresenta uma acessibilidade incomparável e uma a simpatia e amabilidade por parte dos moradores que nos cativou instantaneamente. Vinham às janelas, diziam “Bom dia” e perguntavam de onde vínhamos e o que fazíamos, mostrando-se sempre disponíveis e atenciosos. Desta forma ficámos surpresos pela receção e acabámos por escolher este local, pois as relações pareceram fortes e interessantes mesmo com as pessoas que vinham de fora e apenas utilizavam aquela Vila como zona de passagem. No dia 10 de Dezembro de 2012 foi realizada a nossa segunda visita à Vila Berta, não com intensão de observar o local mas com o intuito de falar diretamente com os moradores de forma a marcar entrevistas com os mesmos. iv

Durante o período de tempo em que permanecemos neste local, demo-nos conta de que a rua era uma zona bastante calma quando comparada com as restantes zonas da freguesia, as quais podemos constatar serem bastante mais movimentadas e barulhentas. A forma que consideramos ser a mais correta de abordar as pessoas era tocar às “campainhas” e falar com elas, contudo percebemos que seria mais fácil obter atenção das pessoas que estavam à janela e de passagem na rua, uma vez que se mostravam mais interessadas em saber o motivo da nossa presença. Desta forma abordamos inicialmente um senhor que estava de passagem e que julgávamos ser morador da vila, no entanto isso não se verificou para além de não se mostrar recetivo a responder às nossas questões, por isso não o consideramos como fazendo parte da nossa amostra. De seguida abordamos uma senhora que vinha a sair de casa, Maria Briolange Neves, com 76 anos, moradora na vila há cerca de 50 anos, mostrou-se recetiva à nossa investigação, contudo estava com pressa para ir ao cemitério e pediu o nosso contacto para ligar mais tarde e marcarmos a entrevista (contacto esse que não foi feito até à data). A terceira pessoa com quem falamos foi a senhora Áurea Cifuentes, com 81 anos, moradora na vila à mais de 60 anos e a casa que habita já tem mais de 100 anos, pois já tinha sido dos pais do marido; por um lado mostrou-se interessada pelo nosso tema, dizendo que gostava muito de viver na vila e que todas as pessoas se relacionavam bem, ainda assim mostrou-se receosa e disse que o marido já vivia há mais tempo na vila e que era mais indicado para responder às perguntas, mas que este contacto só podia ser feito à tarde quando este estivesse em casa. A quarta pessoa foi a senhora Cidalina Valente, com 86 anos e a qual vive à 46 anos na vila, falou da sua vinda para a vila, de como se relacionava com as pessoas e do que gostava na vila, acabou por contar vários episódios da sua própria vida. Devido à nossa simpatia e esclarecimento do que andávamos a fazer marcou logo a nossa primeira entrevista, para terça-feira (18.12.2012) às 11 horas, uma vez que tinha marcado o atendimento no cabeleireiro. A quinta pessoa que abordamos foi um senhor que vinha a chegar de carro, o senhor Jorge Santos, com 67 anos, morador na vila há mais de 50 anos, perguntou o que andávamos a fazer e assim falou da história da vila, de que gostava de ali viver poder ser um lugar tranquilo e sem confusões, de seguida disse para aparecermos na terça-feira por volta das 11:30 horas, pois teria de ir levar a filha ao trabalho. Mostrou-se disponível e até ofereceu um copo para bebermos enquanto fazermos a entrevista, no fim avisou para que quando chegássemos batermos duas vezes na porta do prédio, jeito de aviso. A sexta pessoa e a última a ser abordada por nós neste dia foi o senhor Estevão Tojal, com 52 anos, arquiteto, bisneto de Joaquim Francisco Tojal, o proprietário e construtor da vila, consideramos uma fonte segura e adequada para as perguntas que queríamos fazer, quando falamos com ele, disse que ia ter uma reunião e para fazermos a entrevista na terça-feira, à 13:30 horas. Contudo, neste dia ficamos com 3 entrevistas marcadas e com algumas noções sobre o relacionamento entre os habitantes da vila e do que ela significava para eles. v

Dia 18 de Dezembro de 2012, terça-feira, o grupo desloca-se uma vez mais à Vila Berta, desta vez com a missão de realizar as suas três entrevistas marcadas anteriormente. Ao chegar ao local fomos recebidos novamente pelas pessoas que vieram à janela e disseram “Bom Dia”, mas o nosso nervosismo começou a aumentar, embora não fosse a primeira entrevista a realizar no decorrer deste segundo ano do curso de sociologia, era a primeira entrevista a ser feita com pessoas mais velhas e com a qual não tínhamos qualquer tipo de familiaridade. Após algumas conversas em grupo decidimos que a primeira entrevista seria realizar por um dos elementos do grupo, contudo se algo estivesse a faltar ou por perguntar um dos outros três elementos do grupo poderia interferir. Por volta das 11 horas da manhã tocamos à campainha da senhora Cidalina, reconheceu-nos logo e abriu a porta de muito boa vontade convidando para entrar e realizássemos a entrevista. Esta decorreu normalmente e como esperávamos, embora a duração se tenha prolongando um pouco mais do que previsto, já que muitas das vezes a senhora perdia-se no raciocínio, começava a divagar para além do tema, ou repetia ideias; por fim agradecemos a disponibilidade da senhora. Quando saímos da casa da senhora Cidalina, respiramos bem fundo, sentimos que a missão estava cumprida (pelo menos nesta entrevista), percebemos que no decorrer da entrevista não poderíamos ser demasiado simpáticos, para manter algum distanciamento entre entrevistador e entrevistado, mas que também tínhamos de ter cuidado com o vocabulário utilizado, de maneira a facilitar a compreensão por parte da entrevistada. A segunda entrevista iria ser realizada ao senhor Jorge Santos, agora muito mais tranquilos e cientes do que fazer e como fazer dirigimo-nos à casa do senhor Jorge e tocamos à campainha tal como ele tinha sugerido (dois toques), após alguns minutos e não obtendo resposta voltamos a fazer o mesmo procedimento, foi então que na Janela do primeiro andar direito surgiu uma senhora a perguntar o que queríamos, explicamos o que estávamos a fazer e quem procurávamos, muito rapidamente percebemos que era a esposa do senhor Jorge. Esta referiu que o marido não estava em casa e que teríamos de vir outro dia para falar com ele, mas só depois do natal, pois tinha surgido um problema com o filho e ele teve de ir ter com ele, então dissemos que regressávamos no dia 27 ou 28 de Dezembro. De seguida saímos do local pois apercebemo-nos que o senhor não queria era falar connosco e por isso mandou a esposa falar, mas dando o benefício da dúvida vamos esperar até ao próximo dia. Para a terceira entrevista voltamos a estar novamente nervosos, porque era uma pessoa da família do criador da Vila e por isso sabíamos a importância que a realização desta entrevista teria para o nosso trabalho. Precisamente às 13:20 horas, estávamos em frente ao escritório do senhor Estevão Tojal, o qual também serve de habitação, para a realização da entrevista. Recebeu-nos muito simpaticamente convidando para subir até ao escritório, sentamo-nos todos em redor da mesa de reuniões do arquiteto, aqui começou a fazer a entrevista um dos elementos do grupo, mas não deixando de existir algumas intervenções por parte de outros membros do vi

grupo, uma vez que em algumas perguntas suscitou algumas dúvidas e curiosidades. Com esta entrevista ficamos a perceber muito melhor a história da vila e algumas curiosidades sobre a mesma. Ficamos bastante espantados com a gentileza e acessibilidade demonstrada pelo senhor Estevão, nós agradecemos a disponibilidade e ele desejou boa sorte para o trabalho. Contudo não foi sorte que tivemos com esta entrevista, pois o gravador gravou a entrevista, mas por esquecimento não a guardamos na pasta das gravações e ao passar as entrevistas para o computador percebemos que faltava esta mesmo. Após várias horas de desespero chegamos à conclusão que tínhamos duas hipóteses: ou transcrevíamos a entrevista segundo as notas que tínhamos tirado e recorrendo ao nosso filtro de memória, ou então, teríamos de voltar ao escritório e pedir para gravar novamente a entrevista (devido à acessibilidade do senhor, pareceu fácil conseguir novamente uma entrevista). Devido a este pequeno “azar” decidimos tentar a nossa sorte no dia que íamos voltar para falar com o senhor Jorge Santos. Como faltava a entrevista do senhor Jorge Santos, decidimos voltar á Vila Berta dia 28 de Dezembro de 2012, para a realização da mesma. Perto das 11 horas chegamos à casa do senhor Jorge, batemos duas vezes à porta, tal como ele sugeriu, e lá abriu a porta, desta vez tinha tempo para nos responder à entrevista. Fomos recebidos gentilmente pelo senhor Jorge e pela sua esposa, a entrevista começou muito bem, mas começamos a perceber que o gravador estava a prejudicar a qualidade das respostas dadas, uma vez que no dia em que abordamos o senhor Jorge ele parecia muito mais descontraído e sentia-se à vontade para abordar os temas, foi então por decisão coletiva que decidimos desligar o gravador e tirarmos notas. Quando isto aconteceu começamos a ter uma entrevista mais dinâmica, obtendo respostas mais esclarecedoras, acerca dos temas que procurávamos entender. No fim da entrevista o senhor Jorge pediu desculpa, explicando que não se sentia muito à vontade com situação, por muito discretas que fossem, sentia-se intimidado; esta atitude do entrevistado fez com que a entrevista fosse transcrita apenas através das notas retiradas no momento. Contudo mostrou ser uma entrevista importante para as nossas conclusões finais, ficando muito gratos pela disponibilidade e simpatia do senhor Jorge. Quando saímos da casa do entrevistado, pensamos em ir ao escritório do senhor Estevão para explicar o sucedido, mas quando tocamos à campainha fomos recebidos por um dos seus filhos, o Miguel, que nos disse que o pai não estava no escritório durante o dia, mas que nos daria o contacto se quiséssemos para marcar com ele um dia. Após o ocorrido pensamos em voltar cá depois do final do ano e tentar falar com o senhor Estevão Tojal. Embora um pouco desanimados ainda abordamos mais duas pessoas para a realização da entrevista. Assim sendo, falamos com o senhor Fernando Marta, com 76 anos e morador na vila há mais de 44 anos; apesar de não se sentir à vontade para nos vii

deixar entrar em casa, foi muito prestável e respondeu à entrevista à porta de casa, falou sobre a relação que tinha com os moradores mais velhos e o que a vila significava para si. No fim da entrevista comentámos em grupo o fato da entrevista ter sido feita à porta de casa e se não teria prejudicado o som da gravação, facto esse que depois não se confirmou, pois a gravação tinha uma boa qualidade, embora não muito percetível devido à maneira como o senhor falava. A segunda pessoa abordada pelo grupo foi a senhora Isilda Martins de 68 anos e moradora na vila há 40 anos, tal como o senhor Fernando Marta, não foi possível entrarmos em sua casa, sendo esta realizada também à porta do prédio. Esta entrevista revelou-se fundamental para as conclusões do nosso trabalho, visto as respostas da senhora se diferenciaram em alguns aspetos das respostas dadas pelos moradores já entrevistados. Por fim, abandonamos a Vila Berta com as entrevistas já todas realizadas para o trabalho, faltando apenas resolver a questão da entrevista do senhor Estevão Tojal. Último dia das nossas longas visitas à Vila Berta, 10 de Janeiro de 2012, falta apenas um dia para a entrega do trabalho, mas ainda tínhamos esperança de conseguir falar com o senhor Estevão e termos a entrevista novamente, já que tínhamos ligado no dia anterior a remarcá-la. Perto das 10:30 horas estávamos novamente a pisar a calçada da vila, desta vez por uma última, tocamos à campainha do escritório do arquiteto e fomos recebidos por uma senhora, a qual nos avisou que o senhor Estevão não nos iria receber porque tinha começado uma reunião urgente há cerca de 5 minutos. Ao ouvir-nos o senhor Estevão apareceu e confirmou que estava em reunião pedindo desculpa pelo incómodo, mas tratava-se de uma situação urgente e a qual não saberia quando terminava, pedindo para voltarmos na manhã seguinte. Ficamos gratos pela sua disponibilidade e acessibilidade em nós dar novamente a entrevista, mas explicamos que não conseguíamos regressar no dia seguinte por ser muito próximo da data de entrega do trabalho. Deparamo-nos com um problema que teríamos de resolver rapidamente em grupo, uma vez que não conseguimos realizar novamente a entrevista, só nos restava a hipótese de transcrever a entrevista de acordo com as notas tiradas e com o recurso à nossa memória, foi assim que ficou acordado em grupo, pois voltarmos no dia seguinte para fazer a entrevista não era uma boa opção, dado ser o dia de entrega do trabalho final da unidade curricular.

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Guião de Entrevistas 1. Características socio demográficas: 1.1. Nome 1.2. Idade 1.3. Naturalidade 1.4. Profissão 1.5. Trajetória de vida 2. Relação com a vila 2.1. Há quantos anos reside na vila Berta 2.2. Como vê a vila 2.3. Se houvesse possibilidade de mudança, mudaria 2.4. Em 3 palavras descreva o que a vila significa para si 2.5. Que circunstâncias o faz viver aqui 2.6. Histórias mais antigas da vila (ter acesso a fotografias) 3. Relação com pessoas 3.1. Sente-se à vontade com os moradores (integração) 3.2. Considera os moradores seus amigos 3.3. Ocupação do tempo diário 3.4. Espaços de convívio (sociabilidade)Boas relações ente todos (conflito) 3.5. Conhecimento interpessoal 3.6. Relacionamento de Género 4. Identidade da vila 4.1. Participação nas festas populares 4.2. Importância das festas para a comunidade 4.3. Contribuição para a organização 4.4. Atividades Comunitárias 5. Relação com os não residentes 5.1. Aceitação/Rejeição

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Análise das Entrevistas

Tabela 1 - Grelha de análise de entrevistas Tema

Dimensões

Relação com a vila

Histórica

Afetiva

Espacial Cultural

Relação interpessoal

Identitária

Afetiva

Utilitária

Indicadores

Código de Cores

Histórias da vila Trajetória de vida Circunstâncias que o fizeram viver aqui Há quantos anos reside Como vê a vila O que significa para si Possibilidade de mudar Descrição da vila (3 palavras) Espaços de convívio Ocupação do tempo diário Participação nas festas populares Contribuição para a organização Importância das festas Divulgação e promoção da vila Considera os moradores amigos Conhecimento interpessoal Relação de género Confiança entre moradores Aceitação/rejeição dos não residentes e turistas Prestação de auxílio Solidariedade grupal

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Entrevista nº1 Cidalina Valente, 86 anos Nasceu na Freguesia das Mercês e morava lá, era modista mas neste momento encontra-se reformada e o pai era Guarda Republicano. Vivia com uma comadre que conhecia os Tojais e depois de casar foi viver para a Vila Berta.

Comentário [...1]: Relação com a Vila – Dimensão Histórica

Agora se calhar um bocadinho em relação à Vila, como é que vê a Vila em si? Dizem, e têm os estatutos todos, a Vila quem comprou ou quem encontrou, foi um senhor chamado Francisco Tojal, ouvi dizer que era pedreiro (não sei se é, se não) e veio pra'qui fazer escavações e não sei quê. O que eu sei é que isto já tem mais de 100 anos, e estava a pensar se tinha ali algum livro com coisas da vila, parece-me que não. Se tiver algumas fotografias mais antigas sobre a vila... Tinha, tinha mas eles levaram-me, e não mas trouxeram, mas têm de mas dar. Sim senhor, e então era assim, o senhor fez primeiro acho que aquele lado e há uma casa, uma divisão a mais que estas não têm, mas as escadas neste lado é tudo assim a direito e eles têm em caracol como este aqui do fundo onde está o senhor Jorge. Então o senhor comprou isto tudo e ele era pedreiro trouxe aqui muitos homens e fizeram as casas, eu parece-me que isto tem 140, eu lembro-me de fazer os 100 anos, mas agora já não me lembro à quanto tempo foi. Mas eu ainda vou dar ali uma volta, mas sabe vêm e pedem, levam. Então e o senhor começou a fazer as casas, e fez casas e há quem diga que foi para os operários, mas os filhos, e só mora ali um neto desse senhor Francisco Tojal o que fez a vila fez aquilo para ele morar, mas agora já está mais moderno, e o tal arco aqui esta casa também este prédio, também foi ele que fez, mas quem fez os azulejos não se sabe quem foi. E quem cá vem, estrangeiros e tudo e tiram [fotografias] aqui deste lado que é mais bonito, mas no outro dia vieram uns e disseram, eu estava a janela e estava a ver eles a fazerem aquilo, e eles disseram assim «'ah' e qual é a porta? é que nós temos aqui duas portas», ali naqueles pateozinhos piquenos, eles julgavam que se entrava por ali, e eu disse «não, não o acesso ao prédio é do lado de lá, da rua do sol»; «então a gente não pode entrar?»; «por ali podem, agora por aqui não tem acesso ao primeiro andar»; «'ah' então a gente vai tirar lá, embora não seja tão bonito» e é muito menos, não é? Mesmo os estrangeiros e tudo que vêm, ficam aqui horas a ver, porque aquilo de facto é pintado à mão, e aqui estes azulejos também dos prédios de um lado e de outro acho que são da mesma idade mas agora há um tempo para cá faltam muito porque descobriram, os rapazolas que andam de noite, descobriram isto e andam a tirar, e já tiraram muitos bocados.

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Comentário [...2]: Relação com a Vila – Dimensão Identitária

Então e dona Cidalina diga-me lá agora como é que vê a Vila em si, se acha que é um bom sitio para morar. Sim, olhe é muito comercial, não aqui, mas tudo o que a gente quiser para comer ou beber ou seja o que for aqui não há nada, nada, nada mas o que a gente quiser tem de ir ali a cima à Graça, um centro. (pausa) Onde é que a gente ia? Estava-lhe a perguntar se acha que a Vila é um bom sítio para morar… Ah, pois. É, é. Estava a dizer era preciso deslocar-se para ir buscar as coisas… É preciso subir isto tudo, porque até vêm ali pessoas da Leite Vasconcelos, porque aqui na Graça o comércio é, é tudo pegado, não sei se já repararam. Restaurantes são alguns quatro ou cinco, pastelarias também cinco ou seis, e casas de roupas e agora há mais por causa dos chineses. E acaba por ser fácil deslocar-se daqui porque se calhar está mais perto, é só subir um bocadinho da rua… É só subir isto e a gente… Nós por acaso até temos. Mas olhe que até vêm pessoas da Leite Vasconcelos. De Vilas mais longe para vir aqui à Graça Há autocarro que vem lá de baixo, de Santa Apolónia. Sabe onde é que é Santa Apolónia? É o 12 parece-me, é o 12 só se já mudou, que vem por ali mas as pessoas têm que sair, para ir à Graça, ou saem lá em Sapadores ou a maior parte saem ali ao cimo da Leite Vasconcelos e sobem isto porque ali ficam logo. Aquilo ali há tudo, restaurantes aos nove… Mas então, isto agora está mais ocupado, o comércio é com os chineses. (risos) Antigamente havia casas de outras coisas. Mas agora… eu não sei, mas o meu marido disse-me um sítio onde havia agora um chinês, que eu disse assim “o quê? Também aí um chinês?” “Sim.” Até há um chinês ao pé da farmácia, temos aqui três farmácias, desde ao pé da Igreja, depois há outra ali na travessa dos bombeiros, e depois há outra lá em cima, ao pé do Pingo Doce. O Pingo Doce era o cinema daqui da Graça, portanto não sei se já lá entraram, até tem o relógio ainda lá dentro. Diga-me só uma coisa, dona Cidalina se lhe oferecessem outra casa ou se ganhasse o Euromilhões que agora é tão falado, não é verdade? Iria mudar para outra Vila ou continuaria a viver nesta casa?

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Comentário [...3]: Relação com a Vila – Dimensão Afetiva

Não, não. Eu tenho uma casa numa aldeia a seguir a Abrantes, a dez quilómetros de Abrantes e, ainda ontem à noite eu disse ao meu marido, se um dia a gente quiser sair daqui e ir morar para lá, é que eu tenho uma casa enorme, tem oito divisões, tudo com janelas, mas… Eu não ia para lá, sabe porquê? Porque ali havia muita gente nova e depois vieram para Lisboa e os velhotes ficaram em Lisboa porque os filhos casaram, e depois à noite ‘tive mais o meu marido a contar as casas que ao pé de nós estão vazias, seis casas, tudo seguido, ‘tá a ver? Olhe, por exemplo eu disse p’ro meu marido assim “olha, se tu morreres eu vou para lá mais o João”, mas diga-me uma coisa, e depois o meu marido disse “então e eras capaz de ‘tar ali sozinha?” “ai, isso não era”. O meu pai era Guarda Republicano da Cavalaria do Carmo, mas eu não era capaz, o meu pai manejava armas, mas nunca me ensinou (risos) Não é como aquela história do rapazinho lá na América que a mãe ensinou-o a manejar as armas, mas o meu pai nunca me ensinou. O material que ele levava para casa, estava sempre com imenso cuidado, era pouco tempo, só quando ia almoçar e estava sempre com cuidado “não mexam na espada”, “olha que vocês cortam-se”. Porque a gente quando é miúdos gosta de ver aquelas coisas, não é? E o meu pai disse “olha, se vocês fizerem assim”, porque a gente fazia assim e aquilo saía a bainha onde a espada é metida e depois podíamos cortar, aquilo tem dois gumes muito afiados e atão ele dizia “se vocês mexerem ali, cortam-se”, de maneira que não sei manejar armas. Mas aquilo ali agora até é porta sim, porta não, é chineses e vieram chineses só com fatos mas agora já há com frutas e com hortaliças. É que as pessoas que têm as suas lojas estão muito aborrecidas é que eles vendem muitíssimo barato. Dona Cidalina, diga-me o que é que a faz gostar tanto de viver aqui na Vila? Ah, a gente vive mas cumprimenta os mais antigos, agora há muita gente nova, gente que comprou casas, compraram as casas. Dois Tojais do princípio, do que fundou isto, um foi para ali, outro foi para acolá, para o estrangeiro, até já morreram com certeza e venderam as casas, de maneira que há aqui muita gente que já não é desses tempos antigos e depois não há… Por exemplo, a gente vem à janela e não vê ninguém, entretanto, no mês passado, duas pessoas foram assaltadas. Mesmo já aqui na Vila? Ah, já tem havido muitos. Mas às casas não. Mas é mesmo na rua então? Sim, mesmo na rua. Por acaso uma, eu até conheço a senhora, ela mora ali na Travessa da Pereira e depois estavam a contar ali e depois eu disse assim “mas eu não conheço” e uma senhora que mora lá, disse “é minha vizinha, mora do meu lado, na Travessa da Pereira”. Ia a passar e ela trazia uma pulseira boa atrás mas trazia uma falsa à frente e levaram-lhe as duas. Julgavam que eram as duas. (risos) Outra também foi, não sei o quê, um fio ou o que é que foi, mas essa foi um por trás e o outro pela frente, xiii

Comentário [...4]: Relação Interpessoal – Dimensão Afetiva

agarraram a senhora… esta foi às quatro horas da tarde e eles vinham fazer uma visita aqui a um senhor aqui na Vila, era o dono do prédio todo, era Capitão de Abril. Disse que as pessoas mais antigas aqui na Vila a cumprimentavam, é por isso que gosta de aqui estar? Por exemplo, quando se vêm na rua ou por acaso se vêm da janela “olá, como está? Passou bem?”. Mas ir a casa uns dos outros, não vão? Comentário [...5]: Relação com a Vila – Dimensão Espacial/Ocupacional

Ah não, ninguém vai, não. Mas conhecem-se todos porque se calhar passam à janela… Os que cá moram há muito tempo. É que agora há muitas casas que já foram alugadas e vendidas, como eu lhe digo. Há aqui professores de música, que alugaram a casa. É este prédio aqui que ainda é… mora lá a neta de um dos primeiros, ahm, era neta do que senhor que… bisneta do senhor que fundou isto e tem um andar que a mãe lhe deu. Então assim, dá-se melhor com as pessoas que já cá vivem há mais tempo do que com os mais novos? Não, eu com quem me dou mais é com uma senhora que mora ali em frente, que teve aqui há anos uma paralisia facial, é da idade do meu marido, mais ou menos e como eles antigamente eram mais… eram mais chegados, percebe? E depois os rapazes iam para a rua brincar e conheciam-se todos, aquele que mora ali, aquele mora ali. Eles gostavam-se, gostavam uns dos outros e faziam. Agora não. Agora não há nada dessas coisas? Não, não. Agora é cada um… Porque isto foi vendido, a maior parte, e as pessoas nem se conhecem e de maneira que não, não há. Houve quem comprasse por fração e houve quem comprasse o prédio todo. Este é que não é porque o senhorio… Aqui em cima mora um engenheiro da Companhia das Águas, já se reformou e pediram-lhe a ele trezentos e cinquenta contos, mas já foi há tempo, ainda foi no tempo dos contos. Aqui pediram dezassete e ali ao lado, que era a minha sogra, a mesma coisa e do outro lado no primeiro andar também pediram a uma senhora vinte e tal… Duzentos e cinquenta contos. Também estava cá há mais tempo e era conforme a antiguidade e ninguém comprou. Mas houve aí… depois fizeram obras e houve aí quem comprasse, de maneira que há aqui muita gente de fora. Aqui, não é o prédio desta senhora da Áurea, é um outro, é um filho e o outro é que é um dos Capitães de Abril.

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Então assim, visto que não vão à casa uns dos outros… mas considera os moradores seus amigos? Ah sim! Mas digo-lhe uma coisa, às vezes as pessoas dizem assim “ah, mora numa vila; ah, mora numa vila” mas isto é uma vila como seja uma avenida porque a gente é raro parar e um a conversar com outro é muito raro. Às vezes a gente conhece não é, eu às vezes vou à janela e “ai, dona Cidalina, olhe então como é que está” e tal, vem outro e tal, ou assim, cumprimentamo-nos, somos amigos quando é preciso. Se é preciso chamar um INEM e que um por qualquer motivo não pode chamar ou assim, e se sai um INEM daqui a gente “ai, quem é que foi?” “foi fulano”, a gente mais ou menos sabe. Por exemplo um senhor, o tal senhor Jorge aqui há uns meses, ainda não há um ano, há uns meses caiu de um escadote abaixo e também estava a pôr um reposteiro lá da casa dele e caiu. E… “ai, quem é?” “É o Jorge, é o Jorge”, ele já mora aqui há muitos anos e eu disse assim “então mas como é que ele caiu?” e veio o INEM e depois, pronto. E nessa circunstância acabou por ir lá a casa do senhor Jorge, mesmo para o visitar? Não, não, não, não. Ele veio à tarde para casa e depois o meu filho vinha dali e disse assim “olha, o Jorge já cá está” e eu disse “ai já?” “Já”. É que a filha dele andou com o meu filho no preparatório e disse “ai já, acho que estava magoado mas não tinha nada partido”. Pronto, eu um dia ou dois depois vi-o e perguntei “oh, senhor como é que está?” “’Tou, ‘tou bem”, pronto. Ele sai, eu vou à janela ou ‘tou a sair, ele diz “Bom dia! Como está, passou bem?” Com as pessoas mais antigas, agora as mais modernas a gente muitos já não os conhecemos. É que então aqui nas caves mora muita gente, mas é tudo moderno, só há um casal de idosos mas que ele vem à rua muita vez e agora aqui ao lado foi alugado, diz que é jornalista, que morava ali em baixo nas caves e depois soube que este andar estava vago… são quatrocentos euros, ahm… ele em escudos são noventa… olhe, parece que são quatrocentos e cinquenta euros. Mas por exemplo, quando precisa de ir ao cabeleireiro, vai sozinha ou pede a alguém para ir consigo? Sim vou lá acima. Desde que parti a perna ou vou com o meu marido, agora não tenho ido com o meu marido, é porque eu tenho medo que ele me deixe cair (risos) e vou com uma senhora amiga que mora fora daqui da vila, mora ali na Rua das Beatas. Porque é assim, a gente conhece-se uns aos outros, até a bem dizer, não é só a vila é todos os arredores. Por exemplo, eu faço as compras, vêm trazer a casa… porque o Pingo Doce vem trazer a casa mas a gente tem que fazer uma certa despesa naquele dia, não é, e a gente nem sempre precisa das mesmas coisas e eu já gasto daquele senhor há trinta anos. É aqui na Travessa em frente, não é, a gente sai aqui a Rua do Sol, atravessamos as linhas do elétrico e depois está uma casa que é um pronto-a-

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Comentário [...6]: Relação Interpessoal – Dimensão Utilitária

vestir, que é a Saga, e depois aí há duas mercearias, não é a primeira, é a segunda e que tem tudo como seja um… um… é um supermercado. Dona Cidalina, diga-me só uma coisa, como é que ocupa o seu tempo livre? Agora se calhar está reformada, não é, agora passa muito tempo em casa. Pois mas não tenho tempos livres. Não tem tempos livres? Quer-nos explicar isso um bocadinho? Tenho dois homens em casa, agora por acaso estava a ver se era o homem da máquina porque se me avariou a máquina e… ‘tava à espera dele. Tenho o meu marido e o meu filho. Olhe, limpo o pó, às vezes passa assim mais um tempo, vem uma pessoa, todos os meses, todos as semanas, ‘inda à bocado eu estava à espera dela e ela ‘tá empregada nesse lar, ali da Vitória e ela ao dia da folga, se pode vir ela vem. Pronto então são as lidas da casa. Mas sem ser as lidas da casa e as idas ao cabeleireiro que já percebemos que gosta muito… (risos) Ai, o que é que ela quer dizer com isto? É passear? Exato, se vai passear, se vai ao café com as amigas… Sabe, os cafés e o talho e tudo estão todos zangados comigo. “A dona Cidalina vem ao cabeleireiro e não vem aqui?” “Ai, disseram-me que a dona Cidalina tinha vindo ao cabeleireiro mas não veio cá”. E eu no outro dia disse para essa minha amiga, que ela era enfermeira em São José e ela já se reformou, e eu disse-lhe “olha, levas-me ao cabeleireiro?” “Levo” porque ela conhece-me, tem força, foi enfermeira e ela sabe, tem força. E… então ela levou-me ao cabeleireiro. Viemos por aí fora, é em frente quase do Pingo Doce, viemos por aí fora, atravessámos, fomos à pastelaria onde eu ia sempre mais e ah… foi tudo, tudo uma grande festa “Ah, a dona Cidalina já pode vir sozinha”, ao lado há um talho e eu quando quero coisas do talho digo ao meu marido e o meu marido diz logo “a…. ” (barulhos na rua; pausa) Naturalmente é ali os filhos, não viu as janelas enfeitadas? Aqui moram uns bisnetos ou trinetos do que fundou a vila. Já agora que está a falar sobre isso, nós hoje reparámos que estão ali umas fitas… É, são eles. Mas é de alguma festa em especial? Alguma comemoração? Não. Aquele prédio foi vagando e o pai comprou o prédio, é que em herança, o avô é que recebeu em herança aquele prédio e depois, os rapazes… ahm… eles não xvi

chegaram a tirar o curso de arquitetos, agora eles como são novos e meteu-se na cabeça e fizeram muito bem porque o primeiro senhor que fez a vila até trazia cá a marcha da Graça e… e depois dava cem escudos para a marcha toda. Já que está a falar sobre as marchas e isso, como é que é o tempo dos santos… Santos António, São Pedro, São João… fazem mesmo uma festa aqui nesta parte da vila ou não? Nunca faziam, agora há dois anos é que estes rapazes que são novos, bisnetos de quem a fundou, do senhor Joaquim Tojal, é que o pai deu-lhes estes dois rés-doschões, um a cada um e deu à filha dois… o primeiro e o segundo andar do tal prédio bonito. E então eles é que começaram a fazer as festas porque já o bisavô deles mandava cá vir sempre a marcha e dava naquela altura cem escudos à marcha e elas ficavam radiantes. Mas uma vez houve uma zaragata, elas umas com as outras e acho que se engalfinharam (risos) e depois um brinco de uma desapareceu. Ela chorou muito, coitada, e não podia pagar e tal e então o senhor Tojal deu-lhe “Toma lá cem escudos e compra uns brincos”. E agora são estes novos, ai mas se vissem, isto aqui no dia de Santo António agora há dois ou três anos, ai tem sido… (pausa) Então conte-me lá como é que é no Santo António. Como é que está a rua? Ai, linda! Conforme está ali enfeitam a rua toda, toda e com luzes todas e tem música. Então nessa altura as pessoas vão mesmo para a rua e convivem todos? Não, a maior parte não são daqui, até vêm de Alfama e mais longe. Porque os daqui da vila não vão para a rua, vêm em casa. Porque os daqui vêm pela janela (risos) É só os da rua, os das outras ruas é que veem. Mas olhe, este ano foi tanta gente que nem se podia romper. As pessoas na rua nem se podiam e algumas que a gente conhece, dali por exemplo da Travessa da Pereira a gente disse “olhe quer um banquinho?” até às vezes há uma senhora que mora ali e que eu encontro sempre nas compras e perguntei-lhe “oh, dona Fernanda, quer um banquinho?” “ai, eu já vim para a janela da Dona Cidalina que é para me emprestar um banquinho” (risos), vem outra “ai, eu já vim para ao pé da…” dali, desta senhora a Áurea, pedem, às vezes elas pedem uns banquinhos para se sentarem e ficam ali a ver até às cinco e seis da manhã. Mas isso é que é muito aborrecido, é cá um banzé. (risos) Porque aqui a rua é muito estreita e eles põem mesmo aqui. Porque estes dois quintais, estes jardinzinhos é que são deles.

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Comentário [...7]: Relação com a Vila – Dimensão Cultural

Então mas é só mesmo eles que organizam ou os moradores também ajudam? Não, é só eles lá com os rapazes amigos da Universidade e daqui e dali. Mas acha importantes essas festas? Ah, e então, então vendem sardinhas assadas, vendem bifanas, chouriços assados, vendem tudo, bebidas e tudo. Mas só acontecem mesmo no Santo António? É só o Santo António. Ai, não, não, este ano já foi Santo António e foi São João, me parece. As pessoas já pediam para não fazerem mais, fossem-se embora pregar para outra freguesia, embora eles sejam daqui (risos). Mas faz muito barulho, é que sabe que a rua é muito estreita e nós então aqui sofremos… este senhor cá de cima já está reformado, era engenheiro da Companhia das Águas mas já está reformado e a maior parte das vezes tem uma casa na Ericeira e ele este ano fez assim: a mulher pediu para ficar, a segunda mulher é mais nova e ele ficou, ficou a noite, ao outro dia de manhã, às sete da manhã “Levanta-te, vamos embora para a Ericeira” (risos) “Que não fico agora aqui com isto à janela”, de facto é que, olhe, faz um barulho, ai é. E vêm mesmo alguns fadistas, isso cantam ao microfone. Então mas a Dona Cidalina gosta de ver… Gosto, a gente fecha tudo e não há maneira, não. E aqui ao lado mora uma senhora que tem aquela papelaria ao lado do Banif, ainda não viram? Ali no largo da Graça, é a Havanesa Bandeira, uma casa muito bonita, de todas as coisas, a senhora mora aqui ao lado e ela às vezes batia-me aqui na parede e dizia-me “ai, dona Cidalina a gente não pode com isso” (risos) Dona Cidalina diga-me só uma coisa, as relações entre… é mais fácil as relações entre as senhoras umas com as outras ou a relação das senhoras com os senhores, os senhores com os senhores… É mais, agora, agora nesta época, quer dizer, neste tempo só as senhoras com as senhoras mas não andamos na casa umas das outras. Mas também as senhoras falam com os senhores? Falam. E assim outra pessoa qualquer, por exemplo o meu marido agora ‘ta ali à janela se passar um homem ou uma mulher que ele conheça, fala e elas falam também. Por exemplo, o meu marido traz… o meu marido foi funcionário público, foi do Ministério da Agricultura, mas só estão aqui uns dois, ele e mais um ou dois senhores que estiveram no Ministério, não na secção dele mas noutras secções e ele às vezes encontra e fala. Mas mora ali alguns e… até senhoras, mora já cá uma senhora de idade, mora ali, já quase há quarenta anos, parece-me que a senhora morava ali e ela xviii

dizia-me, e então, por exemplo, o meu marido traz dois sacos de compras e ela diz “oh senhor José, tem que me dar um saco que eu levo”, ele diz logo “não quero porque eu posso bem” “ai mas quero eu” e levam. Só assim, amizades, só assim. Nunca entrei na casa dela nem ela na minha, mas a dela é igual à minha, nos rés-dos-chões são todos iguais, só daquele lado é que tem mais uma dependência. Ah e tem quintais para trás que dá para a vila, aqueles tais casas dos chineses e aquele café, as traseiras destas casas dão para estas traseiras. Dona Cidalina… já percebi que veem muitos estrangeiros cá… mas os mais novos… que chegaram há menos tempo cá, e até mesmo as pessoas que veem visitar a vila, como é que você vê essas pessoas? Ai… quando há assim alguém que lhes dê um bocadinho de conversa assim como eu… (risos), ficam aí, ouvem e gostam. Mas há muitas pessoas que dizem assim: “ Não, não, não, olha não sei, moro cá há um ano ou dois anos”. Mas recebe sempre bem com toda gente? Ah sim. Nunca ninguém se queixou… Nada, nada, nada… é só… “Bom dia, como está?” “Passou bem? Então esta melhor?”, “ O que é que lhe aconteceu? Foi chamado o INEM para a senhora?” ou assim, são assim que são as coisas, e depois, às vezes…Fui à minha terra…e depois eu perguntei “ Onde é que a Dona Maria de Lurdes anda?” E já a conheci há tantos anos… há uns trinta e tal… e ela disse: “ Sou do Alentejo, sou de Ponte Sor”, onde eu ia tantas vezes à feira, quando estava lá em Abrantes (risos). Há la um lar não há? Há sim senhora… Essa senhora do lar, é que me vinha cá visitar, era uma senhora que morava ali em cima, e até fui também numa excursão, a Fátima – daqui da freguesia – e a senhora também foi, e ela fala-me muita vez “Então senhora Cidalina?”, depois no outro dia disse assim “ A senhora, nunca mais a vi”, e ela disse “ Olhe fui la para o Algarve, para minha terra, para Ponte Sor, é muito bom!” E esta senhora, que eu estou agora a falar, Dona Maria do Rosário, é… é de lá também, ela vai la muitas vezes á terra, até mora lá um irmão e ela vai la todas as semanas… mas a senhora enviuvou, mas é muito boa senhora! Mora neste lado no primeiro andar – Maria do Rosário – é assim uma miudinha muito mexida (risos), é da minha idade mas é uma menina muito mexida, tenho impressão que qualquer dia o meu marido arranja namoro com ela! (risos)

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Ela assim que o encontra, tira-lhe os sacos e mete-me aqui a porta “ Oh dona Cidalina, o Sr. José é tão teimoso!”, e eu assim “ Ai é?”, “sim ele vinha-me com isto e eu olhe, tirei-lhe!”(risos) - é de Ponte Sor. Dona Cidalina, diga-me uma coisa, na relação que tem com as pessoas, de “bom dia”, “boa tarde”, costuma haver conflitos na vila? Não…Nunca há! E ali na Pereira também não… Não há conflitos? Não, não… não há. Dão-se todos bem então? Eu vou-lhe contar isto… Uma senhora, já tem a filha casada e tudo, mas quando veio para ali morar… morava ali ao pé do Castelo, mas depois veio aqui morar para a travessa da Pereira… a miúda uma vez tinha aí sete ou oito anos e disse assim para a mãe “ Oh mãe eu não gosto de morar aqui” – esta senhora chama-se Leonor – e disse assim” Não gostas de morar aqui porque?”, “ Eu gostava mais quando estávamos no Castelo”, “Então não queres morar aqui porque?”, “Aqui nunca há zaragatas!”(risos). É muito mais calmo… É … aqui é tudo muito calmo, não há nada, “Bom dia”, “Boa tarde”, “ Como esta? Passou bem?”, “ Muito bem, muito obrigado!” Conflitos, discussões, não há nada… Não… encontramo-nos nas lojas que são as mesmas, não é? Ali na Graça… Então esta rua da Graça, é a rua onde há tudo não é? Então pastelaria e restaurantes, é o que há mais, e… e pronto, agente encontra-se “ Como esta? Passou bem?”. Eu disse assim aqui á tempos a uma: “Olhe que a senhora não passa por aqui! A Dona Fernanda não pode passar por aqui!”, “Porque?”, “Porque a vila não é de passagem!”, “ Ah isso é que é, passam carros de um lado para o outro”, e… e ela disse assim…” Ah isso tenha paciência mas eu tenho que passar por aqui”… ~ Dona Cidalina, para nós podermos terminar a nossa entrevista, pode-nos descrever a vila em três palavras? Em três palavras? Sim, pode ser mais se quiser, mas o essencial é três palavras… Então, a vila é: bonita, limpa e comunicativa, pronto.

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Agente comunica, mas é como eu já lhe expliquei… esta senhora, a Dona Áurea, se não me vê – também mora cá – há mais de 60 anos, a senhora quando passa, bate-me á janela… Eu já percebi que a vossa comunicação é mais há janela… Eu ia à rua muito… mas agora fiquei com medo…e ela disse “Oh Dona Cidalina no outro dia perguntei por si”, deve ‘tar a pensar que agora ando aqui a partir pernas a torto e a direito! Olhe, Dona Cidalina, ajudou-nos bastante, obrigada pela disponibilidade!

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Entrevista nº2 Estevão Tojal, 52 anos, nasceu na casa que foi construída pelo seu bisavô, Francisco Tojal. Atualmente é arquiteto e a casa em questão foi remodelada e continua a ser um espaço para a habitação da família “Tojal” bem como para escritório e atelier de arquitetura. O que é que a vila simboliza para si? Contrariando o que é historicamente referido, a Vila Berta não surgiu como bairro operário, mas sim como um bairro com o objetivo de albergar, a troco de uma renda, os trabalhadores agrícolas dos pomares circundantes. Pois esta era uma zona conhecida pelas frutas e vegetais de qualidade, que a terra produzia. A vila foi construída por volta de 1900, sendo que a primeira casa a ser construída foi a de família, de modo a que o encarregado tivesse controlo sob o trabalho que era realizado no seu terreno. As restantes habitações, foram sendo construídas gradualmente, à medida que as necessidades habitacionais aumentaram. Muitas das casas foram vendidas ou herdadas pelos familiares dos primeiros habitantes, por esse motivo o valor das rendas manteve-se inalterado, sendo este relativamente baixo. Todas as habitações sofreram alterações substanciais nos interiores feitas por parte dos proprietários, de modo a que fosse possível terem melhor qualidade de vida. Estas alterações prenderam-se essencialmente com o saneamento básico e água corrente. Contudo, no que respeita à parte estrutural e externa, as casas permaneceram com as características de origem, uma vez que a vila foi considerada património protegido por volta do ano de 1980. Por isso perguntamos a Estevão se nos poderia fornecer algumas fotografias que nos dessem um maior entendimento daquilo que era o espaço na época da fundação. O “Sr. Arquiteto” respondeu-nos: “Se colocarem uma fotografia atual a preto e branco, conseguirão ter uma perspetiva geral daquilo que era a Vila Berta, pois aquilo que é hoje, é o que sempre foi”. A vila foi considerada como rua, deixando de ser privada, e tornando-se desnecessária a utilização de portões a demarcar os limites do espaço. A morte do guarda encarregue pela segurança (e jardinagem), veio também modificar de alguma forma aquilo que eram as principais características do espaço enquanto privado, pois ao não serem feitas novas contratações, o local deixou de ser vigiado.

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Se houvesse possibilidade de mudar de habitação mudaria? Ao fazermos esta questão o entrevistado, este respondeu-nos negativamente, salientando ainda que a vila tinha tudo aquilo que era essencial: a boa localização, a pacificidade, a beleza estética, para além de ter um grande simbolismo associado, uma vez que, aquela sempre foi a residência de família. Sente-se à vontade com os moradores? Acha que estes são seus amigos? Ao responder a esta pergunta, Estevão, disse-nos que se sentia à vontade com a presença dos restantes moradores, porem que não os considerava seus amigos, mas sim conhecidos, dado que as relações entre eles não eram íntimas nem de grande proximidade, sendo as conversas bastante fugazes. Salientou ainda que os indivíduos nos quais tinha maior confiança eram familiares. Estes também residem na rua e esta confiança permite que se sintam confortáveis para frequentar a casa uns dos outros. Quanto à participação nas festas populares/ Em relação à importância das festas para o comunidade. Relativamente à participação nas festas populares, o entrevistado deixou assente que a sua participação não era muito assídua, e que quem se encarregava da organização do evento eram os seus filhos. Apesar desta aparente distanciação, Estevão considera que as festas populares são importantes para a dinamização e promoção da vila a nível turístico, ajudou também no reforço da identidade enquanto residentes. A primeira vez que as festas foram realizadas foi no ano de 1910, e só cem anos depois, precisamente como modo de comemoração dos cem anos da existência das mesmas, a rua deu novamente lugar ao evento, durante uma noite. No ano seguinte voltaram a ser organizadas, mas devido à grande procura e curiosidade a nível turístico, prolongou-se por mais uma noite que no ano anterior. Descreva-me a vila em três palavras. Face a este pedido, o entrevistado, resumiu a vila Berta nas seguintes palavras: Tranquilidade, conforto e qualidade de vida.

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Entrevista nº3 Fernando Marta, 76 anos Só para isto ficar gravado pode-me dizer o seu nome completo e a sua idade? Olha, o meu nome completo é Fernando Marta. E a sua idade? Ahn? Idade? Tenho 76, já feitos. E a profissão? Profissão? Sou reformado das Forças Armadas. E a respeito da Vila? Há quantos anos é que cá reside? Eu resido aqui há 44 anos. Hum... E o que é que a Vila simboliza para si? Ah, ouvi dizer que era aqui, como é… o lugar mais… tá a ver, mais… para morar é aqui. Devido ao silêncio e as árvores e tudo. Está aqui uma árvore que já fui eu que plantei, já a cortei, aparei várias vezes e é assim. É que agora tenho as condições todas de morar mas quando para aqui vim havia só um lavatório ligado a um balde e uma sanita. Eu fiz as casas de banho e tudo o resto. Foi fazendo melhorias? Pois, fui fazendo melhorias para ter todas agora as condições atuais. E… Só gosta de viver aqui por ser calmo ou também pela relação entre as pessoas? Não (acentuação do tom da voz). Eu tenho uma casa em Trás-os-Montes, outra na Beira Alta e só vou lá e… ‘tou aqui, aqui é a minha morada permanente. É a minha morada fiscal é aqui. E… Se houvesse possibilidade de mudar de casa? Ahm… Quando tiver, quando tiver, é como eu digo. Aqui é dos sítios mais, mais, que dá para viver aqui dentro de Lisboa, também é considerada a melhor Vila de Lisboa, é a Vila Berta. Então e por exemplo, se lhe saísse um prémio grande do Euromilhões? Não. Como eu lhe digo, já corri o Mundo todo, estás a ver? (risos) Aqui para morar é possivelmente o melhor. É calmo porque não há vias principais, não há nada. E depois

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outra coisa, aqui perto temos tudo, desde banco, caixas de multibanco, supermercado, aqui é o sítio melhor. É o sítio ideal para viver. Não. É o sítio para viver, é isso. É verdade. Pronto e já ‘tá. Como eu disse foi melhorando, não muito, mas isto era particular, tinha uns portões, também tinha uns portões aqui, outros ali, havia aqui um encarregado, ainda o conheci, lá vindo lá dos Tojais, que eram os donos disto. Pronto vá, vocês agora não vão procurar quem andou a pôr o paralelo. (risos) E sente-se à vontade com os restantes moradores? Sinto. Isso foi uma coisa que me adaptei a todos. Tenho a minha vida e eles têm a deles. Um tipo não se deve, em lado nenhum, preocupar com os outros. Primeiro com a nossa e depois então podemos dizer alguma coisa, ao vizinho. Mas outros não, primeiro têm com o vizinho e depois então é que tem eles, ‘ta a ver? Isto é a vida. Mas estabelece assim alguma relação? Tenho, tenho. Pois, tenho relações aqui com todos os vizinhos. Alguns já foram embora, uns mudaram, foram prá última viagem. Mas continuou a manter contacto com esses que foram embora? Não, então alguns já partiram só com o bilhete de ida. (risos) Vocês também. (risos) Ai, é assim. Diga-me só mais uma coisa, sempre viveu aqui? Não, então eu estou a dizer que vim para aqui depois que casei. Sou natural, nasci e fui criado em Trás-os-Montes, na zona de Vila Real, Trás-os-Montes, na província de Trásos-Montes. É verdade. E como é que soube aqui da existência da Vila? Olha, porque conheci a companheira que ainda tenho hoje e depois vim morar prá’qui. Mas ela morava cá então? Já cá morava, já cá morava com uns tios, já... Então depois a casa passou para si. A minha vida nas Forças Armadas foi no mar, portanto andei… e depois de casar também continuei ainda a vida coisa, depois quando passei à reforma é que vim para aqui, está bem?

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Voltando só à relação que disse que tinha com os moradores, com os vizinhos… Quer dizer, há uma coisa que nunca me indispus com nenhum. Não considera nenhum seu amigo… Não, considero. Todos me consideram e eu considero-os a todos. Mas costumam ir a casa uns dos outros? Não. Hum… não. Isso aí não vejo nada. É só mesmo quando passam na rua, falam normal… Não, bom dia, boa tarde. Já me conhecem à quarenta e tal anos, mas pronto. É assim. E como é que ocupa o seu tempo diário? Olha, sempre, sempre a mexer. Levanto-me às sete e deito-me às onze e ando sempre. Mas quais são as atividades? As atividades?! Olha, é ver o que se passa (risos) É ocupar o tempo… Vamos lá ver, ainda agora com esta idade tenho uns olivais na Beira Alta e vou p’ra lá. Subo nas oliveiras e ando. ‘Inda agora lá fui aí uns cinco dias pelo Natal, fui lá passar lá acima a Trás-os-Montes e quarta-feira vim por aí abaixo, novamente. (Silêncio) (risos) Hum….Desligue, Desligar o gravador e hum… já chega. Frequenta algum espaço, algum café… Ah, isso tenho aqui. ‘Tá aqui até o clube, o “Sargento da Armada”, aqui nas escolas gerais. Vou lá todos os dias, leio o jornal, bebo o café… E há mais moradores daqui da Vila Berta que frequentam esse espaço? Não, daqui agora não há nenhum. Daqui da Vila… porque não são sócios, não é? Mas mesmo aqui da Vila não vai lá mais ninguém sem ser o senhor? É, daqui da Vila sou só eu.

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E relaciona-se melhor com as mulheres que residem na vila na Vila ou com os homens? Oh… isso quando um tipo anda direito elas vêm-no em todo o lado, ‘tá a compreender? (risos) Pois é, vocês agora boas raparigas e ali o atleta (risos). Só mais uma questão, já percebemos que aqui quando são os Santos Populares e existem aqui festas… Ah! Ultimamente tem havido, tem havido. Foi aqui, tira-se os carros e ‘tá aqui até às duas da manhã, até de madrugada… Então e como é que vê isso? Gosta? Normal. É para se divertir, quando era no meu tempo também andava e agora ainda, felizmente, ainda vai andando. Mas ajuda de alguma forma a organizar a festa? Não. Isso é lá aqui ainda descendentes, filhos, netos organizam e eu depois ajudo. Vocês só vêm mesmo participar. Não, vejo quando passo então eu não interrompi nada. Mas vem mesmo para a rua ou fica da janela a ver? Não. Agora fico a ver. Olha uma coisa é que eu como para viver não vivo para comer, ‘tá a ver? Isso uma pessoa pela vida fora tem muito que se lhe diga. E… Acha importante a existência dessas festas aqui para a divulgação da Vila? Tem… para recordar aqui, noutros tempos todos éramos… todo aqui este bairro aqui da Graça, Alfama… Porque vêm outras pessoas dos outros bairros, não é? Oh… vêm, vêm todos aqui das lojas… E há muitos conflitos? Oh, pois os conflitos não é com as pessoas é com aquilo que eles passam para baixo, com o vinho, (risos) vocês não sabem disso? Vocês aí agora nas discotecas com a vossa idade, nada, não há nada. Mas quando se vai quentes, há conflito. Mas tirando as festas populares nunca costumas haver conflitos ou existem? Não, não. Não é zona de conflitos aqui. Isto não é como naqueles bairros complicados que andam sempre… Aqui é muito sossegado, por acaso é sossegado. É mais xxvii

sossegado aqui que na província. Agora também vai estando mais sossegado mas noutro tempo era mais. E diga-me só mais uma coisa, então e as pessoas que passam aqui só de passagem ou que vêm visitar a Vila… como é que vê essas pessoas? Não, essas pessoas vêm aqui. Os turistas vêm aqui é um lugar em que eles andam aqui. ‘Inda foi no ano passado ou este ano, eu no outro dia cheguei aqui, fui passar um mês lá para o Norte, cheguei aqui, essa árvore estava toda florida, agora é que está sem flor, e era sempre a tirar fotografias, os próprios turistas. Mas aceita bem as pessoas que vêm visitar e gosta? Atão aceito! Atão não gosto! Atão chego aqui todos os dias vê-se aí passeios guiados e tudo, aqui das romarias aqui da Graça. E tem alguma história que nos possa contar em relação à… Olha isso aí não vou agora ‘tar a contar uma história como agora aquele lá candidato da ONU, aquele burlão, sabe (risos). Não vou agora falar lá daquilo que não estou dentro, só falo daquilo que sei. Sim, mas há alguma história que você tenha aqui passado aqui na vila e que se lembre? Não, não, não, não, não… Não tem assim nenhuma em especial? Não, não, não….Não tenho nada, disso não tenho nada. (risos) Pois é assim vá. Pronto, então só para terminar gostava que me dissesse três palavras que descrevessem para si a Vila. Não, a Vila foi aí dos lugares mais sossegados, quando um tipo andava aí nas coisas agitadas e é o lugar realmente ideal. E aqui é um lugar… Então é o sossego, não é? Mas também para se laurear, um tipo tem que trabalhar para isso e arranjei-me. Ora bem! Eu ‘tou aqui, no andar há quarenta e tal anos e nunca lá fizeram obras, fui eu que as fui fazendo, eu mais por aqui, uns vêm, outros saem, saíram muitos para fora e estão agora aqui a morar.

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Pronto, então é só mesmo o sossego que é o ideal para si. Não, então aqui é o ideal. Oh, ainda agora eles vêm-me cá, por exemplo, trazer o gás e eu mal o vi, “olha vou buscar”, saí, fui lá acima e já estou agora cá. Pronto, olhe então muito obrigada pela disponibilidade! De nada!

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Entrevista nº4 Isilda Martins, 68 anos Só para ficar registado acha que me poderia dizer o seu nome? Isilda Martins. E a sua idade? 68. Qual é a sua profissão? Era… recepcionista. Há quantos anos é que reside na Vila Berta? Há 40. Qual é o valor simbólico que a Vila tem para si? É assim, é um valor muito caloroso, porque damo-nos todos muito bem, todos nós quase que nos conhecemos, é muito bom porque, pronto, os vizinhos … dá-se tudo muito bem, é uma coisa muito particular, é um bairro bonito, gostamos muito da vila, porque é um património cultural, é … e é bom, é tudo muito sossegado… e gostamos, eu gosto muito. Sempre residiu aqui? Não, já residi num bairro, no Bairro da Mouraria, no Largo das Olarias, perto da Mouraria. Quais e que foram as circunstancias que a levaram a morar aqui? Tinha uma casa muito pequenina e vim para aqui, para uma casa maior. Mas tinha cá familiares… ? Não, não. Não tinha cá ninguém. Mas então o que é que a fez escolher a Vila Berta? Tinha lá uns senhores que eram conhecidos e eles disseram que tinham cá uma casa para alugar e eu mudei. Que era lá em cima, não era aqui, era naquela lá em cima, e eu vim viver para a casa… porque eu gostei, depois comprei. Então e que sitio é que prefere? Prefiro aqui agora esta mais pequenina, porque o meu filho entretanto casou e pronto… a casa chega muito bem, porque aquela era muito grande … E em comparação com o Bairro da Mouraria? É assim, eu quando lá estava gostava muito, porque eu vim quando era novinha e gostava muito de lá, mas agora…

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Então quer dizer que não é de Lisboa, certo? Não, eu sou de Castelo Branco. Se houvesse possibilidade de mudar de residência mudaria? Por meu gosto ficava na Graça, embora saísse daqui…pronto… para estar mais perto dos transportes, embora aqui seja muito fácil, mas para melhor acesso… quando for para velha… se for…já sou não é?(risos) Mas… iria mas ficava na Graça, porque gosto muito da Graça. É muito comercial, é muito bonito, eu gosto…e temos aqui de tudo, desde cafés que é quase “porta sim, porta sim”(risos)… farmácias; restaurantes; pingo doce… tudo! Temos tudo, estamos muito bem servidos de tudo. Qual é a sua relação propriamente com os moradores? É muito boa, é muito boa. Mas considera-os seus amigos? Meus amigos, não tenho inimigos! Não há sequer conflitos? Com ninguém, com ninguém…nada, nada… eu considero-os todos como meus amigos. Mas costuma frequentar a casa de alguém? Não, não… tenho aqui a minha madrinha e sou isso capaz de lá ir a casa… mora aqui a minha madrinha…de resto não, cada um na sua casa e… E se precisarem de alguma coisa? Estamos sempre ao dispor uns dos outros… Por exemplo, se quiser descolar-se para algum sitio… um supermercado… vai sempre sozinha, ou vai acompanhada por alguém? Temos também aqui a junta da Graça que tem um convívio de tarde, a 'gente' pode ir ate lá… vou muitas vezes ao Pingo Doce (risos), dar a volta, porque também não tenho muito que fazer, e pronto… vou beber o café… Mas as pessoas são aqui da Vila? Não, daqui só se for uma senhora que mora aqui também que vai comigo ou assim, aqui esta menina do rés-do-chão… às vezes… se estiver, se não estiver a trabalhar vai comigo… vamos tomar o pequeno almoço e vamos almoçar, mas pronto… é assim, de vez em quando… está tudo a trabalhar, os velhotes é que estão mais tempo em casa. Mas damo-nos muito bem todos. E em relação as festas populares… -Ah isso é muito bonito! Venham cá um dia! Venham cá pelo Santo António que é muito bonito! É muito bonito! (risos) Você recebe bem as pessoas que vêm ca? Muito bem! De há três anos para cá tem sido impecável! Muito bom! Temos aqui estes senhores da vivenda, que organizam de facto mais as coisas, e de facto as pessoas ajudam-se muito umas as outras… xxxi

Mas participa na organização? Ainda o ano passado eu pertenci à organização (risos). Quer-nos contar como foi a experiencia? Foi muito bonito, foi muito bom, trabalha-se um bocado… é compensativo, as pessoas vêm… os amigos…a 'gente' convida os amigos. Chegou uma altura em que não se entrava era cá! (risos) Não se conseguia. É tudo muito bonito, muito particular porque há seguranças de um lado e do outro. Não há aqui confusões, de bebidas… disso tudo… não deixam entrar com garrafas de vidro, não deixam …pronto, é muito particular, é muito bom. Acha que isso é importante para a comunidade? - Muito importante! É tudo muito limpo, porque há sempre casas de banho… porque o Miguel, aqui da vivenda do arquitecto … ele é que… é o que…é arquitecto, mas arquitecto de eventos, ele é que inventa um pouco mais as coisas…(risos) ele é que organiza… mas todos ajudamos! Até mesmo nos enfeites… Todos ajudam! Mas eles trabalham muito, isso é verdade! Acha que isso é importante para unir os residentes? Sim! Muito, muito, muito! E as famílias que veem, os amigos que veem… E há uma maior proximidade… Desde que começaram as festas existe uma maior proximidade, muito mais convívio uns com os outros… as festas contribuíram para sermos muito mais chegados uns com os outros, é verdade. Com quem é que se relaciona melhor? Com os residentes que estão cá há mais tempo? Há menos tempo? Mais com as pessoas que estão ca a morar à mais tempo, são mais do meu tempo e tudo isso… mas agora há ai muita gente que até são artistas e tudo isso…são novos… agora já não é tanto… embora sejam muito simpáticos! Até mora aqui à frente o Rui Lagartinho, mora … já cá morou a pianista Maria João Pires…naquele primeiro andar… têm morado muitos artistas ali em cima…ali ao cimo… era o Sinde Filipe, também, depois deixou para o filho, depois o filho aluga… é dele na mesma… muita gente mas é claro, que os mais novos, vão vêm…é mais “bom dia”, “boa tarde”… já não é aquela coisa de nós os velhotes que era mais … irmos ao café juntos… Embora seja mais gente nova… Dão-se bem, sim, é muito bom… Sim, mas acha foi importante terem vindo aqui para a vila? Acho bem! Acho bem! Acho… e virem criancinhas novas, pequeninos que é para isto ser progressivo…

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Para dar continuidade… Exactamente, senão os velhotes morrem e isto fica um pouco mais deserto… portanto o que queremos é meninos aqui! (risos) No tempo do meu filho, isto era tudo cheio de meninos a brincar… também partiam vidros … andavam aqui todos a jogar à bola, embora de vez em quanto iam bater á porta “olha parti o vidro!”, “mais um!”… (risos) E depois teve um pouco menos de crianças, agora já há cá muito outra vez … as... no tempo do meu filho havia muito rapaz aqui… E os seus filhos gostam desta zona? O meu filho gosta, mas pronto…quando casou foi para a Povoa de Santa – Iria, e lá as casas … ele gosta disto…mas é outras casas, outras condições… é diferente… E as relações estabelecidas, são entre mulheres e mulheres, homens e homens ou é indiferente? É indiferente! Dou bem com qualquer pessoa aqui, não tenho… como já disse, eu não tenho inimigos! Trabalhei numa casa, muitos anos, 40 anos que tive muita comunicação com muita gente… a minha vida era comunicar e…como… olhe…e até para lhe dizer… trabalhei 40 anos numa clínica e nunca me zanguei com ninguém e ninguém se zangou comigo. (risos) Por isso já viu que não era… porque não foi…e foram 43 anos… Tem bom feitio… (risos) - É verdade. Pronto, então só para terminar gostaria que me descrevesse a vila (para si) em 3 palavras. - Ahmm… descrever a vila é uma… Três palavras mais marcantes - ahmm… é boa, é sossegada, e… pronto…e…muito…as pessoas muito sossegadas muito amigas umas com as outras…é um bom ambiente… É um bom ambiente acima de tudo… - Exacto. Está um bocadinho mais deteriorada do que era antigamente … porque havia um guarda aqui que se deixou de haver…para tratar dos vasos, para as flores ficarem mais bonitas, agora depois… pronto …o senhor faleceu e nunca mais arranjaram… A rua era fechada? Tinha portões? Era. Agora cada um vai tratando dos seus… uns conseguem outros não, já é um bocadinho menos…mas… se qualquer maneira ainda é bonito… Há assim alguma história mais marcante que tenha acontecido aqui… De bem ou de mal?

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Ambas. Marcante. Tivemos aqui… nunca tivemos aqui… nunca…como eu disse, nunca houve uma zaragata com ninguém, nem nada conflitos com ninguém, a… Sim, mas uma história pessoal que tenha vivido, associada a rua. nada… Uma história assim… -Não, não… À bocado dizia que os seus filhos partia os vidros das janelas… Ahhh isso… ( risos) mas eram todos… Mas não houve nenhum morador que ficasse chateado consigo? Nada! Nada! Diziam à gente e a gente pagava, ponto. Pois. E depois tentavam dizer, foi o Rui, foi o… Mas se calhar houve vezes que também tiveram que lhe pagar um vidro a si… Hmmm… não, não porque eu não morava aqui, eu morava lá em cima no último andar… Era lá em cima então não chegavam lá(risos) Então… Muito obrigada pela sua disponibilidade, tenha um bom dia e um bom ano. Bom ano também para vocês e que tenham um bom seguimento da vossa carreira. Obrigada, bom dia!

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Entrevista nº5 Jorge Santos, 67 anos, natural do concelho de Lisboa, reformado bancário. Há quantos anos reside na vila Berta? 49 anos. O que é que nos pode dizer sobre a criação da Vila Berta? A respeito desta questão o Sr. Jorge, apenas nos disse que “as terras” pertenciam aos “Tojais”, e quem as tinha comprado foi o Sr. Francisco Tojal. Apesar de não saber ao certo qual era o principal objetivo, sabia apenas que “tinha qualquer coisa a ver” com os indivíduos que trabalhavam para a família nas terras, salientou ainda dizendo “Foram eles que construíram isto tudo”. Apesar de viver na vila Berta há 47 anos, o pouco que sabia em relação à época de fundação da vila era escassa, o seu conhecimento baseava-se nos relatos que eram feitos pelos pais, e já estes, não tinham sido os primeiros residentes da habitação onde se encontrava. Contou-nos que os primeiros moradores “tinham vindo para ca morar, mas voltaram para a terra onde nasceram”, uma vez ficando a casa desocupada, os seus pais, arrendaram-na e aí permaneceram, até que quando o seu filho atingiu a maioridade e se casou com a companheira, cederam a casa na vila Berta e foram viver para uma outra habitação numa rua próxima. Esta “transmissão” de pais para filho, acabou por ser vantajosa, visto que, a renda se manteve inalterada. Se houvesse possibilidade de mudar de habitação mudaria? Ao fazermos esta questão, Jorge, mostrou-se pensativo, até que acabou por dizer que “já estava para velho” e que talvez mudasse de casa, se tivesse possibilidade, porque as escadas do seu prédio, futuramente seriam um entrave à sua deslocação, acrescentando “agora ainda vou indo, mas depois não sei”. Realçou também que necessitava de fazer algumas alterações na casa a nível interior, porque já estava farto de “remendos”, e algumas das coisas que tinha não estavam totalmente a seu gosto, não especificando ao certo a que se referia. Sente-se à vontade com os moradores? Considera os moradores seus amigos? Ocupação do tempo diário? Atividades comunitárias. Ao analisarmos este tópico, ficou subentendido que aquele lugar estava bastante marcado à sua infância, “era aqui que eu brincava com os rapazes do meu tempo, alguns deles ainda cá estão”, também fez referência à sua adolescência, “aos tempos de namoro”, com a sua mulher que vivia numa rua nos arredores. xxxv

Jorge disse-nos à semelhança de muitos outros residentes, que se sentia à vontade com todos os residentes, porem matinha um contacto mais frequente e mais próximo alguns dos “rapazes da sua juventude”, disse que por vezes encontravam-se na rua e iam ao café. Como se encontram na mesma situação – reformados – a disponibilidade é maior, aproveitando a condição para encontros mais assíduos, disse-nos “só de manhã é que eu não estou para ninguém, porque tenho que levar a minha filha ao trabalho e às vezes vou ao pingo doce”, “depois de almoço arranjamos qualquer coisa para fazer, nem que seja jogar as cartas”. Relacionamento de género. A relação de género, nesta entrevista ficou bem assente, uma vez que Jorge, apesar de se relacionar com todos os indivíduos no bairro “cumprimento toda gente, não tenho cá problemas com isso”, a ligação era mais acentuada com os indivíduos do mesmo sexo, aqueles a que chama “rapazes do meu tempo”. Participação nas festas populares/ Contribuição para a organização. Quanto à participação nas festas, Jorge confessou-nos que não ajudava na organização das festas populares, nem gostava de assistir, pois a confusão e o volume elevado das músicas o perturbavam e impediam que conseguisse dormir devidamente, expressando o seu desagrado “aquele barulho mete-me a cabeça em água!” Importância das festas para a comunidade. A resposta a esta pergunta foi pouco esclarecedora, apesar de termos insistido nesta questão apenas nos disse “Ah… isso é bom para quem gosta!”. Em 3 palavras descreva o que é que a vila simboliza para si. Harmoniosa, Calma e bonita.1

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Todos os comentários estão de acordo com a grelha de análise de conteúdo das entrevistas, apresentada na página X dos anexos.

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