OPINIÃO E EXPERIÊNCIA NA SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS HISTÓRICOS

June 6, 2017 | Autor: I. Oliveira | Categoria: Curriculum Studies, Teaching History
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OPINIÃO E EXPERIÊNCIA NA SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS HISTÓRICOS Itamar Freitas UnB/UFS/UFRGS [email protected] Há exatos 25 anos, o historiador mineiro Francisco Iglésias (1923-1999) afirmava, ironicamente: “quem não domina ciência nenhuma pode muito bem ser professor de história do Brasil! Afinal, tudo mundo já ouviu falar da marquesa de Santos.. Não pode é ser professor de oftalmologia, de cirurgia facial...” (1991, p. 479). Assim denunciava a indiferença dos donos de faculdades de filosofia e de economia e de muitos profissionais do ensino superior: a incúria desses sujeitos com relação à formação e à obrigatoriedade da licenciatura para exercer as atividades de professor de história. Hoje o chiste pode ser revisto e ampliado com a seguinte proposição: “No Brasil, qualquer historiador pode prescrever o que deve e o que não deve ser ensinado como história na escolarização básica; só não pode é governar o país”. (Graças a Deus!!). Cada um tem o direito de opinar sobre o tema. Todos podem alardear o seu pensamento nas redes sociais com entrevistas e também com emotions, mêmes e xingamentos. Na formação de professores, fazemos ressalvas aos três últimos modos de expressão. Mas, comemoramos a atitude, pois a multiplicidade de juízos é indiciária de três fenômenos atuais: 1. recortes de passado ainda são considerados constituidores de identidades; 2. demonstração de brasileiros, cada vez mais, preocupados com a gestão do direito ao passado; e 3. não convivência de duzentos e quatro milhões de pessoas, sob o governo ditatorial no Brasil. O aspecto lamentável dessas manifestações é a apropriação acrítica, dominante entre usuários do Facebook e do Youtube. Eles tomam as opiniões de padres, psicólogos, jornalistas, historiadores, professores e blogueiros que, de modo deliberado, ou não, confessam a sua ignorância em dois dos planos dos que mais nos interessam: o das finalidades prescritas pelo Estado democrático de direito e o das singularidades da experiência brasileira, decantada em densa produção acadêmica na área do ensino de história. Nossa atividade desta semana explora a contraparte do empoderamento dos leitores (a sua transformação em autores) que as novas tecnologias parecem estimular: a compreensão de que não há diferença alguma entre opinião e conhecimento científico. Digo “parece”, porque a esmagadora maioria dos novos produtores de informação reconhecem a competência de psiquiatras forenses, físicos, médicos, advogados e economistas para tratar de assassinatos de ex-namoradas, aquecimento global, zica vírus, delações premiadas e ajuste fiscal. Quando o assunto é por que ensinar história para milhões de crianças e adolescentes e o que ensinar nesta área do saber, blogueiros e similares simplesmente se sentem com autoridade para emitir as mais estapafúrdias posições sem apor uma “nota de rodapé”. Digo também “parece”, porque ilustres historiadores se autoproclamam (e muitos o são, efetivamente) experts em seus campos de estudos, mas insistem na extensão de sua expertise aos campos da ética e da moral. Assim, quando o assunto é falar sobre o ensino de história, demonstram desprezar qualquer tipo de responsabilidade sobre aquilo que declaram; desoneram-se das consequências das suas palavras na moldagem da opinião dos iletrados na matéria. Justificado, então, o tema da semana, vamos às orientações para a atividade. Com o título “Opinião, experiência e ensino de história”, desejo que cumpram dois

objetivos: reter um sentido para as palavras opinião e experiência e avaliar uma das posições anunciadas no vídeo postado no início deste texto. Fiquem livres para colher e usar sentidos. Aos que não pensaram no assunto ou não estão dispostos a enveredar nos clássicos, forneço duas definições bem antigas, mas, em parte, perfeitamente aplicável à vida prática do nosso tempo: 1. opinião é o resultado do pensamento de quem não reconhece aquilo que desconhece. Ela está aquém do conhecimento e além da ignorância e pode facilmente ser abalada com a persuasão (em oposição à intelecção); 2. experiência é o conhecimento prático aplicado às soluções de problemas individuais. Ela está além da sensibilidade desmemoriada e aquém do conhecimento científico. A primeira tese está em Platão (República, Banquete, Definições, ...) e em Sócrates. Este último apresenta os vários inconvenientes da opinião e as vantagens de reconhecermos aquilo sobre o qual nada sabemos. O ignorante, por exemplo, sempre se salva porque remete aos outros a tarefa por ele ignorada (Alcebíades, 117). O ignorante em culinária não cozinha, por isso, geralmente, come bem. O ignorante em náutica não pilota navios, por isso, na maioria dos casos, chega vivo ao próximo porto. A segunda tese é de Aristóteles (Metafísica, ...) que também aponta os inconvenientes do conhecimento pragmático. O experiente – que sente, testa, memoriza e rememora – pode até diagnosticar, prescrever e aliviar uma forte disenteria do colega. Mas, dificilmente, o ato de beber uma coca-cola ganhará status de solução universal para esse tipo de desconforto. Evidentemente, a separação olímpica entre opinião/verdade e experiência/ciência não é mais aceitável em nosso meio. Nem mesmo as soluções de verdade inteligível ou empírica, respectivamente, de Platão e Aristóteles, fazem parte do estoque de virtudes do historiador contemporâneo. Mas, façamos esse exercício. Demonstremos que o estudo de alguns aspectos do passado grego clássico é matéria importante no currículo de história... do ensino superior. Aplicadas às posições dos sujeitos históricos que aparecem no vídeo acima, que conclusões vocês produziriam? Modificadas com outras ideias de opinião e experiência, o que teriam vocês a dizer a respeito das teses divulgadas acerca dos conteúdos e finalidades da disciplina escolar história no Brasil? Até a próxima semana e boa reflexão.

Referências ARISTOTE. Oevres completes. Sous la direction de Pierre Pellegrin. Paris: Flamarion, 2014. IGLÉSIAS, Francisco. Depoimento. In: Cientistas do Brasil. Depoimentos...SBPC, p. 475-488. [Entrevista concedida à Maria Efigênia Lage de Rezende (DHI/UFMG) e Roberto Barros de Carvalho (Ciência Hoje), publicada em julho de 1991]. PLATON. Oevres completes. Sous la direction de Luc Brisson. Paris: Flammarion, 2008.

Para citar este texto: FREITAS, Itamar. Opinião e experiência na seleção de conteúdos históricos. Brasília, 24 mar. 2016. Disponível em: www.didaticadahistoria.com.

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