ONGs e Território

June 8, 2017 | Autor: Eduardo Karol | Categoria: Geography, Territoriality, Territory, ONG
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Eduardo Karol ONGs E TERRITÓRIO

Niterói – RJ 2016

2 Introdução Organizações Não-Governamentais, Território e Territorialidade: à procura de uma definição Como surgem as ONG’s e para quê? As ONG’s no Brasil – algumas caracterizações Como atuam as ONG’s? ONGs, Estado e Território Território e territorialidade – um debate permanente Território Territorialidade Supraterritorialidade A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional e sua inserção territorial no Brasil F.A.S.E, F.A.S.E, primeiros momentos A ação de assistência social da F.A.S.E. Os recursos humanos, financeiros e institucionais transformação em Organização não Governamental Captação de Recursos

da

F.A.S.E.

A F.A.S.E. F.A.S.E . contemporânea F.A.S.E. momento atual A “separação˝ da Igreja Católica O momento deciviso da “avaliação˝, a crise financeira e o Plano Real As finanças da F.A.S.E. F.A.S.E. 2000: Parceiros e Principais Programas O Centro Feminino de Estudos e Assessoria – CFEMEA A Rede Brasil Programas Regionais da F.A.S.E. F.A.S.E. Nordeste F.A.S.E. Rio de Janeiro F.A.S.E. Bahia F.A.S.E. Espírito Santo F.A.S.E. Mato Grosso F.A.S.E. Pará – Amazônia A F.A.S.E. hoje Conclusão Bibliografia Anexos - Entrevistas

e

sua

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INTRODUÇÃO O texto, agora editado , é o resultado da dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Ciências no programa de Pós Graduação do Departamento de Geografia da USP no ano de 2000. Optei pela manutenção original do texto com pequenas modificações. Após concluir o curso de graduação em Geografia — licenciado em 1990 e bacharel em 1992 — na Universidade Federal Fluminense, iniciei com a orientação do professor Carlos Walter Porto Gonçalves, o trabalho de pesquisa no Laboratório Amazônia: “Tradição e Modernidade”, cuja temática relacionava-se aos processos sociais da região amazônica, especificamente situada na fronteira entre o Brasil e a Bolívia. O trabalho constituía-se em parte do convênio entre a Universidade Federal Fluminense, o Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS - e a Associação de Cooperação Rural para a África e América Latina – ACRA, uma organização não-governamental italiana, que realizava o trabalho de organização de “campesinos” no norte da Bolívia, junto ao Departamento de Pando. Naquela época, sua atividade inseria-se no acordo de cooperação entre o governo italiano e o boliviano que, através do Projeto “Porvenir”, procurava dar suporte técnico e político aos habitantes da região, principalmente no que dizia respeito à organização comunitária e sanitarismo. O Projeto “Porvenir” constituía-se como a estratégia geopolítica do governo boliviano para articular o norte do país com as demais regiões, através da abertura de estradas que pudessem facilitar a manutenção e defesa daquela parte de seu território. No acordo com o governo italiano previa-se a execução de um trabalho de organização comunitária que não vinha sendo realizado até a época do assassinato de Chico Mendes 1, no Brasil. 1 Chico Mendes foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, na porta de sua casa, devido a conflitos entre o sindicato dos seringueiros de Xapuri (AC) e os proprietários/grileiros de terra.

4 A partir deste acontecimento, que teve forte repercussão internacional, o governo italiano convocou rapidamente a “ACRA”, a fim de que desse início e desenvolvesse o citado trabalho de organização comunitária. A distância física e de interesses entre a região onde seria executado o projeto e a Universidade, despertava uma indagação que até hoje surge quando nos propomos a analisar o evento, e que é: o que levaria uma organização não-governamental italiana a preocupar-se com a organização dos “campesinos” do norte da Bolívia, região que o próprio Estado boliviano relegara a segundo plano até aquele momento? Retomei essas indagações ao desenvolver a pesquisa para obtenção de Mestrado em Geografia Humana, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, no segundo semestre de 1995,. Assim o fiz, por perceber, também através deste episódio, a importância do debate e reflexão acerca da proposta e efetiva ação das chamadas Organizações Não-Governamentais e sua inserção territorial. Ao constatar, também, que as pesquisas sobre este tema encontravam-se, ainda, em estado incipiente, nas ciências sociais em geral e na geografia em particular, decidi-me por estudar esta questão, buscando uma melhor compreensão do modo de ação das ONGs 2. Um segundo elemento motivador foi à percepção de que o debate sobre estas organizações não tem considerado o território como um elemento constitutivo na definição de estratégias de ação das ONGs e, portanto, um aspecto a ser privilegiado nas análises realizadas até então. Ou seja: a inserção territorial destas organizações não tem sido objeto de preocupação dos autores que se dedicaram a estudálas 3. É necessário dizer que o território e a territorialidade de uma organização não deve ser relegado a segundo plano, pois a mesma, só se 2 A sigla ONG, cujo plural tem sido aceito como ONGs, é hoje de domínio público, significando Organização Não-Governamental. Neste trabalho, sempre que possível, para a economia do texto, referir-me-ei a elas através desta sigla. 3 Cito, como exemplo, Landin (1988), Nerfin (1989), entre outros.

5 realiza, na prática, territorialmente. Comecei, então, a perceber que não é um tema de simples entendimento, mesmo para quem atua (ou sobretudo para quem atua), nestas organizações. A sigla O.N.G. (Organização NãoGovernamental) abrange uma grande diversidade no que diz respeito, primeiramente, às atividades que realizam. Numa palavra, e de modo bem humorado, poderíamos dizer que existem Organizações NãoGovernamentais “para todos os gostos” 4. ONGs (Organizações Não Governamentais): a difícil definição de um termo As ONGs não são um fenômeno tão recente quanto se imagina, pois já estavam previstas desde a segunda metade da década de quarenta do século XX, em documentos das Organizações das Nações Unidas – ONU. Nos documentos da ONU o termo ONG surge aludindo a um universo extremamente amplo e pouco definido de instituições e, em 1961, a Carta de Punta Del Este, que estabeleceu a Aliança para o Progresso, utiliza o mesmo conceito de organizações nãogovernamentais. Estas organizações vêm adquirindo importância e visibilidade políticas verdadeiramente surpreendentes pelas questões que suscitam, principalmente aquelas relativas à soberania. É por essa via que é possível investigar que papel representam as organizações não-governamentais na definição/redefinição do território 5 em que atuam (Assumpção, 1993). Isto posto, cabe-nos indagar acerca da territorialidade 6 dessas organizações. Sabendo-se que No Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1997 do Banco Mundial, no capítulo “Um Estado mais perto do povo” é feita a seguinte afirmação: “As ONG abrangem uma infinidade de formas e funções organizacionais: de sindicatos trabalhistas a associações profissionais e de associações de vizinhança a fundações beneficentes. A definição de ONG utilizada é aquela que se refere a criação dessas organizações por particulares e não pelo governo” (pg 120). 5 O território aqui, será pensado numa perspectiva jurídico-política, ou seja, limitado e controlado e onde há exercício de um certo poder, principalmente aquele referente ao Estado. 6 O conceito de territorialidade será melhor tratado mais adiante. No momento basta ter em mente a noção de “conjunto de relações que desenvolve uma coletividade” (Raffestin, 1986:183). O conjunto de relações que desenvolve uma coletividade contém implicitamente dimensões de espaço. São as relações da 4

6 foram organizações interestatais que formularam o conceito de ONG, pergunta-se: que mediações foram criadas para que seus aparatos fossem utilizados em práticas territoriais consoantes com as práticas territoriais do Estado? Ou, melhor dizendo, de que modo a efetivação dessas organizações, a criação de todo um aparato institucional, entra em contradição, ou não, com as práticas estatais? Que mediações ocorrem entre as organizações não-governamentais e o Estado, no Brasil? Baseado nestas informações e na pesquisa bibliográfica, elaborei a hipótese de que a criação das organizações não-governamentais visa, em grande parte, atender às demandas das políticas planejadas pelo Estado, isto é, visa complementar suas ações (do Estado) e estão inseridas nas políticas de intervenção sócio-espacial. Esclareço, de antemão, que por ser um universo multifacetado, qualquer generalização se mostrará difícil, face ao atual estágio das pesquisas sobre o assunto. Esta pesquisa procurou atualizar o conhecimento acerca deste tema. A fim de atingir este objetivo, optei pela apresentação dos dados da pesquisa e de campo da seguinte maneira: No primeiro capítulo, apresento as definições de ONG, território e territorialidade. Baseado em autores clássicos e em discussões mais recentes no campo da geografia humana, busco delimitar um quadro conceitual que possa servir de instrumento para compreensão do objeto aqui proposto. O leitor deve reter em mente as noções de território como espaço jurídico-político e a de territorialidade como conjunto de relações humanas nos diferentes níveis sociais, políticos, econômicos etc. No segundo capítulo, inicio a apresentação de meu objeto de pesquisa propriamente dito. Como exemplar no auxílio à compreensão do modo de ação, origem, desenvolvimento, políticas e obstáculos a serem transpostos por uma ONG, apresento a história da Federação de Órgãos para Assistência Social e coletividade inscritas no território que definem territorialidade, são práticas concretas que realizam a espacialidade.

7 Educacional – F.A.S.E. Neste capítulo, apresento o tema sob diversos ângulos: o da própria instituição, o da bibliografia sobre ela, a de ex-participantes aos quais entrevistei e a de participantes atuais, que se referem ao histórico da Federação como explicativo de seu caráter atual. No terceiro capítulo, optei por uma abordagem sincrônica da Federação, através da descrição detalhada de suas atividades e inserções territoriais, e de seu relacionamento com outras instituições, sejam elas religiosas, leigas, políticas, financeiras, outras ONG’s etc. Na conclusão, apresento as principais ideias que decorreram da pesquisa bibliográfica e de campo, após a análise. A fim de enriquecer o texto, possibilitando ao leitor um melhor acesso aos dados da pesquisa, que são importantes mas que em muitas vezes não foi possível incorporar ao texto, optei por oferecer, em anexo, as entrevistas na íntegra, os dados quantitativos e outros mais que julguei interessantes.

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Organizações NãoNão-Governamentais, Território e Territorialidade: à procura de uma definição Como surgem as ONG’s e para quê? quê?

A expressão “Organizações NãoGovernamentais“- ONG’s, surge no cenário político do pós-guerra, quando a ONU - Organização das Nações Unidas, passou a ser a instituição mediadora da ajuda aos países destruídos pela Guerra Mundial. A “ajuda”, parte do processo que instituiu a denominada Cooperação Internacional, proporcionou o surgimento de experiências de participação e de exercício da cidadania em países da Europa e acarretaram no surgimento de vários tipos de associações que em muito se diferenciavam das organizações governamentais 7. “Da Europa Continental vem o predomínio da expressão "Organizações Não Governamentais" (ONGs), cuja origem está na nomenclatura do sistema de representações das Nações Unidas. “Chamou-se assim às organizações internacionais que embora não representassem governos, pareciam significativas o bastante para justificar uma presença formal na ONU. O Conselho Mundial de Igrejas e a Organização Internacional do Trabalho eram exemplos em pauta. Por extensão, com a formulação de programas de cooperação internacional para o desenvolvimento estimulados pela ONU, nos anos sessenta e setenta, cresceram na Europa Ocidental "ONGs" destinadas a promover projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo. Formulando ou buscando projetos em âmbito não governamental, as ONGs européias procuraram parceiros mundo a fora e acabaram por fomentar o surgimento de ONGs nos continentes do hemisfério Sul”. (Rubem César Fernandes, 2000 Disponível na Internet via www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016).

Nos países do Sul, seu surgimento deu-se de forma diferenciada, mesmo estando no marco da Cooperação Internacional. “ONG” parece ter sido um termo empregado sem muitos critérios de análise. Segundo Rubem César MERLE (1981) cita dados publicados pela União das Associações Internacionais para mostrar o crescimento dessas organizações. Em 1909 somavam 176; após a Segunda Grande Guerra Mundial (1945) eram 560 e, em 1972 já alcançavam o número de 2.470.

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9 Fernandes: “Na América Latina, Brasil inclusive, é mais abrangente falar-se de "Sociedade Civil" e de suas Organizações. Este é um conceito do século dezoito que desempenhou papel importante na filosofia política moderna, sobretudo entre autores da Europa continental. Designava um plano intermediário de relações, entre a natureza, pré social, e o Estado, onde a socialização completar-se-ia pela obediência a leis universalmente reconhecidas. No entendimento clássico, incluía a totalidade das organizações particulares que interagem livremente na sociedade (entre as quais as empresas e seus negócios), limitadas e integradas, contudo, pelas leis nacionais. O conceito foi recuperado na América Latina no período recente das lutas contra o autoritarismo (como, aliás, também na Europa de Leste). A literatura hegeliana de esquerda foi instrumental neste sentido, tendo Gramsci como principal referência. O marxismo de linhagem italiana contribuiu, assim, para que a intelectualidade de esquerda reconsiderasse a questão da autonomia da "sociedade civil", com suas inúmeras instituições, frente ao Estado. Ocorre, no entanto, que o uso recente trouxe uma importante transformação no escopo do conceito original. Falase hoje das "organizações da sociedade civil" (OSCs) como um conjunto que, por suas características, distingue-se não apenas do Estado mas também do mercado. Recuperada no contexto das lutas pela democratização, a idéia de "Sociedade Civil" serviu para destacar um espaço próprio, não governamental, de participação nas causas coletivas. Nela e por ela, indivíduos e instituições particulares exerceriam a sua cidadania, de forma direta e autônoma. Estar na "Sociedade Civil" implicaria um sentido de pertença cidadã, com seus direitos e deveres, num plano simbólico que é logicamente anterior ao obtido pelo pertencimento político, dado pela mediação dos órgãos de governo”. (Rubem César Fernandes, 2000 Disponível na Internet via www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016).

Pode-se dizer, deste modo, que o que se convencionou chamar de "Terceiro Setor"8 é um setor 8 É um conceito, uma expressão de linguagem, entre outras. Existe, portanto, no âmbito do discurso e na medida em que as pessoas reconheçam o seu sentido num texto ou numa conversação. Pode-se dizer que o "Terceiro Setor" é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato, expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil. Coube a John D. Rockefeller 3rd., apresentar a expressão 'terceiro setor' (third sector) num texto publicado em 1978. "We Americans have always taken pride in the vitality of our country. Yet, too often we fail to recognize one of the main reasons for that vitality: the fact that we have developed over the two centuries of our existence a remarkable three-sector system. Two of the sectors are instantly recognizable to everyone - business and government. But the third is so neglected and so little understood that I am tempted to call it "the invisible sector". The third sector is the

10 composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, de âmbito não governamental, que dá continuidade às práticas da caridade, filantropia e do mecenato, ou seja, práticas tradicionais que expandem seu sentido para outros domínios, devido, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas diferentes manifestações na sociedade civil. No Brasil, no entanto, a legislação reconhece sob o termo “instituição sem fins lucrativos”, apenas aquelas organizações que não buscam o lucro. hoje, contudo, muitas organizações que se apresentavam como sendo organizações sem fins lucrativos se intitulam, ou buscam ser consideradas como, de caráter “não-governamental”. Apesar do caráter dito “sem fins lucrativos”, é impressionante o volume de recursos financeiros envolvidos nos trabalhos das ONG’s ou organizações filantrópicas de diversas finalidades sociais. Rubem César Fernandes, que estudou o tema apresenta uma reflexão interessante sobre a importância social do trabalho voluntário das organizações religiosas, apontando, assim, a economia que este trabalho proporciona, indiretamente, aos cofres do Estado. Diz ele: “Segundo o RAIS, do Ministério do Trabalho, em 1991 existiam mais de 200 mil organizações sem fins lucrativos no Brasil, empregando mais de um milhão de pessoas (Góes, 1995). São números nada banais, que colocam o setor como a terceira maior categoria na geração de empregos no país. Analisando dados da Receita Federal do mesmo ano, Landin (1993) constatou que a maior parte delas (77%) é composta de "associações" (cerca de 170.000). Dentre as associações, por sua vez, os maiores números distribuem-se entre "Beneficentes e Assistenciais" (29%), "Recreativas e Esportivas" (23%) e private nonprofit sector. The sector includes tens of thousands of institutions absolutely indispensable to community life all across the nation - churches, hospitals, museums, libraries, private colleges and universities, theater groups, symphony orchestras, and social service organizations of many kinds. All of these depend for their survival on the voluntary contributions of time and money by individual citizens. The third sector is also the seedbed for organized efforts to deal with social problems. All of the most important contemporary "movements" have sprung for it - civil rights, consumerism, women's rights, the environment and many others. At the heart of the third sector is individual initiative and a sense of caring" (Rockefeller 3rd apud Miguel Darcy de Oliveira, 2000, Disponível na Internet via www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016).

11 "Culturais, Científicas e Educacionais" (19%). Estão entre as últimas, em 1985, 895 museus e 21.602 bibliotecas. Esses números são notoriamente frágeis, pois as informações sobre o mundo "sem fins lucrativos" não têm sido levadas a sério no país. Valorizá-las é uma parte importante do processo de consolidação do setor. Os números que temos, no entanto, dão uma idéia das dimensões do objeto, ainda que tentativa e incompleta. Não inclui, por exemplo, o trabalho social que é feito no âmbito dos templos religiosos. Cada paróquia da Igreja Católica desenvolve, ao menos, um projeto social. As Ordens Religiosas desenvolvem trabalhos que ultrapassam os limites das obras formalmente registradas. É comum, por exemplo, que um colégio católico inclua projetos sociais em suas atividades extra-curriculares. Os Vicentinos, no Brasil desde 1873, especializam-se na organização de voluntários leigos, com um forte componente jovem, que se dedicam a obras sociais de forma sistemática e regular. Organizam-se em grupos locais chamados "Conferências", cada um composto no máximo de quinze pessoas, que levantam recursos e aplicamnos segundo uma metodologia comum. Em 1991, as Conferências Vicentinas coordenavam o trabalho social de 300.000 voluntários, com um orçamento anual acima de dezoito milhões de dólares (Novaes, 1995). Não há Centro Espírita que não faça, ao menos, uma obra de caridade - uma creche, um ambulatório, campanhas de atendimento. Pesquisa feita sobre a assistência social espírita no Estado do Rio de Janeiro, encontrou, por exemplo, que somente na distribuição de alimentos, a ação espírita no estado beneficia regularmente cerca de 187 mil pessoas cadastradas (Giumbelli, 1995). O trabalho voluntário é tão valorizado entre os espíritas que adquire um sentido propriamente religioso, como a principal expressão prática da doutrina. Pesquisa sobre as igrejas evangélicas no Rio de Janeiro, indica que cerca de 20% de seus membros dão algum tempo de trabalho voluntário pelos necessitados num ritmo semanal. Isto significa algo próximo de trezentos mil voluntários evangélicos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pouco sabemos de sistemático sobre os investimentos das empresas particulares em projetos sem fins lucrativos. Vale citar, no entanto, que os projetos apresentados pelas 99 empresas concorrentes ao Prêmio Eco de Filantropia Empresarial, em 1995, totalizavam investimentos no valor de US$285.338.662,00. Leilah Landin coordena no ISER um projeto que pretende estimar o peso relativo do Terceiro Setor nas contas nacionais. Considerando o que sabemos através de investigações parciais, pode-se apostar que o resultado dessa pesquisa será impressionante”. (Rubem César Fernandes, 2000 Disponível na Internet via www http://www.reptos.org.br Capturado em 19/02/2016).

em

Mesmo com a relativa indefinição sobre o significado do termo “Organizações nãogovernamentais”, o conceito passou a ser entendido como uma categoria de classificação de entidades nascidas no interior da sociedade civil. Mas, segundo Martins (1994), no Brasil “a sociedade civil não é

senão esboço num sistema político em que, de muitos

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modos, a sociedade esta dominada pelo Estado e foi transformada em instrumento do Estado”

(Martins,1994:13). Então, como perguntava o sociólogo Herbert de Souza, “como entender não-governamental nascida de costas para o Estado?” Quando surgiu, a denominação “Organização NãoGovernamental” nos documentos da ONU, seu objetivo era o de contrapor--se à denominação Organização Governamental. Sendo assim, o primeiro entendimento era de fácil identificação. Hoje a complexidade das relações institucionais demanda maior clareza na definição do que seja uma Organização Não-Governamental. Neste sentido, têm sido feitos esforços no sentido de se compreender melhor o fenômeno das Organizações Não-Governamentais que vem se impondo à vida social, especialmente na atual situação histórica de fraqueza do sistema partidário e de desregulamentação do trabalho. Uma das primeiras definições de Organização Não-Governamental encontra-se em Merle (1981): “A sigla ONG indica todo agrupamento, associação ou movimento constituído de uma maneira durável por particulares pertencendo a diferentes países, tendo em vista o alcance de objetivos não lucrativos 9” .(Merle, 1981:277).

Já em Castro (1992) encontramos a seguinte definição: “As ONGs são possivelmente uma herança cultural do associacionismo civil e religioso das democracias liberais protestantes, mas agora com uma conexidade ampla e com um poder de fogo político muito maior. Ecoando e articulando interesses sociais locais, coletivos e populares em escala mundial, elas são o contrapeso inesperado da articulação transnacional dos grandes interesses econômicos e dos arranjos geopolíticos entre os Estados Nacionais” (Castro, 1992:19).

A nosso ver esta definição é muito abrangente e transcreve o que contém a Carta das Nações Unidas que, no seu artigo 71, estabelece que o Conselho Econômico e Social pode fazer consultas às Organizações Não-Governamentais credenciadas.

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13 Localizando religiosa e politicamente as Organizações Não-Governamentais numa origem remota que vai se atualizando, Castro mostra que estas são frutos de articulações e interesses definidos. Só que, ao mostrar a articulação de interesses de escala local com os de escala mundial, aponta as Organizações Não-Governamentais como “o contrapeso inesperado ”. Como vimos, contudo, a previsão destas já se encontrava em documentos de Organizações e Programas que articulariam interesses econômicos e geopolíticos. É, portanto, ingenuidade, acreditarmos que estas surgem “inesperadamente” ou, “espontaneamente”. Scherer-Warren (1995), também estuda o fenômeno e propõe a seguinte definição: “Sintetizando, pode-se definir as ONGs como organizações formais, privadas, porém com fins públicos, sem fins lucrativos, autogovernadas e com participação de parte de seus membros como voluntários, objetivando realizar mediações de caráter educacional, político, assessoria técnica, prestação de serviços e apoio material e logístico para populaçõesalvo específicas ou para segmentos da sociedade civil, tendo em vista expandir o poder de participação destas com o objetivo último de desencadear transformações sociais ao nível micro (do cotidiano e/ou local) ou ao nível macro (sistêmico e/ou global)”.

Partindo do estatuto jurídico das organizações brasileiras, Scherer-Warren, vai definindo-as através das formas de relação que são estabelecidas entre atores, trabalhos realizados e público-alvo. Temos que considerar, contudo, que nem todas (ou quase nenhuma) as organizações preenchem todos os requisitos propostos na definição, pois sabemos que, na prática, muitas das Organizações NãoGovernamentais não estão interessadas na transformação social. O mesmo propõe Menescal (1996), quando nos diz que “ [as]... ONGs podem ser atualmente definidas como o que eu chamaria de pressure groups sociais. Ou seja, como grupos de pressão que buscam por um lado influenciar e democratizar políticas governamentais para que essas supram de maneira mais extensa

14 possível as necessidades da sociedade e de condições de vida iguais e justas no mundo todo e, por outro, movimentar a sociedade em que estão inseridas, utilizando-se de suas relações de solidariedade, na busca dessa democratização e influência política” (MENESCAL,1996:28).

Estas duas últimas definições são limitadas pelo fato de explorarem o campo de luta da sociedade civil organizada, não levando em consideração outros atores que com suas Organizações NãoGovernamentais têm interesses específicos. Neste sentido, as ONGs são instituições independentes. Não são parte integrante de estruturas maiores. Assim, mesmo que uma pastoral, um departamento da universidade, um partido político ou um setor empresarial realizem eventualmente um trabalho do mesmo tipo, eles não poderiam ser considerados ONGs. Além disso, elas não são representantes de uma classe qualquer de indivíduos. O valor das ONGs vem do trabalho que realizam e não do segmento social que representam. Como observa Rubem César Fernandes (Disponível na Internet via www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016), “sindicatos, associações de bairro, e outras organizações que prestam serviços a seus membros talvez exerçam o mesmo tipo de atividade, mas não seriam considerados ONGs tampouco. E não são agências de financiamento, o que as torna diferentes das Fundações. A proposta é fornecer serviços sociais que em geral não se auto-sustentam, daí as ONGs terem que sair à procura de fundos em outros lugares”.

Como se pode ver, existe uma série de traços contrastantes que tornam diferentes as ONGs: sendo entidades não-governamentais, sem fins lucrativos, elas não fazem parte de estruturas maiores. Assim, também não são representativas, pois não financiam. Outro ponto importante é que, sem as amarras das obrigações da representação, “as ONGs não estavam limitadas a uma definição territorial e nem mesmo funcional. Podiam mover-se de um lugar a outro, de um grupo a outro, e até de um assunto a outro, sem restrições formais. Sempre que seus serviços fossem bemvindos, ficavam e faziam o trabalho. Uma vez terminado o

15 projeto, passavam para outro lugar ou para outra coisa. Essa mobilidade, claro, era bastante funcional para o papel de intermediário que iriam desempenhar entre as instituições globais e as organizações de base”. (Disponível na Internet via

www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016)

As ONG’s, por sua história e estilo institucional, têm que produzir projetos interessantes para possíveis financiadores, e esforçar-se para executá-los com sucesso, a fim de que se justifique um próximo financiamento de seus projetos. Para se sustentarem, necessitam de um bom desempenho, o que exige competências específicas num ambiente competitivo. Embora não seja este o “espírito” da organização, as ONGs “competem” por financiamentos de projetos junto aos potenciais financiadores. Portanto, nas relações de interação locais, distinguem-se não apenas por suas conexões, como ainda pela tendência a adotar abordagens profissionais nas atividades sem fins lucrativos e em geral voluntárias. Portanto, ainda que de modo involuntário as ONG’s terminam por reintroduzir em seu trabalho a lógica da eficiência institucional10 no campo das ações sociais não-governamentais. As ONG’s no Brasil – algumas caracterizações

Sobre a caracterização no Brasil dessas organizações existem poucos estudos (Assumpção,1993, Fernandes, 1991, 1994 e outros), a maior parte deles de iniciativa de instituições de alguma forma ligadas às práticas de Organizações A suposta eficiência das ONGs é questão passível de discussões, que deveria ser julgada através de avaliações específicas (e "avaliação" vem se tornando, de fato, uma preocupação crescente no campo). Mas há um outro ponto especialmente relevante para nossas preocupações aqui: as ONGs, em virtude de suas características institucionais, tornaram-se um elemento chave para os planos de uma cidadania planetária. A dupla face (imersão local e conexão internacional), combinada à multiplicidade de iniciativas e instâncias independentes, fornece instrumento oportuno e flexível para tecer os fios comuns da cidadania na trama de um mundo heterogêneo e segmentado. Respeitados os limites estabelecidos pela linguagem dos projetos, as ONGs podem se movimentar por todo tipo de grupo e questão, mas não podem se permitir um afastamento do conjunto padrão de valores e regras veiculados pela cooperação internacional. Através das ONGs e de seus projetos, de forma solta, pluralista e dispersa, as ações locais interligam-se globalmente.

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16 hoje ditas não-governamentais, como a FASE, o IBASE, o ISER, a NOVA etc. Nestes estudos procurase definir sua identidade e seus objetivos ou seja, afirma-las como interlocutores no jogo político. Além disso, é preciso lembrar que, nos últimos anos, o tema Organizações não-governamentais, começou a ganhar destaque também em estudos acadêmicos, como os de Scherer-Warren (1995) e Gohn (1997). As características principais das organizações que se originaram no Brasil a partir da década de sessenta, são seus traços assistencialistas e sua proposição como entidades que atuem fora da burocracia das organizações governamentais e da partidarização das entidades representativas da sociedade, metas nem sempre atingíveis, pois o movimento social é, como se sabe, marcado por clivagens. Esta concepção de ONG parte do modelo teórico cujo ideário primordial é o de não ser governamental, não ser partidário ou, em poucas palavras, estar e operar acima da sociedade e do social. Na prática, estas representações podem não passar de meias-verdades. Este fato é relevante, pois mostra que, embora tendo origem fora do Estado, como se verá, as ONG’s têm uma práxis comprometida com interesses ligados às políticas do Estado. Tal práxis se realiza, por vezes, prescindindo de seu aparato e da representação legalmente pré-concebida nos códigos e normas sociais, fundamento do Estado Moderno. As primeiras Organizações brasileiras com características não-governamentais tiveram origem na Igreja Católica (como por exemplo, o CERIS - Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais criado em 1962, e o IBRADES - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, criado em 1968, ambos no Rio de Janeiro) e a partir da iniciativa de professores e pesquisadores da área acadêmica que buscavam criar um espaço alternativo para a produção do conhecimento, elaboração e realização de propostas e projetos junto ao movimento popular. Na década de setenta, em função de uma ação política de oposição, resistência e denúncia, surgiram novas organizações, que definiram seus objetivos

17 influenciadas pelo contexto de resistência ao regime ditatorial sob tutela militar. Na década de oitenta, as organizações nãogovernamentais aumentaram em número e aquelas já existentes experimentaram os resultados dos projetos desenvolvidos nos períodos anteriores. As Organizações Não-Governamentais cumpriram, neste período, o papel de assessoria, preparando lideranças sindicais, organizando associações de moradores de bairros etc., que foram de fundamental importância para o movimento social. Foram chamadas, então, de organizações de “assessoria e apoio aos movimentos populares 11”. Devemos lembrar, entretanto, que estes não foram o recorte privilegiado na década. Outros temas, como mulheres, negros e ecologia foram, também, objeto de atuação 12 e preocupação das ONG’s. Nos anos noventa, as organizações experimentaram uma nova prática, tanto em relação ao Estado, quanto no âmbito da Cooperação Internacional 13. O discurso ecológico 14 passou a ser o amálgama entre a necessidade de um novo modo de produção e a utilização dos recursos para isto. O que se propunha era, então, um novo modelo de desenvolvimento, não mais pautado na exploração da 11 “Vantagens específicas trazem consigo problemas específicos. Nossos relatórios regionais levantam algumas dúvidas cruciais no que diz respeito às ONGs. Dependência de verbas estrangeiras pode inibir a busca de recursos locais. Engajamento numa pauta internacional pode provocar um preconceito "modernista" que aliena as ONGs das tradições autóctones. Em países mais pobres, as ONGs podem se transformar em instituições de grande importância e se afastar de seu papel como micro mediadores. O relatório da África, por exemplo, menciona situações onde as ONGs parecem mais atraentes aos financiamentos e ao pessoal qualificado do que o próprio Estado. Em todas as instâncias, é claro o desafio: como ir mais longe e mais fundo nas situações locais sem perder o significado internacional e vice-versa - como preservar a intenção universalista sem negligenciar os recursos e as experiências locais”. (Rubem César Fernandes, 2000 - Disponível na Internet via www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016). 12 É nesta mesma década que nas disciplinas Sociologia e Geografia, o Movimento Social Urbano passou a ser objeto de vários estudos. Ver, por exemplo, Kowarick (1983) e Ribeiro (1982). 13 Nos anos noventas observa-se uma modificação na Cooperação Internacional. Enquanto no pós-guerra a Cooperação tinha como atores o Estado, a empresa privada e as entidades financeiras, nos anos 90 os atores são diversos setores da sociedade civil. É nesta nova acepção que tomamos o termo. 14 Aquele que propõe utilização dos recursos com preservação.

18 natureza, pura e simplesmente, mas que conseguisse combinar produção e preservação do meio ambiente. Neste momento ganharam visibilidade as Organizações Não-Governamentais que tinham procurado, como objetivo, trabalhar a relação entre meio ambiente e desenvolvimento. Como atuam as ONG’s? ONG’s?

Não obstante a indefinição do que sejam, as Organizações Não-Governamentais existem (algumas há três décadas) e têm uma prática de inserção social que, a nosso ver, implica uma forma de relação com o território. Muitas são as dificuldades para definir o que são; entretanto, podemos contar com duas certezas depois de sua investigação. São elas: 1 - Surgem no marco da Cooperação Internacional isto é, estão previstas nos acordos entre os Estados Nacionais; 2 - Têm um papel estratégico no contexto de implementação do desenvolvimento sustentável 15. Portanto, as Organizações Não-Governamentais tanto podem operar no âmbito de um Estado a partir de e com os interesses estatistas, como podem operar na tessitura mais fina da sociedade 16. Estas organizações, para realizarem seus trabalhos, articulam várias escalas espaciais. Situamse na escala local e fazem mediações em escalas nacionais e internacionais. Para a Geografia, é importante aprofundar a pesquisa e desvendar que tipo de mediações são estas que as ONG’s realizam. Inicialmente, podemos indicar que muitas entidades buscam financiamento no plano internacional e realizam seu trabalho, por exemplo, numa comunidade de pescadores. As organizações 15 Desenvolvimento sustentável foi definido pela comissão Brutland como sendo o desenvolvimento social, econômico e cultural que atende às buscas do presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Esse conceito foi alvo de inúmeras críticas por ser vago e ambíguo, assim podendo ser interpretado de muitas maneiras. 16 “Entre as ONG mais atuantes de hoje estão as que prestam serviços diretos a indivíduos e comunidades, que vão da saúde e educação à provisão de microcrédito, ao treinamento vocacional e aos serviços profissionais”. BANCO MUNDIAL, 1997.

19 estabelecem deste modo, uma rede de relações com outras organizações e agências financiadoras que perpassa vários níveis da configuração sócio-espacial. A participação cidadã se dá a partir de vários caminhos possíveis. Suas origens mais profundas estão nos espaços e interstícios da sociedade civil ou do que se convencionou chamar de “terceiro setor”, ou seja, estruturas que se construíram historicamente no interior de sociedades nacionais. A grande ruptura das últimas três últimas décadas, reside na expansão, gradual e crescente, para a esfera internacional, deste compromisso com valores e causas de interesse público, antes experimentadas acima de tudo no nível local e/ou nacional. Este movimento de ampliação do alcance da participação dos cidadãos para fora das fronteiras nacionais, é expressão do fenômeno até então inaudito de construção consensual, pela comunhão internacional de valores, princípios e normas de conduta de natureza universal que correspondem a direitos e necessidades básicas da humanidade. Temas como a proteção do meio ambiente e a defesa dos direitos humanos revelam um novo conteúdo na noção de solidariedade internacional, introduzindo, ainda as noções de “destino comum”, “cidadania global” e “gestão planetária”. (Miguel Darcy de Oliveira, 2000, Disponível na Internet via www em http://www.rits.org.br Capturado em 19/02/2016). O crescimento e desenvolvimento do terceiro setor implica, portanto, sua crescente “profissionalização”, tanto no que diz respeito à inserção nos diferentes locais e grupos sociais, como na utilização e capacitação de técnicos. Cada vez mais profissionais executivos de empresas privadas têm sido chamados ou apresentam-se voluntariamente para o trabalho nas ONG’s. Assim, a administração das ONG’s ou mesmo de todo o terceiro setor (o que inclui fundações, associações de cidadãos, entidades religiosas etc.) vem deixando de ser espaço de ação de senhoras caridosas ou de aposentados. A profissionalização das entidades sem fins lucrativos tem atraído a migração de executivos qualificados do setor privado para elas. Segundo Roberto Galassi

20 Amaral, superintendente do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), que trabalhou na Mesbla, na Pirelli, no Banco Noroeste e na IochpeMaxion, em entrevista à Gazeta Mercantil: “O RH e o

terceiro setor são meio aparentados; um lida com uma comunidade interna de pessoas e o outro trabalha para essa mesma comunidade, só que ampliada”.

De fato, os dois negócios são parecidos mas existe uma diferença crucial: O terceiro setor não trabalha sob a lógica do lucro não existe visão de curto prazo. Existe a necessidade, primordial, da eficiência dos projetos. No caso, a velocidade dos processos é a maior distinção entre o RH e o terceiro setor. Nas empresas existe um caminho definido através do diagnóstico, planejamento e execução. No terceiro setor, existem alguns degraus a mais: o aspecto político, a negociação e a arrecadação de recursos. Este setor, inclusive, vem sendo encarado como novo mercado de trabalho para executivos. De acordo com Antonio Mendes de Almeida Júnior, coordenador do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a tendência é mundial. Nos Estados Unidos, segundo ele, de cada dez pessoas empregadas quatro estão no terceiro setor. No Brasil a proporção ainda é de um para dez. Duas competências são essenciais, segundo os especialistas, para a gestão das ONG’s e de todo o terceiro setor: conhecer a técnica de captação de recursos e o marketing da área. Na iniciativa privada é possível minimizar gastos para maximizar lucros. Já no setor estatal existem orçamentos e impostos. No terceiro setor, entretanto, as fontes de recursos ficam a cargo da arrecadação de fundos. Uma boa rede de contatos, um influente conselho administrativo e trânsito livre pelo meio empresarial são características indispensáveis. Neste sentido, ainda, o marketing tem de ser eficiente na propagação da idéia de que a ONG vai produzir resultados e dar visibilidade às empresas que contribuem financeiramente para suas atividades. Sendo assim, fica evidente que a localização espacial das ONG’s e os projetos a que se dedicam localmente, de modo simultâneo à sua relação com entidades internacionais de financiamento, influenciam

21 fortemente suas atividades. Também seu modo de inserção, suas possibilidades técnicas e de marketing, assim como de arrecadação local de recursos estão intimamente ligadas ao território e à territorialidade como categorias fundamentais na elaboração de projetos com perspectivas de sucesso. A presença do Estado em maior ou menor grau, o modo de produção local, o relacionamento entre os diversos grupos, inclusive de classe, a tradição e vários outros fatores delimitados ou limitados pela territorialidade, devem ser analisados para a melhor compreensão de como as ONG’s se inserem localmente e de que modo esta inserção é transformadora. ONGs, Estado e Território

O fenômeno Organização Não-Governamental vem impondo modificações nas relações institucionais em diversas escalas da vida social. Uma dessas modificações diz respeito ao território, porque essas organizações conseguem articular várias escalas da esfera da vida social, desde o local/local até o local/internacional. O Estado, historicamente, de forma múltipla, é o regulador de relações institucionais, o que lhe assegura o domínio na gestão do território. Mesmo existindo outros atores (por exemplo, a Igreja), o Estado mantém o domínio na gestão do território. Em Becker, 1983, o território “emerge então como uma

noção fundamental: expressão concreta das unidades políticas no espaço, o território define a existência física da entidade jurídica, administrativa e política que é o Estado”.(Becker, 1983:: 01). As ONGs operam no domínio territorial do Estado Nacional. Deste modo

"no plano interno, num primeiro momento, o Estado, entendido como aparelho político governamental, passa a ter poder dominante nas formações econômicosociais; hoje, porém, não mais se nega que o poder é multidimensional, o que implica no reconhecimento dos diversos agentes sociais com suas estratégias e conflitos presentes em diferentes escalas espaciais [...]" (Becker, 1983:: 02).

22 Este ponto de vista coincide com o de Castro (1992), a propósito da articulação transnacional, supraterritorial, interesses econômicos e geopolíticos dos Estados. É neste sentido, que se desenvolvem as práticas territoriais do Estado. Assim é importante pesquisar essas organizações com o intuito de desvendar as suas territorialidades e ver até que ponto essa inserção territorial é ou não contraditória com relação ao Estado 17. Com o pressuposto de que as ONGs estão previstas nos estatutos das Organizações Internacionais e nos acordos entres Estados Nacionais, procura-se mostrar que isto se torna um paradoxo porque, ao mesmo tempo em que é nãogovernamental, procura ter uma prática de complementaridade ao próprio Estado 18. Deste modo, estas organizações mostram mais a fragilidade do que a força da sociedade organizada 19. A discussão teórica sobre o Estado Nacional Moderno, pressupõe outras duas: a da sua base territorial e conseqüentemente a soberania. Apesar de muitas discussões estarem apontando para um enfraquecimento do Estado, sua base territorial continua sólida e como um elemento inviolável. Em cada Estado Nacional coexistem instituições que afirmam o domínio do território constituído e mantêm a coesão territorial dentro das normas legais estabelecidas. Entretanto nos últimos anos, instituições vêm construindo práticas de administração do território que, em certa medida, contradizem a Raffestin afirmaz que “Ou o Estado detém o poder e é o único a detê-lo, ou é o poder superior e é preciso construir a hipótese de poderes inferiores que podem agir com ele”. (Raffestin, 1993:16). 18 Aos termos Governo e Estado faz-se necessária uma referência: se considerarmos Governo como "conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade", estaremos nos referindo ao poder de um determinado grupo e não ao complexo dos órgãos que institucionalmente detêm o exercício do poder. Deste ponto de vista, podemos considerar o termo “Governo” associado à noção de Estado. (Ver, por exemplo, Bobbio, Noberto; Matteucci, Nicola; Pasquino, Gianfranco. Dicionário de Política. 6ª. ed. Brasília: Ed. Unb, 1994). 19 “Na sua maioria, as ONG intermediárias tendem a manter certa distância dos cidadãos comuns; em contraste, as organizações de base, os grupos comunitários e as organizações populares fomentam a sua participação direta”. BANCO MUNDIAL, 1997. 17

23 gestão do território por parte do Estado. Será que estas organizações estão em contradição territorial com o Estado? Será que as territorialidades construídas por essas organizações não fazem parte das estratégias de domínio do Estado? As formulações dessas questões conduzem a análise da prática territorial destas organizações da vida civil. Contudo para tornar exeqüível este estudo, tomamos uma destas entidades, no caso a FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, para efetuar uma pesquisa analítica. A seguir, a fim de que possamos refletir sobre os aspectos empíricos destas práxis organizacionais e sua relação com o espaço em que se insere, discutiremos os conceitos de território e territorialidade em Geografia Território e territorialidade – um debate permanente Território

A discussão sobre a inserção territorial de uma ONG exige, de antemão, a definição, para fins analíticos, do que seja “ONG” e dos conceitos de “território”, “territorialização” e de “territorialidade”. De acordo com o senso comum, “território” se refere a um espaço qualquer, geralmente marcado e defendido; espaço de sobrevivência de um grupo ou pessoa. O termo, originário do latim “ territorium ” (termo derivado de terra) figurava nos tratados de agrimensura, significando “pedaço de terra apropriada” e, de acordo com Le Berre, difundiu-se efetivamente na Geografia apenas no final da década de 1970. Os conceitos de território e territorialidade interessam a muitas disciplinas do conhecimento e nos últimos anos especialmente à Geografia. Discuti-los e empregá-los não é tarefa simples, pois os inúmeros tratamentos que estes conceitos recebem, oferece a possibilidade de conceituá-los com numerosos significados. Não é nosso objetivo tratar desta problemática, mas discutir os referidos conceitos na acepção jurídico-política que os termos território e territorialidade recebem. O território e, consequentemente, o seu uso,

24 definido como espaço delimitado e constituído por relações de poder, foi utilizado na ciência geográfica, remetendo o seu significado ao território nacional. A associação, então, com o Estado nacional foi de fácil identificação. Isto porque a idéia de Estado esteve sempre associada a um determinado território onde poder e povo exerciam sua soberania. Esta forma de ver o território predominou na Geografia por muito tempo, contudo a maneira de enfocá-lo vem se modificando. Já existem estudos que enfocam o território como construído e desconstruído para além do poder do Estado 20. Podemos considerar como exemplos, nas cidades, de territórios que são construídos e desconstruídos aqueles da prostituição e de grupos étnicos que encontram-se em feiras de produtos típicos de sua região de origem. Necessariamente, nesses casos, temos que indicar que a escala espaçotemporal é de horas. Outro exemplo que nos últimos anos vem ganhando importância é a construção e desconstrução de territórios a partir dos movimentos reivindicatórios que se mobilizam para exigir direitos. Aqui a escala espaço-temporal já é mais complexa variando segundo a proposta reivindicatória e o grau de relação estabelecida pelo movimento na sociedade. Entendendo o território como delimitado e constituído por relações de poder, estaríamos desconsiderando formas diversificadas de enfocar o seu uso que não engessam a sua compreensão, mas a torna muito mais complexa por envolver uma análise que leve em consideração muitos atores. Sendo assim, o território por nós será considerado como delimitado , construído e desconstruído por relações de poder que envolvem uma gama infindável de atores que vão territorializando as suas ações. Para o nosso estudo os atores principais envolvidos seriam as organizações hoje intituladas não-governamentais e o Estado. Em “Les Mots de la Géographie”, dicionário Podemos citar MACHADO, Mônica Sampaio. A territorialidade pentecostal: um estudo de caso em Niterói. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação do D.G. UFRJ, 1992; MATTOS, Rogério B. de; RIBEIRO, Miguel Ângelo C. Territórios da prostituição nos espaços públicos da Área Central do Rio de Janeiro. 1994. Mimeo. E ainda LEROY, 1997. 20

25 crítico de Roger Brunet, o termo território aparece de modo relevante para esta pesquisa em pelo menos duas acepções, que cito abaixo. Embora longa, a citação é necessária a fim de compreendermos melhor as várias dimensões culturais, políticas e sociais, além das físicas propriamente ditas, do conceito de território. Segundo este dicionário crítico a noção de território é jurídica, cultural e social e, pode ser considerada até mesmo afetiva. O território implicaria, hoje em dia uma apropriação do espaço. Ou seja, ele é mais que o espaço. O território não se reduz, portanto, a uma entidade jurídica, e não pode ser assimilado a uma série de espaços vividos sem existência política ou administrativa reconhecidas. O conjunto de ligações ou de relações entre os habitantes que freqüentam o mesmo supermercado no sábado não constituiria, desse modo, território. O território também não é um terreno e nem o ar da cidade, nas palavras de Brunet. Ele não se reduz ao enraizamento dos camponeses a um lugar, e também não ao apego dos cidadãos urbanos a um bairro ou aos lugares que freqüenta. Para definir território é preciso algo mais, e este algo mais é um sentimento de pertencimento (“eu sou daqui”) e de apropriação (“isto é meu”, “esta é a minha terra”, “este é meu domínio”). O território tende a projetar sobre um certo espaço estruturas específicas de um grupo humano. E isto inclui um modo de classificação e gerenciamento do espaço, sua administração propriamente dita.”(Brunet et alli, 1993). O território contribui, por sua vez para a criação destas “especificidades”. Serve para confortar, pelo sentimento de pertencimento. Ele ajuda na cristalização das representações coletivas e símbolos que se encarnam em altos planos de significado. “Conceito relevante da socialização do espaço, o território não é de natureza individual, salvo no sentido restrito da proxêmica, onde existem, por sua vez, territórios individuais e territórios familiares (do lugar ao pertencimento ou à extensão estritamente apropriada)” (Brunet et alli, 1993: 480).

Ampliando a discussão de território surge a relação entre território e rede que é discutida, na

26 mesma obra. Brunet nos diz que território é rede. Opõe-se algumas vezes o território como se considera hoje sob a forma de uma área, à rede, que seria composta de linhas, ligações, relações. Na verdade um território seria constituído de lugares que são interrelacionados. Ele comporta os percursos, com seus pontos importantes, e seus meandros. Seu espaço (do território) é algo diferenciado. A rede, se vista do ponto mais capilar até as ligações mais superficiais, serve para a compreensão de relações que abrangem uma superfície. “Uma folha de árvore tem nervuras, mais e mais finas e ela tem uma superfície. Rede e território estão na mesma relação: o espaço geográfico, que inclui os dois [...] e uma dupla face, areal e reticular. É o capilar que une e transmite a contradição; eis porque administração do território deveria cuidar dele particularmente, em vez de se limitar aos grandes canos dessas infraestruturas pesadas” (Brunet et alli, 1993: 481).

De acordo com Raffestin (1993), o território pode ser definido como: “ [...] uma reordenação do espaço no qual a ordem está em busca dos sistemas informacionais dos quais dispõe o homem enquanto pertencente a uma cultura. O território pode ser considerado como o espaço informado pela semiosfera . [...] O acesso ou o nãoacesso à informação comanda o processo de territorialização, desterritorialização das sociedades. É a teoria da comunicação que comanda nos nossos dias a ecogênese territorial no processo de T-D-R 21.

Para Alliès, o território é o “ter” do Estado, “objeto de um direito especial de soberania, assimilável a um direito real do Estado sobre o solo nacional, distinto do poder deste sobre as pessoas. Assim, a territorialidade arrisca-se a tornar-se um ramo isolado e específico da potência estatal; seu patrimônio ‘natural’”. Outros autores consideram o conceito de território contemporâneo a partir de sua natureza política, domínio no qual as concepções de Estado e fronteira são essenciais. Esta noção de território é a 21

T-D-R Refere-se a Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização.

27 mais tradicionalmente difundida e sua origem é encontrada, na Geografia, na obra de Friedrich Ratzel. Foi ele quem afirmou primeiramente que: “[...] embora mesmo a ciência política tenha freqüentemente ignorado as relações de espaço e a posição geográfica, uma teoria de estado que fizesse abstração do território não poderia jamais contudo, ter qualquer fundamento seguro . [...] sem território não se poderia compreender o incremento da potência e da solidez do Estado .

A concepção do território como “prolongamento do corpo do príncipe”, de Le Berre (1992:618), associa as ideias de dominação 22 (“ligada ao poder do príncipe”) de área dominada por este controle territorial e a de limites, materializados por fronteiras . Um importante trabalho que enfoca a definição de território na perspectiva política e que busca desmistificar sua condição de “natural” dentro do Estado, notadamente do Estado dito burguês, é o de Alliès (1980). Alliès usa como referência concreta a formação do Estado nacional francês, identificando três escolas teóricas que tratam o território como categoria jurídica: território-objeto, território-sujeito e território-função. No território-objeto, ou seja território como objeto do Estado ou como seu “elemento natural”, Alliès se refere à sua reificação . Neste caso o território é considerado “o ter” do Estado e “objeto de um direito especial de soberania assimilável a um direito real do Estado sobre o solo nacional, distinto do poder deste sobre as pessoas. Assim a territorialidade arrisca-se a tornar-se um ramo isolado e específico da Em sua análise clássica da sociologia de Max Weber, Freund afirma: “A atividade política se define, em primeiro lugar pelo fato de se desenrolar no interior de um território delimitado. [...]as fronteiras [...] podem ser variáveis, entretanto, sem a existência de um território que particularize o agrupamento, não se poderia falar de política. Disso decorre a separação característica entre o interior e o exterior [...] . Esta separação é inerente ao conceito de território [...]. Pode-se, pois, definir a política como a atividade que reivindica para a autoridade instalada em um território o direito de domínio, que é a manifestação concreta e empírica do poderio [...] . Esse poderio e esse domínio, segundo Marx Weber, só se tornam políticos quando a vontade se orienta significativamente em função de um agrupamento territorial, com vistas aa realizar um fim, que só tem sentido pela existência desse agrupamento” ( Freund, 1977:160-161).

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28 potência estatal” (1980:11). Ou seja, seu patrimônio natural. Na categoria território-sujeito Alliès compreende que o território não é “objeto” sob domínio do Estado mas um de seus elementos constitutivos de seu “ser”; o modo de existência do Estado no espaço, sua naturalização, que acaba legitimando sua expansão física 23. O autor mostra, ainda, que o território passa, depois, de sujeito do Estado a limite da norma jurídica, pois para aquele autor o território estatal é o domínio de validade territorial de uma ordem jurídica do Estado. “ Simples quadro de competências sobre o solo ”, que exclui o direito privado (Alliès, 1980:12-13). O território-função seria, para Alliès, “ um

território que é meio de ação do Estado e não somente um quadro geo-físico de competência ”. O território, como lócus da administração, desnaturalizado e

instrumentalizado , torna-se um espaço que se pretende de intervenção em toda a coletividade e não um objeto da soberania estatal. Contudo, seu papel ideológico permanece ignorado. Assim, além de “funcional” no sentido prático, o território possui também uma dimensão simbólica, especialmente quando realiza a “ síntese de um solo e uma ideia que é a própria essência da nação ”. (Alliès,1980:15-16). No Brasil, Milton Santos entende que, em se tratando de territórios, devemos pensá-los como formas mas que em se tratando especificamente dos temas mundialização ou globalização é necessário aprofundar o processo de conhecimento deste aspecto da realidade total. Para ele, a noção de território implica os objetos e ações e é sinônimo de espaço humano, habitado. “Mesmo a análise da fluidez posta ao serviço da competitividade, que hoje rege as relações econômicas, passa por aí. De um lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa fluidez

23 Ver também a noção de “espaço vital”de Ratzel que compreendia que a decadência de um povo e de um Estado relaciona-se diretamente à perda de território. Diz ele : “Um povo decai quando sofre perdas territoriais. Ele pode decrescer em número mais ainda assim manter o território no qual se concentram seus recursos;. Mais se começa a perder uma parte do território, esse é sem dúvida o princípio de sua decadência futura” (Ratzel 1990:74).

29 e que são, cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão senão uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada vez mais ações informadas, ações normatizadas. [...] É a partir dessa realidade que encontramos no território, hoje, novos recortes além da velha categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do novo funcionamento do território, através daquilo que estou chamando de horizontalidades e verticalidades. As horizontalidades [são...] os domínios da contigüidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial, enquanto as verticalidades [são...] formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais .” (Santos, 1994:16).

De todo modo as organizações são influenciadas por suas redes de comunicações e podese imaginar que mudanças de rede conduzam a modificações notáveis no arcabouço social do grupo. Portanto, o sistema é tanto um meio como um fim. Como meio nos diz Raffestin (1993:158): “denota um território, uma organização territorial, mas como fim conota uma ideologia da organização. É portanto, de uma só vez ou alternadamente, meio e finalidade das estratégias. Toda combinação territorial cristaliza energia e informação estruturadas por códigos. Como objetivo, o sistema territorial pode ser decifrado à partir das combinações estratégicas feitas pelos atores e, como meio pode ser decifrado por meio dos ganhos e dos custos que acarreta para os atores”.

O sistema territorial pode ser entendido, dessa maneira, como produto e meio de produção. Por esta razão é preciso enfrentar o problema da territorialidade que, segundo vários autores, é um dos mais “negligenciados” pela Geografia. Territorialidade

De acordo com a perspectiva de Raffestin (1993:158) a territorialidade reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade nas sociedades em geral. Segundo ele os homens vivem ao mesmo tempo o processo e o produto territoriais por meio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. Todas elas são relações de poder uma vez que existe

30 interação entre os agentes que buscam modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Sem se darem conta disso, os atores também modificam a si próprios. É impossível manter qualquer relação que não seja marcada pelo poder. Raffestin observa que a noção de territorialidade é complexa e que a história deste conceito em Geografia humana está por ser feita. Ela nos veio dos naturalistas, que sempre abordaram a territorialidade animal e não a humana. Embora tenha sido sondada a mais ou menos três séculos, a noção de territorialidade só foi explicitada em 1920, por H. E.Howard que a definiu como: “A conduta característica adotada por um

organismo para tomar posse de um território e defende-lo contra os membros de sua própria espécie” (Howard apud Raffestin,1993:159). Já nas ciências humanas a noção de territorialidade foi tratada pelos autores que abordaram as relações humanas com o espaço ou com o território. Depois de uma argumentação sistemática que não é possível reproduzir aqui, Raffestin define a territorialidade como:

“ [...] um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema. [...] essa territorialidade é dinâmica pois os elementos que a constituem [...] são suscetíveis de variações no tempo. É útil dizer, neste caso, que as variações que podem afetar cada um dos elementos não obedecem às mesmas escalas de tempo. Essa territorialidade resume, de algum modo, a maneira pela qual as sociedades satisfazem, num determinado momento, para um local, uma carga demográfica num conjunto de instrumentos também determinados, suas necessidades em energia e em informação. As relações que a constitui podem ser simétricas ou dessimétricas, ou seja, caracterizadas por ganhos e custos equivalentes ou não. Opondo-se uma à outra, teremos uma territorialidade estável e uma territorialidade instável. Na primeira, nenhum dos elementos sofre mudanças sensíveis a longo prazo, enquanto na segunda todos os elementos sofrem mudanças a longo prazo. Entre essa duas situações estremas teremos os outros casos, nos quais um ou dois dos elementos podem mudar, enquanto o outro ou os outros permanecem estáveis” (Raffestin, 1993:16061).

31 Por sua vez, o dicionário crítico “Les mots de La Geographie” de Brunet et alli define territorialidade em duas acepções: a primeira o define como aquilo que pertence propriamente ao território considerado politicamente, ao conjunto das leis e regulamentos que se aplicam aos habitantes de um dado território (por exemplo a territorialidade das leis, dos impostos, domínio de ação dos advogados etc) e aos quais apenas a “exterritorialidade” permite fugir. A segunda acepção define territorialidade como relação individual ou coletiva com um território considerado como “apropriado”, no sentido de “tornado propriedade”. A territorialidade não deveria ser confundida, entretanto, com a defesa elementar do espaço necessário à sobrevivência. A identificação com o espaço é tomada no processo de socialização, sobressaindo-se da psicologia coletiva. Ela contribui para a elaboração da identidade do grupo. Contrariamente ao que acontece com as “raízes”, estes princípios são “portáteis”, e permitiram aos migrantes, pioneiros e outros grupos, reconstituir seus horizontes e anseios em novos espaços, ao se apropriarem de novos territórios. Isto é o que permite, inclusive, a cada migrante que se desloca em novos espaços, no interior de uma mesma nação, de uma cidade para outra, refazer seu “território”. Portanto, a territorialidade parece ser um elemento útil à coesão dos grupos sociais. Por outro lado, ela é uma fonte ou um apoio a hostilidades, exclusões, ódios. (Brunet, 1993). “A territorialidade tem alguma coisa de animal (ou de vegetal, vide o termo raízes) e o progresso da humanidade consistiu notadamente em se despojar da territorialidade exacerbada – ou a relacioná-la a um campo na escala de todo o globo. Um pouco de territorialidade cria a socialidade e a solidariedade, muita territorialidade as assassina. Estudar os territórios é um bom modo de lutar contra o terrorismo do territorialismo”. (Brunet, 1993:481).

Sack, (1986) por sua vez, enfatiza a dimensão política e o papel dos limites ou fronteiras na definição do conceito de territorialidade . Para ele, territorialidade significa : “[...] a tentativa, por um individuo ou um

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grupo, de atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos através da delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica ” 24 (Sack, 1986:19). Para Sack, “circunscrever coisas num espaço ou no mapa” permite identificar “lugares, áreas ou regiões no sentido comum, mas não cria em si mesmo um território. Esta delimitação se torna um território somente quando suas fronteiras são utilizadas para afetar o comportamento através do controle do acesso” (Sack, 1986:19). Assim, a noção de territorialidade, para o autor, cumpre, ao mesmo tempo, os papéis de classificação (relacionada à área), de comunicação (relacionada às fronteiras) e de controle ou “aprisionamento”. Vê-se, assim, que nem todo espaço delimitado deve ser compreendido como um território, nem como tal se constitui. Além destas questões é preciso lembrar ainda que o advento da Internet obriga a repensar a noção de atuação em um dado território. Com ela surgiram inúmeras possibilidades de atuação e intercâmbio entre as ONG’s ampliando o quadro de relações sociais, trocas culturais e do próprio planejamento estratégico das atividades das organizações, permitindo pensar a noção de supraterritorialidade.

Supraterritorialidade Supraterritorialidade

No artigo “O território do dinheiro e da fragmentação”, Milton Santos aponta a necessidade, gerada a partir do amplo processo de globalização, de se pensar a reestruturação do espaço geográfico, seja em termos sociais ou financeiros, embora esteja claro que estes não se separam. Apontando a existência de uma certa “esquizofrenia” entre os objetivos do Estado e o modo de vida dos territórios, o que acarreta importantes conseqüências no nível social, diz ele: “Hoje, com a globalização, pode-se dizer que a totalidade da superfície da Terra é compartimentada, não apenas pela ação direta do homem, mas também 24 Para fins deste trabalho, será esta a noção de territorialidade utilizada, dada a abrangência político-territorial da mesma.

33 pela sua presença política. Nenhuma fração do planeta escapa a essa influência. Desse modo, a velha noção de ecúmeno perde a antiga definição e ganha uma nova dimensão; tanto se pode dizer que toda a superfície da Terra se tornou ecúmeno quanto se pode afirmar que essa palavra já não se aplica apenas ao planeta efetivamente habitado. Com a globalização, todo e qualquer pedaço da superfície da Terra se torna funcional às necessidades, usos e apetites de Estados e empresas nesta fase da história.” (Santos, 2000: 81).

Compartilhando esta noção, Francisco de Oliveira (2000), mostra que, no Brasil, esta “supraterritorialidade” tem efeitos nocivos para a própria noção de Estado, uma vez que este já não pode mais estabelecer seus próprios parâmetros, pois “ já não existe enquanto conformação da sociedade ”. “O princípio da territorialidade como jurisdição nacional não é contestado em nenhuma instância, nem por nenhum poder interno ou externo. [...] só que ele é relativamente inócuo, a não ser como jurisdição de controle da força de trabalho. Sob outros pontos de vista, os Estados nacionais, contemporaneamente, foram supraterritorializados: guerra do Iraque, Bósnia, Iugoslávia e Kosovo, Granada, Panamá, para citar os mais ostensivos, e FMI, o menos ostensivo e o mais letal. É o lado da globalização que não é assumido enquanto tal, mais parece impulsionado por um dever global- diga-se as maiores potências, diga-se EUA – de manter os sistemas democráticos (?) em sua aura de intocabilidade. E a performance do capital fictício que se move além fronteiras com a facilidade da Internet, escapa a toda territorialidade.” (Oliveira, 2000:31).

Esta “fuga” à territorialidade baseia-se muito especialmente na fluidez e velocidade das comunicações e da “sociabilidade” por elas gerada. O discurso político, compartilhado pela imprensa, transforma esta velocidade de comunicação e suposta “solidariedade” em uma espécie de “bem comum”. No entanto, como ressalta Milton Santos: “[...] A fluidez potencial aparece no imaginário e na ideologia

como se fosse um bem comum, uma fluidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a possibilidade de utilizá-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade. O exercício desta é, pois, o resultado das disponibilidades materiais e técnicas existentes e das possibilidades de ação. Assim, o mundo da rapidez e da fluidez somente se estende a partir de um processo conjunto no qual participam de um lado as técnicas atuais e, de outro, a

34 política atual, sendo que esta é empreendida tanto pelas instituições públicas, nacionais, intranacionais e internacionais, como pelas empresas privadas.” (Santos, 2000: 83-4).

Juntam-se ao argumento de Milton Santos, as palavras de Guillermo O’Donnel, citadas por Leroy (1997), que imagina um mapa do mundo onde a cor azul designa a presença do Estado de modo eficaz e legal, com pleno gozo da cidadania. Neste mesmo mapa, a cor verde significaria uma forte penetração territorial e baixa presença de classe. A cor marrom indicaria níveis muito baixos ou nulos de ambas as dimensões. Segundo O’Donnel neste mapa o Brasil seria dominado pela cor marrom. Neste mapa, as dinâmicas microrregionais coincidem com o mapa marrom da ausência do Estado de Direito. Em alguns casos a sobreposição do marrom e do azul formam manchas vermelhas que “unem tragicamente os destinos de áreas do Acre, de Rondônia ou do Pará às favelas das grandes metrópoles” (Leroy, 1997: 267). Este contexto obriga as organizações que pensam a construção de uma proposta alternativa de desenvolvimento sustentado a investir grande parte de suas ações e energias na conquista e defesa de direitos básicos de cidadania restando pouco tempo e recursos para a concretização de suas propostas de ação. Francisco de Oliveira observa que este estado de coisas “ desliza perigosamente para uma espécie de anomia estatal, uma falta de formas, uma falsa forma ”. A supraterritorialidade estaria, desse modo, imbuída da “infraestadualidade”, para usar uma palavra que designe um baixo quociente de presença e ação do Estado em determinadas regiões/territórios. Diz ele: “[...] Agora, trata-se de dar conta do que pode ser,

apenas para recuperar o gosto pelo paradoxo a catástrofe tranqüila: um Estado-não-Estado, uma violência não-violenta, uma exceção permanente . [...] Talvez o problema maior consista em que uma nova totalidade não pode ser conceituada senão quando completamente formada: em outras palavras ficam faltando as forças que se opõem ao Estado Shangri-lá para que o trabalho teórico do seu deslindamento possa ser formulado. É sempre a mesma questão: enquanto o conflito não produz a própria fala dos conflitantes, ele não pode sequer ser enunciado. Em outros temos, será

35 preciso que as forças que se opõem a esses sintomas o nomeiem de alguma forma para que sua decifração possa ser feita. Chamá-los simplesmente de neoliberalismo não é suficiente .(Oliveira, 2000:33).

A moeda supraterritorializada, ou seja, mundializada sem a consideração do efeito que seu uso terá nos diferentes territórios, com diferentes territorialidades, está em discussão no âmbito mundial. É neste contexto que se insere o tema das organizações não governamentais, que utilizam, também, em suas, ações esta moeda gerida pelo capital internacional. Pensando com Francisco de Oliveira podemos perguntar se nas relações das ONG’s com os territórios em que se inserem estão presentes as falas conflitantes decorrentes deste processo de globalização. Espero demonstrar, no próximo capítulo, utilizando o exemplo da F.A.S.E., que o modo de inserção das ONG’s pode ser pautado pela territorialidade e por uma estratégia global, especialmente quando, como acontece com a F.A.S.E., a entidade atua simultaneamente em diversos territórios, com diferentes projetos e através inclusive do meio virtual.

36

A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional e sua inserção territorial no Brasil FASE, primeiros momentos

A F.A.S.E. (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), foi constituída como uma sociedade civil, de direito privado, sem fins lucrativos. Seu caráter era educacional, beneficente e de assistência social. Ela já se apresentava como uma entidade vinculada a grupos e movimentos populares, sem distinção de nacionalidade, credo ou raça e com o interesse de reunir, em uma entidade civil, várias instituições de assistência social e educacional com o objetivo de: “contribuir

para a construção de uma alternativa de desenvolvimento fundada na justiça social, na preservação do meio ambiente e na ampliação da cidadania. Apoiar, com uma visão e atuação própria, através de ações educativas e de projetos demonstrativos, a constituição, o fortalecimento e a articulação de sujeitos coletivos do desenvolvimento”25.

Há quem considere, entre os mais antigos participantes da F.A.S.E., que ela teve seu início real, no Brasil, em 1946, através da presença no país da Catholic Relief Service, instituição católica que atua mundialmente como braço da Conferência Nacional dos Bispos NorteAmericanos. Contudo, oficialmente ela surgiu em 1961, no Rio de Janeiro (antiga Guanabara) período em que foi dirigida por um padre norte-americano de nome Edmund Leising26 (missionário dos Oblatos de Maria Imaculada), vindo da organização Cáritas, uma instituição da Igreja Católica, de âmbito internacional, com cento e quarenta e seis organizações membros e atuante em cento e noventa e quatro países. A Cáritas é um organismo, no Brasil, da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos no Brasil27, ligada ao setor Pastoral Social. Dados extraídos do site Internet da F.A.S.E. (www.fase.org.br). Edmund Leising, padre missionário norte-americano dos Oblatos de Maria Imaculada, que dirigiu a F.A.S.E. por treze anos, imprimindo a ela valores e ritmos peculiares. 27 No Brasil ela foi criada em 12 de novembro de 1956, constituindo-se em uma sociedade civil, sem fins lucrativos. Como se vê, a CARITAS brasileira nasce no Brasil 10 anos depois da F.A.S.E. , criada pela CARITAS internacional, através do trabalho do padre Edmund Leising. 25 26

37 Num dos seus documentos, em que narra sua história, ela afirma que: “Foi em 1961, que o escritório no Rio [de Janeiro] da CRS – Serviço Católico de Assistência (órgão da Conferência Nacional dos Bispos Norte-Americanos) incentivou a criação de uma federação que congregasse e ajudasse organizações dedicadas a auxiliar instituições de assistência social e educacional no Brasil. [...] Constituída de acordo com todos os requisitos legais, a nova entidade teria condições de aproveitar e canalizar para os programas de assistência e educação das organizações federadas, todas as vantagens proporcionadas pelo Programa de Ajuda Externa do Governo dos Estados Unidos e pelos programas de outras Entidades Beneficentes Internacionais”. (Histórico da F.A.S.E., 1975:02).

A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional surge então, neste período, de modo ambíguo, pois os interesses e influência da Igreja Católica mesclavam-se aos interesses relacionados com os do desenvolvimento comunitário. O início de suas atividades oficiais foi, portanto, pautado por um programa de alimentação, entre outros, dedicando-se também ao processo de construção de cidadania. Estas atividades exigiram um relacionamento estreito com a Catholic Relief Service - CRS28, inclusive 28 A Catholic Relief Service foi fundada em 1943 pelos bispos católicos dos Estados Unidos para auxiliar às populações carentes do país. Atualmente mantém trabalhos em mais de 80 países e territórios e,no Brasil particularmente, desenvolve os projetos relacionados a tratamento de águas, água potável, direitos humanos e de mediação entre a iniciativa privada e sociedade civil no nordeste brasileiro. Ela norteia seus trabalhos pela noção de que atualmente “os complexos problemas

sociais não podem ser resolvidos por organizações filantrópicas e governos sozinhos. A participação do setor privado com sua capacidade criativa, seus recursos e sua liderança é crucial”. Segundo eles “Ao redor do mundo, companhias que adotaram comportamento socialmente responsável têm conseguido poderosos agentes de mudança dentro dos estados e da sociedade civil” [texto disponível na

Internet via www no seguinte URL: http://www.catholicrelief.org capturado em 15/05/2000]. A Catholic Relief Service e a Aliança para o Progresso. A CRS é um órgão de ação social da Conferência Nacional dos Bispos norte-americanos, que tem como objetivo socorrer vítimas de guerra e de fome. O programa da CRS tem duas partes principais, sendo elas: distribuição de alimentos e desenvolvimento socioeconômico. Quanto ao desenvolvimento sócio-econômico tem por finalidade “dar suporte ao desenvolvimento comunitário, apoiando instituições que disso se ocupam”. Em um de seus documentos em que declara qual sua finalidade, está esboçado o princípio que criou a F.A.S.E., ou seja: “criar, promover e orientar entidades de desenvolvimento”. A Catholic Relief Service auxiliou grandemente na fundação da F.A.S.E. (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), através da organização e formação de técnicos leigos brasileiros. A F.A.S.E. foi criada para ser uma entidade destinada a assumir, no Brasil, a filosofia de desenvolvimento e desempenhar as tarefas inerentes, junto a organizações e governos que não desejassem trabalhar através de organizações da Igreja.

38 perseguindo os mesmos objetivos desta, através de um modelo de um órgão de ação social, seguindo as orientações da CRS29, mas com a especificidade de interrelacionar outras entidades de assistência de desenvolvimento. Embora semelhantes, contudo, os objetivos do Catholic Relief Service e da F.A.S.E. não eram idênticos, conforme se pode depreender do quadro que segue. COMPARAÇÃO DOS OBJETIVOS DA F.A.S.E. E DA CRS

F.A.S.E. – FEDERAÇÃO DE ÓRGÃO PARA ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL FINALIDADE - Tem por finalidade o desenvolvimento comunitário e de auto-ajuda, através de um vasto plano técnico, social e educacional. O BJETI VOS - promover um trabalho de conjunto e cooperação entre organizações de fins congêneres; - estimular pesquisas e planejamentos de atividades entre as entidades interessadas; - acompanhar o trabalho das organizações, valorizando e dinamizando todos os esforços locais; - formular e encaminhar projetos; - procurar obter recursos materiais ou técnicos e planejar a aplicação dos mesmos; - auxiliar entidades jurídicas de direito privado; - analisar resultados para estimular a experiência de conjunto; - divulgar resultados de planos técnicos e projetos pilotos.

CRS – CATHOL IC RELIEF SERVI CE FINALIDADEDar suporte ao desenvolvimento FINALIDADE comunitário, apoiando as instituições particulares que disso se ocupam. Isso determina diversas etapas, múltiplas fórmulas como: - promover e estimular programas; - proporcionar pessoal técnico às organizações interessadas em desenvolvimento; criar, promover e orientar entidades de desenvolvimento; - preparar projetos e enviá-los às fontes de financiamento; - aplicar fundos recebidos; - avaliar movimentos de promoção; - preparar relatórios para as agências financiadoras;

- dar publicidade às experiências e resultados para servir de estímulo e aproximação entre entidades afins. FONTE: INFORMATIVO F.A.S.E. N.º 1 NOV 1965 e INFORMATIVO F.A.S.E. N.º 8 AGO/SET 1966

Oficialmente, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional foi criada em 30 de novembro de 1961, no Rio de Janeiro (Estado da Principalmente, destina-se a servir de colaborador da Igreja no campo não diretamente religioso, isto é, o socioeconômico, onde a Igreja intervém suplementar e transitoriamente. Além disso, executa tarefas que a Igreja não deseja assumir ou tarefas de atribuição não muito bem definida (nesse caso está o exemplo de motorização das paróquias). No histórico da entidade a intenção de criar a F.A.S.E. como agência de captação de recursos é clara:“[...] a nova entidade teria condições de aproveitar e canalizar para os programas de assistência e educação das organizações federadas, todas as vantagens proporcionadas pelo Programa de Ajuda Externa do Governo dos Estados Unidos e pelos programas de outras Entidades Beneficentes”. 29 O relacionamento entre a CRS e a FASE era tão próximo que os escritórios eram no mesmo endereço. Os primeiros escritórios estavam localizados nas cidades da Guanabara, São Paulo, Recife e Belém. O escritório regional de Belém funcionava no mesmo escritório da CRS.

39 Guanabara), em um contexto histórico em que a Revolução Cubana entusiasmava setores de esquerda da América do Sul30. Nesta época, a política externa norte-americana lutava abertamente contra a ameaça comunista. Ocorre, ainda, uma urbanização acelerada, que impõe o êxodo rural no Brasil e que, até então, possuía características agrárias. O binômio desenvolvimento/subdesenvolvimento passou a permear as discussões sobre o caminho a ser percorrido pela economia brasileira. Foi neste contexto que a F.A.S.E. foi criada por um grupo de pessoas lideradas por William Brown, um engenheiro leigo31, que percebia a dificuldade da articulação entre os interesses assistenciais da igreja e da iniciativa privada. Segundo o padre Leising, um dos pioneiros organizadores da F.A.S.E.: “[...] O cara que tinha a primeira ideia era um engenheiro leigo, com o nome de Brown, Bill Brown [William Brown], a ideia dele era usar a F.A.S.E. como ‘transportadora’. Ele conseguiria, como o CRS era católico, ele disse: ‘nós temos que ter uma coisa leiga, que nós vamos ter uma grande abertura de entidades que não querem dar [dinheiro] para a coisa católica. Então, a primeira idéia dele era esta, né? Aí eu estava em São Paulo, trabalhando na Cáritas, então aí quando me convidaram para assumir a F.A.S.E., a minha ideia era totalmente diferente do que esta. É fazer da F.A.S.E. uma entidade que reproduz. Usando pouco material e pessoal competente. Então minha primeira preocupação foi... Qual a primeira coisa que nós fizemos? Procuramos pessoas para poder formular um programa científico de promoção humana que nós chamamos ‘Criatividade Comunitária’ e, a ideia era de trabalhar com a camada da sociedade em diversos níveis: pegar os padres, por exemplo, as freiras, as pessoas que eram os agentes comunitários e treinar eles para poder trabalhar com o pessoal de base, só aí então começamos todos aqueles treinamentos de criatividade comunitária” [Entrevista realizada com o padre Edmund Leising, um dos primeiros administradores da F.A.S.E.].

Nesta época grande parte da esquerda religiosa estava envolvida pelo marxismo de Antonio Gramsci, sociólogo italiano que levantou a questão que reside no fundo das práticas, não apenas das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), como de várias outras organizações populares auxiliadas: “pode o marxismo estar em oposição ao ‘senso comum’ não-teórico das massas?” Sua resposta foi: entre os dois há uma diferença ‘quantitativa’ de grau, não uma diferença de qualidade”. Sugere que a Filosofia como atividade intelectual desenvolveu-se do senso comum e portanto deve permanecer em contato com ele. Assim, o marxismo não ignora os elementos simples do senso comum, mas tenta desenvolve-los até uma concepção mais elevada da vida. 31 William Newton Brown foi o primeiro secretário executivo da F.A.S.E., e o primeiro presidente foi Cláudio Humberto Muniz Braga. 30

40 O Movimento de Criatividade Comunitária, ou MCC, era um movimento para melhorar as condições de vida de um determinado local através da organização dos moradores locais, colocando seus próprios recursos comuns na busca de soluções para seus problemas32. Assim, mãode-obra, materiais, ferramentas, carro, dinheiro etc., eram utilizados em comum no intuito de se atingir determinados objetivos. Os primeiros projetos eram de pequeno porte, baratos, sustentados e realizados pelos próprios moradores. Mas logo que possível a F.A.S.E. propunha métodos de ação já comprovadamente eficazes. Além disso ajudava cada um dos Movimentos de Criatividade Comunitária a se organizar melhor, formando líderes e grupos de moradores, técnicos de reunião, de levantamento, de planejamento etc. Ajudava ainda a busca do apoio de autoridades e de organizações. Ela também avaliava os sucessos e falhas propondo o aprimoramento dos projetos a partir da reflexão coletiva sobre as experiências da comunidade. (Informativo F.A.S.E., ano 07 no. 54, Setembro,1971). A ideia de constituir uma federação é explicada como sendo um mecanismo idealizado pelo padre Edmund Leising com a finalidade de congregar na mesma entidade vários trabalhos sociais da igreja, pois o Cardeal Dom Eugenio Sales, hoje na diocese do Rio de Janeiro, por exemplo, mantinha um programa de atividades em Natal, no Rio Grande do Norte, outros bispos realizavam trabalhos sociais em outros lugares, e com uma federação passariam a se unir numa mesma entidade. A ideia, contudo, não vingou e a F.A.S.E. terminou se tornando uma entidade autônoma que o padre Leising cuidou para que não ficasse, também, vinculada à CNBB33. O primeiro local de trabalho da F.A.S.E. foi a O Movimento de Criatividade Comunitária baseia-se em três convicções: 1) – A de que o autêntico desenvolvimento só pode ser participativo, e a comunidade interessada só pode se desenvolver através de si mesma; 2) – As pessoas, grupos e comunidades têm capacidade de criar novas e múltiplas soluções para todos os problemas e de abrir novas perspectivas de ação para se realizar completamente; 3) – A criatividade pessoal e comunitária pode ser educada, organizada e dinamizada por treinamentos e métodos adequados. Sua máxima, “Dá um peixe ao pobre mas, ensina-o a pescar” é a síntese destas ideias também referidas como de ajuda e autoajuda.(Informativo F.A.S.E., ano 6, no. 46, Outubro, 1970). 33 Durante muito tempo a F.A.S.E. esteve vinculada diretamente à CNBB. A F.A..S.E./RECIFE, por exemplo, em 1964, trabalhava no convênio firmado entre CNBB-Nordeste, USAID, SUDENE e CRS-F.A.S.E. para executar projetos de desenvolvimento no polígono das secas. 32

41 paróquia, devido ao mais fácil acesso do padre Leising a esta população, neste “território católico”. No entanto, logo se apresentaram dificuldades com relação à participação, nos projetos da Federação, das demais denominações religiosas, como por exemplo, os protestantes. “[Então] fui procurar Church World Service, Luteran Relief, os evangélicos e disse: por que que nós não fazemos F.A.S.E. juntos? F.A.S.E. não é uma entidade católica. Eles aqui começaram a conversar e tal. Aí eu fui para Nova Iorque conversar com os chefes deles lá. Igual à CRS, em Nova Iorque tem Church World Service; é uma enorme entidade que fomentava trabalho em todos os países como a Catholic Relief . Cada uma tinha sessenta países.[...] Então eu fui direto pra eles lá e disse: olha, conversei com o pessoal no Brasil, e eles têm um certo interesse; os caras [disseram] “Olha seu padre o senhor está enganado. Eles estão enganando você, lá. Aquela turma lá só quer roubar católicos, que eles não têm gente. Você tem que lembrar que protestante no Brasil é pouquíssimo, então que que eles vão fazer? Eles vão aqui pra tirar gente daqui, então não adianta fazer essa camuflagem [...] Aí então deixei a coisa de lado, não fui atrás de mais ninguém e por isso caiu mais dentro de paróquia [...] No entanto, sempre insistimos no ecumenismo que nós, eu, tinha na F.A.S.E. desde o início.”. [Entrevista realizada com o padre Edmund Leising, um dos primeiros administradores da F.A.S.E.]

Assim, a F.A.S.E. foi originada por uma união dos leigos com a Cáritas (ligada à CNBB) e constituída conforme os requisitos legais, beneficiando-se, ainda, do Programa de Ajuda Externa do Governo dos Estados Unidos e de outros programas de entidades beneficentes internacionais. Uma das primeiras atividades da F.A.S.E. foi a distribuição de alimentos em algumas regiões. Segundo o padre Leising, a primeira atividade, de fato, foi o estabelecimento de treinamentos para o pessoal que se envolveria no trabalho comunitário. Neste momento, o ecumenismo foi adotado como princípio, a fim de se obter a maior adesão possível de participantes e de atingir um maior público que se interessasse pelo trabalho. Padre Leising narra que abriu mão completamente do caráter católico exclusivista para a F.A.S.E., que nesta época era ainda fortemente enlaçada com a CNBB: “[...] Sempre insistimos no ecumenismo. [Havia] desde o início gente que não era católico; fiz questão de dizer que nós não vamos falar de um lado da boca que nós somos ecumênicos e de outro lado de boca falar que nós somos só católicos. Então eu quero gente que não é católico, gente que não acredita nada pode ser, eu não faço questão nenhuma de... nunca

42 perguntei ninguém que entrou na F.A.S.E.: ‘você é espírita?, você é protestante?, você não acredita em nada?, isso não. Eu respeito a sua maneira de ser. Agora nós estamos formando, aqui, uma equipe que pretende mudar esse sistema, essa é a nossa ideia. Nós queremos uma mudança para o bem comum do Brasil. Então todos esses treinamentos tinha essa visão, de pegar a realidade aqui, seja quem for, visa o bem comum do Brasil”. [Entrevista realizada com o padre Edmund Leising, um dos primeiros administradores da F.A.S.E.].

Criada como uma federação34, a F.A.S.E. passou a manter relações com várias entidades na esfera governamental e privada, além de percorrer várias agências financiadoras buscando a captação de recursos, com a finalidade de atender às demandas dos seus trabalhos. Depois dos treinamentos, tiveram início os trabalhos comunitários visando não apenas uma realização assistencial, mas também a reflexão dos grupos a respeito de suas necessidades. Através do questionamento destas necessidades, buscava-se atingir um objetivo maior de conscientização das classes trabalhadoras. Em cada lugar, em cada grupo, realizavam-se questionamentos de fundo político. Isto levava o poder local a considerar o trabalho da F.A.S.E. como algo de cunho subversivo, especialmente considerando que ele acontecia durante os anos da ditadura militar no Brasil. Segundo o padre Leising, várias vezes ele foi chamado a responder perguntas a respeito do teor deste trabalho: “[...] Por que vocês estão querendo fazer creches, fazer escolas, fazer ambulatórios, fazer sindicato? [...] Por que quer construção de casas? Só pra fazer mais dez casas no Brasil? Isso não quer dizer nada [...] eles consideravam isso subversivo, pela finalidade que nós tivemos, pelo quadro referencial que a gente tinha”. [Entrevista realizada com o

padre Edmund Leising, um dos primeiros administradores da. F.A.S.E].

O padre Leising diz ter notado que o avanço do trabalho da F.A.S.E. tinha, nesta época, como necessidade básica, dada a extensão territorial a ser percorrida, a motorização do clero: 34 Em 1962, entre as várias organizações federadas, destacavam-se: Cooperativa Banco do Maranhão Ltda., em São Luiz – MA, o Instituto Regional de Fomento à Assistência Social, IRFAS em Porto Alegre – RS, a Coordenação dos Órgãos Regionais dedicados à Assistência, CORDA em Crato – CE, o Serviço de Assistência Rural, SAR em Natal – RN e a Cooperativa de Colonização Agrícola Pindorama, em Penedo – AL.

43 “[...] Aí então eu disse: olha, para pegar esse pessoal mesmo, é com a motorização do clero. Aí entrei naquele projeto. Porque eu vi que as paróquias, os padres, não tinham carro, aquela coisa toda. Eu disse: a isca de poder fazer essa coisa funcionar é criar, e eu criei aquele programa em 1965, fins de 1964 para 1965, e foi até fins de 1967”. [Entrevista realizada com o padre Edmund Leising, administradores da F.A.S.E.].

um

dos

primeiros

Em 1964, portanto, a F.A.S.E. iniciou uma ação35 junto às paróquias, contratando o Sr. Francisco Roggia, para trabalhar na Campanha de Motorização do Clero, que visava adquirir transportes próprios para os trabalhos pastorais, estendendo-os às escolas, distribuindo livros, roupas e medicamentos aos estudantes e famílias carentes. Nesse período as atividades de promoção agrícola e de educação sanitária, criação de “Fundos Rotativos para Cooperativas” e o “Planejamento de Obras Sociais” são destacadas na região Amazônica. A motorização do clero serviu, ainda, como fator de aglutinação e mobilização, através da comunicação entre a Diocese e as paróquias, que foram conclamadas a participar, de acordo com suas possibilidades, no processo. O discurso do padre Leising, para o clero, apoiado em sua apresentação formal pelo bispo, era baseado, como em seu discurso de organização comunitária, nas necessidades intrínsecas aos objetivos do grupo: “[...] Eu [apresentei] a F.A.S.E. e disse: olha aqui, nós temos 14 pontos. Um é comunicação, temos que começar em algum lugar, com pobre ele quer começar com casa dele, ele quer escola pra criança, ele quer creche para criança, pra mulher poder trabalhar, agora com vocês eu to acreditando que é veículo que vocês precisam. Um padre motorizado vale por dois. E palmas, aquela coisa toda, pronto entrava. Agora, para que isso possa acontecer, eu tenho que fazer um levantamento da Diocese. Eu quero saber onde estão as paróquias que precisam de carro. E eu vou começar na paróquia mais rica da Diocese e vou explicar para o povo que esse padre aqui, no caso Copacabana, precisa de carro. Sem dúvida nenhuma. Mas eu estou dando carro pra ele porque eu tenho certeza que vocês vão ajudar a atingir os mais pobres. Porque [...] pra levantar esse carro aqui, preguei 13 vezes num domingo na Igreja Copacabana. Forte de Copacabana, coisa fácil levantar esse carro. Mas eu quero que vocês me ajudem aqui embaixo, que aí eu vou para esse aqui, vou dizer: Olha aqui, na sua paróquia paupérrima vou levantar dez por cento do valor desse 35 Os trabalhos da FASE iniciaram-se na Região Nordeste em 1964, através de convênio firmado entre CNBB-Nordeste , USAID, SUDENE e CRS-FASE.

44 carro. Agora, não quero nada desse dinheiro. Você vai criar sua paróquia, vai montar sua paróquia, sua parte social da paróquia com esses 10 por cento: arquivo, uma pessoa tempo parcial e, daí, eu entrego o carro. rro. Então foi essa a entrada nas paróquias, foi realmente através da motorização”. [Entrevista realizada com o padre Edmund Leising, um dos primeiros administradores da F.A.S.E.].

A motorização do clero parece, ainda, ter servido à ampliação do alcance do o trabalho da F.A.S.E., espraiandoespraiando se da paróquia por toda a Diocese, aumentando, assim, o campo territorial de influência da Federação. Quando lhe perguntei sobre as dimensões territoriais do trabalho, ou seja, se ele se restringia à paróquia, ou extrapolava extrapol para o extra-territorial territorial (o bairro, por exemplo), e se a base era a igreja, respondeu: “[...] nosso alvo foi sempre aqui a área global (Diocese), paróquia era a área piloto. [A base era a igreja] atingir toda área [...] Aí a CNBB ficou tão empolgada com om essa idéia que me convidou para ser [da] Ação Social da CNBB. Aí em 78 eu entrei lá” [Entrevista realizada com o padre Edmund Leising, um dos primeiros administradores da F.A.S.E.].

Recibos de arrecadação junto a população para arrecadação de fundos para a compra de automóveis para a Igreja Católica

Em 1966, a F.A.S.E. lançou uma campanha escolar que se estendeu por todo o Brasil. Essa campanha consistia em coletar, nas escolas, para a distribuição às famílias necessitadas, cessitadas, livros, roupas e medicamentos, lançando, ainda, um sistema de bolsas de estudos denominado “Ajude uma criança a estudar” (Help a Child Program), com recursos doados pelos católicos americanos. Nesta época, a tônica filosófica da F.A.S.E. ainda é o princípio cristão da caridade. Contudo, em 1966 ela já tinha como finalidade a

45 conscientização das populações com relação às questões sociais. Mesmo assim ainda se propunha a arrecadar e distribuir cadeiras de rodas, remédios, equipamentos cirúrgicos e hospitalares, roupas, utensílios domésticos, móveis etc. (Informativo F.A.S.E. no. 08, Agosto/Setembro, 1966).

Fonte: FASE. Informativo FASE. Rio de Janeiro, n. 12, abr., 1967.

Em 1967, um ano de transição para a F.A.S.E., F.A.S.E. ela passa a desenvolver seus trabalhos obedecendo a uma organização regional, visando contribuir para o desenvolvimento nacional. Sem abandonar as atividades que já vinham sendo realizadas, a Federação passa também a se dedicar à promoção e integração de comunidades pela “Auto-Ajuda” Ajuda” e pelo “Movimento de Criatividade Comunitária”, com base na Teoria de Organização Humana36. A F.A.S.E. é apresentada e Uma marcante característica da F.A.S.E. nos primeiros tempos foi o que se convencionou chamar de “Teoria dos 14 sistemas“, adaptada para a prática comunitária por Waldemar Grigori, seminarista com Mestrado em Sociologia que traduziu, em linguagem acessível para as comunidades, a teoria do sociólogo Antonio Rubbo Muller, publicada em 1959 pela Fundação Escola de Sociologia e 36

46 comentada, em janeiro de 1967, pelo Informativo F.A.S.E., como uma entidade de autoajuda que se propõe a entrar en na comunidade, examiná-la, la, estudar seus problemas e, juntamente com ela, procurar a solução37, com um programa de auto-ajuda e auto-promoção, e diz ainda: “F.A.S.E. não é um pedinte universal. Orgulha-se Orgulha de sua missão de chamar todos, ao seu dever de justiça social, vocação da solidariedade social, e, convocar a imaginação criadora de todos para criar soluções aos problemas que são de todos” [Informativo F.A.S.E., no.. 11, janeiro, 1967].

Imagem representando a origem da ajuda ao estudantes pobres – Informativo FASE, nº 17, set., 1967

A F.A.S.E. entende, neste período, como comunidade as paróquias e equipes diocesanas, passando a trabalhar com toda a população, adotando uma nova Política de São Paulo, intitulada “Teoria de Organização Humana – sua propedêutica e didática especial – complementos entos de didática geral”. Esta teoria propunha dividir a comunidade em 14 “sistemas”, cada qual recebendo tratamento diferenciado. São eles: família, saúde, educação, religião, lazer, economia, produção, comunicação, associativismo, subsistência, valores culturais, ulturais, direitos e deveres, segurança e bem comum.Seu principal instrumento de aplicação foi a “Cartilha de Auto-Ajuda”, Ajuda”, estabelecida pelo próprio Grigori. A metodologia foi desenvolvida com a ajuda da Universidade de São Paulo, visando um instrumento adaptado aptado a realidade brasileira e também com maior embasamento teórico. 37 A participação do Sr. Waldemar de Gregori, Coordenador do Departamento de Sociologia, chama a atenção para o desenvolvimento das comunidades através da autoajuda e criatividade comunitária, ária, insistindo sobre as necessidades da integração de equipes técnicas.

47 atitude. No período que vai de 1968 a 1970, a F.A.S.E. finaliza o programa de Motorização do Clero, depois de já ter distribuído 1280 veículos para paróquias, hospitais, escolas e entidades beneficentes. Ela permanece atuando com os programas que já mantinha ou ajudava a desenvolver, além de estabelecer um novo programa de assistência escolar denominado: “Mais uma criança na Escola” (MUCE), para obter bolsas de estudos para estudantes brasileiros. É nesse período também que a F.A.S.E. estreita suas relações com outras entidades como: ”LBA (Legião Brasileira de Assistência), ACAR (Associação de Crédito Rural), SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), MOC (Movimento de Organização Comunitária) , MEB ( Movimento de Educação da Base) e outros, visando a troca de experiências e assessoria técnica, além de estimular a integração em planos de desenvolvimento globais. Nesse período a Federação passa a contar, também, com trabalhos de colaboração voluntária, e é reconhecida, em 24 de junho de 1968, pelo Governo Federal, como “Entidade de Utilidade Pública”. “Para desenvolver e expandir os trabalhos, a F.A.S.E. criou o programa ‘Voluntários do Brasil’. Eram técnicos em comunidades e trabalharam durante um ou mais anos, no Norte, no Nordeste, no Centro e no Sul do país, nas áreas onde a F.A.S.E. atuava”. [Histórico da

F.A.S.E., 1975:14].

O modo de ação da F.A.S.E., neste período obedece à seguinte sistemática: A equipe, uma vez solicitada pela comunidade, vai até ela e faz um estudo do problema a ser enfrentado. A comunidade, em conjunto com a F.A.S.E. estabelece um projeto com método de trabalho. A F.A.S.E. apresenta este projeto ao Bispo. Se o projeto for aceito busca-se financiamento para ele através da assinatura de um convênio. Este convênio propicia a cobertura financeira para o início do projeto e da um carro para o diretor e equipe. Ele cobre ainda os custos do equipamento, do escritório e o treinamento de técnicos. Em resumo, o projeto se divide em duas partes: 1) – Formação de líderes e 2) – Mobilização da comunidade para a iniciativa de autopromoção. Em 1968 os recursos vinham basicamente de quinze mil dizimistas, contribuintes e fontes locais

48 permanentes. este período, ainda, a figura do Bispo centralizando as decisões é fundamental. (Informativo F.A.S.E., ano 4, no. 23, maio, 1968). Em julho de 1969, a F.A.S.E. teve alterações em seus estatutos, tornando oficial o caráter que sua evolução adquiriu durante os oito anos de sua existência. No artigo 2o, por exemplo, constam novos objetivos, conforme se pode ver abaixo: “a) Promover o desenvolvimento global participativo das comunidades, através da capacitação de seus líderes em criatividade comunitária e assessoria técnica a projetos dos programas de seu respectivo plano; b) proceder à suplementação de recursos integrados em comunidades, insuficientes para a execução de seus planos de desenvolvimento, podendo, para isso fazer convênios com entidades nacionais e internacionais dedicadas ao desenvolvimento, obter recursos financeiros, técnicos, materiais, equipamentos, bens móveis e imóveis; c) criar e estimular movimento e organismos para promoção do desenvolvimento global participativo do Homem...; d) criar, aperfeiçoar e transmitir metodologia científica, bem como divulgar pesquisas referentes ao Desenvolvimento Social Brasileiro ”. [Histórico da F.A.S.E., 1975:16].

No final do ano de 1969 houve a separação definitiva entre a F.A.S.E. e a CRS, passando a F.A.S.E. a ter sua independência financeira e física e deixando em segundo plano sua característica de realizar atividades de acordo com o modelo tradicional da Igreja, ganhando, a partir de então, novos espaços e reconhecimento. Após esse fato, em 1971, a F.A.S.E. abandonou algumas das suas atividades anteriormente desenvolvidas, tais como Campanhas Escolares e atividades dos Departamentos de Engenharia e Cooperativismo, continuando com outras, que condiziam mais completamente com o novo caráter que chamava para si, como por exemplo, os programas de bolsas de estudos e atividades de projetos38. As atividades comunitárias da F.A.S.E., em 1972, passaram do número de 118 ao de 144, o que mostra que sua desvinculação de uma denominação religiosa particular Foi durante os anos de 1971 e 1972, que a FASE teve sua estrutura organizacional consolidada, com escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Cametá, Santarém, São Luís, Recife, Fortaleza, Garanhuns, Espírito Santo, Niterói, Guanabara e Porto Alegre, totalizando 13 escritórios.

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49 proporcionou-lhe a capacidade de captar mais recursos de diferentes empresas e entidades. Como queria Willian Brown, desde o princípio. A ação de assistência social da F.A.S.E.

Os primeiros quinze anos da F.A.S.E. foram dedicados à ação de assistência social e, depois, passou a dedicar-se à promoção social. Esse trabalho, como vimos, era realizado basicamente nas paróquias da Igreja. Posteriormente a F.A.S.E. chegou aos bairros através do Movimento de Criatividade Comunitária e, depois do MCC, chegou ao Movimento Sindical. Segundo o padre Jean Pierre Leroy39, que participou neste período do trabalho da F.A.S.E., esta passagem da ação no movimento comunitário se deu em pelo menos três momentos e dimensões diferenciados. De acordo com sua interpretação: “[...] Eu acho que não aconteceu no movimento de bairro e foi para o movimento sindical. Primeiro, acho que continuou também essa linha. Agora, na época da Criatividade Comunitária, de qualquer modo, a F.A.S.E. formou pessoas, militantes mesmo, com todas as limitações desses 14 sistemas e na própria clientela da F.A.S.E., diria no meio de pastoral ela já começou a localizar, formar gente. Então uma parte do pessoal que entrou na F.A.S.E. vinha desse meio de militância da Igreja, outra parte eram técnicos chamados com sua suposta qualificação (você tinha técnicos agrícolas porque a F.A.S.E. procurava técnicos agrícolas) e uma terceira parte veio, eu diria, de uma auto-crítica do movimento foquista do [...]... fins dos anos sessenta, começo dos anos setenta, em que alguns militantes perceberam que [...]... já era o fim da ação armada e alguns perceberam que não era o caminho para armar a ação política e que tinha que [...]... voltar aos trabalhos de massa, trabalho de base. Então eu acho que a F.A.S.E., no 39 Ex-padre de origem francesa, fez Mestrado em Educação na Fundação Getúlio Vargas, e trabalha na F.A.S.E. desde 1975. Chegou ao Brasil em 1971, e foi contratado pela F.A.S.E. em 1975. Foi Coordenador Nacional no período de 1978 a 1982 e, atualmente, é assessor da Área de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Federação. O ex-padre explica do seguinte modo sua inserção no trabalho comunitário da F.A.S.E. : “Eu era padre e, na França eu trabalhava no meio dos

operários e dos imigrantes, no Norte da França, onde tinha uma proporção importante de imigrantes portugueses e da África do Norte. Então, eu tinha um trabalho pastoral, mas também militante e de muita assessoria aos movimentos sindicais, organização de bairros, essas coisas. Então, minha experiência vem de lá. Agora, quando cheguei ao Brasil, em 71, eu fiquei vivendo na área rural, acompanhando os pequenos produtores e pescadores na roça e na pesca, trabalhando com eles, para entender e compreender melhor a mentalidade.[...] Assumi a direção da F.A.S.E. em 1978.”

50 seu quadro, foi uma certa combinação de alguns quadros políticos: quadro de pastoral e pessoal mais profissional, mais técnico. Então [...]... eu sei quando entrei na F.A.S.E. nacional e tinha uma reflexão política. Agora, por exemplo, em 1974, 1975, fizeram um estudo sobre o Espírito Santo, um diagnóstico. O ponto de partida para voltar à questão do trabalho, foi a formação profissional. Mas, de qualquer modo, então, diziam ‘tem que ir fazer formação profissional’. Daí era um diagnóstico que concluía que a F.A.S.E. deveria [...] se voltar para a formação profissional. [...] o que era também uma maneira de voltar à questão operária, oferecendo cursos. Agora, como era ditadura, não se colocava ‘vamos voltar à questão da organização sindical’; dizia: ‘não, vamos voltar à questão profissional’” [Entrevista com o ex-padre Jean Pierre Leroy].

Os recursos humanos, financeiros e institucionais da F.A.S.E. , e sua transformação em Organização não Governamental

A F.A.S.E. desempenhava sua funções específicas em estreita ligação com algumas organizações estrangeiras e nacionais. As primeiras articulações são assim descritas no “Informativo F.A.S.E40”: • • •

Catholic Relief Service - CRS, órgão do Episcopado NorteAmericano; CÁRITAS BRASILEIRA (criada em 1956 pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil –CNBB), visando, inicialmente, a execução do programa de alimentos, e AID Point IV, programa de ajuda externa do governo norteamericano (particularmente colaborando no que diz respeito à distribuição de alimentos). Segundo padre Leasing (primeiro administrador da F.A.S.E.), em seu discurso publicado no Boletim Informativo de 1965 com o título de “O Papel das Agências Voluntárias”, toda forma de organizar a F.A.S.E., sua estrutura e os projetos tinham como objetivo unir pessoas para a solução de problemas dos próximos, baseado no “espírito de comunidade mundial”, idealizado pelo falecido presidente John F. Kennedy, realizado através da Aliança para o Progresso. Alguns aspectos práticos para a execução da 40 O Informativo F.A.S.E. é uma publicação da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, distribuída periodicamente, dando conta dos trabalhos e projetos da instituição entre outras coisas.

51 tarefa de unir os homens pelas Agências Voluntárias, podem ser destacados, conforme padre Leising. São eles: “a utilização de alimentos para o desenvolvimento da comunidade; o papel das Agências Voluntárias, sua flexibilidade, seus contatos vivos com a comunidade, sua experiência com projetos pilotos e seu interesse nos pequenos problemas dos humildes; e o fato de abrirem caminhos para novos programas”. [Boletim Informativo F.A.S.E., setembro, 1965].

O articulista do Informativo, assim descreve a criação e objetivos da F.A.S.E.: “A CRS ( Catholic Relief Service ) auxiliou grandemente na fundação da F.A.S.E. (Federação De Órgãos para Assistência Social e Educacional), organização técnica, leiga, brasileira, sem fins lucrativos, destinada a assumir, no Brasil, a filosofia de desenvolvimento e desempenhar as tarefas inerentes, junto a organizações e governos que não desejam trabalhar através de organizações da Igreja. Principalmente, destina-se a servir de colaborador da Igreja no campo não diretamente religioso, isto é, o sócio-econômico, onde a igreja intervém suplementar e transitoriamente. Além disso, executa tarefas que a Igreja não deseja assumir ou tarefas de atribuição não muito bem definida (nesse caso está o exemplo de motorização das paróquias)” [Boletim Informativo F.A.S.E., setembro, 1965].

Captação de recursos

Verificando o histórico da entidade e sua relação com a CRS, fica clara a intenção desta de criar a F.A.S.E. como agência de captação de recursos: “[...] a nova entidade teria condições de aproveitar e canalizar para os programas de assistência e educação das organizações federadas, todas as vantagens proporcionadas pelo Programa de Auto Ajuda Externa do Governo dos Estados Unidos e pelos programas de outras Entidades Beneficentes” [Histórico de FASE 1975].

Como o surgimento da F.A.S.E. deu-se em um contexto histórico de redefinição da política norte-americana para a América do Sul, o fato de uma das suas primeiras atividades ser a de cuidar da distribuição de alimentos juntamente com a CRS, indica que ela, evidentemente, não poderia deixar de se beneficiar dos programas executados através do acordo da Aliança para o Progresso. Sendo a CRS um órgão de ação social, mas que segue a política do Programa de Ajuda Externa do Governo dos Estados

52 Unidos, podemos perceber que o discurso sobre as agências voluntárias para ajuda aos necessitados, oculta os verdadeiros objetivos da política de cooperação internacional41 do governo dos Estados Unidos com o Brasil. O convênio firmado no ano de 1964, entre a USAID, a SUDENE, a CNBB-Nordeste e a CRS-F.A.S.E., passou a ser um exemplo do âmbito de articulação da entidade. Nesse convênio, cabia à F.A.S.E. a parte de Assessoria Técnica para executar projetos de desenvolvimento na área do polígono das secas. Foram aprovados 27 projetos que serviram à construção de sedes, estradas e até à compra de equipamentos. Outro convênio de importância para a F.A.S.E. foi o firmado com o Governo da Amazônia e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário. Esse convênio tinha como objetivo capacitar e treinar líderes e trabalhadores rurais, criar um sistema de extensão adequado à Amazônia e criar a Associação de Crédito Rural – ACAR. A F.A.S.E. também fez um acordo com o Sidney Ross Laboratory do Rio de Janeiro, para o recebimento de medicamentos e posterior distribuição na Amazônia. Para isto, a captação de recursos, foI feita através de fontes doadoras de âmbitos nacional e internacional. Entre as de âmbito nacional destacamos: Legião Brasileira de Assistência – LBA; Cia. De Navegação Netumar S/A; Cia Brasileira de Pavimentação de Obras; Banco Lar Brasileiro S/A; Gillete do Brasil Ltda.; Petróleo Gulf do Brasil S/A; Associação Mantenedora do Hospital dos Estrangeiros e Coca-Cola Indústria e Comércio Ltda. Já na esfera internacional destacam-se: Caritas Zentrale; Canadian Catholic Conference; Canadian Catholic Organization for Nesse caso concordamos com CARDOSO que assim define a cooperação internacional: “A cooperação internacional com os países em desenvolvimento se faz nos planos econômico, político e cultural. A cooperação econômica concerne à concessão de capital aos países atrasados, seja sob a forma de investimentos diretos, seja como financiamento ou empréstimos. Aí entram: o Estado, a empresa particular e as entidades financeiras internacionais. A cooperação política se estende ao plano ideológico, pela adesão a mesma [causa] e ao plano propriamente político, através de apoio às posições assumidas. A cooperação cultural se faz sentir principalmente no domínio da técnica, particularmente vinculada com as necessidades do processo de crescimento econômico. Parece possível, pois, referir a cooperação internacional como ocorrendo em dois níveis básicos: o econômico, em que se encontram o capital e a técnica, e o político”. (CARDOSO,1978).

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53 Development and Peace; National Council of Catholic Womem; Pan American Development Foundation; Raskob Foundation; Catholic Medical Mission Board; Catholic Relief Services; OXFAM42. Pelo exposto podemos notar que as articulações criadas pela F.A.S.E., tanto se deram em relações com empresas e organismos governamentais do país, quanto com instituições que atuam no âmbito da cooperação internacional. Os trabalhos desenvolvidos pela Federação, desde a sua criação até a década de setenta, foram de característica assistencial e abrangeram uma diversidade temática e espacial demonstradas pelo mapa 1. A estrutura da entidade foi organizada em departamentos de engenharia civil, agronomia, sociologia, assistência social, medicina, enfermagem e cooperativismo. Nesses departamentos trabalhavam voluntários vindos de vários países, envolvidos no projeto denominado “Voluntários da Paz”. Estes voluntários vinham através da “United Nations Association”. Estes voluntários eram colocados à disposição da F.A.S.E. pela CRS e distribuídos pelo País de acordo com as necessidades de cada região e também com a especialidade de cada um. Estes voluntários vinham da Europa de países como a Inglaterra e Escócia e outros e tinham formação de nível superior como por exemplo sociólogos, assistentes sociais, enfermeiras, agrônomos, engenheiros civis etc. De algum modo todos mantinham relações com a CRS. Nesse mesmo período, mais precisamente à partir de 1965, houve uma modificação nos tipos de trabalhos realizados, passando a F.A.S.E. a exercer o papel de agência para projetos (como dizem seus diretores e técnicos, passa-se da assistência à promoção), orientando os padres no que diz respeito ao trabalho comunitário com lavradores, elaborando projetos, fazendo orçamentos e formando equipes técnicas em várias regiões do País, onde não havia especialistas para assessoria técnica. Também foi nesta época que a F.A.S.E. passou a perceber que “ajudar” o povo carente era pouco, sendo necessária a participação deste mesmo povo na busca de 42 “A OXFAM surge durante a guerra, em 1942, a partir de um comitê que reúne na Universidade de Oxford para a ajuda a atingidos pela guerra na Europa”.

54 solução para os problemas locais. A Federação passou, então, a empenhar-se nesse sentido, incentivando o “desenvolvimento comunitário”, através do estímulo a pesquisas e planejamentos, promovendo trabalhos em conjunto. Equipes acompanhavam os trabalhos das organizações comunitárias, inclusive auxiliando entidades jurídicas de Direito privado. Como proposta complementar a este trabalho, a F.A.S.E. passou a efetuar também uma ação de cunho educativo, aproveitando o contexto para ensinar aos grupos interessados os modos de organizar-se coletivamente. A promoção consistia em desenvolver as comunidades através do processo de auto-ajuda e “Criatividade Comunitária”, estimulando a solução dos problemas através de saídas criativas geradas no próprio grupo. Paralelamente, orientavam os grupos com a noção de que, como cidadãos unidos, suas reivindicações teriam mais força, mantendo um bom relacionamento com a CRS. Procurando manter o lema “não dê o peixe, ensine a pescar”, são executados vários programas nas áreas de educação (alfabetização de adultos, escolas comunitárias, bolsas de estudo); higiene e saúde (campanhas de filtros e privadas, cursos de enfermagem e primeiros socorros, construção de lavanderias, de casas, instalação de ambulatórios, maternidade, equipamento hospitalar); reintegração social do hanseniano (cultivo de pomares e hortas, salas de cirurgia, lavanderias, artesanato, cursos de datilografia, corte e costura); incentivo à agricultura (fundos rotativos para sementes e fertilizantes, cooperativas agrícolas, treinamentos agrícolas); e aproveitamento de mão de obra (montagem de fábrica de vassouras, construção de silos) (FASE Folheto Explicativo 1975). Em um primeiro momento, portanto, a F.A.S.E. se caracterizou como um elemento de contato entre fontes internacionais e nacionais de assistência. Em seguida deixou de ser somente uma “federação de assistência” e passou a prestar assessoria técnica. Esta etapa foi classificada como de “promoção social “com algumas características de participação, mas de uma forma precária”. Os primeiros beneficiários dos trabalhos programados e executados foram os povos carentes. Foram dirigidos a eles os recursos arrecadados através de doadores individuais (associados), fontes doadoras

55 nacionais e internacionais. A Federação, no campo de relações que estabeleceu, mantinha, como mantém, convênios com entidades que também tinham como destinatário de seus trabalhos grande parte de “desassistidos” da sociedade brasileira. É através de entidades assistenciais ou via Igreja Católica que se chega aos pobres. Os lavradores foram um dos grupos beneficiários da atuação da F.A.S.E.. Com programas definidos para a área rural, procurava-se desenvolver desde a técnica para melhorar o plantio, até estimular os lavradores a criação de participação em cooperativas. A F.A.S.E. assessorava, ainda, comunidades43 na busca de melhorias de vida, inclusive no meio urbano, onde os “comunitários” eram o principal alvo a ser atingido. A organização dos trabalhadores, posteriormente à época de resistência ao regime ditatorial, foi a principal meta dos projetos elaborados e desenvolvidos. Assim, a Federação teve papel importante na estruturação da oposição sindical e fortalecimento das associações de moradores, com a criação de uma organização hierárquica. Atualmente, existe uma nova concepção de trabalho na F.A.S.E., em que ela se intitula como “ator” que intervém nas práticas de luta da sociedade juntando-se aos sujeitos coletivos. A seguir, exponho de modo mais particularizado as atividades atuais da Federação e sua inserção territorial no Brasil.

Segundo BARRETO, “A ideia de comunidade inspirada no modelo de análise norte-americano, que tem na localidade, geograficamente identificada, o ponto de referência de suas reflexões, chega ao Brasil através de acordos sobre a educação rural (1945), realizados entre o Ministério da Agricultura do Brasil e a Interamerican Educational Foundation”. (Barreto,1996). 43

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A F.A.S.E. contemporânea F.A.S.E., momento atual (anos noventa)

Hoje oficialmente com 39 anos de existência mas, de fato, contando já 54 anos de atividades que foram se desenrolando não apenas em termos dos programas aplicados nas dioceses mas, inclusive, em termos de atuação territorial mais ampla, a F.A.S.E. é reconhecida nacional e internacionalmente, por sua trajetória na sociedade brasileira. Seus projetos, de resultados duradouros, e sua presença marcante junto aos movimentos sociais e políticos, inclusive na esfera internacional, mantendo contatos e participações em campanhas mundiais, fazem dela uma das ONG’s mais ativas e citadas do país. Como resultado desta ampla e dinâmica trajetória, considerando sua diversidade sócioeconômica e cultural, e obrigando-se ao diálogo com a política local, federal, internacional e até mesmo religiosa, a F.A.S.E., atualmente, mantém relacionamentos de diferentes tipos com diversas agências internacionais, tendo como propósito construir plataformas de ações comuns, participando até de campanhas pela democratização das políticas dos organismos multilaterais. No início, como vimos, a F.A.S.E. desenvolveuse através do atendimento às demandas e, portanto, não havia exatamente uma estratégia institucional de expansão. Até meados dos anos setenta, período em que a F.A.S.E. foi formalmente subordinada à CNBB, seu atendimento se dava principalmente no sentido de responder às necessidades de assessoria técnica a projetos das paróquias e dioceses, e ações a partir das quais foram se constituindo as “equipes técnicas locais”. Havia, ao que parece, a intenção de reproduzir em toda parte um certo “modelo de ação e de intervenção” nas realidades locais, que correspondia muito mais às necessidades apresentadas pelos grupos, geralmente apoiando as iniciativas locais 44, 44

Local, aqui, diz respeito ao âmbito de uma determinada diocese católica.

57 que a um projeto da Federação no sentido de atingir objetivos ideologicamente propostos por ela. Segundo Jorge Eduardo Saavedra, Diretor da F.A.S.E., esta forma de inserção foi a responsável pela criação dos vários escritórios da Federação. Em 1992 ela contava com 19 escritórios assim distribuídos pelo país: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.

F.A.S.E. NACIONAL – Rio de Janeiro F.A.S.E. – RIO – Rio de Janeiro F.A.S.E. – SÃO PAULO – São Paulo F.A.S.E. – VITÓRIA – Espírito Santo F.A.S.E. – JABOTICABAL – São Paulo F.A.S.E. – PORTO ALEGRE – Rio Grande do Sul F.A.S.E. – RECIFE – Pernambuco F.A.S.E. – MACEIÓ – Alagoas F.A.S.E. – ITABUNA – Bahia F.A.S.E. – FORTALEZA – Ceará F.A.S.E. - BELÉM – Pará F.A.S.E. – SÃO LUIS – Maranhão F.A.S.E. – IMPERATRIZ – Maranhão F.A.S.E. - ABAETETUBA – Pará F.A.S.E. – MARABÁ – Pará F.A.S.E. – MANAUS – Amazonas F.A.S.E. – CAPANEMA – Pará F.A.S.E. – VALE DO GUAPORÉ – Mato Grosso 19. F.A.S.E. – ICÓ – Ceará

(Fonte: Educação e Desenvolvimento: novos compromissos da F.A.S.E. – Síntese do Novo Projeto Institucional e do Plano Trienal – 1993-95 – Rio de Janeiro – 1992)

Já no final dos anos setenta e princípio dos oitenta, havia uma nítida preocupação estratégica com sua inserção territorial. Se, a princípio, ela era vista como uma entidade de apoio aos movimentos populares, muito mais do que como uma organização não governamental, a partir dos anos oitenta a F.A.S.E. passa a elaborar melhor, estrategicamente falando, sua localização espacial: “[...] até setenta e sete, oitenta e oito [sic] por aí, a estratégia, quer dizer, a localização espacial das equipes da F.A.S.E. era muito ligada a algumas opções em relação aos destinatários do trabalho da F.A.S.E., como você pode ver inclusive num documento chamado ‘Compromissos Básicos’ ou ‘A Carta de Princípios da F.A.S.E.‘, que data de 1982. Então havia... a F.A.S.E. teve um papel no trabalho com operários industriais

58 na constituição do novo sindicalismo; a F.A.S.E. contribuiu para a constituição da CUT desde as primeiras articulações que a ela deram origem; inclusive você encontra literatura sobre formação sindical no Brasil onde a F.A.S.E. é citada como uma das matrizes da formação sindical. É um estilo de formação sindical, uma contribuição marcante. Depois você tinha o trabalho com o campesinato que é... houve um período grande onde a F.A.S.E. trabalhou com pequenos produtores rurais em áreas de conflitos, posseiros, sobretudo no Maranhão e Pará... bom mas então no Pará e Maranhão a gente trabalhava com o que a gente chamava de campesinato em área de fronteiras, que era aquela região da grilagem, luta dos posseiros e por último a F.A.S.E. também foi uma das primeiras entidades a trabalhar com movimentos de bairros, movimentos populares urbanos. Curioso nesse período inclusive, que havia polêmicas entre os técnicos da F.A.S.E. sobre a importância e as prioridades do trabalho, porque como a gente sempre teve, é óbvio, um problema de recursos limitados e tendo que estabelecer determinadas prioridades, então uma disputa da importância que era muito na lógica da ... do que cada um desses grupos sociais representava em termos de possibilidade de uma transformação social. Sendo que os paradigmas de transformação, quer dizer, eram ainda, nos anos setenta e oitenta, muito a visão de uma mudança radical revolucionária, tanto da esquerda cristã quanto das pessoas de formação marxista que haviam muitas na F.A.S.E., enfim... mas como nós nos definíamos como uma entidade de educação popular, é claro que o foco estava muito no sujeito desses processos de transformação, quer dizer, a F.A.S.E. sempre se colocava em uma posição de apoio, de retaguarda e de formação das lideranças e de contribuir para o processo organizativo que era uma palavra, uma expressão chave no nosso trabalho ao longo dos anos oitenta”. [Jorge Eduardo Saavedra, entrevista concedida no Escritório da F.A.S.E., em Botafogo, Rio de Janeiro em 18/03/1999].

Em 1982, a F.A.S.E. enfrentou o que pode ser considerado uma crise político-institucional, que implicou mesmo em demissões e na conformação de uma “nova” organização. “[...] nós tivemos uma revisão dos nossos paradigmas, um debate sobre a questão dos sujeitos coletivos. A ideia de que há novos atores num processo de transformação, novos tipos de movimentos” [Jorge Eduardo Saavedra, entrevista

concedida no Escritório da F.A.S.E., em Botafogo, Rio de Janeiro em 18/03/1999].

É dessa época [1982/85], também, a negociação de planos orçamentários trienais, em consórcio com as entidades de cooperação internacional, considerada uma conquista histórica que demonstra a credibilidade do reconhecimento do trabalho da F.A.S.E. no nível

59 internacional. Jorge Saavedra, Diretor da F.A.S.E., explica o que isto representa, em termos práticos, na captação de recursos externos para financiamento de projetos: “A F.A.S.E. recebe recursos da Cooperação Internacional, que no ano passado [1998] foram 88%, cerca de 88% da nossa receita e 11% foram recursos nacionais, tá? Sendo que desses 11% aproximadamente, 9% do total são recursos públicos, isto é, do total de recursos e um pouco, bem pouco, das doações de pessoas físicas e jurídicas nacionais, tá? Então, esse grosso aí de 88,7% de recurso da Cooperação Internacional são de Agências Não Governamentais de Cooperação, ligadas às igrejas católicas, protestante e algumas que não têm nenhuma relação com igrejas e o que não quer dizer que não haja indiretamente recursos públicos dos países desenvolvidos. Por quê? Porque essas Agências, muitas delas, são as chamadas Agências de cofinanciamento, ou seja, elas, Agências, recebem dinheiro do governo alemão ou do governo holandês ou do governo inglês ou do governo francês e repassam, só que a nossa relação jurídica não é com esses governos, nós não temos financiamento direto de governos, temos financiamentos de Agências que por sua vez recebem, segundo critérios delas, fundos públicos dos seus respectivos países. Nós só temos financiamento mais direto da União Européia, da Comissão da Comunidade Européia. Bom, então nós pertencemos ao sub-campo da cooperação que é chamada a Cooperação Não-Governamental. Muitas vezes participamos de debates com a Cooperação Multilateral ou organismos ligados à ONU ou Banco Mundial, Banco Interamericano, mas não temos financiamento destas fontes no nosso caso. É, de vez em quando as ONG’s têm algum tipo de financiamento da UNICEF ou da PNUD e algumas ONG’s até com alguma regularidade, as que trabalham na área das crianças, por exemplo, em relação à UNICEF. As Agências que financiam a F.A.S.E. estão há muitos anos reunidas num consórcio, há um núcleo, mas existem outras que entraram posteriormente que financiam projetos pontuais e que não fazem parte deste consórcio”. [Jorge Eduardo Saavedra, entrevista concedida no Escritório da F.A.S.E., em Botafogo, Rio de Janeiro em 18/03/1999] .

Nota-se, das palavras de Saavedra, que a F.A.S.E. tem “funcionado” como captadora “informal” de recursos financeiros internacionais para ações sociais que deveriam estar a cargo do governo brasileiro. Por outro lado, as Agências de Cooperação Internacionais dos países desenvolvidos “funcionam” como “captadoras locais” de recursos a serem

60 distribuídos pelos países em desenvolvimento indicando, diagonalmente, que as ONG’s podem estar representando um papel de “braço invisível” dos governos para captação de recursos internacionais que não venham a onerar ainda mais a balança comercial mundial. Daí surge a questão de quão “nãogovernamentais” de fato são as ONG’s e das conseqüências disso nas políticas públicas. Em 1987, teve início o novo plano trienal (19871989), elaborado através de debates sobre a conjuntura da época e da revisão de programas e propostas, ampliando e implantando novos programas, tais como o “ Programa de Educação Popular junto aos

Assalariados Rurais em uma Região Canavieira do Estado de São Paulo ”, proposto e justificado pelas

terríveis condições sociais dessa região, como a habitação precária e a jornada de trabalho ilegal. Houve também o “ Programa de Educação Popular

junto à Assalariados Rurais do Cacau no Estado da Bahia ” devido aos baixos salários e às extensas

jornadas de trabalho e às condições precárias de alimentação e moradia dos bóias-frias. A F.A.S.E. seguiu nesse triênio, atuando em campanhas salariais, através das quais alcançou avanços significativos, como a primeira Convenção Coletiva do Trabalho, em 1987, para os trabalhadores do setor canavieiro. Ela continua sendo a única entidade a apoiar os movimentos populares desse tipo de trabalhador. Durante o biênio de 1991/1992, a Federação passou por um intenso processo interno de discussão, voltado para a revisão de seu projeto institucional. Os resultados dos debates e opções referentes às mudanças que foram adotados pela F.A.S.E, refletiram-se no Plano Trienal de 1993/1995. Conforme a Síntese do Novo Projeto Institucional e do Plano Trienal de 1993-95, que foi publicado pela F.A.S.E. em 1992, no Rio de Janeiro, a Federação, durante seus 30 anos de vida, construiu uma identidade própria, ressaltando de modo enfático sua dimensão educativa, mantendo-se presente de modo prático em ações de promoção do

61 desenvolvimento social, para os quais conta, há algum tempo com o apoio da Cooperação Internacional. A segunda grande transformação da F.A.S.E. também começou a se configurar no final de 1989 quando, mais uma vez, foi revisto seu projeto institucional. Esta transformação refletiu-se, principalmente, nos Planos Trienais. Surge, então, como novidade, a introdução do “planejamento programático de médio prazo” que torna viável uma programação futura mais significativa e não apenas um somatório de projetos regionais ou locais independentes. Além disso o orçamento passa a ser vinculado ao desenvolvimento das ações por projeto. Garante-se, deste modo, a partir deste momento, recursos a serem aplicados a médio prazo e se inicia a discussão de uma programação que pudesse dar sentido ao conjunto das ações da Federação 45. Do ponto de vista do território e da territorialidade, também ocorrem, neste período, transformações, induzidas pelo crescente e descontrolado processo de urbanização em diversas regiões do país: “A F.A.S.E., a partir do final de 89, 90, 91, começou a trabalhar com mais problemáticas como a questão urbana, a questão da sustentabilidade, inclusive por uma percepção de que os movimentos sociais com os quais nós trabalhávamos tinham passado por profundas modificações, inclusive desenvolvido capacidades próprias, institucionalidade, quadro de assessores, uma série de mudanças que uma entidade como a F.A.S.E. precisava ter e tinha o que dar com uma forma mais qualificada de intervenção. Então nós, ou seja, talvez isso represente maior profissionalização, maior capacidade de produzir conhecimentos, mais como um ator na sociedade. E tem essa infindável discussão se as ONG’s são atores ou não são. Claro que não protagonistas, que é uma palavra que só gera confusão, que protagonista é um ator principal; isso eu já fui ao dicionário várias vezes. Nunca dissemos que pretendemos isso. Eu acho que ONG’s são atores bastante secundários dentro da realidade brasileira ou enfim internacional, mas ator quer dizer apenas que você começa a falar, a produzir idéias, opiniões e veicula-las sem a limitação, sem estar assim, restringido ou auto-restringido por uma visão de que como entidade de apoio você não pode falar em seu Devido ao fato de a F.A.S.E. ter trabalhado, até então, com recursos provenientes de sócios-contribuintes, de empresas que operam no Brasil e convênios com instituições brasileiras e internacionais, seu trabalho por muitas vezes foi dificultado pela receita variável e imprevisível.

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62 nome próprio, você apenas subsidia ou assessora. Então eu acho que nós rompemos com essa limitação e entramos mais livremente no debate de idéias e nos posicionamos em várias ocasiões, inclusive nas crises brasileiras e em situações como o Movimento pela Ética na Política e tudo mais. Eu acho [...] que a relação das ONG’s com os movimentos sociais é bem mais amadurecida deste ponto de vista. Também corresponde ao fato de que muitos movimentos têm lideranças bastante qualificadas. Bom, também enfrentamos juntos todas as várias crises que têm se abatido sobre o país”. ”. [Jorge Eduardo Saavedra, entrevista concedida no Escritório da F.A.S.E., em Botafogo, Rio de Janeiro em 18/03/1999].

Atualmente, na F.A.S.E., os principais dirigentes ou responsáveis por projetos são pessoas que participaram do período inicial da instituição e que conhecem, portanto, a gênese da “ideologia” que a norteia, o que lhes permite manter um elo com o passado (apesar das divergências existentes com os que gostariam de trilhar outros caminhos), e o conhecimento dos erros e acertos cometidos no passado. Estes dirigentes, por seu especial caráter de inserção na Federação, alimentam, de certo modo, uma cultura organizacional peculiar. Sendo assim, a F.A.S.E. atua não apenas numa região, mas em todo o país; não apenas enfrentando um único tipo de problema ou dimensão dele, mas vários e em várias frentes, como relações de gênero, trabalho, educação, infância, velhice, violência etc; não apenas unindo-se a entidades da sociedade civil mas também, aproveitando sua história de parceria com entidades religiosas, universidades etc, como tornando-se parceira de inúmeras outras ONG’S como se pode observar em suas publicações ou mesmo em seu site na Internet (http://www.fase.org.br). A “separação˝ da Igreja

No que diz respeito à sua autonomia em relação à igreja, a F.A.S.E. faz uma descrição cuidadosa no documento “Compromissos Básicos da F.A.S.E.”, especialmente no item RELAÇÃO F.A.S.E./ IGREJAS CRISTÃS, onde faz questão de deixar as portas abertas para o diálogo, dizendo o seguinte: “A F.A.S.E. nasceu e permanece sob a inspiração do

63 pensamento cristão e se identifica com as igrejas comprometidas com a opção evangélica pelos pobres. Nessa sociedade em transformação, reconhece o valioso papel que pessoas em todas as igrejas cristãs desempenham tentando criar uma vivência cristã a partir do povo, integrando-se ao movimento popular, reconhecendo e respeitando a sua autonomia considera-os agentes efetivos do processo de mudança”.

Atualmente a F.A.S.E. se apresenta como uma entidade autônoma, não confessional e ecumênica. Ela não se identifica como organismo de qualquer igreja, mas tem acumulada uma ampla e útil experiência de atuação em conjunto com tais organismos. Ela também tem uma vasta experiência de diálogo e ação em comum entre cristãos das diferentes confissões e nãocristãos, respeitando as opções religiosas de seus agentes e valorizando as manifestações religiosas das classes populares. A Federação reconhece o papel que as igrejas devem desempenhar nessa sociedade em transformação e a importância significativa da religiosidade na vida das camadas populares. Um dos seus objetivos é, inclusive, contribuir para que os cristãos participem como agentes efetivos dessa transformação, juntamente com “ todos dos homens de boa vontade ”. O momento decisivo da “avaliação˝, a crise financeira e o Plano Real

Em 1995, final do triênio 93-95, a F.A.S.E. sentiu a necessidade de uma avaliação de seu desempenho por parte das agências de cooperação com as quais negociava, e que foi por ela mesma solicitada e patrocinada com recursos extraorçamentários. Segundo Mendes (1997), que estudou a trajetória e transformação das ONG’s, tendo também como recorte do objeto a F.A.S.E. “Foi contratada uma equipe externa multidisciplinar, formada por avaliadores independentes entre si com o propósito de avaliar o período correspondente ao triênio 93-95, ignorando, deliberadamente uma história anterior de trinta anos de serviços prestados pela

64 instituição. Os avaliadores consideraram positiva a delimitação temporal do estudo, lembrando, em seu Relatório Final, que a decisão terminou por produzir resultados eventualmente mais eficazes do ponto de vista do uso para os ajustes que a F.A.S.E. venha a determinar necessários e mais vulneráveis e menos precisos no que diz respeito à prestação de contas à sociedade e aos seus parceiros diretos e indiretos, do ponto de vista dos serviços prestados pela instituição. O trabalho da equipe de avaliação foi realizado de abril a setembro de 1994”. (Mendes, 1997:46-47).

Não foi à toa, segundo o mesmo autor, que um longo período histórico foi abandonado no ato da avaliação solicitada pela própria Federação. Sua direção estava ciente da quase intransponível dificuldade a ser enfrentada caso se propusesse uma avaliação que viesse a resgatar toda a história de atuação desta organização. Seja pela falta de registro documental confiável das ações desenvolvidas, pois estas nem sempre correspondiam a um projeto estruturado, seja pela dificuldade a ser enfrentada com relação aos recursos investidos na avaliação46, que não permitia a recuperação de um período tão longo de trabalho, somado a diversidade temática e espacial da atuação da F.A.S.E. Em 1995, também, a consolidação do Plano Real provocou uma crise cambial sem antecedentes, que repercutiu de modo trágico na ação das ONG’s brasileiras, acostumadas a trabalhar com um dólar super valorizado mesmo no câmbio oficial. A maioria delas sofreu uma brusca perda de receita, avaliada em aproximadamente em ¼ dela, e que não foi reposta pelas agências internacionais. Desse modo, as ONG’s foram obrigadas a estabelecer cortes dramáticos em seus programas e em seus quadros de pessoal. A F.A.S.E., por exemplo, extinguiu o Programa de Trabalhadores Urbanos, demitindo também toda a equipe do programa. Reestruturou o Programa de Investigação e “A limitação dos recursos mostrou-se mesmo incapaz de cobrir uma avaliação in loco de todos os projetos e equipes regionais da F.A.S.E., pela impossibilidade de deslocamento dos avaliadores, o que veio a provocar soluções criativas na superação dessa limitação. Primeiramente, foi tomada a decisão de avaliar todos os programas, mas nem todas as equipes de um mesmo programa o que levou a uma seleção de trabalhos considerados muito positivos e outros claramente com problemas.(Maria Emília [diretora de meio-ambiente e desenvolvimento contratada pela fase desde 1978 como pesquisadora] relatou uma das inovações usadas para reduzir custos de deslocamentos – a conferência telefônica – que teria se mostrado eficaz, envolvendo a participação de dois coordenadores regionais da região do Pará, um membro de cada equipe dos trabalhos rurais da F.A.S.E., representantes de Mato Grosso, Marabá, Abaetetuba e Capanema”.(Mendes, 1997:47).

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65 Comunicação extinguindo, assim, o setor de áudio-visual, doando a maior parte do acervo de documentos mantidos pela F.A.S.E., ao longo dos anos, sobre ONG’s e Cooperação Internacional e reformulando todo seu setor de publicações. O pessoal de assessoramento foi redistribuído e precisou desocupar uma das casas em que estavam alojados, no Rio de Janeiro, que decidiram vender. Dois programas não puderam ser financiados pelo tradicional consórcio com agências internacionais e tencionou-se buscar recursos via negociações com novas agências norteamericanas. Cinquenta e cinco pessoas foram demitidas, porém houve uma revisão dos níveis salariais quando foi aprovado um aumento geral para os funcionários. Segundo Maria Emília Pacheco (apud Mendes, 1997:48), a discussão desta questão e de como chegaram à decisão de aumentar salários se deu porque “nós deliberamos, na passagem do

trienal anterior para este, que deveríamos reajustar um pouco os salários. Não dava mais para prosseguir como estava”. Ela também afirma que a idéia de discutir a

diminuição e o congelamento dos salários, a exemplo do que faziam algumas empresas japonesas, antes de tomarem a radical decisão de demitir pessoal, passou pela diretoria da F.A.S.E.:

“Passou. Não de diminuir, mas de não demitir. Essa foi uma das discussões dentro da diretoria da F.A.S.E. Havia uma pessoa na diretoria que insistiu muito nessa posição que era de não demissão ou do mínimo do mínimo de demissão. Isso significava não reajustar os salários. A discussão foi feita na diretoria e na reunião do Conselho Nacional de Coordenadores. Nós não estávamos ainda demitindo, mas estávamos no contexto de análise de reestruturação da F.A.S.E.(...) houve um consenso na F.A.S.E. sobre isso [as demissões]. Não houve unanimidade, mas houve consenso. Esse era um consenso para nós indispensável, não cabia à diretoria é um consenso que não se encerra na diretoria. Ele precisa ser levado, apoiado e, aí formalizado pelo Conselho Deliberativo e pelo Consórcio de agências e não é fácil negociar salários no consórcio de agências.” [Maria Emília Lisboa Pacheco, apud Mendes, 1993: 47].

Esta situação é emblemática na discussão que diz respeito às críticas feitas muitas vezes pelas ONG’s e sindicatos brasileiros às demissões de pessoal, tanto no setor público como no privado. Pois, no momento em que a ONG se vê em condições idênticas às das empresas ou do Estado, em um

66 momento de crise financeira, ela adota exatamente o mesmo critério para sobrevivência da instituição que as empresas as quais critica: o corte de pessoal, em lugar da busca de saídas alternativas. É necessário lembrar, ainda, que no caso da F.A.S.E., muitos de seus projetos constituíam exatamente na criação de tais saídas para outras instituições. A sincronicidade do processo de avaliação da F.A.S.E. com a crise cambial provocou decisões provavelmente não amadurecidas o suficiente, pelo menos para o padrão de decisões da F.A.S.E., sempre considerado “lento” por vários dirigentes, justamente pela ênfase na decisão democrática. A metodologia da avaliação requeria ampla participação e tranqüilidade a fim de obter um diagnóstico crítico, isento de pressões e tumultos, e de formular projetos de mudança e ajustes mais estratégicos. A crise financeira, por sua vez, impunha decisões urgentes e, evidentemente, centralizadoras. Com o acontecimento simultâneo de ambas, os processos se misturaram e se confundiram gerando consequências que, ainda hoje, são avaliadas. Maria Emília Pacheco ( apud Mendes, 1997:50) lembra que: “As coisas estavam muito emboladas - ao mesmo tempo que era necessário enxugar a F.A.S.E., e torná-la mais coesa, mais ágil, mais eficiente; se não tivesse crise financeira, alguém seria demitido? Provavelmente sim, mas tinha crise financeira, então, era muito difícil separar esse sentimento de urgência.

Alguns diretores da F.A.S.E. avaliam de modo positivo os resultados do mergulho na crise, apontando que o processo teve implicações na “cultura” da F.A.S.E., pois foi necessário reafirmar a importância do planejamento mais rigoroso, que compatibilizasse os recursos disponíveis, a liberdade de escolha dos trabalhos e a congregação de pessoas. Também o debate a respeito da relação entre a gestão política e a gestão financeira impulsionou a reflexão sobre as articulações e interações dos trabalhos da Federação, além de aperfeiçoar o sistema de parcerias com as entidades e com os próprios movimentos, e a revisão da distribuição de recursos e de custos.

67 Como aspecto negativo, levanta-se, algumas vezes, a incapacidade da diretoria da F.A.S.E. de elaborar um documento que fosse sua leitura sobre o relatório final dos avaliadores. Maria Emília Pacheco ( apud Mendes, 1997:50) diz: “ na verdade, nós não

tivemos um passo importante – o de socialização do debate sobre o conjunto da avaliação ”.

As Finanças da F.A.S.E.

No boletim Informativo n. 44, ano 6, de agosto de 1970, a F.A.S.E. declarava buscar seu auto-financiamento, aproveitando ainda, em seus projetos, a infraestrutura existente no local onde são realizados os projetos. Em seus discursos sobre a origem de suas finanças, ou seja, explicando quem a sustentava enquanto instituição, ou a seus projetos, a Federação declarava que a maior parte advinha das contribuições de famílias brasileiras. Assim, por exemplo, eram aproveitados técnicos e mão de obra especializada local. Por outro lado, a própria comunidade em que se inseria o projeto buscava sustentá-lo através do financiamento de viagens, da hospedagem dos técnicos, alimentação, recuperação de material reutilizável, colaboração de entidades locais etc. Além dos recursos locais angariados através de doações dos interessados no trabalho da F.A.S.E., ela contava, ainda, com a participação efetiva de “cinqüenta entidades filantrópicas, fundações,

indústria e comércio, e outras organizações particulares do Brasil, Canadá, Estados Unidos e Europa”.(Boletim

Informativo n. 44, ano 6, 1970). Com o tempo esta realidade foi se transformando, gerando uma maior dependência da Federação de recursos externos, advindos dos “consórcios” conforme vimos na fala de seu diretor Jorge Saavedra. É esta dependência que gera a maior crise financeira da F.A.S.E., que aconteceu recentemente, no ano de 1995, durante a consolidação do Plano Real (que, como já disse, ocasionou a maior crise já existente para todas as ONG’s brasileiras, devido à equivalência do dólar com o real). A equivalência com o dólar e a posterior desvalorização deste, levaram a uma perda de receita bruta de 25% pois o uso, como padrão, do dólar supervalorizado no câmbio oficial, desencadeou uma crise cambial, obrigando a grandes

68 cortes em suas atividades. Foram reduzidas radicalmente as despesas relativas ao quadro de pessoal, foram desocupados e vendidos os imóveis, extintos alguns programas de ação e, por fim, redistribuído o pessoal. A partir desses acontecimentos, a F.A.S.E. manifestou-se junto a seus parceiros financiadores, através da preparação de um documento, no qual são feitos os seguintes comentários: “A F.A.S.E. é reconhecida por órgãos governamentais e pelas organizações não governamentais como uma instituição cujos trabalhos primam pela seriedade e consistência dos propósitos, pela eficácia e eficiência com resultados duradouros de capacitação e organização popular para o exercício da cidadania. Do ponto de vista administrativo e financeiro, a própria fiscalização do governo mais de uma vez apontou a F.A.S.E. como exemplar no cumprimento das exigências legais. Os auditores independentes também são de parecer de que os sistemas de controle e gestão financeira da F.A.S.E. são excelentes e confiáveis”.

Nesta ocasião de crise financeira, que levou a F.A.S.E. a encerrar as atividades em várias localidades, foram inúmeras as manifestações favoráveis, por parte do público e das autoridades, solicitando a continuação de sua atuação. Assim, depois de várias discussões, em 1996, num documento informal, ela registra sua nova estrutura orgânica, seus objetivos, missões e estratégias. Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso, que desencadeou uma crise geral no país, devido ao aumento das taxas de juros que implicaram a diminuição do crescimento econômico, que a situação se tornou definitivamente insustentável para o país e para a Federação. Neste momento, acontece uma sistemática desconstrução dos direitos sociais do trabalho, que leva ao fim da política salarial, à institucionalização do contrato temporário de trabalho gerando, assim, uma nova forma de trabalho, precário, mudanças estas intimamente relacionadas com as taxas de desemprego que se estenderam por todo o Brasil. Neste momento, ainda, acontece a explosão da violência em todo o país, em razão deste quadro pintado pelos governantes. A F.A.S.E., então, passa a avivar o processo de diversificação e ampliação do público-alvo passando, também, a diversificar todos os seus programas, e a atuar cada vez mais em busca do “estabelecimento de

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relações concretas entre processos enfrentados no local com aqueles que existem no plano estadual, nacional e internacional”, ampliando sua base social e potencializando uma atividade mais efetiva. Depois disso, a F.A.S.E. vem efetuando seus trabalhos de forma abrangente em todo o território, com programas que se propõem a auxiliar o desenvolvimento das regiões mais carentes e “abandonadas” pelos governantes. Nas regiões onde os recursos de todo os tipos são escassos, como estradas, assistência médica, farmácias, moradias, e existe a situação de subemprego e desemprego, a F.A.S.E. se propõe a atuar sindicalizando, orientando e até mesmo atuando em conflitos referentes às apropriações de terra. Em sua nova fase, a Federação não apenas apóia diretamente a educação e a alfabetização, mas também a mobilização de órgãos públicos e legislativos, através da sensibilização da opinião pública, utilizando-se, para isto, da mídia. Segundo D. Paulo Evaristo Arnes – ex-Bispo e arcebispo de São Paulo: “A F.A.S.E. antecipou aquilo que a

reunião de Puebla – de todos os bispos da América Latina – nos propôs”.

A F.A.S.E. do ano 2000, vai se apresentar de modo bastante diferente daquele que a originou, desempenhando muito mais um papel educador e conscientizador do que aquele de assistência social e valorização cristã que o originou, mantendo estreitas relações com entidades partidárias e organizações mundiais preocupadas com o meio-ambiente e a situação de pobreza do mundo que costuma levar à sua destruição. Ela mantém, hoje em dia, alguns grandes projetos estabelecidos por região, não mais elaborados a partir da demanda, mas a partir de uma proposta político-filosófica fruto de sua longa experiência com as comunidades no Brasil, aliada ao seu conhecimento compartilhado com outras ONG’s internacionais. Descrevo abaixo estes projetos, para que se possa ter uma idéia do que representa esta filosofia e como se dá, na prática, a nova estratégia de ação da Federação.

70 F.A.S.E. 2000: Parceiros e Principais Programas

Além de se articular com as ONGs brasileiras através da Associação Brasileira de Organizações NãoGovernamentais, ABONG, que ajudou a fundar em 1991, e presidiu de 1991 a 1994, e com as ONGs latino-americanas através da Associação Latino-Americana de Organizações de Promoção - ALOP47 -, a F.A.S.E. é associada à Rede de Informações para o Terceiro Setor — Rits A convicção da F.A.S.E. de que a organização em forma de redes e articulações otimizam recursos, potencializam ações e agilizam transformações, explica seu envolvimento em diversas iniciativas de mobilização e organização nacionais e internacionais como, por exemplo, as seguintes instituições, também ONG’s : • Observatório de Políticas Urbanas (IPPUR/UFRJF.A.S.E. ) • Brasil Sustentável e Democrático • Atlas Afro-Brasileiro • Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC) • Rede Brasil sobre Instituições Financeiras e Multilaterais • Articulação das Mulheres Brasileiras •Observatório da Cidadania • Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) • Fórum Nacional de Segurança Alimentar • Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental • Fórum Nacional de Participação Popular nas Administrações Municipais Democráticas • Rede de Comercialização de Pequenos Agricultores Associados (RECOPA) • Rede de Cidadania, Trabalho e Renda 47 A ALOP é uma associação de organizações não governamentais de desenvolvimento provenientes de vinte países da América Latina e Caribe. Criada em 1979, constitui um dos esforços mais duradouros de integração regional entre organizações não governamentais da região. Tem como objetivo o intercâmbio de experiências entre organizações privadas de promoção do desenvolvimento e elaboração de propostas em nível setorial e nacional, a promoção de projetos integrais e o fortalecimento da capacidade de interlocução da ALOP e do nível de qualidade de suas associadas. A ALOP tem status consultivo e faz parte do Grupo de Trabalho de ONGs do Banco Mundial e do Conselho Assessor do BID em temas de gênero.

71 • Fórum Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável • Fórum Nacional de prevenção e combate ao trabalho infantil • Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento • Projeto de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas e suas Contrapartes no Brasil - PAD • Rede Brasileira pela Integração dos povos REBRIP/Aliança Social Continental • Red Entre Mujeres • Rede Latino-americana de Apoio a microempresas e Setores Populares Entre as citadas acima, destacam-se os papéis das três entidades abaixo, por seu caráter educativo e multiplicador da filosofia de ação da F.A.S.E. O IPPUR (Observatório de Políticas Urbanas) originou-se no Programa de Pós-Graduação criado em 1971, que ganhou autonomia como instituto universitário pluridisciplinar de ensino e pesquisa em 1987. Durante este período, o IPPUR vem desenvolvendo suas atividades na área do estudo retrospectivo e prospectivo das formas e efeitos da intervenção do poder público e práticas sociais no processo de desenvolvimento urbano e regional. A F.A.S.E. reconhece que a pesquisa e a formação de pesquisadores e planejadores devem desenvolver-se sincrônica e de modo integral. O desenvolvimento normal das atividades de pesquisa, envolve professores, alunos e técnicos da F.A.S.E., e dirige-se tanto à reflexão de natureza teórica sobre as práticas de planejamento quanto aos estudos de casos voltados para o conhecimento de processos de transformação dos espaços urbanos e regionais específicos. A formação prática acadêmica pretende estar apta a dar conta dos desafios teóricos, metodológicos e práticos e é perseguida através de um esforço de estreita associação entre as atividades de ensino, de pesquisa e as atividades de assessoria e consultoria (tanto a órgãos governamentais dos diferentes níveis quanto a organizações não governamentais). Deste modo o IPPUR, juntamente com a F.A.S.E., desenvolve o programa de trabalho “Observatório de

72 Políticas Urbanas e Gestão Municipal”. O Projeto Observatório foi criado em 1994, com a finalidade de realizar atividades de pesquisa, formação e assessoria que forneçam subsídios à construção de uma instância pública não-estatal, composta por atores governamentais e nãogovernamentais preparados para a participação em processos de formulação e implementação de políticas públicas regionais/locais. Seus objetivos são: “a) traçar diagnósticos e políticas públicas que permitam a redução das enormes desigualdades sociais existentes no Estado do Rio de Janeiro; b) incorporar, de maneira sistemática, atividades práticas nos cursos de especialização, mestrado e doutorado oferecidos pelo IPPUR, que permitam o aperfeiçoamento da formação de profissionais qualificados; c) conhecer, sistematizar e divulgar experiências de administração municipal e de descentralização da política urbana que têm resultado em novos formatos de gestão da cidade na direção da governança e na melhoria das condições urbanas de vida, apesar da crescente degradação da renda e do emprego, marca da última década; d) capacitar os atores locais na formulação e gestão de políticas urbanas que respondam aos desafios gerados pelas mudanças da natureza da questão urbana, políticas comprometidas com o ideário de justiça social, mas adequadas às novas exigências de eficiência administrativa e de redefinição do papel do setor público no Brasil”. [Disponível na

Internet via www no seguinte URL: http://www.fase.org.br capturado em 01/05/2000].

Constituído por pesquisadores de reconhecida experiência de trabalho no campo da política urbana e gestão municipal, e por alunos de graduação, mestrado e doutorado, o Observatório mantém intercâmbio e parcerias com diversas ONGs, e instituições de pesquisa e ensino. O Centro Feminino de Estudos e Assessoria - CFEMEA

O CFEMEA foi criado em julho de 1989, objetivando lutar pela cidadania das mulheres, pela igualdade e solidariedade nas relações de gênero e por uma sociedade e Estado justos e democráticos. É uma organização da sociedade civil, não-governamental, feminista, de caráter público e sem fins lucrativos. O Centro tem como característica a atuação junto ao Poder Legislativo, instância em que atua de forma democrática, suprapartidária, autônoma e comprometida

73 com os movimentos de mulheres. É uma organização pioneira no acompanhamento sistemático de proposições legislativas e na assessoria especializada aos parlamentares em questões relativas à igualdade entre os gêneros e de defesa dos direitos das mulheres, visando a regulamentação e a ampliação dos mesmos. Desde 1993, o CFEMEA está credenciado junto às Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, para o acompanhamento do processo legislativo. A partir de 1992, o Centro Feminista vem desenvolvendo o Programa Direitos da Mulher na Lei e na Vida que, a partir de 1995, assumiu a feição de Implementação das Plataformas do Cairo'94 e de Beijing'95, no Brasil. O Programa fundamenta-se nas linhas de ação: Advocacy (defesa de direitos, mediante sensibilização e argumentação, visando a formulação/implementação de políticas públicas e a mudança de valores/práticas sociais), Assessoria, Comunicação e Articulação. A Rede Brasil Brasil

A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais é uma rede de organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, não partidária e com finalidade pública. Fundada em 1995 reúne, atualmente, cinqüenta e uma organizações filiadas com o objetivo de acompanhar e intervir em questões relativas às ações de instituições financeiras multilaterais (IFMs) no Brasil, como o Grupo Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre as organizações filiadas incluem-se movimentos sociais, sindicatos, institutos de pesquisa e assessoria, associações profissionais e ONGs de todas as regiões do país, que atuam em âmbito local, regional e nacional. Essas organizações trabalham em diversas áreas e temas das políticas públicas, como educação, saúde, trabalho, seguridade social, infância, infra-estrutura, meio ambiente, agricultura, reforma agrária, urbanização e planejamento econômico etc. Os principais objetivos da Rede Brasil são: “1) Manter um espaço coletivo de socialização de informações

74 e de discussão sistemática sobre as políticas e projetos desenvolvidos pelo Governo brasileiro com recursos financeiros e/ou aporte técnico de IFMs; 2) Promover a articulação de estratégias de ação comuns frente ao Governo brasileiro - executivo, legislativo e judiciário e às IFMs; 3) Contribuir para a democratização dos processos de formulação das políticas públicas no Brasil financiadas por IFMs, através de ampla participação da sociedade civil e do Congresso Nacional; 4) Exercer influência visando a democratização, participação e transparência dos processos relativos à elaboração e implementação das políticas das IFMs, bem como à transformação da própria estrutura de poder destas instituições.

A instância de decisão de nível máximo da Rede Brasil é sua Assembléia Geral, à qual cabe rever, discutir e aprovar os programas de ação, eleger os membros da coordenação e da executiva e decidir sobre novas filiações. A diversidade das organizações filiadas se expressa na estrutura de sua coordenação e é estabelecida segundo critérios temáticos e de representação regional e nacional. Programas Regionais da F.A.S.E.

A F.A.S.E., utilizando-se de sua vasta experiência, adquirida ao longo de quase quarenta anos, e após passar por duas grandes transformações, a saber, seu distanciamento de qualquer caráter confessional e posterior reajuste de seu estatuto que lhe permitiu promover projetos próprios em lugar de meramente apoiar comunidades em serviços assistenciais, atualmente mantém grandes projetos regionais com objetivos que são estabelecidos de acordo com as exigências de cada região. Neste aspecto, é possível perceber a nova utilização que a Federação faz de sua inserção territorial e da territorialidade da qual passa a fazer parte como agente. É desse modo que os projetos para o Nordeste são mais voltados para questões como a seca e o desenvolvimento da pequena produção, assim como da evasão escolar, e no Rio de Janeiro, por exemplo, a ênfase é dada às questões da violência urbana. Descrevo abaixo alguns projetos regionais e a filosofia que lhes é subjacente.

75 F.A.S.E. Nordeste

O Programa Regional F.A.S.E.-NE tem como base geográfica de sua intervenção o estado de Pernambuco, mais especificamente as cidades do Recife e Palmares, na Mata Sul. Tendo como pressuposto a filosofia das reformas urbana e agrária, a Agenda 21 e a Plataforma da Economia Solidária, visando auxiliar na formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas (especialmente daquelas direcionadas às populações de baixa renda, historicamente alijadas do processo de desenvolvimento), a F.A.S.E. combina, também no Nordeste, várias estratégias: “1) parcerias com diferentes segmentos sociais (ONGs,

universidades, instituições governamentais e parlamentares); 2) capacitação de lideranças e dirigentes dos movimentos populares e sindicais; 3) fortalecimento de fóruns e redes de articulação da sociedade civil e; 4) fortalecimento dos canais institucionais de participação”.

Na perspectiva do fortalecimento, a F.A.S.E. atua no programa “Orçamento Participativo” implementado pela Prefeitura do Recife onde, articulada com outras ONGs e com a Secretaria de Políticas Sociais, desenvolve atividades de capacitação e produção de recursos pedagógicos (cartilhas, jornais e vídeos) junto aos 470 delegados populares eleitos como representantes dos 94 bairros da cidade. Quanto ao fortalecimento de fóruns e redes de articulação, atua no “Fórum Estadual de Reforma Urbana”, na “Articulação Regional Nordeste de Reforma Urbana Fórum NE de Participação Popular”, nas administrações municipais e no “Grupo de Articulação Cidadania Popular” (GACIP), que congrega quatro ONGs interessadas no monitoramento da Câmara Municipal do Recife Mata Sul A F.A.S.E. integra o “Fórum Estadual” e a “Comissão Municipal de Palmares pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Profissionalização do Adolescente”, monitorando a implementação do “Programa Bolsa Escola” na região. Em muitas comunidades e assentamentos dos vinte e um municípios integrantes da Mata Sul, onde o

76 “Bolsa Escola” vem sendo implantado, as ações de combate à fome e reforço educacional têm sido a única alternativa de sobrevivência para as famílias beneficiadas. O acompanhamento desse programa vem sendo realizado pela sociedade civil. Suas ações são coordenadas pelas prefeituras e vêm se constituindo num elemento novo, de forte significado político e cultural na região. Na Mata Sul, o número de famílias atendidas é de catorze mil, beneficiando diretamente cerca de vinte e seis mil crianças e adolescentes. Em Palmares, são 1.640 famílias atendidas, beneficiando diretamente um universo de três mil crianças e adolescentes48. F.A.S.E. Rio de Janeiro

Voltado para toda a Baixada Fluminense, e mantendo um núcleo atuante em São João de Meriti, o “Disk Mulher Baixada” [sic], implementado por uma parceria da F.A.S.E. com a “Casa da Cultura de São João de Meriti” e o “Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal” (IPPUR/UFRJ/FASE), presta informações, através de um plantão telefônico, sobre todos os serviços públicos e comunitários existentes nas áreas temáticas de violência, saúde, Aids, creche e cidadania da mulher na Baixada Fluminense e na cidade do Rio de Janeiro. Funcionando inicialmente durante a semana em horário “comercial”, a realidade da região no que diz respeito à violência doméstica obrigou à criação de um plantão noturno e nos fins de semana, quando aumenta a incidência da violência nesta região. A coordenação deste serviço, formada por mulheres e homens de entidades mistas e grupos de mulheres de São João de Meriti que interage permanentemente com os quadros da F.A.S.E. na capacitação em temas ligados a gênero e políticas públicas, assessora parlamentares municipais visando influir na elaboração de políticas públicas de interesse da mulher. Além disso, realiza campanhas em favor de iniciativas como o “Cartão de Saúde da Mulher e da Gestante”, em funcionamento nos postos de saúde de São João de Meriti e através da implantação de uma “Casa Dados extraídos dos Boletins Informativos da F.A.S.E. de no. 11 e 13 de 1997 e site Internet (www.fase.org.br).

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77 Abrigo para Mulheres em Situação de Violência”. Outras atividades são as intervenções educativas realizadas através do programa “Mulheres nas Ondas do Rádio”, que é apresentado na rádio comunitária “Onda Livre”. A parceria com a Universidade — o “Observatório de Políticas Públicas” — facilita, por sua vez, o trabalho de constante sistematização de informações para a produção de indicadores sócio-econômicos que orientem ações de promoção da cidadania da mulher. Outra importante ação foi a que levou à aprovação e implementação do programa de renda mínima pela Câmara Municipal de São João de Meriti, resultado de um longo processo. Foi formado um Comitê Pró-Renda Mínima, com entidades como o “Conselho de Entidades Populares de São João de Meriti”, ABM, comunidades de base da igreja católica e outras entidades religiosas, representantes de movimentos negros e de mulheres, Conselheiros Tutelares e Municipais de Educação, Assistência Social e da Infância e Adolescência, além da “Rádio Comunitária Onda Livre”. Sob o lema “cidadania não rima com miséria”, foi desencadeada uma campanha em toda a cidade visando uma audiência pública na Câmara dos Vereadores para apresentação do projeto de lei de autoria do vereador Jorge Florêncio do Partido dos Trabalhadores (PT). Foram distribuídos panfletos e adesivos e houve grande veiculação na mídia formal e comunitária, “outdoors” e a proposição de um abaixo-assinado que contou com cinco mil assinaturas. O projeto foi aprovado num enorme ato político que contou com a presença do senador Eduardo Suplicy, criador maior do Programa de Renda Mínima”, e de Dom Mauro Morelli, bispo católico de Caxias e São João de Meriti. A participação ativa e influente das diversas entidades componentes do Comitê Pró-Renda Mínima, ajudou em seu sancionamento. A F.A.S.E., em parceria com o IPPUR da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assessorou o movimento popular em todas as fases de sua implantação e elaboração. Segundo declara publicamente em seu site na Internet e em outras publicações, a Federação tem consciência de que os resultados obtidos com a implantação do Programa de Renda Mínima para São João de Meriti, podem, futuramente, sofrer um uso eleitoral/eleitoreiro/clientelista, que só poderá ser evitado

78 com a constante mobilização do “Comitê Pró-Renda Mínima” e o bom funcionamento do “Conselho Gestor” do Programa, previsto na lei. A lei, agora em vigor em São João de Meriti, estabelece que toda família cujos membros tenham individualmente rendimentos abaixo de meio salário mínimo (R$68,0049), terá o direito de receber uma complementação de renda de R$68,00. O programa beneficiará, inicialmente, cerca de 400 famílias, com os recursos que podem atingir o teto de 2% do orçamento municipal e ainda receber aportes dos governos federal, estadual e do setor privado. Além de redistribuir renda, o “Programa de Renda Mínima” visa diminuir a baixa escolaridade observada na região, uma vez que condiciona a entrega do benefício à freqüência de 90% das aulas pelos filhos de 7 a 14 anos das famílias contempladas50. F.A.S.E. Bahia

Promotora de entidades e ativistas em quinze municípios, a F.A.S.E.-Itabuna acompanha pequenos projetos econômicos e articula redes e parcerias que fortalecem o resgate da cidadania e a troca de experiências entre aqueles que lutam contra a exclusão social. Nestes projetos a F.A.S.E. se utiliza da filosofia de que a “sistematização didática e a disseminação de informações sobre a realidade sócio-econômica local e regional ampliam o conhecimento sobre as causas dos problemas sociais enfrentados e facilitam a intervenção de sindicatos de trabalhadores rurais e urbanos, pastorais sociais e movimentos comunitários nos espaços públicos que interferem na qualidade [fonte: de vida da maioria da população”. http://www.fase.org.br].

Com a presença da F.A.S.E. a seu lado, posseiros e pequenos produtores rurais, antes isolados, podem contar com ela na qualificação de suas associações, não apenas para defender terras recém conquistadas, como também para reivindicar políticas públicas que viabilizem sua sobrevivência como, por exemplo: crédito, assistência Dados de 2000, quando um salário mínimo correspondia a 75 dólares. Dados extraídos dos Boletins Informativos da F.A.S.E. de no. 11 e 13 de 1997 e site Internet (www.fase.org.br).

49 50

79 técnica e extensão rural, garantidas por fundos públicos. Também conta com ela na condução de projetos comunitários que reforcem sua autonomia econômica, através da “agro-industrialização”, como é o caso das “Casas de Farinha”, do aproveitamento industrial de recursos locais (cerâmica etc.) ou da instalação de infraestrutura, como é o caso da instalação de poços artesianos e energia elétrica, entre outros. Setecentas pessoas vêm sendo alfabetizadas em cinco municípios da região de Itabuna, ao mesmo tempo em que são capacitadas mais de novecentos pequenos produtores rurais e trabalhadores urbanos em associativismo e alternativas de geração de emprego e renda. A F.A.S.E. educa, ainda, segundo seus dados, 1.030 “cursistas” do projeto “Formação de Formadores” [sic] em educação profissional para o meio rural e treina 150 lideranças de associações, movimentos populares e ONGs em temas como políticas públicas, geração de emprego e renda, associativismo, desenvolvimento local e diagnóstico de qualidade de vida. Em 1998, a intervenção educativa da F.A.S.E. teve que responder à confirmação da decadência da monocultura cacaueira e aos enormes estragos levados às plantações pela doença “vassoura de bruxa”, com o desaparecimento de milhares de postos de trabalho na cadeia produtiva da monocultura cacaueira e o aumento do contingente de excluídos amontoados nas periferias urbanas da região51. F.A.S.E. F.A.S.E. Espírito Santo

Protagonista na constituição do “Pacto e Plataforma de Economia Solidária”, uma rede de instituições, entidades e movimentos reunidos em torno da temática dos carvoeiros, a equipe local da F.A.S.E. assessora três fóruns intermunicipais sobre exploração do trabalho e da prostituição infantis no norte do estado. Estabeleceu conexões importantes com o sul da Bahia e Maranhão, onde também se concentram trabalhadores do carvão vinculados a pólos florestais-celulósicos, constituindo-se em referência nacional para os pesquisadores e interessados de maneira Dados extraídos dos Boletins Informativos da F.A.S.E. de no. 11 e 13 de 1997 e site Internet (www.fase.org.br).

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80 geral na assessoria e consultoria no que diz respeito ao mapeamento e atenuação de impactos do manejo florestal. O projeto “Carvoeiro Cidadão”, desenvolvido pela F.A.S.E. no Espírito Santo, além de beneficiar quatrocentas famílias com a obtenção de documentos, vacinação de crianças, cestas alimentares, atividades lúdicas, atendimento médico de emergência em acidentes nos fornos, e capacitação em temas com planejamento familiar, alimentação alternativa, gênero, geração de emprego e renda, cooperativismo solidário e associativismo - com a formação da primeira cooperativa de carvoeiros do país -, contribuiu para a fiscalização e erradicação do trabalho infantil em todo norte do estado. A ampla divulgação dos resultados deste trabalho na mídia local e nacional - TVs Cultura e Gazeta (sistema Globo), jornais como o Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, e em rádios como a CBN (Companhia Brasileira de Notícias), teve grande impacto sobre o sistema judiciário trabalhista do Espírito Santo, sobre o Ministério Público Federal e Estadual atuante na área do trabalho e do meio ambiente, sobre a Delegacia Regional do Trabalho e a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania. Cobradas, em audiência pública e na mídia além do Parlamento estadual, quanto a seus passivos sociais junto à população carvoeira, as empresas florestais passaram a adotar critérios mais rígidos, exigindo dos “gatos” e donos de carvoaria, equipamentos de proteção e a proibição da entrada de crianças em seus estabelecimentos, resgatando desse modo os direitos civis dos trabalhadores52. F.A.S.E. Mato Grosso

A formação e a assessoria prestada diretamente pela F.A.S.E. a mais de mil agricultores familiares sindicalizados e associados do sudoeste de Mato Grosso, desde 1987, deu suporte e consolidou-se, em 1995, em um primeiro “Plano de Desenvolvimento da Agricultura Familiar do Vale do Guaporé” que conseguiu implantar os seguintes programas: • Programa de pesquisa e experimentação; • Programa de fomento à produção; Dados extraídos dos Boletins Informativos da F.A.S.E. de no. 11 e 13 de 1997 e site Internet (www.fase.org.br).

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81 • Programa de apoio ao beneficiamento e comercialização e; • Programa de formação técnica e política para agricultores familiares. Além disso, foi criada a “Fundação da Central das Associações” que reúne vinte e duas associações de agricultores familiares, em 1992. O trabalho teve início com o agrupamento das famílias, visando sua organização e cooperação. Resultou, posteriormente, na criação de associações comunitárias articuladas entre si dando origem, já em 1989, ao “Movimento de União dos Lavradores”. Em 1991, foi criado o “Centro de Tecnologias Alternativas – CTA”, que em 1992 transformou-se em associação - ACTA -, para demonstrar tecnologias de produção agroecológica e difundir conhecimentos sobre o manejo dos implementos agrícolas e das plantações e criações, entre os agricultores familiares e associações. Para beneficiar e comercializar a produção através da manutenção das feiras permanentes de Vila Bela e Pontes e Lacerda, foi criada, em maio de 1992, a “Central das Associações” que, cobrando taxas por serviços prestados, operacionaliza as vendas e, hoje, filia as vinte e duas associações dos quatro municípios do Vale do Guaporé, que reúne mais de quinhentas e cinqüenta famílias. Como resultado deste projeto, que gerou a ACTA, foi elaborado um estudo de caso que diagnosticou um sérios problemas de desigualdade nas relações entre homens e mulheres dentro do processo de produção na agricultura familiar e nas relações pessoais, justificando a incorporação da questão de gênero ao tema da agricultura ecológica e sustentável que norteava o trabalho educativo desenvolvido pela F.A.S.E. na região, e que foi incorporada, também nos projetos realizados em parcerias que desenvolve com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNIMAT), com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (EMPAER) e com a ACTA53.

Dados extraídos dos Boletins Informativos da F.A.S.E. de no. 11 e 13 de 1997 e site Internet (www.fase.org.br).

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F.A.S.E. Pará – Amazônia

Sua característica peculiar de campeã em concentração de renda, recordista na violência contra trabalhadores rurais, indígenas, religiosos e demais defensores dos direitos humanos; superando o Nordeste no índice de desnutrição entre as crianças e sendo uma das últimas colocadas nos índices de cobertura do saneamento básico de todos os estados brasileiros, a Amazônia tem todos os motivos para reunir o maior programa regional da F.A.S.E., que conta com uma equipe de vinte e dois técnicos e uma sede própria, no Pará, inaugurada no seu 31o. ano de funcionamento. É através de seu “Núcleo de Cidadania e Políticas de Reforma Urbana”, que a F.A.S.E. desenvolve, contra este quadro gerador de pobreza as seguintes três linhas de ação: Democratização do Orçamento Público - Forma lideranças populares e fortalece movimentos e organizações sociais, concentrando-se em três regiões do estado do Pará: em Belém, na Região Administrativa do Benguí, onde nove bairros e vinte organizações populares realizam o “Programa de Formação de Multiplicadores sobre Orçamento Público”; em doze municípios no nordeste paraense onde, em parceria com o Movimento de Mulheres daquela região, o MMNEPA, luta-se pela inclusão de demandas das mulheres nos orçamentos municipais; e no sudeste do Pará, com a participação de organizações populares e sindicais de cinco municípios. Monitoramento de Políticas Urbanas, Gestão Municipal e Fortalecimento de Atores Populares - Em parceria com diversos atores, entre eles o “Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Belém”, a Secretaria Municipal de Habitação de Belém, o Sindicato dos Urbanitários e o “Movimento Unificado em Defesa dos Projetos de Saneamento” (MU), a F.A.S.E.-Pará-Amazônia capacita lideranças e realiza campanhas como a da criação do “Fórum” e do “Conselho Municipal de Habitação” e promove debates sobre a municipalização da prestação dos serviços de saneamento na capital. Ela mantém, além disso, um projeto de desenvolvimento local denominado "Sacramenta 2000". E,

83 em parceria com o “Observatório da Cidadania” do “Fórum da Amazônia Oriental” (FAOR), monitora projetos de saneamento que contam com recursos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na Região Metropolitana de Belém. Questões de Gênero - Em parceria com o “Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense”, com o “Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia” e com o “Grupo de Mulheres do Benguí”, capacitou, entre lideranças populares, profissionais, voluntários de organizações sociais e técnicos de instituições governamentais, cerca de uma centena de quadros de funcionários que passaram a integrar as chamadas questões de gênero em suas ações. Na região Amazônica, as políticas e os fundos públicos costumavam favorecer os grandes projetos agropecuários, de mineração, infra-estrutura e colonização, através de subsídios e incentivos fiscais governamentais a modelos produtivos depredadores do meio ambiente, reprodutores de desigualdades e conflitos sociais. Segundo a proposta de ação social da F.A.S.E., esta ultrapassada concepção de desenvolvimento reserva aos produtores rurais familiares, quando muito, políticas compensatórias que pouco se preocupam com seus impactos sócio-ambientais. Nos anos 90, o acesso de mini e pequenos produtores rurais ao “Fundo Constitucional de Financiamento do Norte” (FNO) - um fundo financeiro criado pela Constituição de 1988 com recursos da União, para programas de financiamento de setores produtivos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste -através das mobilizações dos agentes dos movimentos “Gritos do Campo” e dos “Gritos da Terra”, tornou-se uma das bandeiras de luta centrais do “Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais” (MSTR) na região. Este movimento contou com o apoio de entidades confessionais, de ONGs e da F.A.S.E., mobilizada desde 1960 contra os modelos excludentes de desenvolvimento e, conseqüentemente, ao lado dos índios, seringueiros, sem-terra, posseiros, pequenos agricultores, extrativistas, moradores atingidos pela construção de barragens e outra vítimas desses modelos na região. Como resultado dessa ação, de 1989 a 1997 foram beneficiados, pelo crédito, 60.024 mini-produtores da região Norte, 27.611 deles no Estado do Pará, representando 40%

84 do total dos valores financiados pelo Fundo. Responsável pela intervenção da F.A.S.E. junto aos “Gritos da Terra” e pela apropriação adequada do FNO, o “Núcleo Manejo de Recursos Naturais e Produção Agroflorestal de Base Familiar”, da F.A.S.E. Pará, divide-se em três linhas de ação: Fortalecimento das organizações camponesas e políticas de desenvolvimento rural através do monitoramento de políticas públicas para a região, pesquisa do impacto destas políticas, assessoria às organizações dos produtores rurais familiares, capacitação de lideranças, elaboração de material pedagógico e apoio à constituição e fortalecimento de Redes e de Esferas Públicas Não-Estatais; Produção rural ecológica e manejo sustentável com assessoria a projetos demonstrativos de organizações de produtores de experimentação agroecológica e difusão destas práticas; Verticalização da produção, abastecimento e consumo popular através de assessoria e apoio ao desenvolvimento de experiências de beneficiamento e comercialização. Em meio à busca das razões dos atuais estrangulamentos na estratégia de desenvolvimento da produção familiar na Amazônia é interessante observar algumas experiências em agricultura alternativa desenvolvidas no Pará, estruturadas e conduzidas com o apoio da F.A.S.E. desde a década passada. Em Ourém, município situado no centro da região Nordeste Paraense e localizado à margem do Rio Guamá, a extinta F.A.S.E.-Capanema associou-se à MANITESE, ONG italiana, para ajudar a criar a “Associação de Mini e Pequenos Agricultores 25 de Julho” e, em Abaetetuba, a 55 km de Belém, no estuário do Tocantins, a equipe local da F.A.S.E., na busca de alternativas agrícolas adequadas às condições locais da produção familiar, apoiou a estruturação do “Centro de Treinamento e Tecnologias Alternativas Tipiti”. Inseridas em regiões de antigo povoamento e densidade demográfica incompatível com o sistema tradicional de “queima-roça-pousio”, ambos os centros apoiaram-se no trabalho de mutirão de seus associados para encontrar soluções que revertessem o ciclo de empobrecimento e degeneração dos recursos naturais. Assim, atendendo às demandas dos produtores, ambas as experiências começaram desenvolvendo módulos

85 demonstrativos de consórcios de “fruteiras”, substituindo culturas temporárias por cultivos permanentes. O desafio foi obter rendimentos com custos reduzidos e uso mínimo de insumos e equipamentos modernos. Com a obtenção do crédito para a fomento desses consórcios de “fruteiras” e a “verticalização” da produção como saída para a agregação de valor aos produtos desses consórcios, restavam respostas quanto à minimização dos riscos na estratégia da produção e à sustentabilidade ecológica e econômica desses sistemas. A resposta veio com a diversificação da intervenção no sistema de produção, inseridos nos respectivos “Planos Municipais de Desenvolvimento Rural”. Atualmente, o “Centro Tipiti” desenvolve experimentos participativos voltados para os principais subsistemas presentes na realidade camponesa de Abaetetuba : o açaizal nativo ou plantado em consórcio, nas várzeas; os “quintais agroflorestais”; a roça com pousio melhorado e sistemas agroflorestais sem queima da capoeira e consórcios de fruteiras em terra firme. No mesmo sentido, a “Escola 25 de Julho”, avança na implantação de alternativas desenvolvidas através da adubação verde e proteção dos solos com leguminosas rústicas e agroflorestação54.

A F.A.S.E. hoje (2000)

Assim, como vemos, a F.A.S.E. se apresenta, atualmente, ao público como uma instituição responsável pela consolidação dos direitos de cidadania, e apela ao público brasileiro que lhe apóie usando para isto seu longo histórico de formação de grupos, movimentos, lideranças, combate a desigualdade, desemprego etc, como um verdadeiro partido político, ou como : “uma verdadeira escola de cidadania, responsável pela educação de milhares de ativistas e lideranças dos movimentos sociais e tendo contribuído de forma singular para o surgimento de novos atores coletivos no Brasil e na América Latina. Presente na resistência de posseiros e agricultores familiares à brutal ocupação capitalista na fronteira agrícola amazônica nos anos 70 e 80, pioneira na organização dos movimento populares urbanos e com papel importante nos processos que Dados extraídos dos Boletins Informativos da F.A.S.E. de no. 11 e 13 de 1997 e site Internet (www.fase.org.br).

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86 levaram à criação da Central Única dos Trabalhadores constituindo-se ela mesma em uma das matrizes da formação sindical naquele período -, a F.A.S.E. alargou sua percepção da dimensão cultural da desigualdade na sociedade brasileira, em especial no tocante às relações de gênero e à questão étnica, incorporou uma perspectiva sócio-ambiental, renovouse e está sempre aberta para novas questões e movimentos sociais. Com este olhar, teve, por exemplo, iniciativas inovadoras como a produção do Índice de Desenvolvimento Humano, IDH, da população afro-descendente no Brasil, que evidenciou ainda mais a natureza racista da desigualdade que marca vergonhosamente nossa sociedade. Ou ainda, junto aos setores mais excluídos e vulneráveis - por exemplo, carvoeiros no Espírito Santo, trabalhadores urbanos e rurais analfabetos e desempregados na zona cacaueira da Bahia, ou jovens em situação de risco na Baixada Fluminense -, onde o trabalho da F.A.S.E. não se limita ao apoio direto, através da educação, alfabetização ou organização para a conquista autônoma de seus direitos básicos, mas estende-se à mobilização de órgãos do poder público e legislativo, além de sensibilizar a opinião pública, através da intensificação no uso da mídia. Com a vantagem de atuar em escala local, regional, nacional e internacional, potencializando experimentos locais, a F.A.S.E., aposta, nas articulações da esfera pública nesses diferentes níveis e caminha sempre na contramão da fragmentação da esfera pública, do enfraquecimento dos atores sociais populares e da negação dos direitos, muitos dos quais consagrados na Constituição brasileira. Com uma arraigada compreensão de que a construção de uma sociedade democrática no Brasil só pode ser a resultante de um processo coletivo, de uma síntese de projetos de inúmeros atores coletivos populares, e da contribuição de um universo amplo de organizações democráticas da sociedade - entre as quais as ONGs - e para cuja articulação, construção de parcerias redes e espaços comuns tem revelado uma vocação muito especial, a F.A.S.E. não abre mão de uma perspectiva crítica ao modelo de desenvolvimento imposto à sociedade brasileira, baseado na ocupação violenta do território brasileiro, homogeneizador e excludente, socialmente injusto e ambientalmente insustentável. Mas sua adesão às múltiplas resistências aos processos sociais de expropriação dos setores populares e de redução da sociodiversidade não impediu que conservasse e ampliasse seu reconhecimento público, como interlocutor legítimo e reconhecido tanto dos movimentos sociais quanto do Estado brasileiro e da cooperação internacional para o desenvolvimento. Diante dos impasses vividos coletivamente pela sociedade brasileira, bloqueada até mesmo nas suas perspectivas de crescimento econômico, debatendo-se com a negação permanente das sempre renovadas promessas do desenvolvimento e mergulhada nas contradições de uma inserção produtiva internacional que não lhe reserva nada mais do que um papel econômico subordinado, sem perspectivas de sustentabilidade e de construção de uma ordem econômica compatível com a eqüidade e a justiça social, a F.A.S.E. precisa de apoio no enfrentamento dos desafios ainda mais instigantes que o futuro parece reservar ao nosso país”. [Disponível na Internet via www no URL http://www.fase.org.br Capturado em 01/05/2000].

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CONCLUSÃO As Organizações não Governamentais, como vimos, têm crescido em número e vêm propagando-se pelo país e pelo mundo de forma vertiginosa. Este crescimento se dá por várias razões sociais, políticas e econômicas, mas as principais talvez sejam aquelas apoiadas em seu caráter “distanciado” das políticas do Estado, ou seja, aquilo que lhes dá o nome de “não-governamentais“. O caráter de sua ação muitas vezes é assistencial, caso no qual elas recebem benefícios fiscais, recursos financeiros de todo o mundo, voluntários e incentivos da população. Este trabalho pretendeu mostrar de que modo uma ONG específica, a F.A.S.E., que conta atualmente quase quarenta anos de atividade no país, realizando um trabalho que abrange peculiares extensões territoriais, estabelece critérios de inserção e pensar esta inserção e seu discurso relacionados ao tema da territorialidade em Geografia. Da pesquisa realizada, pude concluir, primeiramente, que as ONG’s talvez já não possam ser consideradas estritamente como entidades não-governamentais pois, com o correr do tempo, sofreram transformações estruturais que as tornaram espécies de captadoras de recursos. Algumas captam dinheiro inclusive do Estado. O exemplo da F.A.S.E. mostra, num caso particular, mas que parece modelar da inserção territorial de grandes organizações não governamentais ou, pelo menos, das que recebem incentivos de grande vulto, que elas crescem e transformam-se em instituições capazes de elaborar propostas maiores que as das ONG’s tais como têm sido entendidas até recentemente. O que nos interessou, neste caso, especialmente, foi o modo de inserção desta ONG no território. Temos que ela, a princípio, estabelecia suas atividades em dados territórios, onde chegava, apreendia a rede de relações do lugar e, utilizando-se desta territorialidade, estabelecia o plano de ação para a resolução ou diminuição do problema que lhe era apresentado por um grupo social. Com seu crescimento, a F.A.S.E. deixou de exercer suas atividades considerando o território e a territorialidade em cada região e passou a exercer suas atividades em nível

88 “supraterritorial”, estipulando ela mesma os limites, a territorialidade possível e necessária como instrumento de ação e, finalmente, elegendo ela mesma os territórios em que deve agir. Além disso, passou a utilizar o capital difundido em esfera global, de empresas transnacionalizadas que criaram todo um aparato de gerência nos territórios nacionais onde pretendem atuar ou, no caso da F.A.S.E., de organizações que lançam lutas através de um conjunto de países. Isto nos leva a questionar o atual papel das ONG’s e sua inserção nos territórios em que se propõem trabalhar. De seu caráter de agente territorial, elas podem, ou tendem a, passar para o caráter de agente supraterritorial. Como observou Milton Santos, existe, atualmente, a tendência a que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso no mundo inteiro. Créditos internacionais são postos à disposição dos países pobres, incentivando o estabelecimento de redes a serviço do grande capital. Isto pode atingir as ONG’s inclusive. Que fique claro que os lugares também podem se unir horizontalmente, reconstruindo a base de vida comum que cria normas locais e regionais. A eficácia da “supraterritorialidade” parece estar sendo posta em jogo. E enquanto isso, novas formas de produção e de consumo, e mesmo de ação, podem ser criadas ou ampliadas. É preciso ter este fato em mente quando pensamos no estabelecimento de novas formas de ação territorial, lembrando que é possível encontrar um caminho à margem da “perversão” incluída na globalização e que nos permita construir “uma outra globalização”, capaz de oferecer dignidade e opções ao homem.

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ANEXOS Entrevista com Padre Edmund Leising Realizada no CEAR, localizado no bairro da Glória, Rio de Janeiro, RJ.

Qual o primeiro local de trabalho da F.A.S.E.? “A F.A.S.E., você sabe a história da Catholic Relief Service, então o cara que tinha a primeira ideia era um engenheiro leigo, com o nome de Brown, Bill Brown, a idéia dele era usar FASE como transportadora, ele conseguiria com CRS, era católica, ele disse: nós temos que ter uma coisa leiga, que nós vamos ter uma grande abertura de entidades que não querem dar pra coisa católica. Então a primeira ideia dele era esta, né. Aí eu estava em São Paulo, trabalhando na Cáritas, então aí quando me convidaram para assumir a F.A.S.E. a minha ideia era totalmente diferente do que esta. É fazer da F.A.S.E. uma entidade que reproduz. Visando pouco material e pessoal competente. Então minha primeira preocupação foi qual a primeira coisa que nós fizemos ? Procuramos pessoas, para podermos formular um programa cientifico de promoção humana que nós chamamos Comunidade Comunitária e a ideia era de trabalhar com a camada da sociedade em diversos níveis : pegar os padres, por exemplo, as freiras, as pessoas que eram os agentes comunitários e treinar eles para poder trabalhar com o pessoal de base, só ai então começamos todos aqueles treinamentos de Comunidade Comunitária”. Então o primeiro local foi a paróquia ? “A Paróquia”. Foi a paróquia... Por que a paróquia? “Porque eu era padre, eu sou padre. então a gente entrou onde tem a entrada mais fácil, no entanto quando eu assumi imediatamente eu perdi vários anos, é fui procurar Church World Service, Luteran Relief, os evangélicos e disse: Por que que nós não fazemos F.A.S.E. juntos ? F.A.S.E. não é uma entidade católica. Eles aqui começaram a conversar e tal, ai eu fui para Nova Iorque conversar com os chefes deles lá, igual a CRS em Nova Iorque você tem Church World Service, é uma enorme entidade que fomentava trabalho em todos os países como Catholic Relief, cada um tinha sessenta países”.

97 Church World Service era protestante ? “É. Church World Service. Então fui direto pra eles lá e disse. Olha conversei com o pessoal no Brasil e eles tem um certo interesse, os caras aqui (NY): “olha seu padre o senhor está enganado, eles estão enganado você lá, aquela turma lá só quer roubar católicos, que eles não tem gente, você tem que lembrar que protestante no Brasil é pouquíssimo, então que que eles vão fazer ? Eles vão aqui pra tirar gente daqui, então não adianta fazer essa camuflagem”. Aí eu disse: bom tudo bem, fiquei até contente que vocês são tão sinceros e tão abertos. Aí então deixei a coisa de lado, não fui atrás de mais ninguém e por isso caiu mais dentro de paróquias como você perguntou . No entanto, sempre insistimos no ecumenismo que nós, eu tinha na F.A.S.E. desde o início, gente que não era católico, fiz questão de dizer não nós não vamos falar de um lado de boca que nós não vamos falar de um lado de boca que nós somos ecumênicos e de outro lado de boca falar que nós somos só católicos. Então eu quero gente que não é católico, gente que não acredita nada pode ser, eu não faço questão nenhuma de nunca de de ... nunca perguntei ninguém que entrou na F.A.S.E.: você é espírita? você é católico? Você é protestante? Você não acredita nada? , isso não, eu respeito a sua maneira de ser, agora nós estamos formando aqui uma equipe que pretende mudar esse sistema, essa é a nossa idéia. Nós queremos uma mudança para o bem comum do Brasil. Então todos esses treinamentos tinham essa visão, de pegar a realidade aqui, seja quem for, ou. Visa o bem comum do Brasil. Mudar o sistema nós falávamos aqui (apontando um esquema ). Isso nos deu muito trabalho porque logo em 64 caiu a revolução. E no início da revolução nada, não tinha nenhum problema. Chegou Médici nos anos 70, 37 pessoas na cadeia, porque foram caçar todo esse pessoal, assustou todo nosso pessoal, então esses treinamentos assustaram o governo aqui, porque eles consideravam esses elementos subversivos, eu tentei falar com todos, fui até o Fleury (que era um dos grandes): “Meu amigo por que você está colocando essa gente na cadeia?” “ São comunistas.” “Por que que você acha que são comunistas?”... “ Olha os livros que leiam”. Essa coisa toda. Eu disse: eu estudei dois anos de filosofia de comunismo em Nova York, eu não sou comunista, pelo contrário, eu sei o que são as falhas de comunismo, nada é perfeito, como o catolicismo também não é perfeito, porque nós somos humanos, aí não deu em nada, porque o pessoal só olhava e não acreditava. Então a primeira coisa foram esses treinamentos. Agora, segundo passo do treinamento era projetos comunitários, em cada lugar durante o treinamento eles descobriam: “O que que vocês estão fazendo? Por que que vocês estão querendo fazer creches, fazer escolas, fazer

98 ambulatórios, fazer sindicato? Enfim aqueles 14 sistemas. Por que quer construção de casas? Só pra fazer mais dez casas no Brasil? Isso não quer dizer nada. Todos esses trabalhos que vocês fazem é um meio de chegar aqui ( mostrando o esquema de mudar o sistema ), mudança do sistema”. E, por isso eles consideraram isso subversivo, pela finalidade que nós tivemos, pelo quadro referencial que a gente tinha. Aí então eu disse: olha para pegar esse pessoal mesmo, é com a motorização do clero, aí entrei naquele projeto. Porque eu vi que as paróquias, os padres não tinham carro, aquela coisa toda. Eu disse a isca de poder fazer essa coisa funcionar é criar, e eu criei aquele programa em 65, fins de 64 para 65 criamos, e foi até fins de 67”. Foi como entrou na paróquia? Esse foi o instrumento?

“Exatamente”. A motorização do clero então é o primeiro instrumento de aproximação aproximação na Diocese?

“É, Diocese, vamos dizer. Porque o Bispo é a autoridade máxima, então eu precisava primeiro pegar o Bispo, depois ele que me levava par a reunião do clero falava: “olha aqui, esse padre tem o nosso apoio ele vai explicar agora como que funciona a F.A.S.E”. Aí eu coloquei a F.A.S.E. e disse olha aqui, nós temos 14 pontos, um é comunicação, temos que começar em algum lugar, com pobre ele quer começar com casa dele, ele quer com escola pra criança, ele quer com creche para criança, pra mulher poder trabalhar, agora com vocês eu tô acreditando que é veículo que vocês precisam. Um padre motorizado vale por dois. E palmas aquela coisa toda, pronto entrava. Agora, para que isso possa acontecer, eu tenho que fazer um levantamento da Diocese. Eu quero saber onde estão essas paróquias que precisam de carro. Eu vou começar na paróquia mais rica da diocese e vou explicar para o povo que esse padre aqui, no caso Copacabana precisa do carro. Sem dúvida nenhuma. Mas eu estou dando carro para ele porque eu tenho certeza que vocês vão me ajudar a atingir os mais pobres. Por que ele para levantar esse carro aqui, preguei 13 vezes num Domingo na igreja de Copacabana, lá Forte Copacabana, coisa fácil levantar esse carro. Mas eu quero que vocês me ajudam aqui em baixo, que aí eu vou para esse aqui e vou dizer: Olha aqui na sua paróquia paupérrima vou levantar 10% do valor desse carro, agora não quero nada desse dinheiro, você vai criar sua paróquia, vai montar sua paróquia, sua parte social da paróquia. Com esses 10%, arquivo, uma pessoa tempo parcial, e daí eu entrego o carro. Então foi essa a entrada nas paróquias, foi realmente através da motorização”.

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Motorização. No segundo momento que o senhor falou do treinamento tem o trabalho com a comunidade. É esse trabalho com a comunidade, ele possibilitava (somente) o trabalho dentro da paróquia ou extrapolava pra extra paroquial? Pra trabalhar trabalhar no bairro, por exemplo.

“Diocese .Diocese, nosso alvo foi sempre aqui na área global (Diocese) , paróquia era a área piloto”. Então a base era sempre a base da igreja?

“Exatamente, atingir toda a área através de (...). Aí o CNBB ficou tão empolgado com essa idéia que me convidou para ser ação social da CNBB. Aí em 78 eu entrei lá”. 78? “É. Saí da F.A.S.E. em 76. Eu fiquei na F.A.S.E. até 76 . Não tudo bem aqui, vocês estão autônomos, eu vou começar um novo programa no CEAR. Aí comecei em 76 o CEAR, então em 78, aí o CEAR já estava caminhando bem , aí eu fui pra CNBB. Aí dei meio período para CNBB”. Estou Estou perguntando isso ao senhor, porque depois a F.A.S.E. vai sair da paróquia e vai trabalhar somente somente nas chamadas comunidades.

“Quando eu sai da F.A.S.E. o pessoal perdeu a sua credibilidade perante a diocese. Porque os bispos.... tem muito ex-padre, não sei o que, na F.A.S.E., porque convidaram todo mundo na F.A.S.E.. E eu senti que quando eu sai, a parte clerical saiu da F.A.S.E.. Então era F.A.S.E. automático, que eu não lamentei nada, eu achei uma coisa até boa, então a F.A.S.E. tem sua, seu inicio agora pode praticar o que ele propôs,de ser ecumênico. A única grande preocupação que eu tinha quando eles entraram nesse trabalho comunitário, é eles entraram puramente na parte de raciocínio, ficou uma coisa puramente humana, perdeu a dimensão da fé. Eu achei isso foi um desvio da F.A.S.E., porque eu sempre mostrava pra eles que a F.A.S.E. foi um pouco como os grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos, Havard, Yale, Priston, todos foram começados com religiosos sendo protestante ou católico, e hoje não tem um pingo de religião entre qualquer um deles. Ah tudo saiu, então eu tive essa preocupação na F.A.S.E. e falei com o pessoal: Olha gente, a F.A.S.E. realmente é comunitária com uma dimensão de fé. Ele reconhece e respeita que mais 90% das pessoas são pessoas de

100 fé. Então nós vamos lá como técnicos, porque se você despreza a fé, você esta fazendo uma injustiça para aquele que assumiu a sua vida coletiva na base de fé. Eu tenho que reconhecer o fato da integridade das pessoas com quem eu estou lidando aqui, que quase todos, especialmente entre os pobres, 95%, é raro você encontra nas favelas ou nas comunidades pobres alguém que não prática nenhuma religião. Todos eles têm, ou espírita, ou católica, ou protestante, todos eles, então essa foi uma grande preocupação e realmente aconteceu, né que a F.A.S.E., por tudo que eu posso sentir, eles não sentiram, é não vou dizer capazes, porque são capazes, todos eles, mas não tinha é aquela dimensão de fé como algo fundamental no processo comunitário. Não entrou mais aquela parte. Ele ficou muito mais uma situação humana, e quando você estuda os documentos, eu leio tudo que a F.A.S.E. manda – é sempre na base bem pensada, reflexão bem feita, documento bem produzido, mas é totalmente fora da dimensão da fé, é pouco falado da fé, e pouco encorajado aquela parte ecumênica/ religiosa nas comunidades. Como aqui no CEAR, por isso eu fundei o CEAR, não eu vou o CEAR é centro ecumênico, tudo que ele faz ele tem uma base de fé. Por sinal dois dos nossos tiraram, Franz tirou o mestrado, semana passada passou defendeu tese dele aqui na PUC Então, aqui nós tivemos sempre pessoas, a Francis era freira tirou doutorado, aquela coisa toda, sempre na base da fé”. O senhor sabe como a F.A.S.E. chegou ao movimento sindical ? Já é na época que o senhor está saindo da F.A.S.E. que a F.A.S.E. envereda por uma opção de chegar chegar perto do movimento sindical ?

“Não. A parte sindical fez parte dos 14 sistemas, desde o início mexemos com o trabalhador, por isso Comunidades Eclesiais de Base criou aquele problema em São Paulo, que acusaram o pessoal de subversão, estavam mexendo com Comunidade de Base e sindicato naquela hora de 64, 65, 66, desde o início tinha esse envolvimento, nós éramos um pouco leal demais aos 14 sistemas. Porque quando o Waldemar ficou lá - Waldemar Gregori, aquilo era os dez mandamentos da lei de Deus pra ele. Só quando ele saiu, entrou os dois Lucianos, Parisi e outro sociólogo mudou um pouco os 14 sistemas, aí nós fomos naqueles processos de iniciar a comunidade vai chegando pequenos projetos, grandes projetos, aquela coisa toda”... Então o senhor acha que o grande estruturador da F.A.S.E. foi o movimento de Motorização do Clero e o MCC?

“Não, o que deu ... O Motorização do Clero apenas deu

101 credibilidade a F.A.S.E. ele não estruturou nada, ele com todo esse movimento, todo mundo começou a acreditar, olha a F.A.S.E. faz alguma coisa, não é só blá- blá- blá. Porque no início foi acusada com treinamentos o pessoal ia para comunidade e tentava, eu disse: vamos dar toda credibilidade e crédito para a comunidade, nós não na comunidade e dizer não a F.A.S.E. está fazendo, a F.A.S.E. não faz nada. A comunidade é que faz e a realmente você ganha um pouco propaganda para a entidade desta maneira. Esta aqui foi a F.A.S.E. que fez motorização, porque a comunidade não tinha a mínima condição de fazer contrato com General Motors, Wolkswagen, Ford, Toyota, tinha contrato com todas essas companhias e então a comunidade não tinha a mínima condição para isso, então a F.A.S.E. realmente motorizou as instituições, foi a idéia. Então a F.A.S.E., essa motorização não tinha nem a intenção de mudar a estrutura da F.A.S.E., muito pelo contrário era abrir a credibilidade da F.A.S.E. que esses 14 sistemas valeu a pena. Os 14 sistemas é que estruturam toda possibilidade de trabalho “... Nos primeiros anos... tanto paroquial quanto extra paroquial ?

“Comunitário” É comunitário

“E sindical” É e na década de 80 há uma preferência pelo trabalho com sindicato?

“Bom, eu acho que começou bem antes, mas desenvolveu. Ele foi caminhando e de fato na década de 80 depois do Médici, especialmente a gente uma vez que entrou Geisel, a gente não tinha mais medo porque ninguém foi pra cadeia demais, então a gente podia trabalhar como eu fiz no início do CEAR em 76, 77, tinha dois grupos, construção cível e empregados no barra da Tijuca e a polícia, nós fizemos lá nossa reunião, no meio de uma praça para chamar a atenção, polícia cercou logo de cara tudo em silêncio, não meteu o pau na gente nada, todo mundo ficou contente, porque antes eles iam pegar a gente e colocar na cadeia por Ter feito isso, uma coisa pública em praça pública, então nesse sentido o sindicato no meu ver era uma coisa muito relacionada com comunidade de base, porque ele pegava o pobre operário como aquele de construção cível, isso foi muito interessante. Há duas semanas que eu fui chamado aqui para Ilha do Governador, para começar um trabalho lá, o cara que me encontrou era um dos operários da construção cível do Barra

102 Tijuca, que trabalha naquela paróquia lá agora, eu fiquei bobo. Alexandrino, mas meu padre você está aqui ? Então a coisa começou logo no início com esses encontros. Esfriou bastante durante o tempo de Médici, não tinha condição, eu perdi mais de 30 pessoas da F.A.S.E., porque o cara disse eu tenho família, eu não posso me jogar no meio da cadeia, aqui que que vai acontecer? Então bastante gente saiu da F.A.S.E. naquela época outros foram expulsos do país né, então foi o período de Médici que eu sempre disse : olha gente esse é o nosso período mais rico que vamos existir na F.A.S.E., porque perseguição que faz a gente pensar bem, quando tudo esta indo bem ninguém pensa, só executa, agora nós temos de pensar, Como é que nós vamos poder viver dentro dessa situação governamental que nós sabemos que está totalmente contra nós e continuar trabalhando na base. E conseguimos. Porque uma vez eu nunca vou esquecer pegaram um contribuinte da F.A.S.E., em Tijuco aqui, três generais não pode dar para aquela instituição comunista, ela é uma instituição comunista. E o cara me telefonou me xingando, um contribuinte, oh vocês são... O meu amigo eu gostaria que você reunisse aqueles três generais que eu terei imenso prazer de sentar, eu não tenho nada para esconder, eu, eu me ofereço, eles podem me julgar de jeito que quiser, mas na base de conhecimento. Não me julga na base de diz/diz. Ele não chamou mas desistiu de contribuir. E muita gente naquela época desistiu. Ai a F.A.S.E. sofreu, no entanto conseguimos sobreviver”.

103 Entrevista com Jean Pierre Leroy Realizada na sede da FASE, na Rua das Palmeiras, bairro do Botafogo, Rio de Janeiro, RJ. A F.A.S.E. até os seus 15 anos, mais ou menos, tinha um trabalho voltado para a assistência, depois ele se tornou promocional e, esse trabalho era realizado basicamente nas paróquias da igreja. Posteriormente a F.A.S.E. chega aos bairros através do movimento de Comunidade Comunidade Comunitária e depois do movimento de Comunidade Comunitária ela chega ao movimento sindical, como que isso se deu? Como é que foi um pouco essa história? Bom, eu acho que, ela não aconteceu no movimento de bairro e quando foi para o movimento sindical, primeiro, acho que continuou também essa linha. Agora, na época da Criatividade Comunitária, de qualquer modo, a F.A.S.E. formou pessoas, militantes, mesmo com todas as limitações desses 14 sistemas e na própria clientela da F.A.S.E., diria no meio de pastoral ela já começou a localizar, a formar gente. Então uma parte do pessoal que entrou na F.A.S.E. vinha desse meio de militância da igreja, outra parte eram técnicos chamados com sua suposta qualificação (você tinha técnicos agrícolas porque a F.A.S.E. procurava técnicos agrícolas) e uma terceira parte veio, eu diria, de uma auto – crítica do movimento foguista dos anos ... fins dos anos 60, começo dos anos 70, em que alguns militantes perceberam que a ação... já era o fim da ação armada, e alguns perceberam que não era o caminho para armar a ação política e que tinha que partir realmente voltar aos trabalhos de nossa, trabalho de base. Então eu acho que a F.A.S.E. no seu quadro foi uma certa combinação de alguns quadros políticos, quadro de pastoral e pessoal mais profissional, mais técnico. Então eu acho que por isso... eu sei quando entrei na F.A.S.E. tinha assessores da F.A.S.E. nacional e tinha uma reflexão política. Agora, por exemplo, em 74, 75 fizeram um estudo sobre o Espírito Santo, um diagnóstico, o ponto de partida, para voltar a questão do trabalho, foi a formação profissional. Mas de qualquer modo, então diziam tem que ir fazer formação profissional, daí era um diagnóstico que concluía que a F.A.S.E. deveria entrar, se voltar para formação profissional. Para os assessores que faziam essa proposta era um diagnóstico, tudo bem, diagnóstico sociológico feito, mas que era também uma maneira de voltar a questão operária, oferecendo cursos, agora, como era ditadura, não se

104 colocava ‘vamos voltar a questão da organização sindical’, dizia ‘não vamos voltar a questão profissional. Mas era opção para voltar a trabalhar com o mundo do trabalho. Em São Paulo mais ou menos a mesma coisa, através de atividades técnicas, nascerá pra continuar, manter, voltar a ter contato com o meio operário. Eu, por exemplo, comecei no começo de janeiro de 75 em Santarém e a minha primeira preocupação foi de ir ver o sindicato de trabalhadores rurais, que era pelego, mas fazer um convênio com o sindicato para a formação nas delegacias sindicais. Então essa coisa, era um sindicato pelego, mas vamos fazer formação sobre o que é sindicato, a importância do sindicato, aí no campo tudo bem. Então você vê, eu não vinha de militância política clássica, eu tinha trabalhado muito com o movimento operário e sindical na Europa, mas chegando aqui então, é claro que eu continuei com as mesmas idéias, eu também era de pastoral, eu era... já não era mais padre. Então você vê vários lugares, o norte... depois então em Belém colegas que vinham, também da pastoral, no nordeste, Recife, espírito Santo, São Paulo, uma convergência de interesses, de convicção das pessoas e a F.A.S.E. respaldando pra avançar nessa linha aí. Depois ficou no fim... então aos poucos isso foi tornando maior legitimidade... e eu vim ao Rio, por exemplo, em 77 porque a equipe de assessoria nacional tinha montado um projeto de pesquisa com o INAN – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição e a FINEP.INAM/ FINEP/ F.A.S.E. um projeto para pesquisar alternativas sobre migrantes do campesinato em área de fronteira agrícola. Então a pesquisa era para fazer comparações entre o que aconteceu na fronteira agrícola do Paraná nos anos 50 com elementos de fronteira também de Goiás e com a fronteira Amazônica, Maranhão, Sul do Pará, Tocantins, depois onde tinha programas da F.A.S.E.. Então o que que isto significava? significava querer se voltar mais para a o trabalho camponês, já tinha o meio camponês, mas se voltar mais para questão dos profissionais da F.A.S.E.; era gente que vinha de pastoral, com uma visão, uma visão às vezes meio utopista, porque a igreja, as pastorais tem uma certa admiração do marxismo, ao mesmo tempo a idéia de autonomia pouco institucional, uma visão pouca apurada de contexto geral, na minha opinião, isso vem sempre um pouco com o valor também de proximidade da base de discussão democrática.[ ] Então isso marcou, marcou a F.A.S.E.. Agora no nacional, a trajetória do pessoal, por exemplo, de algum outro assessor, não era de pastorais, era de militância política. E depois então, no fim dos anos

105 70, entraram várias pessoas aqui no nordeste, que vinham um pouco na faixa do MR8, e no Pará, no Maranhão do PC do B. Ai já fim dos anos 70. O pessoal que vinha do MR8 não chegou a marcar muito, na minha opinião, no plano do sindicalismo. Foi mais realmente o pessoal que está surgindo da pastoral, o pessoal mais independente, ou que vinham de outro lugar.

Tem a ver com a aplicação da Doutrina Social da Igreja, esse momento? O surgimento da teologia da libertação? Sim, com certeza tem a ver. Mas eu diria que é quase anterior. Essas pessoas de pastoral eram, não foram formadas, foram elementos até para formar a teologia da libertação. A F.A.S.E. não estava envolvida diretamente na pastoral, mas com pessoas que são mensageiras, são que formou, elas não foram fruto da teologia da libertação. Eu, por exemplo, o meu colega de Belém com a teologia da libertação, sim, mas eu diria que nós, já vinha, eu vinha de uma formação anterior e tudo. O sindicalismo para mim, como assistente eu tinha trabalhado muito na Europa e como militante, tanto da CGT que era a liga do partido comunista, quanto da tradição socialista, [ ] como tradição [ ] Cristã socialista [ ] de família também, o era militante sindicalista. Então, eu já, para mim, era um valor, era algo central para mim a questão sindical e até por ser de pastoral, então eu tinha uma concepção, visão muito libertadora se quiser. Tinha colega lá, uma no espírito Santo que tinha sido militante da IOC nos anos 60 e ela foi chamada de volta quando a equipe nacional da IOC foi presa, exilada, foi chamada de volta tal, tal... Então, já tinha também uma linha de trabalho clara para ela, de organização sindical [ ] formava pessoas. Então no Rio Grande do Sul tinha gente de vertente política, que hoje são pessoas que estão, nem sei mais qual é a corrente, que são ligadas, que foram do governo. Olívio Dutra era bem próximo, o Paim foi criado da F.A.S.E.,- o Paim deputado. Todo esse trabalho hoje de Porto Alegre com[ ...]tem muito a ver com os anos de trabalho da F.A.S.E., a proximidade de bairros, etc. Então é um pouco isso. O fato da F.A.S.E. se colocar nos grandes centros urbanos tem a ver também com a modificação do perfil da população brasileira que passa de rural a urbana ? Não, porque eu acho que foi anterior, a F.A.S.E.[ ], bom acho que quando LEISING criou, ele criou a F.A.S.E. para ser uma Federação, ele deve ter começado lá onde haveria programa de pastoral que se federariam a esse projeto, em Natal tinha o SAR do Eugênio Sales. Então, seria um membro da F.A.S.E.. Só que

106 não funcionou porque criar Federação é Federação e o LEISING queria alguma coisa que ele pudesse dirigir, imagina! Mas então alguém chamava, ele ia. Então eu acho que foi muito em função das demandas, alguém pede a intervenção da F.A.S.E., a presença da F.A.S.E., então a F.A.S.E. vai. Então isso, ela se voltou então parte rural, parte urbana, não houve uma política naquela época. Agora uma vez que está lá, nós nas discussões que tínhamos quando entrei na F.A.S.E., que tinha sempre problemas de dinheiro, então sim, aí havia uma avaliação que era importante de qualquer modo continuar em Porto Alegre, continuar em São Paulo, continuar no Rio, estar primeiro pelo menos nas grandes cidades. Havia essa avaliação, mas não, [ ]já estávamos. Havia a percepção realmente que era importante ter a presença nas grandes cidades e por causa basicamente justamente da questão de trabalho, da questão operária. Tanto que nesse meio em São Luiz onde estávamos presentes, até isso levou a uma certa distorção de análise, porque a gente pode estar presente em São Luiz porque era uma cidade que mexia com a discussão já, nos anos 70, por causa do avanço da fronteira amazônica, então tinha ao mesmo tempo ocupação, mas ao mesmo tempo já saída. Mas o que eu ia dizer: não é importante estar em São Luiz porque vem Carajás aí, vai ter nova categoria operária, e vamos ter que acompanhar, vamos ter que estar presentes junto a ele. E quando, de fato constituiu Carajás, então F.A.S.E. começou a trabalhar, trabalho com a construção civil de outro lado com os ferroviários da ferrovia Carajás. Mas era já uma pouco uma distorção, no sentido que eram categoria ainda, construção civil, aliás que era a mesma coisa de Belém, muito ainda semi – informal, pequena, pequenina empreiteira, micro–empresa que se juntam para fazer uma obra e depois se desfazer para outra. Então uma coisa muito informal e não operária ! Os ferroviários de São Luiz eram uma categoria de luxo na região, uma categoria como um enclave, Carajás era um enclave, então ferroviário era categoria enclave. Então era realmente uma coisa que, de uma análise que tá achando que tem força regional, o potencial, dentro deles não poderia sair nada, nunca saiu nada em termos de movimento de fato.[ ] a nossa vontade de estar fazendo movimento operário fazia com que a gente havia precariedade de análise sobre realmente o que significava todo esse emprego, representatividade,[ ] Agora, realmente nós discutimos, por exemplo, se não seria importante ampliar para outros centros urbanos, por exemplo eu e outros achávamos que deveríamos abrir horizontes, que centro urbano era importante, ir ampliando, então deveríamos ir [ ]. Não era preferida tanto a discussão do campo, mas a questão do avanço industrial. Então estar presente lá onde tem indústria, mas o que há, aí não foi possível, porque os financiamentos da F.A.S.E., que são internacionais de agência estrangeiras, davam e ainda dão

107 mais importância a pobreza rural e era sempre mais difícil encontrar recursos para o trabalho urbano, trabalho operário também. Então mesmo se agência da F.A.S.E. [ ]financiamento institucional, mas de qualquer modo a gente não podia começar a colocar mais trabalhos urbanos e operários, que isso tinha algumas dificuldades a passar. Eu, por exemplo, importante que nunca havia militado[ ] não se conseguiu também, não houve assim uma vontade coletiva, que ainda tinha muita gente na F.A.S.E. também voltado para o rural, eu mesmo tinha trabalho rural. Agora me lembro que, mas isso já em 81, 82 eu representava a América Latina no fundo ecumênico das igrejas canadenses, fundo intereclesial e já tinha a repressão da igreja Luterana Canadense que me questionava : ah! trabalhava com operários, trabalho sindical, subversivo... Eu tinha cunhado a expressão: “a subversão de hoje é democracia de amanhã”, que eu dizia. Com esse argumento, estaria conciliando as coisas. Mas no contexto da época, então assim as pessoas aceitavam, mas os financiadores em geral não consideravam que um trabalho de desenvolvimento irá pra organizar e fortalecer o movimento operário, consideravam isso como temporário, supletivo, que você faz porque se não fizer... não é ? Mas não era fácil conseguir dinheiro para isso. O trabalho rural, a dinâmica do campesinato, e, numa época em que era muito difícil e que não podia fazer contatos assim. Então ter um pé no Paraná, um pé em Goiás, um pé no Maranhão e no Pará. Quer dizer, uma oportunidade de a pesquisa para você articular fazer contatos em várias regiões do país. Tinha um pensamento político por trás, evidente, de quem bolou a pesquisa. Na verdade não funcionou com Goiás porque justamente todo mundo no meio sabia que tinha alguma intenção na coisa e os companheiros de Goiás ficaram meio desconfiados, não me conhecia, então eu fui em Goiás [ ] a confiança com o pessoal da CPT, da pastoral com a pessoa chave, não foi muito bom, então acabaram não entrando, mas com o pessoal do Paraná sim, com o pessoal do Paraná, Maranhão e Pará. E ai era muito claro que o que estava em jogo era a organização camponesa pra nós, eu vim justamente [ ] essa pesquisa foi bolada pôr meus colegas aqui da assessoria nacional e a[ ]da F.A.S.E. nessa época, e eu chamado para assumir, para coordenar essa pesquisa para formar uma equipe e animar e ver o que fazer com isso, que era muito dinheiro. E era claro para nós que era um instrumento de articulação, que era uma forma de já articular setores do campesinato. Tanto que os anos passaram e, o primeiro encontro do sindicalismo da CUT rural, antes de ter um CUT rural, eu que organizei o primeiro encontro em Goiânia, porque eu já, entende, conhecia a questão do Nordeste, Norte, Sudeste, Sul, então eu propus ao Avelino que já era da direção da CUT, propus então vamos organizar, juntar o campesinato, os

108 companheiros de várias regiões do país pra começar, criar um departamento rural, mas isso vinha de muitos anos, eu conheci em 75 o Avelino quando este já se preocupava em formar uma oposição sindical. Então pera ai, em 75, que perdemos uma primeira vez em 77 as eleições e ganharam em 82. Então do lado operário, do lado das equipes da F.A.S.E. Ubá (?) a coisa não foi, o que havia, havia a convicção que era importante a F.A.S.E. estar presente nas principais cidades. A F.A.S.E. estava em Porto Alegre, eu estava em São Paulo, estava no Rio, Recife, Fortaleza, não estava em Belo Horizonte porque a expansão da F.A.S.E. foi sempre uma combinação de alguém que chama e ter condições para isso. Porque, bom depois retornamos [ ], enfim tinha algumas grandes cidades e tinha com a idéia que era importante a F.A.S.E. estar onde tinha o operariado, presente, forte. Então em São Paulo a articulação da F.A.S.E. era com o OSM – Oposição Sindical Metalúrgica, aqui no Rio era mais fluido, tinha com setores de metalúrgicos, da construção civil, um pouco mais tarde, 77 começo de 78, que eu quando vim aqui, pra depois de um ano assumir a coordenação nacional e eu ia de vez em quando no sindicato dos metalúrgicos, pra discutir com colegas de oposição. Agora, era interessante porque quando começou a se articular, pensar na renovação sindical, os primeiros encontros de oposição sindical eram engraçados porque tinha gente lá onde tinha equipe da F.A.S.E.. É porque como era difícil juntar o operariado não tinha recursos, era subversivo, e tudo, né? então fazia encontros assim e não tinha jeito, quem é que conseguia mobilizar um pouco, então era lá de onde vinha alguém da F.A.S.E., de onde saia um dinheirinho tal, e tinha contato, os primeiros encontros foi engraçado, o mapa era o mapa da F.A.S.E.. Os primeiros encontros organizados pela oposição Sindical metalúrgicas de São Paulo que tinha uma pretensão de hegemôniCa e que não aceitava bem o Lula. Aqui nesta sala, aqui tivemos discussão homéricas, quando o Lula em 77 surgiu, e veio três de São Paulo dizendo: ah, isso é sindicalismo norte–americano, pelego, novo peleguismo, sindicalismo de resultado, não sei, acho que a palavra não se usava na época. E não acreditaram. No segundo ano em 78 também não. Olha gente cuidado, cuidado, quer dizer, é opção de vocês. Eu acho que vem e isso representa uma novidade importante, mas eles não, eram OSM. Tanto que, engraçado por que tive uma reunião e disse: “vocês estão sempre atrasados de uma batalha”, porque o ano seguinte disseram : “não, o Lula é importante” : Pô, um ano atrás que deviam ter dito isso. Mas era por causa das ligações com a OSM que representava uma outra linha e que nunca conseguiu se firmar em São Paulo, que nunca conseguiu conquistar o Sindicato dos metalúrgicos, sempre perdeu. Quer dizer, era um grupo ao meu ver estreito demais, com pouca (luta de ligação). Mas enfim, tinha essa articulação clara, de

109 militante mais oriundo de pastoral em São Paulo, aos poucos se orientou também, todos introduziram, ainda nos anos 70, a questão sindical, a questão da reorganização do sindicalismo contra o sindicalismo pelego; o sindicalismo autêntico, isso se generalizou, com diferenças no Nordeste, as pessoas ligadas a F.A.S.E. eram mais próximas do PC (do partido comunista )e MR8. E o modo como ela tratava da questão sindical portanto, acho que ficava fazendo a meia com o sindicalismo já instituído, enquanto o pessoal do Norte e do Espírito Santo, nós éramos mais firmes. Então, havia diferenças sensíveis. Uns achavam, aqui no nacional por exemplo, a gente assessorava a pastoral da terra. Quando cheguei em 67 ? eu tinha sido uns dos fundadores da CPT lá do norte e aqui então logo [ ] então ajudei a dar um passo à CPT local, dei forma um projeto de trabalho, financiamento, ter um programa. Então de inicio, imediatamente, meus colegas que agora é diretor da F.A.S.E. o João Eduardo e Maria Emilia que são diretores da F.A.S.E. foram assessorar a CPT, mas também nesta linha de organização do campesinato. E eu continuei assessorando um pouco a CPT do Paraná com outro colega também, professor na USP, também ]assessorando o Paraná também, a CPT, nessa linha de organização do movimento camponês. Essa questão das cidades, já a política do desenvolvimento da comunidade, que foi uma escola do Serviço Social na década de 40––50, já o orientava 50, 40 rientava as organizações a estarem nos centros urbanos, a estarem com seus trabalhos de assistência nos centros urbanos, e a F.A.S.E. no seu começo coloca a questão do desenvolvimento da comunidade como uma política. Agora que relação mudança vai acontecer em rela ção a essa mudança também dessa priorização? Quer dizer, eu priorizo o movimento sindical e o movimento popular - o movimento popular e sindical, então eu modifico as minhas áreas também de situação. Como que isso vai que acontecer em relação àquele trabalho q ue a F.A.S.E. realizava? Porque ela era partidária da política do desenvolvimento da comunidade, agora ela tem uma nova expressão na sociedade, de trabalho. Como que essa relação vai ser construída? Como é que trabalho de fato o local vai ser importante no traba lho da F.A.S.E., nesse momento? Bom, no desenvolvimento comunitário o local já era importante. Mas que local? Bem era um local, mas ai visto de fora, eu, meu primeiro contato com F.A.S.E. foi em 72, quando vim para fazer um curso de “ACULTURAÇÃO“. Eu cheguei aqui, em 71, da França e vim aqui

110 em Santa Teresa, lá para fazer um curso. E ai me apresentaram a F.A.S.E. e eu me lembro que a minha questão era porque esses 14 sistemas de desenvolvimento da comunidade, de criatividade, para mim era uma diluição muito grande que mascarava a questão de classe. Então eu questionava a partir de uma perspectiva classista, uma perspectiva mais marxista. Eu dizia: “Pô, esse negócio ai não dá, porque tudo é por igual, por categorias : escolas, segurança, saúde. Então é tudo uma diluição das questões centrais”. Depois eu vim morar em Belém, e em 73, era vigário lá no subúrbio lá em Belém, e chamei a F.A.S.E., chamava muito a F.A.S.E. para treinamento. Então esses 14 sistemas não me pareceram lá tão perigoso, porque mesmo com tudo isso de qualquer forma, tinha um, as questões básicas e que batiam bem com o trabalho de comunidade de base e o desenvolvimento comunitário que era a visão, aparentemente teórica, um pouco frágil, o que eu lembrei disso é que era instrumento, nessa época em 73, que era interessante para realmente abordar os problemas do bairro. Então no contexto da época, no fundo, era uma coisa que não era perigosa, mas que já não o desenvolvimento comunitário como a SUDAN (eu morava no Norte, era a SUDAN que era a propagandista do desenvolvimento comunitário) porque realmente colocavam as pessoas frentes aos seus problemas, [ ] E coloca elas pra dizer “que que vamos mexer nisso”; Então era essa a grande diferença. O discurso era próximo do discurso oficial, mas a prática já não era, forçosamente. Por que, no fundo, apesar de tudo, esse pessoal, eram educadores, eram educadores: -Qual é o seu problema? Como, [ ] o que que vamos fazer? Então já havia, tanto que a transição entre um momento e outro, ela não é tão nítida assim. Porque você vê que já havia toda uma percepção que se dava em uma forma de trabalhar, pedagógica, que já preparava o terreno pra mudanças mais profundas. Então eu já vi nessa época que é por ai que há coisas interessantes. Então, quando cheguei, eu faz minha experiência porque não conheci muita coisa ... Em 75, no fim de 74, quando foram me procurar, eu hesitei porque [ ] essa F.A.S.E.. Mas [ ] disse assim: “não tem toda liberdade” [ ] não tem toda liberdade pra avançar. Aqui é pra fazer juntos, pra fazer um programa de trabalho, vamos discutir, assessorar o que vão fazer. Então, uma certa liberdade. Então, essa mudança ali não foi, não é, as pessoas aqui tudo bem foram treinadas pela Criatividade Comunitária, mas o caso [ ] de dizer é o povo que tem que assumir, qualquer que você trabalha, eles, a Criatividade Comunitária era isso também: “responsabilizar”. Então uma responsabilidade que pra mim era muito diluída, recortada em pedaços e tudo, mas que mobilizava de qualquer modo. Eu tinha a maior liberdade quando cheguei no começo de 75, os colegas do nacional pra gente dizer : “bom! o que que vamos fazer? É um

111 programa camponês, voltado para reorganização sindical, discretamente, a terra, a questão da terra, os que [ ] na terra, produzir e no plano, então urbano vamos ver se a gente consegue articular algum setor de trabalho e... uma certa liberdade. O que mudou aos poucos então é que até o, tentei refletir isso quando escrevi minha dissertação de mestrado também, é que justamente a comunidade, ela não é dada, que eu dizia ou que eu escrevi. Quer dizer algo que se constrói. Então o desenvolvimento comunitário, o povoado é a comunidade, já existe. Eu já dizia: “não! A comunidade de é algo que se constrói”. E comunidade, então o que mudou também progressivamente, é que a comunidade, ela não se define pelo âmbito geográfico porque tem as contradições, evidente quando se trabalha em meio operário, é meio operário, mas é meio camponês também, que tem as contradições. O que interessa é se nós somos os mesmos do campesinato [ ] local do proprietário fazendeiro, médio e mesmo pequeno, do que do pequeno posseiro, não é? Então isso, a gente aos poucos, dizia: não a comunidade temos que distinguir, saber quem é que é a liderança, o que é liderança não ? Agora, isso veio, bom tudo bem, da idéia de construção da organização, mas também dessa idéia pedagógica. Não sei se me explico bem, quer dizer, você pode ter essa visão dizer : não ! A comunidade devagar ! Cuidado ! Porque você tem uma visão de classe, mas também pode ser de um modo mais pragmático a partir do momento em que você trabalha com todos a idéia pedagógica diz : olha tem algo de errado, porque essa liderança não é realmente liderança. Então, não tenho que pegar realmente [ ] que representa mais os anseios da maioria dessa população e tudo. Então você chega a um método de certo modo, quer dizer, você que tem diferenças a partir de uma sensibilidade pedagógica. Então, eu diria essa combinação das duas coisas. Tanto para o trabalho de bairro, quanto para o trabalho rural [ ] aos poucos mudar sem ruptura, dizer: não! Agora não queremos mais o desenvolvimento comunitário sem ruptura, mas que na realidade você trabalhava já de modo diferente. Então, para isso nós participávamos lá no Sul dos encontros de desenvolvimento comunitário, o ano passado encontrei aqui uma senhora que dizia : Ah! Jean Pierre, você não quer vir de Santarém, eu trabalho agora na SUDAM, nas reuniões de desenvolvimento comunitário? Olha, eu ia nas reuniões, tudo bem, ia nas reuniões, a gente falava tá, tá... Na prática, nosso trabalho era um pouquinho diferente. Nunca rompemos, mas aos poucos introduz um outro vocabulário, introduz uma outra forma de pensar, de colocar. Quanto ao movimento de bairro mudou, continuou de certo modo a preocupação com uma ponte para passar o Igarapé, a preocupação com a drenagem do canal e dos Igarapés onde em Belém existe mais, a preocupação com a saúde do bairro,

112 algumas coisas assim, o que mudou foi também a idéia que era importante uma organização comunitária que seja mais autêntica, menos atrelada ao político local, ao município, mais autônoma e começar a costurar então entre as associações de trabalho, isso que mudou e não propriamente a ação comunitária. Que acho que ela continuou, como uma forma inclusive de estar presente, de fazer alguma coisa. Eu não sei se respondo bem. Era por ai que você pensava ? É Sim! Sim! Agora, em 82, a carta compromisso consolida essa dizer, política, essa prioridade, quer dize r, a F.A.S.E. agora é uma instituição de educação e desenvolvimento, mas que prioriza o movimento popular e sindical? Sim. Porque olha, tem uma coisa, você vê que a F.A.S.E. nunca suprimiu a palavra desenvolvimento. Desde o começo até hoje : quer dizer que a F.A.S.E. nunca quis ser e isso foi teve um momento difícil na F.A.S.E. porque a oposição sindical metalúrgica, os colegas diziam que a F.A.S.E. devia ser um instrumento do sindicalismo tanto que em 81, tivemos uma crise muito forte com os colegas de SP, da F.A.S.E. em SP porque a maioria da coordenação, tinha uma coordenação, eu era o único o coordenador nacional na época, mas tinha uma coordenação, tinha um coordenador regional do Sudeste – Sul, Norte e o primeiro então, coordenador regional do Sudeste – Sul quiseram indicar um que a gente recusou porque ele era dessa posição que a F.A.S.E. devia ser um instrumento do movimento sindical. E nós recusamos os outros. Então, nós indicamos um coordenador que tinha tido votos minoritários, quer dizer, a maioria do regional votou no nome que nós aceitávamos, mas como o segundo nome era o Lourenço, e, era coordenador aqui no Rio, então indicamos ficamos com o Lourenço. Então como a F.A.S.E. não era democracia completa, pela base então eu banquei isso e levei para o conselho e nomeamos. Mas isso era uma disputa de concepção de entidade. Então eu dizia: “Não! A F.A.S.E. não é correia de transmissão do movimento sindical não é instrumento da oposição sindical metalúrgica para dividir sua autonomia frente a isso. E segundo, ela é uma entidade que tem uma missão, que é realmente a questão de contribuir para o desenvolvimento, quer dizer contribuir para que as relações possam se realizar...” Quer dizer, o fato de trabalhar no rural, quando você trabalhar no meio rural você se mete diretamente nas questões de produção. Quando você trabalha no meio operário, você não se mete na questão da produção. Você não cria a fabrica. Você cria, você forma uma visão de sociedade, de classe, se organizar para pressionar a fábrica, pressionar a produção. Então, o fato do rural dominando e tendo uma importância bastante grande na F.A.S.E.,

113 a idéia do desenvolvimento do Brasil era uma idéia importante, e isso se manteve. A Segunda, que para o LEISING a F.A.S.E. devia ter profissionais, técnicos. Contrata o arquiteto engenheiro, não sei o que.... Bom, então essa idéia de ter profissionais na F.A.S.E. se manteve também. Tudo bem, ser militante [ ]mas tem que ser preparado profissionalmente para prestar assessoria, para trabalhar o desenvolvimento. Então isso se manteve. O que se acrescentou? Profissionalmente desenvolvimento sim, mas desenvolvimento[ ]voltado para comunidade. Comunidade sim, mas a comunidade não é dada, comunidade se faz, se constrói a organização. A organização é fundamental, então a produção, a questão técnica, a questão do desenvolvimento, ela é segunda, porque não adianta, não vamos nos desenvolver se a gente não criar força, não se organiza. Mas já vai aprendendo. Então, progressivamente na segunda metade dos anos 70 e começo dos anos 80, [ ]na questão da organização, mas sem se perder que é para o desenvolvimento, para mudar, para servir as classes mais pobres, realmente se assumirem, ter seu peso, para se afirmar no desenvolvimento do país. Então 82 afirma isso frente ao pessoal ligado a organização, a oposição sindical metalúrgica e assume isso frente ao PCB, que queria fazer da F.A.S.E. uma correia de transmissão do partido. Se aliaram ao MR e o PCB na F.A.S.E. para, eu diria, diminuir, mudar, fazer uma organização [ ] Em 82 isso ficou [ ]. Num encontro nacional em Brasília, em que muitas vezes eu estava sozinho contra todo mundo [ ] mas como eu tinha o poder, eu tinha chamado presidente do conselho. Então foi lá dizer : “Olha, A F.A.S.E. já tem estatuto e tudo. Então é isso que manda. Já dito numa tese do rapaz da administração que fez: “Para onde vão as ONG’s?” É, não li. É, tá dito isto. Em 82, no fundo representou porque [ ] a maioria acompanhou, acabou acompanhando, porque foi um momento delicado, mas acompanhou, trabalhou e formulou, mas aí, então também ficou claro o papel que queria em relação ao movimento sindical, aí por exemplo, todo mundo se chegou, mesmo com todos esses problemas para contribuir para formação, da renovação do movimento sindical. São vários encontros que teve [ ], Nova Iguaçu, Niterói, são sei mais o que, [ ] isso foi o que chegou e a maioria então, se chegou no que criou a CUT e por aí foi. Então, uma visão, ai uma visão justamente que, de Porto Alegre a Belém. Sendo que nordeste tinha menos por causa de uma tradição

114 ligada a outra vertente política. Mas do Norte ao Sul uma percepção clara da importância do movimento sindical, urbano e rural. Pequenas histórias, a F.A.S.E., embora trabalhando em lugares localizados, mas é claro que tinha uma percepção que ia além dos lugares onde trabalhava e portanto, a contribuição eu acho que foi além. O que realmente houve de novidade em termo de expansão foi no Maranhão, estávamos em São Luiz, e lá em 75/76 se preparou um programa para ir no Quindaré. E a análise era também uma nova fronteira agrícola. Quindaré era uma região politicamente sensível, tem muito que estar presente lá. E depois, então foi ir a Imperatriz. Então, Quindaré, Santa Luzia, tudo isso não deu certo desde o PC do B, mas havia uma percepção da importância, como depois de Marabá. Então regionalmente, havia uma percepção, uma idéia de ocupar todo eixo de São Luiz. Então São Luiz, Santa Luzia não já tinha saído, mas Imperatriz Marabá, depois todo eixo Carajás. Então havia uma visão política muito clara, clara demais. No sentido que tudo bem, em tese muito bem, depois tem que Ter condição e objetivo claro e possibilidade de realizar alguma coisa. E em termos de expansão, fora disso posteriormente então, foi o Mato Grosso. Então, na minha cabeça, havia, eu achava importante ir para o Oeste, e, mas como se deu, ai então na F.A.S.E. não adiantava dizer : “Não! Vamos por aí. Foi o ganho porque você vai e porque eu chego lá um belo dia não tinha o bolso cheio, e não tinha dinheiro para ir fazer prospecção e tudo. Mas lá, simplesmente porque tinha um colega em Cuiabá que era amigo do coordenador da F.A.S.E. de SP, e diz: “Olha, tem uns colega lá no Mato Grosso, estão meio isolados, eles querem entrar na FASE. Eu queria ver o melhor para eles. – Opa, vamos tentar. Então chagaram discutiram e como ainda tinha dinheiro na época, era 83/84, então votamos aí importância e fomos criamos uma equipe. Em Cuiabá e na fronteira em Vila Velha do espírito Santo, fica perto da Bolívia. Então, você veio meio a estratégia, porque parecia interessante, importante ir para e acompanhava a migração [ ] e ao mesmo tempo uma oportunidade. Como depois será a criação de Manaus, onde eu estive, bom mas ai o colega ai fechamos o programa de Santarém que tinha esgotado, missão cumprida, na percepção. Então, por onde ir? Manaus, Zona Franca, tem uma massa operária importante, tem que ir lá. Manaus, em função do operário da Zona Franca. Também só se viabilizou porque se fechou um programa e já tinha contado e também para ver isso se era viável. A segunda forma de expansão, é o programa da [ ] e desde meu trabalho no Norte eu vinha achando que deveria ter uma evolução do programa do trabalho rural, que o tipo de produção, modelo de produção não era adequada ao comprimento, eu acho que deveríamos avançar na linha de agricultura mais sustentável, ecológica, mais alternativa [ ] como falava. Ai então em 81 ou 2,

115 não me lembro, o João Marco, Vanderlei, o Círio, Gomes de Almeida tinham voltado do exílio e estavam a fim de fazer um trabalho que tinha alguma coisa nessa linha. E vieram me dizer: “Mas, pô! E isso que eu quero! Então criaram o programa dento da F.A.S.E.. Primeiro a gente organiza um encontro com um monte de entidade pelo Brasil afora, para ver suas opiniões, se não seria importante fazer alguma coisa, e criamos, então, o programa dentro da F.A.S.E.. Então, uma forma de expansão não, de criação de equipe, mas de certo modo de uma linha de trabalho que fazia se articular com outras entidades, aí inclusive então, como não tinha todo lugar, começaram a criar coisinhas ligada a F.A.S.E., tanto que em Minas, o pessoal da F.A.S.E. está em Minas porque começou a se criar dois grandes programas da ASPTA, eram da F.A.S.E. se quiser , em 88 me parece em 89. Mas era uma forma também de expansão temática mas de interiorizar o trabalho em outras bases. Como também durante, momento era a questão da advocacia. Como trabalhávamos, nós meio rural que tinha muitas questões de pesos e próxima a CPT de vários lugares, então também a gente começou, eu comecei a articular com Miguel Straemsberg para tentar articular advogados em meio rural, etc. Em várias regiões do País, tivemos um encontro em Goiás, em 8... ih já esqueci. 3 ou 4 de advogados que articulavam juntos o movimento sindical rural, da CPT, sindicatos. Só que a gente não fez uma boa avaliação política entramos pelo cano, [ ] mas era uma forma também de interiorizar sem a F.A.S.E. aumentar fisicamente a sua presença. Ali, quando essa prioridade em relação ao movimento popular e sindical ele se dá? Até que ano? Por que há uma nova modificação no projeto institucional e nas prioridades de trabalho? Até quando essa modificação se dá e existe uma modificação também no plano das áreas de trabalho, que eram agora no movimento sindical e agora ssai ai para um novo campo? No panorama geral a criação da CUT já anuncia uma certa modificação, por exemplo podemos dizer, agora se criou a CUT, lá onde a gente atuava tem um certo número de sindicatos que estão na mão do trabalhador, mudou a visão sindical, já era um sindicato de fato. Já decerto modo tínhamos cumprido um certo número de objetivos que era ajudar ampliando para conquistar seus sindicatos e organizando uma organização mais ampla. Era feito a primeira coisa. Agora depois foi São Paulo brigamos, a equipe saiu inteiro da F.A.S.E. em 82/83 e compomos uma equipe também para trabalhar no meio sindical, mas numa perspectiva mais ampla mais aberta, mas isso não se consolidou. Então não é que quisemos mudar, mas simplesmente não deu certo, porque talvez teria sido mais tempo o trabalho em SP no meio operário. O

116 que foi, foi que foi se desgastando, desgastando, desgastando... e acabou assim. Não acabou bem, se dizer missão cumprida, agora tem que passar para outra, mas foi não funcionou, não deu certo. Trabalhou com um setor que depois uma parte aderiu a força sindical um setor que foi da oposição sindical metalúrgica, mas depois ficou junto com a força sindical, uma parte se aliou com a o sindicato não deu, então a F.A.S.E. no meio disso, uma confusão. Lá em Santarém que era um ponto forte no meio rural achávamos que: olha, fechou o ciclo, tem um sindicato que se assumiu, com bastante força aqueles deputados na região também tem uma força, então cumprimos nossa missão. Então, vamos fechar. Em compensação aqui no Rio nunca foi tão forte assim o trabalho sindical, então já não era prioridade, já não era. espírito Santo também se teve o problema financeiro, necessidade de restringir, então se priorizou a atuação rural. Nordeste nossa desavença política, lá em Fortaleza se fechou praticamente e no Recife ficou só o movimento popular, que já também não era grande coisa, tinha vontade, mas não tinha mais um trabalho propriamente operário. Rio Grande do Sul também foi mantida o trabalho popular e um pouco o relacionamento com o movimento sindical, CUT? tinha uma pessoa, [ ] mas já em para dizer: ora, agora que tem o movimento sindical ele se organiza. E começaram a se criar escolas sindicais, etc. Então o trabalho de formação da F.A.S.E. passaria mais através do resultado [ ] movimento sindical. E no meio rural a mesma coisa. O trabalho de Fortaleza, por exemplo, servia muito para o modelo? de escola sindical dos sem terra de várias escolas sindicais, até um modelo um pouco Martha Hanecker muito quadrado, ortodoxo, horroroso. Mas como o pessoal tem bom senso, porque tem o que tem no papel e tem a prática, então a prática sempre foi melhor do que o que estava no papel, mas no papel era uma coisa! Então, eu acho que foi dizer : “olha, mudou. Se tem algo a fazer em relação ao movimento, sindical a gente tem que ir ver quais seria o porte específico a perspectiva” . E ai eu acho que a F.A.S.E. [ ] não soube, entende, quem estava na F.A.S.E. já vinha uma coisa desgastou freqüentemente o que a F.A.S.E. decidiu fechou e não deu. Em Manaus, por exemplo, em Manaus era complicado e o nosso colega começou a trabalhar com sindicatos e rompeu. Até o Lula, eu escutei o próprio Lula discutir : pô, o que é ? Que que é ? tá, tá, tá. Bom, tempos depois descobrimos que o Vieira estava certo, quer dizer era um sindicato meio corrupto com problemas sérios, embora da CUT, então o Vieira esteve certo se afastando, porque ele não se comprometeu com essas coisas. Mas, então também ficou o que fazer? Não conseguiu fazer nada em Manaus. É onde se manteve até hoje foi no Pará, sobretudo na de Bragantina. Porque a F.A.S.E. continuou a dar assessoria, acompanhar a articulação, que era um setor, uma corrente, um setor importante

117 do sindicalismo rural no Pará, e então assessorar hoje as Federações, e de outro lado entrou o movimento sindical, renovação na região de Bragantina e ai então até hoje continuou. Mas eu diria como um setor um pouco a parte, a parte quer dizer : uma visão hoje minoritária na F.A.S.E.. A F.A.S.E.. se manca que não tem mais esse papel junto ao movimento sindical, o papel organizativo. Não, que não seria útil em muitos lugares na base. Mas de qualquer modo hoje não tem mais recursos para isso, e o próprio sindicato tem que encontrar seus meios para o trabalho de base, de formar. Mas aí você vê, é uma coisa que veio ao meu ver de um lado se afirmação que hoje a F.A.S.E. tem que Ter uma proposta própria de trabalho de desenvolvimento e educação e portanto não é mais de organizar o movimento sindical, mas também [ ] porque o próprio trabalho sindical se desgastou e ficou assim morrendo quase por si. Essa modificação a gente pode colocar mais o menos no ano de... no final da década de 80, assim com essa ressalva de que já começou com o papel cumprido. Mas no final da década... década... Papel cumprido fim em 85, 84 se quiser, 84, 85 a idéia cumprimos nosso papel. E o desgaste...Entre 84 e 89 acho que estava já tudo bem definido. Ai posteriormente a F.A.S.E. começou a pensar em sujeitos coletivos. O que seriam esses “sujeitos coletivos” para a F.A.S.E. ? Quer dizer na sua proposta de trabalho ela vai encontrar uma denominação de nominação “sujeitos coletivos”. Talvez seja ligada ao fato da F.A.S.E. trabalhar com pequeno produtor rural no seu sindicato, de já se ver confrontado, não possivelmente diretamente no seu trabalho, com o movimento dos sem-terra, com o movimento da transamazônica, com movimento de seringueiro, com o movimento de atingidos por barragens, em geral. Quer dizer há uma certa complexificação do movimento rural, né, e onde a organização nem sempre - já vínhamos dizendo isso já faz anos, - que a questão de classe não se colocava do mesmo modo para o trabalhador rural e para o operariado. Eu me lembro que em 86 – acho que foi então em 85 ou 86, - o primeiro encontro então em Goiânia que eu já mencionei com os trabalhadores rurais, com o Avelino, como assessor eu estava e o João Pedro Stédile – não então foi antes da criação dos sem– terra, foi 84, 85... foi o 1o Congresso dos sem–terra em 85, 83 e 84 já não sei mais – e o João Pedro me lembro (colocou) no quadro colocou o que te disse o trabalhador e o patrão, opressor e oprimido, tal, tal, tal... E no intervalo disse: João Pedro mas você aqui são camponês, estão sem patrão. São autônomos, o projeto

118 de vida deles são autonomia, é isso. Não Jean Pierre, não tem patrão mas não faz mal porque tem o explorador e tudo, então é claro. Assim é diferente que esse negócio aí, não é a mesma coisa tudo bem, era a visão política e ideológica que se tinha mais efeito, e de fato teve mais efeito. Mas eu dizia, bom não é a realidade eu sou mais intelectual do que político nesse sentido. Então tá certo. Mas de qualquer modo, então, já tinha uma percepção da complexidade desse mundo camponês, que você não podia enquadrar, classe trabalhadora, classe operária. Você trabalhava com movimento urbano também onde você via congregação de interesses [ ] um pouco diferente. Então, a noção de classe como uma já da, já estamos questionando, que não, a consciência possível,... Mas eu penso que nesse, nessa discussão de questionamento do marxismo, sobretudo do marxismo vulgar da Marta Honecker de certo pensamento ai, então a gente reintroduz a idéia de sujeito coletivo. Talvez recuperando uma certa idéia da comunidade difusa, interesses um pouco mais difuso, e que a mobilização das pessoas e os coletivos não se dá forçosamente a partir de uma relação de trabalho, mas a partir de vários tipos de interesses. Atingidos por barragens não enfrenta o patrão, enfrenta a uma ente pública que construiu uma barragem, etc, com quem você vai se confrontar, é outra relação. E se junta então em determinado momento, ver a pessoa se juntar. Na transamazônica porque produtores, mas também pequeno comerciante assentados, também o professor primário, etc. Então congregação de interesses que formam sujeitos coletivos um pouco diferente. Então muito gente nesse campo aí. O cunca aqui saberia te dizer melhor, porque faz tempo que não pensei nisso. Então eu acho fizemos essa reflexão para, nessa linha de manter a importância do trabalho com o coletivo, do trabalho com grupos sociais, mas querendo afirmar talvez mantendo a idéia que somos uma entidade de educação, a idéia que esses se promovem coletivamente, são sujeitos da sua ação da sua vida, e vai por aí. E se colocou na sociedade a partir do movimento fomentam ? É, porque, eu acho que a idéia das identidades que agente trabalha a mais ou menos esse período, o Alfredo Vainer, trabalhou, você conhece o Alfredo Vainer ? É um antropólogo do museu nacional e que assessor muito. Ele tem uma INGO, indivíduo não – governamental, faz pesquisa no Maranhão e escreveu sobre isso, sobre as identidades nervos movimentos sociais, de quebradeira de babaçu, a construção de identidade coletiva, por hoje passa, etc, então vai um pouco nessa linha. Então efetiva mente, e aí então, a gente questiona um pouco o movimento sindical, questiona e ao mesmo tempo diz : oh devemos ficar atentos que dentro do movimento sindical

119 efetivamente se renova, quer dizer o que é parte de organização e o que é parte de movimento. E ai então incentivando justamente lutas, movimentos que por dentro ou fora do movimento sindical, estão representados, onde o pessoal enfrenta uma questão e vai se avançando por ai. Os meus colegas do norte, [ ] e organizações o que se poderia entender por desenvolvimento sustentável. Então tem isso. Esse trabalho, é por isso que eu digo que talvez trabalhamos com Federação, ou ainda, com sindicato, para dizer: ‘olha gente, que que vocês querem? Qual é o projeto para a agricultura” O projeto no qual estão indo, levando vocês para o buraco. Agora o problema é que não temos a solução do outro lado, vamos trabalhar uma solução juntos. Mas tem todo um trabalho interno de discussão de fazer avançar e não se contradiz para parar de discutir com o movimento sindical. Por que que ele não é apropriado a vocês? No plano já técnico. Depois, o que ele significa economicamente, politicamente, etc? Então, tem todo esse trabalho interno e depois vem o trabalho interno com grupos de mostrar, ajudar a ver que caminho pode ser encontrado. Então que é técnico, mas profundamente político também. Bom, então, tem um trabalho de sensibilização e de formação e de ação, mostrar outros caminhos, que eu chamo projetos demonstrativos. Depois disso então, no meio mais amplo, federação e central. Dizer bom isso só nós não vamos conseguir, então temos que batalhar por políticas públicas que nos permita questionar esse modelo e mostrar alternativas. Então, são as duas facetas, a faceta do fazer demonstrativo, junto com ele. A faceta educativa, de ampliar esse debate, mostrar, explicar e dizer: ‘Olha aí por aí, porque nós não podemos repetir isso em todo lugar e a faceta então política de intervenção de dizer: ‘olha tem que batalhar por política pública que permita que se mude isso. Como de certo modo no plano urbano. Em 88 aqui na Baixada, quando houve as grandes enchentes. Então a FASE apresentou junto com a pastoral lá de Caxias e a Federação de Moradores lá de São João de Meriti, um projeto de emergência, de reconstrução de casas. E tinha uns mil dólares ou mais até. E construíram, uma porcaria, mas era melhor do que nada. Como dizia o João Floresta, que agora é vereador. “Oh a gente tira o pessoal da sua miséria estrema e do abandono, para que eles voltem a sua situação de enorme pobreza. Mas o que era o interesse, primeiro que as pessoas definiam quem é que era atingido, quem é que tinha perdido tudo. Como seria, que geria o seu miserável barraco. Que geria a reconstrução dele, que organizava, que juntava, que controlava o dinheiro e tudo. A união, uma dinâmica. A partir daí talvez, se fazer sobre as águas, o canal que tinha transbordado. Junto com isso no IPPUR onde a gente tem um laboratório de observatório, então uma visão mais ampla. Isso foi a base da discussão sobre saneamento na Baixada. Ponto de partida, então

120 você vê esse experimental demonstrativo de fazer alguma coisa como um instrumento importante que em si e por si não valia nada, mas ligada a toda uma outra dinâmica, permitiu uma visão e um instrumento de formação, de conscientização e junto com isso então enfrentar políticas públicas. Então é um pouco a visão pedagógica política é a mesma. Poderíamos dizer que a FASE tem sua territorialidade, o uso do território ligada sempre a algum movimento ou a alguma organização? Sim. É. Porque, exatamente. Se não tem, não adianta, a FASE por si. Mas a idéia é ligar sempre em algum movimento em alguma organização popular, ou sindical de base realmente, é lá. Não existe se isso também não acontece. Do outro lado que isoladamente as organizações não mudam, então sempre, e sempre mais a FASE de um lado ajuda a articular, a fazer com que não haja uma só organização, mas que tenha várias, vários tipos. E segundo ela, encoraja e está presente em FORUNS hoje, em coletivos, porque individualmente uma FASE , uma CPT, uma entidade ambientalista, não sei o que, isso não é nada. Então mais a ideia que num plano mais amplo do que estritamente local é importante fazer-se juntar essas organizações. Eu escrevi um artigo sobre a questão do território, você leu não? tê--lo.. Não, não li. Gostaria de tê Que fala um pouquinho dessas coisas. Não fala só da FASE , mas como um dos exemplos, eu pego a FASE em vários lugares como um dos pontos de partida. Ainda apresentei num simpósio internacional de Geografia, inclusive, que apresentei isso, que fez sucesso. É a Bertha Becker que me tinha convidado, então foi publicado na Revista Proposta e também nos anais do Simpósio de Geografia.

121 Entrevista com Jorge Eduardo Saavedra Durão (Diretor Da F.A.S.E.) Realizada em 18 de março de 1999, na sede da F.A.S.E., Rua das Palmeiras, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, RJ.

Eu gostaria que o senhor pudesse colocar, colocasse como a FASE hoje atua no território nacional. Bom, a FASE está estruturada através de programas regionais e também desenvolve um conjunto de atividades a partir daqui da estrutura existente na sede nacional. A própria noção de programas regionais (é) tem sido objeto de algum tipo de questionamento no interior da FASE. Quer dizer, nós inclusive estamos elegendo o tema da regionalidade como um dos principais temas a serem enfrentados num processo de planejamento estratégico que a FASE pretende fazer esse ano. Por que isso? Porque o fato de que nós termos alguns programas regionais, não significa que esses, é que a noção de regionalidade que está por trás desses programas regionais seja bastante clara. Então, é... é claro que o próprio conceito de região é extremamente complicado. Mas, não é evidente que os nossos programas regionais sejam mais do que estar numa determinada região, ou seja, por exemplo: programa regional do Pará é um conjunto de atividades que a FASE desenvolve no Pará. Agora, isso é diferente de nós identificarmos uma problemática regional Paraense e dizermos que esse programa está respondendo a aquilo. Até porque aqui no Brasil, por exemplo, se eu for pensar em termo de Chico de Oliveira, né, eu posso considerar que vocês têm uma problemática regional Nordestina, historicamente, mas não sei se você pode estender o mesmo tipo de abordagem para outras regiões. Então, é a regionalidade dos nossos programas regionais é muito mais construída em função da localização e das características específicas da intervenção da FASE do que em função de uma leitura mais rigorosa de uma determinada problemática regional. Não sei se deu pra entender. Por outro lado a FASE tem o que nós chamamos de uma estrutura matricial da sua intervenção, ou seja, nós além de termos esses programas regionais, a nossa intervenção foi pensada a partir de três eixos temáticos: a “questão urbana”, “trabalho e renda” e “meio ambiente e desenvolvimento”. Então os programas combinam de alguma maneira esses eixos . Disse um colega que: “esses eixos ou essas áreas temáticas são como se fossem três holofotes diferentes que iluminam o mesmo picadeiro, o mesmo palco”. Só que, é claro que variando de uma área urbana para área rural e variando de uma região para outra, nós temos combinações diferentes e ênfases diferentes. Por exemplo, o programa da FASE no Pará tem todo um enfoque da questão do meio ambiente

122 pela ótica do campesinato, da sobrevivência da pequena produção, das questões florestais, da biodiversidade, aí você vai no Espírito Santo, você vai Ter também uma dimensão ambiental que está ligada a questão da floresta também, da exploração florestal, mas você tem uma ênfase nas questões do trabalho ligada a precariedade das condições de trabalho dos assalariados rurais, dos carvoeiros, enfim, daquela população com a qual a FASE trabalha. Você vai em Itabuna você tem uma situação de desemprego massivo e aí a FASE começa a se voltar para essa população muito, enfim, que está numa situação de exclusão do trabalho, quer dizer, para a questão do trabalho e renda do ponto de vista da geração de alternativa de trabalho e renda e também em algumas vezes, quer dizer, soluções emergenciais, enfim, e aí se você vem para as cidades, você tem toda problemática urbana com ênfase nas nossas áreas de atuação nas políticas de saneamento e de habitação, mas aí também entram questões de trabalho e renda, e como pensar o urbano desligado do meio ambiente? Então, por aí você vê como se combinam diferenciadamente nessas várias áreas os eixos temáticos e, portanto, esses programas tem recortes que são, que tem uma marca muito forte do que a FASE se propôs a fazer, muito mais do que ima leitura centrada na regionalidade, no que seria uma problemática central de cada região. Então, embora a FASE tenha lutado muito sobretudo nesse período de crise para manter a sua característica de ser ONG que atua em âmbito nacional, que nós também tivemos uma, de 94 para cá, uma retração e uma concentração das nossas áreas de trabalho, nós deixamos de trabalhar em São Paulo, Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, deixamos de trabalhar em Manaus, e deixamos de trabalhar no Estado de Pará com unidades locais, nós concentramos a nossa intervenção em Belém e atuamos a partir de Belém também com um projeto, com um trabalho em Marabá e (com) o Nordeste do Pará em Abaetetuba, mas com a equipe sediada em Belém, é claro que o trabalho anterior criou instituições e movimentos, por exemplo, os Centros Agrícolas como Centro TIPITI em Abaetetuba e existe também um trabalho que é desenvolvido junto a FETAG do Pará e agora nós estamos com um projeto bastante ambicioso de desenvolvimento local integrado em Gurupá. Gurupá não sei se você localiza, é uma região de ilhas no Rio Amazonas, então é isso, quer dizer, você já tem idéia, você já tem informação de onde a FASE está territorialmente? Ou quer que diga isso? Nós temos programas no Pará, no Nordeste com sede em Recife, em Itabuna, no Espírito Santo, em Mato Grosso com sede em Cárceres e no Rio de Janeiro com o trabalho na Baixada Fluminense além do escritório Nacional. Agora essa configuração é uma configuração que vem sendo

123 produzida desde quando? Porque eu pude perceber nas entrevistas com os Padres Leising e Jean Pierre que havia objetivos e formas de trabalhar diferentes. Desde quando a gente pode marcar o final da década de 80? Quando a FASE começa a mudar seus objetivos de entendimento dos trabalhos realizados? Bom, já que você entrevistou padre Leising, talvez você tenha percebido que no início a FASE se expandiu pela via do atendimento a demandas, ou seja, não era uma estratégia institucional de expansão. Como a FASE já vai completar este ano, 38 anos de existência é, e eu mesmo só comecei a trabalhar na FASE em 1977, quando ela já tinha 16 anos de existência, então, quer dizer, é uma Instituição que já, cuja história requer alguma periodização. Você não pode é achar que isso foi uma coisa linear, é óbvio. Então vamos dizer assim, que talvez até meados dos anos 70 no período que a FASE tinha vínculos mais fortes como a igreja católica, na origem ela foi até formalmente subordinada a CNBB, ela atendia a necessidade de assessoria técnica, de projetos de paróquias, dioceses, e a partir daí foram se constituindo as equipes técnicas, enfim, chamadas as equipes técnicas locais, então, aí eu não sei dizer, eu acredito que não houvesse uma estratégia de expansão territorial. Claro que havia a idéia , o desejo de replicar um certo modelo de trabalho de intervenção na realidade, mas tinha muito a ver com as necessidades e iniciativas locais, isto é entendendo por local o âmbito de uma determinada diocese católica e isso foi a origem inclusive dos vários escritórios que foram se criando no início. Mas já no final dos anos 70 e anos 80 havia uma clara preocupação estratégica, quer dizer, e a FASE antes de ser vista, reconhecida e auto assumida como uma organização não governamental, com todas as ambigüidades que essa expressão contém, ela era vista como uma entidade de apoio aos movimentos populares, então essa estratégia era muito presa a essa relação. Então, nesse período a, vamos dizer final dos anos 70 até 77-88 por aí, a estratégia, quer dizer, a localização espacial das equipes da FASE era muito ligada a algumas opções em relação aos destinatários do trabalho da FASE, como você pode ver inclusive um documento chamado “Compromissos Básicos” ou “A Carta de Princípios da FASE” que data de 1982 então havia, a FASE teve um papel no trabalho com operários industriais na constituição do novo sindicalismo, a FASE contribuiu para a constituição da CUT, desde as primeiras articulações que a ela deram origem, inclusive você encontra literatura sobre formação sindical no Brasil onde a FASE é citada como uma das matrizes da formação sindical, é um estilo de formação sindical, contribuição marcante. Depois você tinha o trabalho com o campesinato que é... houve um período grande onde a FASE trabalhou com pequenos produtores naturais

124 em áreas de conflitos , posseiros, sobretudo no Maranhão e Pará... Bom, mas então no Pará e no Maranhão a gente trabalhava com que a gente chamava de campesinato em áreas de fronteiras, que era aquela região de grilagem, luta dos posseiros e por último a FASE também foi uma das primeiras entidades a trabalhar com movimentos de bairros, movimentos populares urbanos. Curioso nesse período inclusive que havia polêmicas entre os técnicos da FASE sobre a importância e as prioridades do trabalho, porque como a gente sempre teve é óbvio, um problema de recursos limitados e tendo que estabelecer determinadas prioridades, então uma disputa de importância, que era muito na lógica, da, do que cada um desses grupos sociais representava em termos de possibilidade de uma transformação social. Sendo que os paradigmas de transformação, quer dizer, eram ainda nos anos 70 e 80 muito, a visão de uma mudança radical revolucionária tanto da esquerda cristã quanto das pessoas de formação marxista que haviam muitos na FASE, enfim... mas como nós nos definíamos como uma entidade de educação popular é claro que o foco estava muito no sujeito desses processos de transformação, quer dizer, é, e a FASE sempre se colocava numa posição de apoio, de retaguarda e de formação das lideranças e de contribuir para o processo organizativo, que era uma palavra, uma expressão chave no nosso trabalho ao longo dos anos 80. Posteriormente para completar aí as etapas, posteriormente nós tivemos uma revisão dos nossos paradigmas, um debate sobre a questão dos sujeitos, sujeitos coletivos, a idéia quer dizer, de que há novos atores no processo de transformação, novos tipos de movimentos e também a FASE a partir do final de 89,90-91, começou a trabalhar mais com problemáticas, como a questão urbana, a questão da sustentabilidade, inclusive por uma percepção de que os movimentos sociais com os quais nós trabalhávamos tinha passado por profundas modificações, inclusive desenvolvido capacidades próprias, institucionalidade, quadro de assessores, uma série de mudanças que uma entidade como a FASE precisava ter e tinha o que dar com uma forma mais qualificada de invenção. Então nós, ou seja, talvez isso represente uma maior profissionalização, maior capacidade de produzir conhecimentos, maior especialização e também a FASE passou a se assumir mais como um ator na sociedade. E tem essa infindável discussão se as ONG’s são atores ou não são. Claro que não protagonistas, que é uma palavra que só gera confusão, que protagonista é um ator principal, isto eu já fui ao dicionário várias vezes. Nunca dissemos, nem pretendemos isso, eu acho que ONG’s são atores bastante secundários dentro da realidade brasileira, enfim, internacional, mas ator quer dizer apenas que você começa a falar, a produzir idéias, opiniões e veiculá-los sem a limitação, sem estar assim, restringindo ou auto-restringindo por

125 uma visão de que como entidade de apoio você não pode falar em seu nome próprio, você apenas subsidia ou assessora, então eu acho que nós rompemos com essa limitação e entramos mais livremente no debate de idéias e nos posicionamos várias ocasiões, inclusive nas crises brasileiras e em situações como o Movimento pela Ética na Política e tudo mais, eu acho que isso é uma coisa bastante bem assimilada e hoje eu acho que a relação das ONG’s com os movimentos sociais é bem mais amadurecida deste ponto de vista, também corresponde ao fato de muitos movimentos têm lideranças bastante qualificadas, bom também enfrentamos juntos todas as várias crises que tem se abatido sobre o país. Mas eu não se respondi a sua pergunta? Sim. Mas quando eu falei protagonista, eu acho que falei no começo, é também no sentido de quem propõe primeiro. Ah, eu não tinha reparado que você mesmo tinha usado a palavra protagonista. SE são protagonistas próprios, são aqueles que podem ou devem estar propondo algo primeiro, aquele que coloca o debate primeiro. Também pode ser nesse sentido. Nesse sentido, eu acho que as vezes as ONG’s saem na frente. Saem na frente até porque, muitas vezes os movimentos estão condicionados pela sua base atual de sustentação e, por exemplo, isso é claro, eu acho que a CUT hoje, ou pelo menos várias correntes na CUT adotam a concepção do sindicato cidadão, que... mas eu acho esse um bom exemplo, aí é o próprio Movimento Sindical que procura ir além da sua base corporativa da sua, né porque... exemplo típico é como o sindicato hoje enfrenta a questão do desemprego, a questão de trabalho e renda, vendo levas e levas de trabalhadores do setor formal sendo excluídos. Afinal de contas, do Governo Collor para cá, já são mais, quase 3 milhões de postos de trabalho eliminados, nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso praticamente, porque no governo Itamar Franco houve uma recuperação, ou pelo menos diminuiu o ritmo, eu estou me baseando no estudo desse economista Guido Mantega ou Mantega. Bom, mas então aí, quer dizer uma outra coisa, eu acho as ONG’s tem uma contribuição a dar no debate sobre desenvolvimentos, é, que tem a vantagem de que elas não encaram esse debate pelo ângulo restrito, com enfoque restrito dos interesses de uma determinada categoria.

126 Imagem da área de abrangência dos escritórios da FASE 1968

Fonte: Informativo FASE nº 21 jan/fev 1968

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