Opinião no Jornalismo – editoriais de Carta Capital em 2002 e 2006

May 30, 2017 | Autor: Janaíne Santos | Categoria: Jornalismo, Editorial, Discurso Jornalístico
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III SIPECOM – Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação Universidade Federal de Santa Maria

Opinião no Jornalismo – editoriais de Carta Capital em 2002 e 20061 Janaíne dos Santos2

Resumo: A discussão sobre a validade de filiação dos textos opinativos como gênero jornalístico é a principal discussão proposta pelo artigo. Para isso é feito um ligeiro resgate teórico acerca do assunto, partindo-se das premissas principais que conformam os gêneros adscritos ao jornalismo. São igualmente referenciadas as discussões teóricas em torno do campo jornalístico, especialmente no que tange ao seu entendimento como um campo discursivo que contribui de maneira efetiva para a construção da realidade. Palavras-chave: editorial; jornalismo; construção discursiva. Os gêneros jornalísticos representam, através da classificação em diferentes dimensões, as categorias às quais os textos se filiam. A partir de MARQUES DE MELO (2003, p.65) os gêneros podem ser classificados em duas categorias: Jornalismo Informativo (notas, notícias, reportagens e entrevistas) e, Jornalismo Opinativo (editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta). O autor faz a distinção dos gêneros nestas duas categorias a partir da análise de proposições de Luiz Beltrão que aponta três dimensões para o texto: às acima já referidas Beltrão acrescenta uma terceira denominada de Jornalismo Interpretativo. A opção pela classificação de Marques de Melo decorre de seu perfil conciso, que não se atém a compartimentalizações desnecessárias ao objeto textual. O autor opta pela distinção do texto jornalístico em duas vertentes porque entende que assim se “exclui naturalmente as tendências rotuladas como jornalismo interpretativo e jornalismo diversional por estas não encontrarem ancoragem na práxis jornalística observada no país”. (MARQUES DE MELO, 2003, p.64). Há uma discussão permanente em torno da categorização dos estilos de linguagem utilizados nas construções discursivas, como também, falta consenso em relação às especificidades atinentes a cada um deles, seja pela dificuldade de se isolar um gênero de maneira absoluta, seja pela inter-relação estabelecida para com as demais formas de linguagem. A premissa da opinião no jornalismo é, prioritariamente, identificada a partir dos textos construídos em editoriais, colunas, resenhas, artigos, crônicas, etc.. Quando é feita 1

Trabalho apresentado ao Grupo de Pesquisa Mídia e Identidade Contemporânea, do III Sipecom Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, produzido a partir das disciplinas de “Jornalismo e Narrativa na Contemporaneidade” e “Teorias do Jornalismo” no primeiro semestre de 2007, junto ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Comunicação e Informação da UFRGS. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS, bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

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referência aos gêneros opinativos estes são abstraídos como construções subjetivas que de uma maneira ou outra, representam os interesses ou o velamento das proposições que lhe são contrárias. No âmbito dos meios de comunicação a opinião pode ser expressa de diferentes formas. Normalmente há uma confluência entre os veículos impressos e os que se utilizam da radiodifusão (canais de rádio e TV), pois há grupos que, além de os manterem, orientam sua produção editorial. As construções discursivas evidenciadas a partir dos editoriais passam a atuar em uma perspectiva estratégica, pois assumidamente constituem-se da opinião da empresa de comunicação acerca de determinado fato e/ou acontecimento. No entendimento de Warren Breed o espectro de atuação da política editorial que norteia a ação dos meios pode ser ampliada: “A ‘política’ pode ser definida como a orientação mais ou menos consistente evidenciada por um jornal, não só no seu editorial como também nas suas crônicas e manchetes, relativas a questões e acontecimentos seleccionados” (BREED in TRAQUINA, 1993, p.153). Apesar de todos os espaços dos periódicos indicarem, as posturas ideológicas do meio, é no espaço do editorial que essa manifestação pode ser pontualmente identificada. FERREIRA (2000, p.190) afirma: “a neutralidade do repórter seria apenas um mito. Escrever para um jornal como um ato que procura fazer crer que o que se diz é verdadeiro, é simplesmente um ato ou um esforço retórico. Ao leitor compete saber por que meios um discurso é persuasivo para dar o efeito de verdade”. A partir destas considerações, reforça-se a pertinência para a retórica de fazer crer que há, efetivamente, neutralidade no jornalismo, mesmo quando se refere ao gênero opinativo. As empresas mantenedoras dos periódicos precisam além de publicizar acontecimentos, dar vazão ao pensamento que entendem ser mais adequado para que os objetivos defendidos pela instituição ou, que a ela sejam convenientes, possam ser alcançados. Quando se trata de “autonomia consentida”, evocando aqui Traquina, uma série de inferências pode ser levantada a respeito da figura que ocupa lugar estratégico dentro da cadeia de produção jornalística: o editor. Para que ocupe a função de editor, o jornalista tem de atender a requisitos de interesse do meio e identificar-se com os valores vislumbrados a partir da política editorial da empresa. Na acepção primeira do jornalismo são os editores que constroem os textos editoriais e ocupam esta função em detrimento da política editorial que já tem interiorizada. A atividade é atribuída àqueles que transmitem confiança aos dirigentes da empresa jornalística e se empenham para que os valores desta

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sejam alcançados. É o editor, através de sua vivência e repertório de experiências, que proverá de memória o veículo e tornará possível a articulação de eventos passados com os atuais. A partir dessas considerações, é relevante fazer menção à pesquisa em torno da produção de conhecimento a partir do campo jornalístico — a qual se restringe somente a algumas considerações e, de certa maneira, não contempla todo o processo de produção jornalística. Na década de 1970 um paradigma novo é apresentado ao jornalismo, seu embasamento parte do pressuposto de que as notícias originam-se de um processo de construção. Este novo olhar desmembra-se em duas vertentes: as teorias estruturalista e interacionista, que entedem que os meios de comunicação integram um contexto, não estando em uma dimensão superior ou diferenciada dele Ao mesmo tempo, eles – através do jornalismo - auxiliam no processo de construção da realidade, seja por sua orientação política, social e/ou econômica, seja por sua conduta, que na impossibilidade de distanciarse de seus vínculos ideológicos os reproduz, ainda que involuntariamente. Estas relações interferem no que será apresentado ao público como produto final do jornalismo: a notícia. A proximidade que esta concepção teórica tem para com o contexto sóciohistórico contemporâneo, é inegável. As demais proposições teóricas atreladas à prática jornalística (teorias do espelho, gatekeeper, organizacional, ação política, dentre outras) apresentam elementos que são válidos quando aplicados a determinado contexto, mas a teoria construcionista parece mais bem dimensionar a prática cotidiana do jornalismo. “O interesse real do jornalista estaria no investigar a significação do fato que comenta. Enfim, seu interesse é negociar os sentidos”. (FERREIRA, 2000, p.190). Quando o autor menciona a intenção dos jornalistas, nota-se a importância que a geração e circulação de sentidos exerce, pois do êxito deste processo decorre o desempenho em relação à própria construção da realidade por meio dos textos jornalísticos. Ao fazê-lo o jornalismo assume algo que lhe é intrínseco e relacionado diretamente à coesão social: a identificação daquilo que se constitui em regra e em desvio dentro do contexto social ao qual se está adscrito. MACHADO (2006, p.03) complementa esta assertiva quando postula: “Ao lidar essencialmente com o que é o inesperado, o incomum o perigoso, o jornalismo acaba indicando o que seria socialmente desejável, normal e adequado”. Assim, por mais válidas que sejam as tentativas de isenção na esfera da produção jornalística, a premissa da opinião estará sempre presente nas construções discursivas do gênero, de maneira explícita ou velada.

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Muitos acreditam ainda que o princípio da verdade é a expressão legítima do que é afirmado e transmitido pelos veículos de comunicação. O receptor, aqui, pode ser compreendido, como indivíduo ingênuo que atribui status de verdade a toda e/ou qualquer inferência postulada pelos meios de comunicação. Daí a preocupação para com a classificação dos textos opinativos como dimensão legítima do jornalismo. A falta de uma posição analítica sobre os conteúdos repassados ao leitor pode ser decorrente do contrato de leitura pré-estabelecido entre os pólos. Aquele que usualmente tem acesso ao texto jornalístico sabe de antemão o que pode esperar deste, o mesmo ocorre em relação ao texto que circula a partir dos meios, pois já se tenta visualizar o perfil de quem recebe o discurso.

Dizer que o gênero de discurso é um contrato significa afirmar que ele é fundamentalmente cooperativo e regido de normas [...]. Todo o gênero de discurso exige daqueles que dele participam a aceitação de um certo número de regras mutuamente conhecidas e as sanções previstas para quem as transgredir. Evidentemente, esse “contrato” não necessita ser objeto de um acordo explícito [...] (MAINGUENEAU apud MACHADO, 2006, p.04)

MAINGUENEAU apresenta elementos complementares à noção de contrato de leitura, uma vez que este é estabelecido entre os interlocutores do discurso a partir da percepção da existência de uma situação “ideal”, da qual fariam parte os preceitos de imparcialidade e isenção adjacentes a um entendimento do jornalismo cuja existência foi já indagada recorridas vezes. Nessa dimensão insere-se, também, a perspectiva da opinião através dos textos jornalísticos. Ao fazer inferências sobre os mais variados assuntos, o texto jornalístico auxilia no processo de construção dessa mesma realidade. Considerando estes elementos é inegável a potencialidade que os textos jornalísticos de caráter opinativo têm de conduzir o leitor, por mais emancipado que este se apresente. Levada a uma análise pontual, no intuito de verificar a possibilidade dessa proposição, incorrer-se-ia na afirmação de que inexiste perspectiva outra na esfera jornalística que não a opinativa. Quando o leitor se apropria do texto opinativo veiculado pelos meios é capaz de perceber a parcialidade com que as construções discursivas são modeladas e, dar-se conta de que este processo é capaz de permear não somente o jornalismo opinativo, mas todas as instâncias que regulamentam a vida em sociedade. Desta forma, as classificações às quais se dedicaram muitos pesquisadores seriam, pelo menos, colocadas sob suspeita — ou apresenta-se uma alternativa nova, a do leitor que mesmo identificando as

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intencionalidades do texto continua a consumi-lo, pela afinidade e/ou identificação que tem para com o estilo do texto construído nos espaços legítimos da opinião nos periódicos. Opinião declarada – estratégia em Carta Capital? É cada vez maior o número de estudos dedicados ao desvelamento da estrutura do texto jornalístico e de sua tessitura. Insere-se aí a diferença entre o que é dito — o enunciado — e a maneira como é dito — a enunciação. Na tentativa de aproximar o embate de cunho teórico da realidade experenciada cotidianamente, a temática objeto da inflexão aqui proposta baseia-se em duas construções discursivas da revista CartaCapital, acerca do processo eleitoral brasileiro nos períodos de 2002 e 2006. Para contextualizar o leitor, um breve resgate sobre a revista faz-se necessário. CartaCapital surgiu no Brasil como alternativa aos leitores dos periódicos semanais dedicados às editorias de política, economia e cultura na década de 1990. A publicação é do jornalista Mino Carta e, desde seu advento, a publicação gerou identificação com grupos de interesse afinados com a ideologia de esquerda do país. No período eleitoral de 2002, CartaCapital abriu seu voto para o candidato à presidência da república do PT, e, mesmo considerando a histórica vitória da esquerda, antecipou que haveria mudanças muito tímidas em relação ao cenário político e ao modelo econômico de desenvolvimento adotado pelo país no primeiro momento do mandato petista. CartaCapital, desde o início, revelou afinidades com o governo do Presidente Lula o que pode ser identificado nas construções discursivas das reportagens e matérias da publicação. A partir de enunciações trespassadas por uma linha que ia do tom elogioso ao governo federal à crítica aguda às ações da oposição, a Revista passou a uma nova investida, a qual se configurou no apoio à campanha pela reeleição do candidato do Partido dos Trabalhadores no pleito de 20006. Um olhar pelas edições da Revista às vésperas dos pleitos eleitorais permite inferir que ao tratar de assuntos relacionados à política, CartaCapital tomou posição de ataque ao governo até mesmo, mas na maioria das vezes justificava as ações empreendidas encontrando argumentos que permitissem sua defesa. Em ambos os momentos (2002 e 2006) o veículo assumiu através de seus editoriais, assinados por Mino Carta, posicionamento em favor da candidatura de Luís Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT). Os textos versavam também sobre o ineditismo do fato na imprensa brasileira, pois tradicionalmente esta zela pela

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objetividade e imparcialidade. Evocando status à estratégia de explicitar sua opção política ao contrário dos demais periódicos de comunicação, é citado o jornal “O Estado de São Paulo” que em momentos anteriores teria assumido sua preferência político-ideológica. Causa surpresa o fato do veículo tornar pública a opção por um candidato, pois a tradição jornalística no Brasil segue em sentido outro. O jornalismo, como prática cultural e social, produz narrativas sobre o mundo cotidiano e estas, por sua vez, podem gerar no público leitor representações nos âmbitos cultural, econômico e político. A escolha, por parte dos meios, de determinados fatores em detrimento de outros pode revelar as pretensões ou interesses a serem defendidos por determinado grupo social. Ao assumir publicamente sua postura política, a Revista utiliza-se do espaço legítimo da opinião em um periódico, o editorial. Certeau define a enunciação como mais complexa do que a mera limitação à esfera do enunciado. Por sua perspectiva, a complexidade refere-se à quantidade de elementos considerados quando a pesquisa é desenvolvida sob a ótica da maneira como algo é dito. À primeira vista, o discurso construído pela mídia poderia estar permeado de anseios particulares, divergentes dos que seriam do interesse da sociedade. Não se pode negar a existência dessa possibilidade, no entanto, outros fatores devem ser considerados, especialmente quando se tem situações e contextos de ação/recepção diversificados.

[...] o que vale é o contexto, ou seja, as circunstâncias em que ela teve ou terá lugar. A determinação do contexto torna-se a principal função do jornalista, que além de apurar a notícia segundo as regras convencionais (...) está tendo agora de dar igual prioridade à descrição dos diferentes contextos sociais, econômicos, políticos e culturais onde o fato aconteceu (CASTILHO, 2007).

O estudo acerca dos sentidos que se pretendia gerar a partir da tomada de posição de CartaCapital pode ser considerado como expoente no jornalismo, o que é feito de maneira clara na enunciação produzida pela construção discursiva. O contexto em que o veículo assumiu seu posicionamento diante dos receptores é ímpar. No primeiro momento (2002), os eleitores buscavam um candidato que pudesse promover mudanças substanciais nos diferentes setores; no segundo (2006), já tendo demonstrado seu perfil, agora o candidato à reeleição estava imerso em um apanágio diverso de denúncias envolvendo corrupção. CartaCapital serviu-se de elementos positivos dos dois momentos e, por entender gozar de credibilidade junto a seus leitores, assumiu pelo texto escrito aquilo que se podia verificar através de sua trajetória editorial.

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Dominic Maingueneau infirma: “não se pode verdadeiramente atribuir sentido a um enunciado fora de contexto; o ‘mesmo’ enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois discursos distintos. Além disso, o discurso contribui para definir seu contexto, podendo modificá-lo no curso da enunciação” (MAINGUENEAU, 2004, p.54-55). Assim, por mais que o governo estivesse diante de uma situação delicada, a Revista sagrou-se e contribuiu para a formação de um contexto novo a partir da emissão de seu discurso. Antes do advento da informação que circula através dos meios eletrônicos, os veículos de comunicação atuavam como uma espécie de “deus”, cuja fala, através da enunciação tomava um lugar quase que divino. A informação tornada pública através de seu discurso era praticamente inquestionável, por conseguinte, sinônimo de verdade. Ao explicitar suas preferências político-ideológicas CartaCapital acena na tentativa de assumir o lugar de “deus”, no âmbito da comunicação. Contemporaneamente, no entanto, as indagações em torno da informação são diversas, especialmente pelo acesso amplo que se tem a diferentes meios, os quais divergem em posturas e pontos de vista acerca de uma mesma informação/posição. Se as formas de acesso à informação têm seus horizontes alargados, o questionamento sobre a posse da “fala de deus” não precisa mais ser feita, pois os sujeitos seriam capazes – eles próprios – de inferir seus juízos de valor, não ficando à mercê de uma fala uníssona. Ao explicitar posicionamento através de seus editoriais CartaCapital demonstra uma atitude que pode ser interpretada de diferentes maneiras: descaso para com a “tradição” do jornalismo nacional ou, uma ação permeada de autenticidade. Ao proclamar em seu enunciado a escolha por determinado candidato, a Revista inova e alcança destaque na própria mídia e opinião pública por procurar diferenciar-se dos demais veículos. A voz que anuncia, em ambos os editoriais, a escolha por um candidato em específico é direta e impede que interpretações outras sejam feitas pelos leitores. As construções discursivas da Revista – nos dois momentos aqui referenciados, especialmente - partiram de um conhecimento especializado, dedicado àqueles que demonstravam interesse na pauta política e econômica nacional. Mesmo o jornalismo meramente informativo sofreu com a adoção de uma linha retórica da qual a antiga esquerda do país poderia se beneficiar, especialmente quando era feita a comparação com

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períodos eleitorais anteriores, cuja metodologia era incompatível com a proposta até então esquerdista. O texto editorial da publicação em diferentes edições reforça a opção pelo candidato Lula para a presidência do país. Exemplifica a situação o próprio uso dos títulos “CartaCapital escolhe Lula” no editorial da edição de número 210 da Revista em 2002 e, “CartaCapital declara sua preferência, com transparência e sem hipocrisia” na edição de número 409, em 2006. No que se refere ao título do editorial de 2006 da Revista, é possível tomar o trecho “com transparência e sem hipocrisia”, como um contraponto à sucessão de fatos que desencadeavam a crise política atravessada pelo país, com escândalos políticos e, principalmente, práticas corruptoras. Ainda neste título, uma ligeira referência ao editorial de 2002, quando CartaCapital condena os veículos que simplesmente deixam de tomar posição em períodos eleitorais. Em ambas as situações, a maneira como a Revista torna pública a sua escolha é direta. Os editoriais, como parte integrante do jornalismo opinativo, prescindem, para levar informação ao público, da emissão de juízos de valor. A reflexão aqui proposta atem-se à análise sobre a categoria do editor, pois é a partir da dimensão editorial que se esboçam interesses e estratégias do próprio meio. Em trecho do editorial de 2002, Mino Carta – enquanto enunciador - assume tom de denúncia ao afirmar que os periódicos de comunicação são hipócritas ao adotar e defender os preceitos de imparcialidade, pois estariam tentando preservar a esfera social da qual fazem parte. O editor apresenta elementos que podem colocar em xeque a idoneidade dos periódicos, mas a pergunta que surge refere-se à própria construção discursiva evidenciada no texto, pois por mais que esteja a defender a abertura das opções políticas dos meios, a Revista, ao fazê-lo, está permeada de intenções e de sentidos que objetiva gerar no público leitor.

Quando das eleições, os jornais dos EUA abrem o jogo e tomam partido, sem retórica e sem subterfúgios. Ainda assim, se esforçam para ser fiéis ao compromisso da imparcialidade e freqüentemente conseguem. CartaCapital manda às favas a tradição verde-amarela e declara sua escolha pela candidatura Lula. E explica que enxerga em Lula a liderança mais adequada ao momento. Ele representa a chance de mudar a política econômica que nos conduziu ao desastre. Tem autoridade para gerir tensões sociais crescentes. É o negociador adequado nas cortes internacionais, onde goza de maior prestígio do que gostaria quem o ataca e o denigre (CARTA, 2002).

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Em seu editorial de número 209, datado de agosto de 2002, CartaCapital explicita as razões pelas quais estaria apoiando o candidato do PT à Presidência. O mesmo acontece no editorial da edição de número 409 da Revista que, quatro anos mais tarde, em setembro de 2006, declara uma vez mais a opção pelo mesmo candidato, que concorre agora à reeleição.

Há quatro anos, CartaCapital fez sua opção, declarou explicitamente preferência pela candidatura Lula no confronto com José Serra. Agora volta a escolher o presidente no embate contra Geraldo Alckmin. Em 2002, não faltou quem condenasse nosso comportamento, por considerá-lo impróprio de um jornalismo isento e pluralista (DINES, 2007).

Com as breves considerações que faz em seu editorial, CartaCapital renova seu compromisso para com o candidato Lula (PT) e faz menção à crítica da qual foi objeto pelo ato assumido em 2002, já que a grande mídia teria condenado sua atitude. Uma vez mais, o discurso apresentado pela Revista às vésperas das eleições presidenciais de 2006 enaltece os pontos positivos do candidato escolhido, não apontando os motivos pelos quais os demais concorrentes seriam incapazes de gerenciar o governo. Os motivos que desabonavam os demais candidatos à Presidência não foram explicitados. CartaCapial restringiu-se à apontar as razões que levavam a escolha pelo candidato petista. Entende-se que, sendo o espaço da aferição de opinião própria do veículo, a publicação tem legitimidade para fazer sua escolha e revelá-la ao público, mas ao não evidenciar os fatores negativos relacionados aos concorrentes, a Revista deixa de atender a pelo menos um dos pressupostos do jornalismo: a pluralidade de perspectivas.

Considerações Finais Mesmo se não fosse feita referência à escolha pelo candidato Lula (PT), o público leitor de CartaCapital, potencialmente, já teria depreendido em qual sentido dava-se a convergência político-ideológica da Revista. A experiência protagonizada por CartaCapital já em 2002 anunciava a escolha feita. Ainda que no editorial do período eleitoral de 2006 não fosse reiterada a opção da eleição anterior, a própria Revista estaria se colocando em suspeição. Afinal, se no período anterior era possível afirmar qual era a escolha mais acertada a ser feita, quais os motivos não permitiriam que o mesmo fosse feito agora? A indicação do candidato à reeleição faz parte da estratégia de auto-legitimação adotada por CartaCapital. Daí o uso de diferentes recursos disponibilizados à linguagem,

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que integrados, referendavam sua história e trajetória no campo político, seja ao evocar uma atitude considerada “ousada” em 2002 ou, corroborar o apoio ao mesmo candidato diante de um contexto político-eleitoral de animosidade, em 2006.

Referências: BREED, Waren. Controlo social da redacção: uma análise funcional. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1993

CARTA, Mino. Cartacapital Escolhe Lula. Disponível em [on-line]: . Acesso em 08 ago. 2007.

CASTILHO, Carlos. Contexto, a nova palavra chave do jornalismo. Disponível em Observatório da Imprensa [on-line]: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id_blog=2&id={6B53F909-D7C943BE-8218-2CACE3A9CFCC}. Acesso em 13 de agosto de 2007.

DINES, Alberto. CartaCapital escolhe candidato à presidência. Disponível em [on-line]: . Acesso em 08 de agosto de 2007.

FERREIRA, Luiz Antonio. Intencionalidade, jornalismo opinativo e leitura. In: Interface: Fev. 2000. Pág. 187-192. Disponível em . Acesso em 19 de setembro de 2007.

MACHADO, Márcia Benetti, JACKS, Nilda. O Discurso Jornalístico. BRASÍLIA, COMPOS, 2001. Disponível em [on-line]: . Acesso em 15 jan. 2006

MACHADO, Márcia Benetti. Jornalismo e perspectivas de enunciação: uma abordagem metodológica. InTexto, Porto Alegre, n.14, 01/1006. Disponível em . Acesso em: 24 out. 2006.

MAINGUENEAU, Dominic. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2004.

MARQUES DE MELO, José. Jornalismo Opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. Vol.1. Florianópolis: Insular, 2005.

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