Operação Sudão: A Atuação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

July 5, 2017 | Autor: Samara Guimarães | Categoria: Peacekeeping, Refugees, UNHCR, UN peacekeeping operations
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Norberto Bobbio - Democracia, Direitos Humanos e Relações Internacionais - Vol.02

Palavras-Chave: Humanitária. ACNUR. Sudão. Refugiados.

OPERAÇÃO SUDÃO:AATUAÇÃO DO ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS OPERATION SUDAN: THE PERFORMANCE OF THE UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES Samara Dantas Palmeira GUIMARÃES413

Resumo Os refugiados e migrantes internacionais enfrentam uma série de problemas em países estrangeiros, como a xenofobia, as dificuldades de interação social, além do difícil acesso a serviços básicos. No sul do Sudão, princípios de dever e obrigação para com os Direitos Humanos estão sendo constantemente feridos. Conflitos irresolutos entre etnias, má infra-estrutura de transporte, e a falta de apoio governamental têm cronicamente impedido a prestação de assistência humanitária às populações afetadas. Este artigo busca apresentar uma análise da atuação do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) em relação à repatriação de refugiados no sul do Sudão. O estudo de periódicos do ACNUR revelaram a importância de uma maior consideração da realidade local do país para a efetivação da legislação sobre refugiados. O trabalho também analisa a UNMIS, Missão das Nações Unidas no Sudão, missão mais geral de peacekeeping, que busca promover o desenvolvimento em longo prazo da região. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. e-mail: [email protected]. 413

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Abstract Refugees and international migrants face a series of problems in foreign countries, such as xenophobia, difficulties of social interaction, and the difficult access to basic services. In southern Sudan, principles of duty and obligation to Human Rights have been injured constantly. Unresolved conflicts between ethnic groups, poor transport infrastructure, and lack of government support have chronically unable to provide humanitarian assistance to affected populations... This article seeks to present an analysis of the actions of the UNHCR (UN High Commissioner for Refugees) regarding the repatriation of refugees in Southern Sudan. The study of UNHCR publication revealed the importance of a greater consideration of local realities of the country for the effectiveness of the legislation on refugees. The paper also analyzes the United Mission (UNMIS) in Sudan, a more general mission of peacekeeping, which seeks to promote the long-term development of the region. Keywords: Humanitarian. UNHCR. Sudan. Refugees. Introdução Este artigo é fruto de um projeto de pesquisa elaborado durante o componente curricular Organizações Internacionais, ministrado pelo Prof. Ms. Henrique Menezes, em 2009.1. Analisar a atuação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no Sudão do Sul é desafiante, pois a região clama por ajuda internacional em diversos âmbitos.

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Regimes militares de orientação islâmica têm dominado a política nacional do Sudão desde a independência do país em relação ao Reino Unido, em 1956. A partir de então, o país envolveu-se em duas guerras civis prolongadas que devastaram a região durante a maior parte do século XX. A primeira guerra civil terminou apenas em 1972, eclodindo novamente em 1983. As principais razões que provocaram estes conflitos foram as divergências econômicas, políticas e sociais entre não-árabes do sul sudanês e a maioria muçulmana. Os efeitos relacionados à segunda guerra civil e à fome ocasionada pela guerra resultaram no deslocamento de mais de quatro milhões de pessoas e cerca de dois milhões de mortes. Região conflituosa Entre 2002 e 2004, negociações em prol da paz ganharam impulso. Em janeiro de 2005, a assinatura do Amplo Acordo de Paz (CPA) entre Norte e Sul, fruto de uma aliança entre o Exército Popular de Libertação do Sudão e a Aliança Democrática Nacional, concedeu autonomia a rebeldes do sul por seis anos. Outro conflito que eclodiu na região oeste do Sudão e teve repercussão mundial foi o genocídio em Darfur, no ano de 2003. O conflito provou a morte de quase dois milhões de migrantes e causou um número estimado de 200.000 a 400.000 mortes. O Sudão é o maior país do continente africano, e devido aos conflitos intermitentes entre grupos étnicos e a falta de infra-estrutura e de instituições básicas consolidadas na região, o país tem enfrentado grande afluxo de refugiados de países vizinhos, como Etiópia, Chade, Uganda e Quênia.

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As primeiras repatriações de refugiados ao Sudão do Sul têm origem um ano após a assinatura do Acordo de Paz do Sudão do Sul, em janeiro de 2005. Este acordo, já citado anteriormente, foi assinado no Quênia e teve como prerrogativa pôr fim a uma guerra de vinte anos que vinha ocorrendo no sul do Sudão, em que conflitos separatistas colocavam em oposição o Norte muçulmano e o Sul cristão e animista414. A economia sudanesa foi historicamente subsidiada por países árabes ricos, a União Européia e os Estados Unidos da América. O presidente Yaffar al Numeiry, que governou de 1969 a 1985 tentou consolidar suas políticas a partir do apoio de fundamentalistas islâmicos, o que incentivou greves e movimentos populares liderados pelo Exército de Libertação do Povo Sudanês (ELPS), que eram contrários às políticas fundamentalistas islâmicas e militarizaram parte do sul. Em tese, após o Acordo de Paz, o Sudão teria um governo de unidade nacional, pois abriu-se caminho à partilha do poder, em que receitas petrolíferas foram distribuídas entre o norte e o sul. A princípio o sul teve forte autonomia, pois até membros do Movimento de Liberação do Povo Sudanês compuseram os ministérios. Entretanto, o Acordo de Paz parece estar perdendo seu intento inicial, ao passo que os conflitos étnicos entre grupos sudaneses não cessam, e o regime continua a ignorar as reivindicações dos não-muçulmanos. Estes percalços dificultam todo o processo de repatriação de refugiados executado pelo ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. O Sudão é um país de contrastes, assolado pela seca e inundações; pelos problemas gerados pela desastrosa gestão econômica que culminam na realidade de instabilidade política, escassez de alimenCosmovisão religiosa, que cultua três grandes divindades: firmamento, a terra e os ancestrais. 414

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tos; por problemas relacionados ao crescente afluxo de refugiados e deslocados internos, e por destinar grande parte do seu PIB em armamentos. Através de um golpe de Estado em 1989, Omar Hassan Ahmad al-Bashir se projetou no poder no Sudão, com o apoio da Frente Islâmica Nacional, banindo todos os partidos políticos, e deixando o sul do país aos cuidados das organizações não-governamentais. Presidente do Sudão há 20 anos, al-Bashir tem orientado o país para um islamismo radical, e foi acusado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, sendo conivente com o genocídio em Darfur. Agência para refugiados O ACNUR foi criado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1950 com o intuito de proteger homens, mulheres e crianças refugiados da Segunda Guerra Mundial, assegurando condições mínimas de sobrevivência para os mesmos em território estrangeiro, ou guiá-los de volta à sua terra natal. O ACNUR também tem como missão garantir o direito que o refugiado possui em se sentir seguro em outro país. Vale salientar que com o passar do tempo, o significado político da palavra “refugiado” veio a englobar qualquer um que fosse forçado a deixar seu lar por circunstâncias criadas por homens. Os refugiados e migrantes internacionais enfrentam uma série de problemas em países estrangeiros, como a xenofobia, as dificuldades de interação social, além do difícil acesso a serviços básicos. Conflitos irresolutos entre etnias (Nuer e Mule, como no caso do Sudão), má infra-estrutura de transporte e a falta de apoio governamental têm cronicamente impedido a prestação da assistência humanitária às populações afetadas.

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A missão do ACNUR no sul do Sudão é repleta de desafios, pois este país sofre com a mais longa guerra civil da África, que vem devastando brutalmente as terras já pouco desenvolvidas, mata milhares, e obriga muitos a procurarem outros países na busca por sobrevivência. Em torno de 70.000 refugiados sudaneses passaram anos vivendo na Etiópia, Quênia ou Uganda. De acordo com as agendas divulgadas no site sobre a operação do ACNUR no sul do Sudão, os refugiados resistem em voltar ao seu país de origem, devido a precariedade de serviços básicos como abastecimento de água potável, ensino de segundo grau e postos de saúde. O ACNUR atua com projetos de repatriação dos refugiados sudaneses a seus países de origem sendo auxiliado por outras ONGS, organizações comunitárias locais e agências da ONU. A agência realizou projetos voltados ao novo sistema de água no Sudão, projetos de treinamento médico, treinamento de professores, polícia, etc. A missão do ACNUR no sul do Sudão tem contribuído na repatriação dos sudaneses e na construção de lugares que ofereçam serviços básicos para a população. Desde a assinatura do acordo de paz de 2005, o número de refugiados que voltaram ao Sudão vem crescendo bastante, passando a marca dos 300.000, sendo desde o início de 2009 até abril do mesmo ano cerca de 20.000 pessoas regressando a sua terra natal com a ajuda do ACNUR. Intervenção humanitária O “Revolucionismo” de Immanuel Kant é uma tradição das Relações Internacionais que destaca o humanitarismo, o respeito aos Direitos Humanos, a justiça humana e a associação do indivíduo à sociedade mundial, abordado profundamente pela Escola Inglesa, relevante no estudo das Relações Internacionais.

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O ACNUR é uma agência internacional que representa a dimensão da responsabilidade humanitária divulgada e defendida pela Organização das Nações Unidas. No sul do Sudão, princípios de obrigação e dever para com os direitos humanos são feridos constantemente, por isso faz-se necessário o uso de princípios que buscam impedir a “limpeza étnica”. “(...) Esse padrão cosmopolita de avaliação de políticas externas gera os seguintes princípios kantianos: sempre lembrar que pessoas nos outros países são seres humanos como você; respeitar os direitos humanos; dar abrigo aos que fogem da perseguição; assistência aos necessitados de ajuda material; ao travar a guerra, ter misericórdia dos não-combatentes. Essas considerações normativas são características de uma sociedade mundial solidarista com base na comunidade humana, isto é: na tradição do revolucionismo.” (JACKSON & SORENSEN)

O ACNUR está envolvido em vários projetos de reintegração que têm como objetivo o rápido desenvolvimento das maiores áreas receptoras sudanesas, fazendo com que a repatriação seja feita de forma sustentável. Estes projetos incluem ações voltadas à saúde da população, ao tratamento da água e saneamento básico, a reparos em infra-estrutura, a programas de geração de renda, a atividades de apoio e conscientização sobre o HIV/ AIDS, etc. Pesquisas revelam que refugiados tem forte interesse na busca por educação, e esse é um fator que pode atraí-los de volta a sua terra natal. O ACNUR é uma agência que se mantém por meio de contribuições voluntárias de países doares, corporações, agências particulares e organizações intergovernamentais, e também desenvolve campanhas para captação de recursos. Muitas questões emergem durante o processo de análise de intervenções humanitárias, como a discussão sobre a universalidade dos direitos humanos. Teóricos pós-modernos acreditam que alguns valores

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culturais ocidentais como a liberdade e igualdade caracterizam os direitos humanos e entram em choque com relação a grupos minoritários. Desta maneira, antropólogos questionam os limites da defesa dos Direitos Humanos, que podem ou não ser uma forma de imposição de valores considerados universais. Pastore, no texto “A Defesa dos direitos humanos é uma forma de “ocidentalcentrismo?” propõe uma adesão crítica aos direitos humanos, e discorre que um dos elementos fundamentais para o diálogo interétnico é o relativismo cultural, que pode ser visto como o respeito às diferenças. De acordo com princípios humanitários, certas intervenções são legitimadas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. As missões de peace keeping tem caráter multidimensional, que além de estabelecer a segurança de determinada localidade, se comprometem em alcançar a paz sustentável, ou seja, uma paz duradoura, edificada em instituições educacionais e políticas, que representem a população. Algumas missões mais específicas se comprometem com a reestruturação de todo aparelho burocrático local, além de organizar eleições livres universais. Sobre as propostas do ACNUR no Sudão do Sul, podemos enfatizar os projetos de repatriação, de treinamento e que se propõem a melhorar as condições de estabilidade da região. Assim como várias missões de peace keeping da ONU, a UNMIS também se compromete em construir lugares que ofereçam serviços básicos à população, como hospitais, escolas, entre outros. Contratempos da missão O ACNUR vem enfrentando alguns problemas em sua missão, alegando receber doações suficientes para realizar a operação que deseja

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no Sudão, além da problemática da segurança mínima necessária para a realização de suas operações. Os relatórios do andamento da missão de repatriação demoram a ser divulgados no sítio oficial da operação, o que dificulta o acompanhamento da operação. Sendo assim, põe-se em pauta a eficácia de tal agência e a sua atuação como legitimadora dos processos de repatriação e auxílio humanitário em casos como este. Faz-se necessário não apenas apontar características da legislação que legitima as questões obre os refugiados, mas questionar se as mesmas são adequadas ou não, assim como o papel do ACNUR na aplicação dessas leis. “(...) A manutenção da paz e a busca do desenvolvimento econômico e social fazem as organizações internacionais desempenharem um papel de prestadoras de serviços internacionais aos Estados. Portanto, as relações entre fenômenos intra e extra-estatais são constantes e profundas.” (SEITENFUS, Ricardo).

Muitos líderes do Movimento para a Libertação do Sudão, em entrevista divulgada no site oficial da Operação “ACNUR South Sudan”, declararam que os investidores internacionais se precipitam ao investir no Sul do país antes de serem criadas as estruturas legislativas apropriadas, e que para os investidores a grande prioridade é a criação de um ambiente próprio para fomentação de negócios no Sul. Para compreendermos o papel do ACNUR no processo de apoio aos imigrantes refugiados da guerra civil existente há mais de 40 anos no Sudão, devemos refletir acerca das razões pelas quais a agência ainda encontra dificuldades para ação efetiva, buscando compreender os movimentos migratórios no local e a necessidade da intervenção do ACNUR, analisando a efetividade da agência.

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Cooperação internacional Sociólogos e antropólogos como Marcel Mauss e Maurício Abdala discutem sobre a cooperação internacional e a relevância do efeito moral das intervenções sobre os nativos. Abdala levanta o debate sobre a “crise paradigmática” entre coletividade e individualismo enfrentado por formuladores de políticas, enfatizando a importância da cooperação cultural. A proposta de Abdala quanto às relações sociais no cooperativismo esbarra em premissas clássicas do capitalismo, como o individualismo, que prevalece na manutenção das identidades. Como alternativa à competitividade, Abdala apresenta a possibilidade de uma nova racionalidade que abrange a prática social e é protagonizada por novos movimentos sociais de autogestão. Assim, esta proposta interage com a ideia de manutenção da existência do ser humano frente às novas necessidades do mundo globalizado, sendo a cooperação um princípio revolucionário, que se contrapõe à competição por buscar melhor paridade social. Marcel Mauss teorizou sobre o “penhor moral” dos países hegemônicos em relação aos países que foram colonizados, e que continuam dependentes economicamente. Mauss discute sobre o sistema de doação internacional, praticado pelas agências internacionais, que representam um fator social total e podem ser um passaporte para a hegemonia. Para ele, a dádiva internacional de ajuda e construção pode ser interpretada como meio que os países hegemônicos encontram de saldar dívidas históricas. Nos processos de assistência técnica e humanitária pode haver intervenção cultural e política, por mais que as agências se considerem

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“apolíticas”. Assim, missões humanitárias podem reformular identidades nacionais em estados falidos ou de independência recente, onde não há desprendimento de interesse por parte do hegemon. A intensificação dos processos de globalização acentuou as desigualdades econômicas e sociais em certo nível, de acordo com Bauman, gerando consequências humanas, e a “liquidez” das relações sociais. Entretanto, alguns aspectos positivos que acompanham a disseminação das informações, o fortalecimento das ONGs, as conferências internacionais, o acompanhamento de intervenções pela opinião pública, e a articulação a nível local, nacional e internacional, solidificaram os Direitos Humanos como regime na agenda política globalmente. José Augusto Lindgren, militante brasileiro dos Direitos Humanos, acredita que não há como separar a ética do campo político, e que apesar de parâmetros universais de desenvolvimento e respeito à vida, os modelos de intervenção na pós-modernidade tendem a não respeitar particularidades, o que pode intensificar assimetrias, resultando no fracasso das operações. Pós-positivismo e a relação agente x estrutura Os teóricos construtivistas das Relações Internacionais têm uma visão oposta à dos positivistas e racionalistas que no período pós Guerra Fria estavam voltados aos estudos relacionados a conflitos domésticos e de segurança internacional. O construtivismo parte do positivismo como do pós-positivismo, consubstanciando-se na Terceira Via, teorizada pioneiramente por Anthony Giddens. Os pós-positivistas defendem a ação complementar do agente e da estrutura na construção conjunta, em que identidades, interesses e ações são construídos, na medida em que um ator interage com outro e consequentemente com a estrutura.

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O Estado não é considerado como ator unitário, pois a influência da mídia e das ONGs na formulação de políticas e as mudança nas agendas internacionais, principalmente relacionadas a intensificação de debates sobre meio ambiente e Direitos Humanos, representam a ascensão de questões de identidade e cultura. Os pós-modernistas ressaltam a importância da reflexividade, da relevância da atuação de vários atores soberanos nas Relações Internacionais, da desconstrução seguida de construção, no sentido da adição de novos elementos. Desta maneira, em processos de intervenção humanitária, a interação entre agentes pode acrescentar novas expectativas às identidades nacionais, no plano estratégico. Steve Smith, teórico pós-modernista, argumenta que o estudo norte-americano das Relações Internacionais vem orientando acadêmicos, e que a formação de paradigma é um processo determinado pelo que acontece na comunidade acadêmica norte-americana, em que as principais suposições realistas são apropriadas às políticas hegemônicas. Apesar de ser uma agência considerada apolítica, deve-se ressaltar o fato que o ACNUR representa interesses da ONU, que são assimétricos entre as potências que a formam. A respeito do complexo debate sobre a “ocidentalização” dos Direitos Humanos, Pastore propõe uma adesão crítica e aposta no diálogo, no respeito às diferenças, reconhecendo a importância da antropologia na exploração e melhoria das marcas ocidentais dos Direitos Humanos. A abordagem antropológica dos direitos humanos, ao explicitar a origem judaico-cristã e greco-latina de seu universalismo e ao apontar que esse jamais se realizou plenamente devido às limitações do olhar branco, masculino e ocidental, instaura uma postura de respeito relativista aos dilemas implicados na implementação desses direitos, o que,

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Norberto Bobbio - Democracia, Direitos Humanos e Relações Internacionais - Vol.02 muitas vezes, leva a paralisias tanto teóricas quanto políticas diante de questões de grande relevância acadêmica e social. (SCHRITZMEYER, 2008, p. 9).

O Brasil e a Operação Sudão O Exército Brasileiro tradicionalmente participa em esforços internacionais de promoção da paz. Seguindo princípios históricos de uma política externa pacífica e calcada na defesa do multilateralismo, nosso exército constantemente reafirma o compromisso com organizações como a ONU. Antes da criação da Organização das Nações Unidas, nosso país já mediava conflitos a nível regional, evitando conflitos. Nossas tropas participaram de várias missões durante o processo evolutivo das missões de caráter humanitário da ONU, acumulando prestígio e alcançando posições de destaque no comando operacional de algumas missões. No cenário pós Guerra Fria, as operações de paz da ONU tornaram-se mais abrangentes e complexas ao incorporarem novos elementos e objetivos, além das atividades de cessar-fogo. A repatriação de refugiados, uma das funções do ACNUR, representa a associação de serviços militares e civis nas operações, esforços estes que inserem ex-combatentes na vida civil, através da ajuda de militantes de direitos humanos, policiais e agências humanitárias. Durante este processo, algumas operações de paz da ONU foram consideradas um fracasso, num momento em que a comunidade internacional demandava uma instância mundial legítima e eficaz na prevenção da segurança mundial. Em Ruanda, por exemplo, região onde a política governamental era um caos e não havia paz a ser mantida, a ONU não foi capaz de manter a unidade operacional necessária, perdendo-se em alianças políticas e relativizando princípios fundamentais como a imparcialidade.

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Além do comando da MINUSTAH, Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, nosso Exército se destaca desde 2005 na UNMIS, a Missão das Nações Unidas no Sudão. A UNMIS foi estabelecida em resposta a assinatura do CPA, que não vinha sendo respeitado. Estabelecida pelo Conselho de Segurança da ONU, em 2005, a missão tem caráter mais geral, diferente da proposta mais específica da ação do ACNUR. A missão dá suporte ao CPA, busca promover assistência humanitária, os Direitos Humanos, e é formada pela polícia civil, militares, voluntários da ONU, e por correspondentes internacionais.

Considerações finais Dentro do maior país da África, dividido em duas partes, alguns lutam pela transformação da realidade, por emancipação social e voz política. Entretanto, os que detêm o poder no Sudão são reconhecidos por manterem um governo corrupto e de profundo fundamentalismo religioso. Através de um golpe de Estado, o atual presidente do Sudão se projetou no poder no país, com o apoio dos islamitas da região. Omar al-Bashir foi acusado pelo TPI por crimes contra a humanidade, mas a prisão só pode ser executada no próprio país, com autorização do presidente. Atualmente, o Sudão vive um impasse, sentido tanto na região norte, quanto na região Sul, pois em 2010 ocorrerá um referendo sobre a independência do Sul do Sudão. O país passa por um momento histórico crucial, e grande parte da bibliografia acerca do tema em questão é disponibilizada em meios digitais, como as publicações oficiais do ACNUR, folhetos informativos, além de livros e artigos relacionados à temática.

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Os teóricos pós-modernos questionam as relações de poder, e, no caso do Sudão, a intervenção de organismos internacionais ainda se caracteriza como de extrema importância, pois não há Estado consolidado nem instituições básicas solidificadas. Entretanto, cabe salientar que no continente africano, a troca da dependência colonial por dependência liberal caracteriza a luta dos estados no período pós-colonial. Norberto Bobbio ao propor a paz positiva, estabelece um derivado negativo do estado de guerra, (...) como aquela que pode ser instaurada somente através de uma radical mudança social e que, pelo menos, deve avançar lado a lado com a promoção da justiça social, com o desenvolvimento político econômico dos países subdesenvolvidos, com a eliminação das desigualdades (BOBBIO, Norberto).

A articulação das instâncias internacionais, a negociação e o diálogo se fazem extremamente necessários em casos como este, que quebram o debate sobre a ocidentalização dos direitos humanos. A defesa do pressuposto de igualdade de voz, do respeito à diferença e as infinitas questões de cultura e identidade que perpassam o período pós-colonialista, devem ser postas em prática, pois conflitos interétnicos são delicadíssimos e envolvem uma visão holística por parte dos formuladores de políticas.

BAYLIS, John; SMITH, Steve; OWENS, Patricia. The Globalization of World Politics. BARNETT, Michael. Social Constructivism. New York: Oxford University Press, 2008. Introdução às relações internacionais: teorias e abordagens / Robert Jackson, George Sorensen; tradução, Bárbara Duarte; revisão técnica, Arthur Ituassu. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007 Manual das organizações internacionais / Ricardo Antônio Silva Seitenfus. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e a lição dos clássicos, cit., p. 517 ______. Estado, governo, Sociedade; tradução Marco Aurélio Nogueira. Brasília: Editora Paz e Terra, 13ª edição, 2007. ______. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4 ed. Brasília: EdUNB, 1994. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. ______. Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. TURNER, Bryan S. Orientalism, postmodernism and globalism. New York: Routledge, p. 94-159 SILVA, Kelly C. A Cooperação Internacional como Dádiva – Algumas aproximações. MANA 14(1): 141-171, 2008. MAUSS, Marcel. The Gift – Forms and Functions of Exchange in Archaic Societies, Cohen & West Ltd, 1954. TURNE, Bryan S. Orientalism, postmodernism and globalism. New York: Routledge, p. 94-159

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Norberto Bobbio - Democracia, Direitos Humanos e Relações Internacionais - Vol.02 FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarisse. “O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz” Brasília, FUNAG, 1999. UHCR/ACNUR. La proteción a refugiados y el papel del ACNUR (Documento publicado pelo ACNUR/UNHCR, disponível em: http://www.eacnur. org/) UHCR/ACNUR. Operation Briefing On South Sudan (Documento publicado pelo ACNUR/UNHCR, disponível em: http://www.eacnur.org/ ) UHCR/ACNUR y los Refugiados: Agencia para Refugiados de las Naciones Unidas - http://www.acnur.org/ USCRII - Unites States Committee for Refugees and Immigrants – Disponível em: UNHCR – South Sudan Operation . Disponível em: < http://www.unhcr.org/>

DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS AO PRINCÍPIO DA NÃO-INDIFERENÇA: A UNIÃO AFRICANA COMO FORMULADORA DE NOVOS IDEAIS FROM UNIVERSAL DECLARATION OF HUMAN RIGHTS TO THE PRINCIPLE OF NON-INDIFFERENCE: THE AFRICAN UNION AS A FORMULATOR OF NEW IDEAS Vico Dênis Sousa de MELO415

Resumo Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ressurgem movimentos visando a criação de uma Organização Internacional que zelasse pela paz e segurança internacional. Constitui-se, assim a Organização das Nações Unidas-ONU, com o objetivo do proteger os direitos humanos, proclamados na Declaração Universal de 1948. No entanto, com a conjuntura de guerra fria e bipolaridade no sistema internacional, e os processos de descolonização nos países periféricos, a idéia dos direitos humanos defendidos pelos Estados permanece em um longo período de dormência. Essa dormência em relação ao “humanismo” pode ser constatada na própria fundação da Organização da Unidade Africana (OUA), que dava ênfase à soberania estatal como figura central buscando consolidar Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e graduando em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 415

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