Opinião pública e psicoterapeutas: convergências e divergências intencionais.

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Opinião pública e psicoterapeutas: convergências e divergências intencionais.

Notas do Autor Jorge A. Ramos (n.º 24121) é discente do 4.º ano do Mestrado Integrado em Psicologia Clínica (Turma 3) no ISPA – Instituto Universitário, em Lisboa, ano letivo de 2015-2016. Este trabalho faz parte da Unidade Curricular com o nome Modelos de Avaliação e Intervenção em Psicologia Fenomenológica ministrada pelo Professor Doutor Daniel Cunha Monteiro de Sousa. A correspondência para o autor deste trabalho pode ser remetida para [email protected] ou para o ISPA – Instituto Universitário situado na Rua Jardim do Tabaco, n.º 34, 1149-041 Lisboa, Portugal.

Opinião pública e psicoterapeutas: convergências e divergências intencionais

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Resumo Objetivos: encontrar pontos de convergência e de divergência entre a opinião pública e os psicoterapeutas, a fim de ampliar a adesão terapêutica. Métodos: com um inquérito online obtiveram-se intencionalidades (n = 32) de psicoterapeutas (sobre as consultas de psicologia) que foram comparadas com as da opinião pública (n = 30; obtidas num estudo anterior) através do método fenomenológico de investigação em psicologia, de uma codificação temática e de uma abordagem quantitativa. Resultados: há convergência na importância atribuída a 4 dimensões inerentes às consultas, bem como para com a inclusão da psicologia positiva de forma complementar na psicoterapia; ambos os grupos fazem uma maioria de atribuições causais externas para com a baixa adesão terapêutica e divergem quanto a uma abordagem psicoterapêutica exclusivamente positiva. Conclusões: será importante uma reflexão sobre o que pode melhorar internamente na psicologia e salienta-se a necessidade de haver uma intervenção macrossistémica sobre o estigma associado à psicologia. Palavras-chave: psicoterapeutas, adesão terapêutica, opinião pública, psicologia positiva

Abstract Objectives: find points of convergence and divergence between public opinion and psychotherapists in order to increase the therapeutic adhesion. Methods: an online survey obtained the intentionalities (n = 32) of psychotherapists (about psychology consultations) which were compared with the ones from the public’s opinion (n = 30, obtained in a previous study) using the phenomenological psychological method of research, a thematic coding and a quantitative approach. Results: there is convergence on the importance attributed to four dimensions inherent to the consultations, as well as with the inclusion of positive psychology in a complementary way in psychotherapy; both groups make a majority of external causal attributions towards the low therapeutic adhesion and differ as to an exclusively positive psychotherapeutic approach. Conclusions: it seems to be important to reflect on what can improve internally in psychology and is highlighted the need for a macrosystemic intervention on the stigma associated with psychology. Keywords: psychotherapists, therapeutic adhesion, public opinion, positive psychology

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Índice Resumo ..................................................................................................................................... II Abstract ..................................................................................................................................... II Introdução .................................................................................................................................. 1 Método ....................................................................................................................................... 2 Participantes ..................................................................................................................... 4 Procedimentos .................................................................................................................. 6 Instrumento ....................................................................................................................... 6 Resultados .................................................................................................................................. 8 Intencionalidades sobre as consultas. ................................................................................. 8 Intencionalidades sobre a adesão terapêutica ..................................................................... 8 Conhecimento da psicologia positiva ............................................................................... 10 Intencionalidades sobre a complementaridade da psicologia positiva ............................. 11 Intencionalidades sobre a exclusividade da psicologia positiva ....................................... 12

Discussão ................................................................................................................................. 13 Sobre as consultas de psicologia clínica e psicoterapia .................................................... 13 Perspetivas sobre a ampliação da adesão terapêutica ....................................................... 14 Sobre a existência da psicologia positiva ......................................................................... 17 A psicologia positiva integrada na psicoterapia ............................................................... 17 Quanto a uma psicoterapia positiva exclusiva .................................................................. 19

Conclusões ............................................................................................................................... 20 Convergências .................................................................................................................. 20 Divergências ..................................................................................................................... 20 Convergência divergente .................................................................................................. 21 Forças e fraquezas ............................................................................................................ 21 Elementos para estudos futuros ........................................................................................ 21 Protopropostas de atualização da terminologia psicológica ............................................. 22

Referências ............................................................................................................................... 23 Anexos ..................................................................................................................................... 25 Anexo A – Distribuição dos Pedidos de Colaboração.................................................... 25 Anexo B – Caraterísticas Sociodemográficas da Amostra ............................................. 26 Distribuição Por Género ................................................................................................... 26 Distribuição Por Escalões Etários .................................................................................... 26 Distribuição Por Habilitações Académicas ...................................................................... 26

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Distribuição Por Zona de Residência ............................................................................... 27 Distribuição Por Classe Social ......................................................................................... 27

Anexo C – Caraterísticas Técnicas e Práticas da Amostra ............................................. 28 Modelo Teórico ................................................................................................................ 28 Formação em Psicoterapia ................................................................................................ 28 Média de Utentes Atendidos por Mês .............................................................................. 28 Situação Profissional ........................................................................................................ 29 Anos de Experiência ......................................................................................................... 30

Anexo D – Comparação das Amostras em Termos de Género ...................................... 31 Anexo E – Pedido de Colaboração ................................................................................. 32 Confidencialidade, Privacidade e Anonimato .................................................................. 32

Anexo F – Questionário no Sistema Survey Gizmo........................................................ 34 Anexo G – Importância Atribuída às Perceções dos Utentes ......................................... 38 Anexo H – Atribuições Causais – Codificação Temática Compósita ............................ 39 Questão Colocada aos Psicoterapeutas ............................................................................. 39 Questão Colocada aos Utentes (no Estudo 1)................................................................... 41 Comparação Proporcional do Tipo de Atribuição Causal ................................................ 43

Anexo I – Atribuições Causais – Codificação Temática Bidimensional ....................... 44 Questão Colocada aos Psicoterapeutas ............................................................................. 44 Questão Colocada aos Utentes (no Estudo 1)................................................................... 47

Anexo J – Atribuições Causais – Codificação Temática Quadrimensional ................... 50 Questão Colocada aos Psicoterapeutas ............................................................................. 50 Questão Colocada aos Utentes (no Estudo 1)................................................................... 53

Anexo K – O Conhecimento da Existência da Psicologia Positiva................................ 56 Anexo L – Foco Complementar na Psicologia Positiva (Análise Quantitativa) ............ 57 Anexo M – Foco Complementar na Psicologia Positiva (Análise Qualitativa) ............. 60 Anexo N – Foco Exclusivo na Psicologia Positiva ........................................................ 69 Análise Quantitativa ......................................................................................................... 69 Análise Qualitativa ........................................................................................................... 70

Anexo O – Psicologia Positiva: Tipo e Quantidade de Publicações .............................. 77 Anexo P – Intencionalidades Sobre a Adesão Terapêutica ............................................ 78 Questão Colocada aos Psicoterapeutas ............................................................................. 78

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Introdução Desconhecia-se a existência de estudos empíricos sobre a opinião pública da população portuguesa acerca da psicologia. Mas parece ser indubitável que a sua existência se justifica, dado que, um estudo epidemiológico (feito em 30 países) sobre a prevalência anual de perturbações mentais, salientou que os países com os índices mais elevados foram os E.U.A. (26,4%) e Portugal (23,1%) onde se estima que cerca de 1 em cada 5 portugueses sofra de perturbações mentais, ou seja: cerca de dois milhões de pessoas (Caldas de Almeida & Xavier, 2013). É contrastante o facto de Portugal ser o país da Europa com o maior número de cursos de psicologia por milhão de habitantes (2,96) existindo cerca de 22000 diplomados no final de 2014, estando 3480 inscritos nos Centros de Emprego em Setembro de 2015, elevando-se este número para 4395 quando se consideram também aqueles com as cédulas suspensas (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2012; 2015). Esta sequência de factos sugeriu-me (Ramos, 2016) a construção de uma imagem: a de duas ilhas. Numa está a população de psicólogos, noutra a de indivíduos com psicopatologias. Há embarcações que permitem alguma mobilidade entre estas ilhas, mas poder-se-á contruir uma ponte que possibilite uma maior acessibilidade e interatividade entre as duas populações? Quais serão os elementos que poderão contribuir para a construção desta ponte e que elementos impedem a sua construção? Para obter respostas a estas questões e para tentar colmatar a referida lacuna empírica, efetuei recentemente um estudo exploratório para aferir vivências intencionais sobre as consultas de psicologia, que também visou obter uma maior compreensão sobre as formas de aumentar a adesão terapêutica, de reduzir o dropout dos utentes e o burnout dos clínicos. Os dados de 30 utentes (e potenciais utentes) salientaram a importância de os psicoterapeutas (nas consultas) darem mais atenção às dimensões técnica (e.g., com menos julgamentos, mais capacidade para criar uma relação de confiança e fazerem interpretações mais pertinentes), pessoal (e.g., mais empatia e simpatia, maior qualidade comunicativa e mais otimismo) e instrumental (e.g., mais informações sobre o contrato terapêutico, o custo ser mais reduzido e haver mais garantias de confidencialidade). Por outro lado ficou também saliente o desejo (dos utentes) de poderem recorrer a uma abordagem psicológica clínica integrada, focada não só nos aspetos negativos da personalidade, como nos positivos, conforme preconiza a psicologia positiva (idem, ibidem).

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Tendo sido inquirida uma amostra da população de uma ilha, importa saber quais são as intencionalidades da outra população, isto é, dos psicoterapeutas e dos psicólogos clínicos (PePC), sobre o que contribui para os aproximar da outra ilha e o que os leva a afastarem-se dela. Para o efeito foi adaptado o instrumento do primeiro estudo (E1) a fim de facilitar a aferição dos pontos de encontro e de desencontro entre as duas populações. Por conseguinte este segundo estudo (E2) procurará analisar fatores convergentes e divergentes com base em cinco objetivos (1): aferir a perceção dos PePC, sobre a importância que os utentes poderão atribuir às quatro dimensões inerentes às consultas de psicologia obtidas no E1; (2) obter as vivências intencionais dos PePC sobre como é que os portugueses em geral poderão ser motivados para aderirem mais às consultas de psicologia clínica e à psicoterapia; (3) saber em que medida é que os PePC têm conhecimento da existência da psicologia positiva; (4) aferir as intencionalidades dos PePC sobre a integração da psicologia positiva, de forma complementar (às abordagens psicológicas habituais, com foco no problema); e (5) obter as intencionalidades dos PePC sobre o uso exclusivo da psicologia positiva.

Método Sendo este estudo efetuado no âmbito da unidade curricular designada por Modelos de Avaliação e Intervenção em Psicologia Fenomenológica, para obter alguns dos dados pretendidos foi usado o método fenomenológico de investigação em psicologia, cujo objetivo é o de alcançar as vivências intencionais (ou fenómenos, i.e., os sentidos das experiências humanas) que são constituídas por intencionalidades (i.e., por projeções da consciência para com os objetos intencionais; Giorgi & Sousa, 2010) como por exemplo, um computador, um sonho, a psicologia positiva ou os utentes de psicoterapia. Para esse fim alguns dados não foram analisados com base em teorias mas tal como os inquiridos os narraram, procurando-se o eidos, isto é, as essências dos fenómenos (Biswanger, 1956). Este método de investigação, requer a consideração de cinco dimensões: (1) a epoché, que solicita a suspensão de conhecimentos prévios sobre os objetos intencionais; (2) a redução fenomenológica, que se focaliza nos objetos intencionais tal como surgem à consciência; (3) a análise eidética, que pretende alcançar as estruturas invariantes dos objetos de estudo; (4) a descrição, que preconiza analisar os fenómenos tal como são visados pela consciência intencional; e (5) a intersubjetiva, que procura obter informações generalizáveis (Giorgi & Sousa, 2010). Logo, porque a amostra é de PePC, que expressaram narrativas já imbuídas de um caráter psicológico, poder-se-á questionar a adequabilidade deste método.

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Todavia constatou-se que os inquiridos fizeram uso de linguagem coloquial nas suas narrativas (e.g., “mudança na mentalidade de que as psicoterapias são um "luxo"”, P21; “desmistificação da ideia de que só os loucos e os fracos vão ao psicólogo”, P22; ou “melhor compreensão daquilo que um psicólogo pode, e não pode, fazer”, P31; Anexo H), por isso manteve-se a opção pelo método fenomenológico. Surgiu porém a necessidade de usar outro método qualitativo – a codificação temática – que é útil para estudos qualitativos comparativos, onde o tema da investigação é a distribuição das perspetivas sobre um fenómeno ou processo, partindo da hipótese de que em diferentes grupos, previamente definidos, existem modos distintos de ver as experiências, de onde se obtêm diferenças e correspondências intergrupais (Flick, 2005). Através da codificação temática foram feitas três análises às atribuições causais (feitas pelos inquiridos no E1 e no E2) relacionadas com a adesão terapêutica, onde se compararam as atribuições como um compósito, segmentadas por unidade atribucional e segundo quatro das dimensões do modelo ecológico de Bronfenbrenner (1977). O modelo ecológico foca-se no desenvolvimento humano e nas relações que são estabelecidas com vários sistemas (topologicamente representados por estruturas aninhadas, onde cada uma é contida noutra): o microssistema (que representa as relações do indivíduo com o ambiente mais próximo, i.e., a família, a escola, o trabalho, os pares), o mesossistema (que inclui as interações entre os elementos do microssistema, e.g., para um criança será a sua relação com a escola e as influências que recebe das relações entre os pais e entre estes e os seus trabalhos), o exossistema (que representa e.g., as instituições governamentais, a mídia, a distribuição dos bens e serviços e os transportes, que influenciam, ou determinam mesmo, a atividade do exo, do meso e do microssistema) e o macrossistema (que abarca ideologias, protótipos e padrões culturais, económicos, sociais, educacionais, legais e políticos, que funcionam como impressões digitais a partir das quais se padronizam as estruturas e as atividades que ocorrem nos sistemas anteriores) (idem, ibidem). Também é considerado um sistema transversal, que influencia os outros através de eventos marcantes e específicos (e.g., o 11 de Setembro, o 25 de Abril) ao longo do tempo: o cronossistema (Berger, 2012). Para este estudo o modelo ecológico foi adaptado, considerando que a psicologia (vista de uma perspetiva microssistémica), tal como um organismo, também se encontra num processo de desenvolvimento e de maturação, que tem relações com pares, ou seja, com outras áreas do conhecimento (e.g., a biologia), com o Sistema Nacional de Saúde (SNS) ou e.g., com a Ordem dos Psicólogos (que neste caso farão parte do mesossistema) e é

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influenciada pelos recursos exossistémicos (onde nesta adaptação se encontram as pessoas como população de utentes e potenciais utentes, que poderá ser vista como uma matéria prima a ser transformada pelos PePC no microssistema) e os ditames macrossistémicos (contentores de estereótipos que influenciam os utentes). Já para a análise das atribuições causais dos utentes foi considerado o modelo ecológico sem adaptações. Dado não ter sido feita (pelos inquiridos) qualquer referência aos efeitos cronossistémicos (sobre os restantes sistemas) esta dimensão do modelo ecológico não foi considerada neste estudo. Foi ainda usada metodologia quantitativa para a análise dos dados profissionais e sociodemográficos, para aferir significâncias estatísticas entre os grupos (utentes e PePC) na comparação das três codificações temáticas que foram efetuadas, na comparação do conhecimento sobre a existência da psicologia positiva, na comparação das proporções atitudinais sobre a complementaridade (intergrupal e intragrupal, no caso dos vários modelos psicoterapêuticos) e a exclusividade do uso da psicologia positiva na psicoterapia, bem como entre os graus de importância que os PePC atribuíram às perceções dos utentes sobre as dimensões da consulta de psicologia clínica. Esta triangulação de métodos (fenomenológico, codificação temática e quantitativo) foi usada a fim de os complementar e de compensar as fraquezas de cada um deles (Flick, 2005) tentando conferir mais robustez às conclusões. Participantes A amostra é não-probabilística e por conveniência dado que se recorreu a sites da Internet e os dados foram recolhidos na sequência de contatos diretos com os PePC (por correio eletrónico ou através de formulários nos seus sites) tendo-lhes sido solicitado o preenchimento de um questionário online (Anexo E). Para esse efeito fez-se uso de apenas dois critérios de inclusão: os PePC serem de nacionalidade portuguesa e os seus contactos estarem disponíveis online. Foram efetuados 138 pedidos diretos de colaboração (61 a homens e 77 a mulheres) (Anexo A). A taxa de resposta foi de 23.19% (sendo a dos homens, 21.31%, inferior à das mulheres: 24.68%; é necessário considerar que estas proporções podem não estar corretas pelo facto de 3 pedidos terem sido efetuados a instituições e não individualmente). Foram obtidas 32 respostas de PePC (13 homens e 19 mulheres) com idades entre os escalões etários de 25 a 29 anos e 65 ou mais anos, situando-se 81.3% da amostra (n = 26) abaixo dos 50 anos de idade. No que se refere às habilitações académicas 37.5% dos respondentes possui doutoramento (n = 12), 31.3% possui mestrado (n = 10) sendo a mesma proporção de

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licenciados pré-Bolonha. 59.4% Residem na zona de Lisboa (n = 19) e os restantes 13 distribuem-se pelas várias zonas do país (Açores, Alentejo, Algarve, Centro, Madeira e Norte, onde se aferiu a segunda maior proporção: 18.8%, n = 6). A maioria (56.3%; n = 18) considera que se insere na classe média, 34.4% (n = 7) na classe média-alta, 6.3% (n = 2) na classe média-baixa e 3.1% (n = 1) na classe alta (Anexo B). Quanto às caraterísticas relacionadas com os modelos teóricos e com aspetos práticos dos respondentes aferiu-se que a maioria possui como principal orientação teórica o modelo psicanalítico (31.3%; n = 10) sendo os segundos mais representativos os que assentam o seu trabalho no modelo cognitivo-comportamental e no construtivista (15.6%; n = 5 em cada subgrupo); obtiveram-se ainda respostas de 4 psicoterapeutas humanistas (12.5%), 3 fenomenológico-existenciais (9.4%), 2 integrativos e 2 sistémico-familiares (6.3% em cada subgrupo) e 1 que se inseriu numa abordagem psicodinâmica e sistémica (3.1%). Dos 32 respondentes apenas 1 (que se inscreveu na abordagem humanista) não possui formação específica em psicoterapia. Quanto à média de utentes atendidos mensalmente, 46.8% dos respondentes atende menos de 13 pessoas, 31.3% recebe entre 13 e 32 pessoas e 21.9% atende 33 ou mais utentes. Estes atendimentos são efetuados a tempo inteiro por 50% dos respondentes (n = 16), a tempo parcial por 37.5% estando 12.5% noutra situação. No que concerne aos anos de experiência a moda é de 13-16 anos (31.3%; n = 10), tendo 37.5% menos de 13 anos de experiência (n = 12) e 31.2% mais de 16 anos de prática de psicologia clínica (n = 10) (Anexo C). Parece ser possível afirmar que estamos perante uma amostra (embora pequena) de especialistas dado que 96.9% possui formação específica em psicoterapia, 87.5% possui mais de 8 anos de prática clínica e 53.2% atende mais de 12 utentes por mês. Por outro lado é uma amostra heterogénea em termos de localização (embora 59.4% dos respondentes pertençam à zona de Lisboa) e de principal modelo teórico usado (embora os psicanalistas abarquem cerca de 1/3 da amostra, o que contraria a representação social-académica de que estes especialistas tendem a não colaborar com estas investigações). Parece-me ter sido também (em parte) atingido o objetivo de obter uma amostra equilibrada em termos de género (40.6% de homens) em comparação com a amostra do primeiro estudo (Anexo D), dado que em Portugal, segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses (2014), a profissão de psicólogo é maioritariamente exercida por mulheres (77.4%, face a 22.6% de homens).

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Procedimentos Este estudo iniciou-se com a proposta do docente (feita no dia 1 de Março de 2016), o Professor Doutor Daniel Sousa, da disciplina Modelos de Avaliação e Intervenção em Psicologia Fenomenológica, para se efetuar um trabalho sobre um dos vários temas inerentes à referida área da psicologia. O questionário do E1 foi adaptado para a população de PePC portugueses. Fizeram-se os pedidos de colaboração recorrendo aos emails profissionais e aos formulários disponibilizados online pelas associações e sociedades de psicoterapia, faculdades de psicologia e institutos superiores de psicologia do continente e das regiões autónomas (Anexo A). A recolha dos dados decorreu entre os dias 20 e 31 de Março. Após se obterem 32 registos completos encerrou-se o inquérito (dado que o n da amostra estava similar à do E1). Os registos foram depois transferidos para a base de dados do E1 (no software IBM SPSS Statistics, v.20) tendo sido diferenciados com um novo campo (utente_psicoterapeuta) bem como com outros específicos para os PePC. Foram ainda criados novos campos para diferenciar o tipo de atribuição causal (interna, externa, mista e indefinida) que os respondentes (dos dois estudos) expressaram para com a questão sobre o que poderia levar as pessoas a recorrerem mais às consultas de psicologia. Este trabalho foi finalizado no dia 12 de Maio de 2016. Instrumento Conforme referido, com base no instrumento do E1 foi criado um novo questionário, que foi disponibilizado online (direcionado apenas a PePC e que ficou acessível através de uma hiperligação e de uma palavra-passe) no Survey Gizmo (https://app.surveygizmo.com). Este instrumento é constituído por 9 secções (Anexo F): (1) Apresentação, objetivo do estudo, consentimento informado e contatos dos responsáveis pela investigação; (2) Quatro questões de aferição da perceção dos PePC, sobre a importância que os utentes poderão atribuir às quatro dimensões inerentes às consultas de psicologia aferidas no E1 (com um botão de deslocamento entre 1 = “nada importante” e 10 = “muitíssimo importante”): «competência técnica do psicólogo», «caraterísticas da personalidade do psicólogo», «caraterísticas do espaço (setting)» e «evolução ou desenvolvimento pessoal do utente)»; (3) Uma pergunta aberta para obter intencionalidades relativas ao como é que os portugueses em geral poderão ser motivados para aderirem mais às consultas de psicologia clínica, a qual foi sujeita a quatro análises: (3.1) codificação temática das atribuições causais,

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mas considerando apenas uma dimensão atribucional – a interna-externa (onde, segundo Lewis, Waschbusch, Sellers, Leblanc & Kelley, 2014, a explicação para um evento se relaciona com o comportamento ou com caraterísticas da pessoa, i.e., é interna, ou essa explicação é atribuída a alguém ou algo externo à pessoa, i.e., é uma atribuição externa) – e não as restantes duas (global-específica e estável-instável), segundo a concetualização de Seligman et al. (1984). Porém sendo analisadas num compósito narrativo as atribuições também foram classificadas como «mistas» (dado que alguns respondentes expressaram os dois tipos de atribuições nas suas narrativas) e «indefinidas» (quando não foi clara a intencionalidade dos respondentes quanto ao tipo de atribuição); (3.2) codificação temática das atribuições segmentando-as em cada compósito narrativo (agora apenas como «interna», «externa» ou «indefinida») dado que, numa atribuição mista se podem encontrar atribuições externas e internas (como é o caso da narrativa do respondente 14S, que possui 5 externas e 3 internas, Anexo I); (3.3) codificação temática das atribuições segundo uma adaptação do modelo ecológico de Bronfenbrenner; (3.4) redução fenomenológica (com foco nos objetos intencionais tal como surgiram na consciência e foram expressos pelos PePC) e análise eidética (com foco nas estruturas invariantes do objeto de estudo) onde as narrativas foram segmentadas (em unidades de significado) segundo a mudança de sentido, a fim de se obter uma estrutura geral de significados, que possa ser diagramaticamente representada. (4) Após um breve esclarecimento sobre a psicologia positiva, uma questão fechada sobre o conhecimento dos inquiridos relativamente à existência deste novo ramo da psicologia; (5) Duas questões de aferição das intencionalidades sobre a possibilidade de haver uma maior adesão terapêutica se a psicologia positiva fosse usada em conjunto com a psicologia focada nos problemas: uma fechada (para obter respostas «sim», «não» e «talvez») e outra aberta (para justificar a primeira resposta); (6) Duas questões com os mesmos procedimentos, mas agora para aferirem as intencionalidades sobre se uma abordagem exclusiva da psicologia positiva poderia motivar uma maior adesão terapêutica; (7) Questões sobre os dados profissionais: principal orientação em termos de modelo teórico, se possui formação em psicoterapia, qual a média mensal de utentes que atende, anos de experiência profissional e situação profissional atual; (8) Questões para obter dados sociodemográficos: género biológico, escalão etário, habilitações académicas, zona de residência e perceção da classe social onde cada inquirido se insere (nota: os escalões etários e a zona de residência foram definidos de acordo com os parâmetros do Instituto Nacional de Estatística (2012); as classes sociais foram definidas de acordo como Grupo Marktest, 2016);

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(9) Nota de agradecimento e de disponibilidade para enviar os resultados do estudo aos PePC que manifestassem esse interesse.

Resultados Intencionalidades sobre as consultas. Aferiram-se correlações positivas fracas, mas estatisticamente significativas (entre r = 0.384 e r = 0.477, p < 0.05) em quase todas as perceções dos PePC, sobre a importância que os utentes poderão atribuir às quatro dimensões inerentes às consultas de psicologia aferidas no E1: competências técnicas do psicólogo (CTP), caraterísticas da personalidade do psicólogo (CPP), caraterísticas do espaço ou setting (CES) e evolução ou desenvolvimento pessoal do utente (DPU). Apenas a correlação entre as CTP e o DPU (r = 0.317, p = 0.077) foi uma exceção, o que significa que a importância que os PePC atribuem, em média, às perceções dos utentes sobre as CTP não está associada de forma estatisticamente significativa à importância atribuída, em média, às perceções dos utentes sobre o seu desenvolvimento pessoal, isto é, a atribuição de relevância feita às CTP, está mais próxima, em média, da importância atribuída às CPP e às CES do que à atribuída ao DPU. Por outro lado as CTP é a dimensão que os PePC classificam, em média, como sendo aquela que é percecionada como a mais relevante para os utentes (M = 8.94, DP = 1.722), seguida das CPP (M = 8.50, DP = 1.545) e da DPU (M = 7.56, DP = 2.663). A dimensão que os PePC consideram, em média, como sendo a menos importante (para os utentes) é a das CES (M = 6.78, DP = 1.791) (Anexo G). Intencionalidades sobre a adesão terapêutica. Relativamente às intencionalidades sobre como é que os portugueses em geral poderão ser motivados para aderirem mais às consultas de psicologia, a primeira codificação temática das narrativas (de ambos os grupos) salientou o facto de os PePC fazerem 63% de atribuições causais externas (e.g., “a ideia de que só os loucos e fracos vão ao psicólogo” ou a “desesperança”) e os utentes 53% (e.g., os psicólogos dão “conclusões precipitadas e desconexas” ou “se as consultas de facto resultassem em soluções para os problemas expostos”). Quanto às restantes atribuições os PePC fazem mais atribuições mistas (28%) do que os utentes (20%), ao passo que os utentes fazem mais atribuições indefinidas (20%) do que os PePC (6%), bem como mais atribuições causais internas (7%, e.g., “todo o ser humano deveria recorrer a consultas de psicologia”, face a 3% dos técnicos, e.g., “a qualidade relacional do terapeuta em conjunto com a competência técnica”) (Anexo H). A segunda codificação temática (Anexo I), onde foram segmentadas as atribuições mistas em todos os compósitos narrativos e recalculadas as

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proporções atribucionais (Figura 1), evidenciou que as atribuições internas dos PePC (26%) são superiores às dos utentes (16%) e que as atribuições externas dos utentes (84%) são Distribuição das Proporções das Atribuições Causais

superiores às dos PePC

Internas

90%

(74%). Já a terceira

80%

codificação temática (Anexo

70%

Externas

84.0%

74.3%

60%

J), onde a análise atribucional

50%

foi feita segundo uma

40%

adaptação do modelo ecológico de Bronfenbrenner, salienta que as proporções das atribuições dos utentes

30%

25.7% 16.0%

20% 10% 0%

Psicoterapeutas

Utentes

Figura 1 - Distribuição das Proporções das Atribuições

mantêm-se na transposição interna-microssistémica e externa-exossistémica, mas nas atribuições dos PePC já se observa que algumas atribuições internas passam para o mesossistema e que as atribuições externas são distribuídas pelas dimensões mesossistémica

Macrossistema

25%

(e.g., SNS e OPP; 13%), exossistémica (onde, nesta

84%

Exossistema

36%

adaptação teórica, se incluem os utentes; 36%) e

Mesossistema

13%

macrossistémica (considerando nesta dimensão

Utentes Microssistema

16% 27%

Psicoterapeutas

do modelo ecológico os estereótipos que influenciam

Figura 2 - Atribuições Causais por Sistema Ecológico

os utentes; 25%) (Figura 2). Quanto à redução fenomenológica e análise eidética das intencionalidades sobre como é que poderá aumentar a adesão terapêutica em Portugal (Anexo P) os dados indicam que os PePC consideram que ela poderia subir se houvesse um maior cuidado para com a atualização das suas competências (P21 e P39) e para com a qualidade da relação terapêutica (P39 e P62), como também, na dimensão instrumental, o cuidado de manter um setting acolhedor e de adaptar os contratos terapêuticos a cada utente (P21) ajustando os honorários a fim de os tornar mais acessíveis à população (P28, P45, P55 e P60). Por outro lado os PePC advogam que é necessário que as instâncias governativas (e a OPP) apoiem o acesso à

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psicoterapia com medidas fiscais (P23 e P59) e com a admissão de mais psicólogos no SNS (P23 e P36) pois consideram ser necessário melhorar o acesso às consultas de psicologia na comunidade em geral (P29, P36 e P45) bem como melhorar e aumentar a informação sobre o papel da psicologia e do psicólogo (P50 e P58) por via da mídia e do SNS (P25). Também é referido pelos PePC que a adesão terapêutica pode aumentar com a continuação do reconhecimento da eficácia da psicoterapia, o que contribui para encaminhamentos mais esclarecidos dos utentes (P41) e para a existência de boas redes de referenciação (P37). Porém as causas para não haver uma maior adesão terapêutica recaem sobretudo nas pessoas pois os PePC defendem que escasseiam aos utentes (e aos potenciais utentes) recursos económicos que lhes viabilize essa adesão (P28, P45, P46, P55 e P60), mas que também não estão bem cientes dos benefícios das psicoterapias (P35, P39, P42 e P62), não compreendem (P31 e P39), não confiam e não reconhecem a competência dos PePC (P30, P37 e P39); por outro lado a adesão terapêutica poderá aumentar com o reconhecimento (por parte das pessoas) de que estão em sofrimento (P22 e P25), de que necessitam de recuperar a sua funcionalidade interna (P27), são incapazes de realizar tarefas (P25), sintam falta de apoio e desesperança (P54), tenham a perceção de que não conseguem resolver os problemas sozinhas (P30), tenham esperança em soluções para os seus problemas e estejam motivadas para mudar, o que ocorre menos com a população mais adulta (pois “há mais procura para os filhos/alunos do que para os pais”) e com os elementos do sexo masculino (P30). As novas psicopatologias (e.g., a depressão e as patologias do agir) também poderão contribuir para o aumento da adesão terapêutica (P41), porém os PePC também indicam que é necessário atuar no nível macrossistémico, sobre os estereótipos que servem de barreiras à adesão terapêutica: a desvalorização da saúde mental (P52) e dos psicólogos (P29), pois a sua carreira não é dignificada (P52), o elitismo associado às psicoterapias (P21) e, sobretudo, o estigma social associado às consultas de psicologia (P22, P30, P36 e P44). Neste nível os PePC sugerem que se fomentem e criem novas representações sociais onde a psicologia clínica e a psicoterapia sejam vistas também como recursos para resolver problemáticas não-psicopatológicas (P58), isto é, como recursos construtivos, positivos (P30) e de desenvolvimento pessoal (P24). Conhecimento da psicologia positiva. A grande maioria dos PePC (97%) sabe da existência da psicologia positiva (pois apenas um técnico a desconhecia), o que contrastou de forma estatisticamente significativa (p < 0.001, Fisher’s Exact Test bicaudal) com as respostas dos utentes, em cujo grupo, pouco mais de metade (53%) sabia da existência desta nova área da psicologia (Anexo K).

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Intencionalidades sobre a complementaridade da psicologia positiva. Já nas intencionalidades sobre a integração da psicologia positiva, de forma complementar (às abordagens mais tradicionais) nas consultas de psicologia, os PePC não expressaram proporções de respostas estatisticamente diferentes das efetuadas pelos utentes (χ2(2) = 0.469, p = 0.791; V de Cramer = 0.087), já que 75% dos PePC concordam com a integração da psicologia positiva nas consultas de psicologia (face a 70% de concordância dos utentes), 22% mostram-se ambivalentes (face a uma proporção de 23% dos utentes) e apenas 3% discordam, comparativamente com os 7% dos utentes que não estão de acordo com a integração desta nova área da psicologia nas consultas (Anexo L). Quando os respondentes justificaram as suas opções (i.e., sim, não, talvez) ficaram salientes, por via de uma análise qualitativa (Anexo M), algumas intencionalidades discordantes para com a complementaridade da psicologia positiva, defensoras de que a adesão terapêutica depende mais da relação terapêutica e do contrato terapêutico (P41 e P48), que o foco no positivo das pessoas não deve ser uma atitude de facilitismo terapêutico (P44) e que a abordagem humanista por si só aumenta a capacidade de resolução dos problemas dos utentes (P62). Não obstante foi dada uma maior saliência à importância de um foco complementar da psicologia positiva poder fomentar a adesão terapêutica, uma vez que (conforme P30) os elementos aos quais se dá mais atenção tendem a crescer e nunca houve tantas pessoas diagnosticadas com psicopatologias, o que pode gerar uma espiral de enfraquecimento progressivo, por isso é importante explorar, reconhecer e equilibrar os aspetos positivos e negativos dos utentes (P23, P24, P25, P30 e P44) dado que a validação e o reforço dos aspetos positivos é essencial para o progresso terapêutico (P39 e P59), para o florescimento e para uma mudança construtiva (P30) através da qual os utentes reconhecem e desenvolvem as suas competências (P20, P21, P37 e P54), reconhecem o seu sentido de agência (P20 e P54), o seu potencial de mudança (P20), equilibram a sua autoperceção (P60) e mobilizam mais recursos para suplantar o material patológico (P19 e P45) o que poderá implicar uma maior motivação e otimismo (P35 e P37), um reforço da aliança terapêutica (P19), o fortalecimento do self (P54) ou um maior empoderamento (P24 e P36), um aumento da autoconfiança para com o processo de mudança (P60), potenciar comportamentos e escolhas mais positivas, assim como relacionamentos mais funcionais (P27), uma maior perceção de bem-estar (P36) e de evolução pessoal (P36 e P52), levando estes movimentos ao sucesso psicoterapêutico (P19, P21, P30, P36, P38, P46, P50, P55 e P58). Por outro lado o foco no positivo também contribui para que a psicologia clínica e a psicoterapia sejam vistas

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como instrumentos de desenvolvimento pessoal e não como intervenções curativas ou corretoras (P31) diminuindo o estigma que a população em geral lhes associa (P30). Intencionalidades sobre a exclusividade da psicologia positiva. No que concerne às intencionalidades sobre o uso exclusivo da psicologia positiva na psicoterapia, os PePC expressaram proporções de 100%

respostas estatisticamente diferentes (e de intensidade moderada) das efetuadas 2

pelos utentes (χ

(2) =

12.468,

84% 80% 60% 40%

50%

30%

p = 0.002; V de Cramer =

20%

16%

20%

0.448) (Anexo N). Conforme a Figura 3, nenhum técnico concorda com a referida abordagem

0% 0%

Utentes

Psicoterapeutas Sim

Não

Talvez

Figura 3 - Uso Exclusivo da Psicologia Positiva

exclusiva (face aos 30% de utentes que concordam), a ambivalência é onde os dois grupos estão mais próximos (20% dos utentes e 16% dos PePC) e a discordância é onde os dois grupos mais divergem: 84% (n = 27) dos PePC discordam de um uso exclusivo da psicologia positiva na psicoterapia (face a 50% dos utentes que não estão de acordo com a referida exclusividade). Já quando os PePC justificaram as suas opções (sim, não, talvez), salientaram-se, por via de uma análise qualitativa (Anexo N), diversas intencionalidades. As mais apontadas foi a de que a abordagem positiva exclusiva seria parcial e não iria favorecer os utentes (P24, P25, P29, P39, P44, P45 e P62) bem como provocar dropout (P23) e que, por outro lado, os utentes procuram a psicoterapia porque têm problemas (P24, P25, P36, P38, P50 e P58), logo se houvesse um foco exclusivo da psicologia positiva não existiriam utentes a querer tratar os seus problemas (P19). Outros técnicos defendem que o referido foco poderia descurar o crescimento que advém das reflexões sobre os problemas (P54 e P60) e daquilo que é doloroso na experiência humana (P30), dado que é importante que os utentes saibam lidar com (e compreender) outros aspetos de si (P36) e porque o sofrimento precisa de ser enquadrado e nomeado para que a reparação ocorra e o utente evolua (P22). Outros PePC discordam de uma abordagem exclusiva porque a ampliação de caraterísticas positivas não muda efetivamente padrões emocionais implícitos (P20) ou não ocorrem mudanças estruturais sem se trabalharem os aspetos desajustados (P42). Por outro lado, cada caso

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requer um modelo que a ele se ajuste (P59), os pacientes não se sentiriam apoiados nas suas dificuldades (P52) e poder-se-ia mesmo distorcer a representação de si e dos outros, estar-se a promover a imaturidade psicológica e a contribuir para que os utentes lidassem mal com a frustração (P21). Também há PePC defensores de que a adesão terapêutica depende da qualidade da relação terapêutica (P37 e P41), que os utentes não aceitam o patológico em si, mesmo com uma atitude positiva (P27), que não percecionam como fiável uma abordagem exclusivamente positiva (P21) e esperam mais do que isso (P28). Por fim observaram-se algumas justificações inesperadas para a discordância com o uso da psicologia positiva de forma exclusiva: as pessoas não estão predispostas “para o [seu] desenvolvimento pessoal” (P38), porque a terapia deixaria de ser clínica e negligenciaria a ciência psicológica (P46) e porque a psicologia positiva é uma técnica (sic) inútil (P47).

Discussão Sobre as consultas de psicologia clínica e psicoterapia. Quanto à importância que os PePC atribuem (do ponto de vista dos utentes) à perceção das quatro dimensões inerentes às consultas de psicologia aferidas no E1, considerando que o ponto médio da escala (usada para medir o grau de importância inerente a esta questão) é de 5.5, constata-se que existe um ponto de convergência entre as intencionalidades das duas populações em análise, dado que as quatro dimensões atribuídas pelos utentes (e potenciais utentes) às consultas de psicologia, também são consideradas importantes pelos PePC (quando se colocam no ponto de vista dos utentes) pois a amplitude das médias variou entre 6.78 e 8.94. Por outro lado, a competência técnica do psicólogo (CTP) é a dimensão que os PePC classificam, em média, como sendo aquela que é percecionada como a mais importante para os utentes e de facto foi a dimensão que obteve mais constituintes no E1, portanto existe aqui um outro ponto de confluência entre as intencionalidades dos utentes (sobre as CTP) e as perceções dos PePC sobre essas mesmas intencionalidades. Todavia esta convergência não está de acordo com o que defende Lambert (2013) relativamente aos fatores que mais contribuem para o sucesso da psicoterapia, onde as CTP têm uma contribuição de apenas 15% (face aos 40% relacionados com a história de vida dos utentes, 30% associados a fatores comuns e 15% às expetativas dos utentes), o que poderá ocorrer devido a discrepâncias nas definições linguísticas dos construtos em análise. Acresce que, contrariando a representação social de que as consultas de psicologia são só para pessoas com psicopatologias, bem como o estigma associado às consultas de saúde mental (Sickel, Seacat & Nabors, 2014), o fator inesperado que surgiu no E1 (a

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evolução ou desenvolvimento pessoal do utente: DPU), também foi relevado pelos PePC, em média, como sendo importante; logo, não só os utentes veem nas psicoterapias um potencial meio de desenvolvimento pessoal, como os PePC estão cientes dessa intencionalidade dos utentes. Interessará saber se serão atribuídos os mesmos significados ao mesmo significante. Perspetivas sobre a ampliação da adesão terapêutica. Relativamente às intencionalidades dos psicoterapeutas sobre como é que os portugueses em geral poderão ser motivados para aderirem mais às consultas de psicologia, os dados salientaram outro elemento de convergência, mas dificultador da conexão entre «as duas ilhas», ou seja, a maioria das causas apontadas (quer pelos PePC quer pelos utentes) para a adesão terapêutica não ser maior, são externas. Numa primeira análise parece ser preocupante o facto de (quando se apontam causas para uma baixa adesão terapêutica) a maioria das atribuições causais serem externas (nos dois grupos), pois se quer os PePC quer os utentes (maioritariamente e na proporção das suas respostas) sobrepõem as causas externas às internas, isso poderá significar que estão pouco predispostos a efetuar mudanças e que a sua capacidade de autoanálise poderá não ser a melhor. Se do lado dos utentes esta intencionalidade é compreensível (face aos vários fatores que funcionam como barreiras à adesão terapêutica, e.g., o estigma social, o medo da terapia, as autorrevelações e a antecipação da utilidade e dos riscos; Vogel, Wester & Larson, 2007) do lado dos PePC a elevada proporção de atribuições causais externas (63%) já poderá não ser tão compreensível, pois faz parte da formação básica em psicologia o estudo do viés atribucional – tende-se a efetuar atribuições causais internas quando se é bemsucedido e a fazer atribuições externas perante o insucesso – logo, seria expectável uma maior capacidade de reflexão por parte dos PePC sobre o que poderá contribuir para motivar as pessoas em geral a aderirem mais às consultas de psicologia clínica e de psicoterapia. Passando das narrativas compósitas para uma análise bidimensional (internaexterna) das atribuições segmentadas por unidade atribucional observa-se a mesma tendência: a elevação (agora maior) das atribuições externas dos utentes e dos PePC (mas agora com um valor superior dos utentes) e a elevação das atribuições internas em ambos os grupos (mas observando-se desta vez que os PePC superam os utentes, o que já parece ser mais aceitável). Ainda assim os 74% de atribuições externas (face aos 26% de atribuições internas) indicam que as causas apontadas por parte dos PePC para não haver uma maior adesão terapêutica radicam sobretudo em alguém (e.g., a mentalidade das pessoas, a sua escassez de recursos financeiros ou a sua vontade de mudar) ou em algo externo a eles (e.g., o governo, a OPP ou o SNS). Logo, aparenta existir uma necessidade de os PePC refletirem, em conjunto, sobre a

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psicologia clínica e as psicoterapias, o que pode incluir, talvez, a humildade e a coragem de conseguirem olhar para dentro e levar luz aos lados mais obscuros. De facto a psicologia passa por uma certa crise na sua imagem (e.g.): com a pressão para publicar, ajustam-se as análises estatísticas, cortam-se resultados nulos, recorre-se à «técnica do martelo» (para eliminar das bases de dados registos que não contribuem para os efeitos pretendidos) e há rigidez teórica como se as teorias fossem verdades absolutas em vez de abrirem encontros dialógicos construtivos (Ferguson, 2015). Por outro lado o público sabe que, recentemente, membros da American Psychological Association cooperaram com a Central Intelligence Agency no uso de técnicas de tortura psicológica em prisioneiros de Guantanamo (Ackerman, 2015). Estes pontos negros são inquietantes, mas se, como psicólogos, não tivermos a humildade e a coragem de olhar para o nosso lado mais obscuro, transformá-lo e evoluir com ele, teremos legitimidade para facultar aos utentes esse processo? A terceira análise das atribuições, com a adaptação do modelo ecológico para uma leitura sistémica-atribucional quadrimensional, vem evidenciar mais uma perspetiva: as atribuições externas dos PePC que incidem diretamente sobre as pessoas, é de 36% (23 atribuições num total de 64), sendo 13% das restantes atribuições externas colocadas no mesossistema e 25% no macrossistema, o que aponta, para além da necessidade de reflexão suprarreferida, também a necessidade de as instituições (e.g., SNS e OPP) contribuírem para mudanças ideológicas que exerçam influências sobre o exossistema (i.e., nesta adaptação teórica, os utentes e potenciais utentes). Portanto poderá não ser suficiente que os PePC se imbuam de humildade e de coragem para conseguirem olhar para dentro e levar luz aos locais mais obscuros da psicologia. De uma perspetiva sistémica, parece ser necessária uma sinergia de mudança que incida sobre a dimensão macrossistémica a fim de que os efeitos dessa renovação se repercutam pelas dimensões internas do modelo ecológico: exo, meso e microssistema (onde, neste arranjo teórico, se encontra a psicologia clínica e a psicoterapia). Sendo esta a principal questão orientadora desta investigação, foi efetuada uma quarta análise dos dados, isto é, das intencionalidades dos psicoterapeutas sobre a ampliação da adesão terapêutica, desta vez recorrendo ao método fenomenológico de investigação em psicologia. Face aos resultados, aparenta ser claro que, para subir a referida adesão, os PePC e as instâncias governativas não podem estar à espera que as pessoas se automotivem para recorrer à psicoterapia devido ao seu sofrimento psicológico, à sua incapacidade de realizar tarefas, que tenham esperança em soluções, necessidade de recuperar a sua funcionalidade interna ou sintam falta de apoio e desesperança. Tão-pouco parece ser pertinente aguardar

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que as pessoas possuam mais recursos financeiros para recorrerem às consultas de psicologia, pois quando elas têm necessidades e percecionam valor nos bens e nos serviços (e.g., seguros, medicação ou telecomunicações), acabam por os conseguir adquirir. Donde, sendo os psicólogos especialistas em processos mentais, parece vivenciar-se um momentum onde é necessário recorrer a essa competência para perceber que o estado-de-coisas não motiva a população para aderir à psicoterapia: as pessoas sentem necessidades, mas qual a sua perceção de valor sobre os serviços de psicoterapia? O estudo que precede este (Ramos, 2016) indica que essa perceção de valor é baixa, ainda assim os utentes fizeram referências a aspetos das dimensões técnica, pessoal e instrumental (dos PePC e das consultas) que os motivariam a aderir à psicoterapia. Mas poderão estas dimensões serem autoanalisadas? É aqui que se encontra a grande divergência entre as duas ilhas: no presente estudo são muito elevadas as causas externas e escassas as internas, isto é, as referências a mudanças necessárias, por parte dos PePC, a fim de ampliar a adesão terapêutica. É como se os PePC estivessem a dizer: “a ligação entre as duas ilhas é fraca, mas a nossa parte da ponte está muito bem construída e não necessita de grandes reparações, por isso é necessário que as pessoas e as entidades governativas reparem ou reconstruam a outra parte da ponte”. Talvez este não seja o ponto de vista mais adequado pois os dados obtidos neste estudo vão de encontro às conclusões de Roos e Werbart (2013) sobre o abandono da terapia: os terapeutas tendem a explicar os dropouts recorrendo a atribuições externas, a causalidades simples e a fatores dos utentes, ao invés de percecionarem as suas próprias contribuições para esse efeito, o que pode estar a servir de fator protetor da autoimagem e da identidade profissional. Ainda assim (nesta análise quadrimensional), embora escassas, foram feitas algumas referências (pelos PePC) a mudanças internas que parecem apontar para temas nucleares: ampliação das competências dos psicólogos e personalização dos contratos terapêuticos, onde se inclui o ajuste dos honorários a cada caso. Porém também parece ser indubitável que estas mudanças carecem de ações paralelas por parte do SNS e da OPP: por via de apoios fiscais (conforme os que existem para os psiquiatras), pela contratação de mais psicólogos para o SNS e através da oferta de uma maior e melhor psicoeducação à população em geral, que mitigue os estereótipos negativos e contribua para a construção de intencionalidades positivas e construtivas sobre a psicoterapia. E é nesse sentido que parece ganhar relevância a potencial inclusão de algumas técnicas da psicologia positiva com outras abordagens psicoterapêuticas. Daqui parece ser possível extrair o seguinte diagrama:

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Psicoterapeutas [ampliação de competências (incluindo técnicas da psicologia positiva), contratos terapêuticos personalizados (com ajuste de honorários)] SNS e OPP [apoios fiscais (conforme psiquiatria), mais

Aumento da Adesão Terapêutica

psicólogos no SNS, oferecer mais e melhor psicoeducação (mitigação de estereótipos negativos)] Sobre a existência da psicologia positiva. Quanto ao conhecimento sobre a existência da psicologia positiva, a amostra de PePC está maioritariamente informada, o que é um ponto de desencontro com os utentes, o que era expectável pois os técnicos devem estar mais informados sobre a evolução da psicologia. Porém esta parece ser uma informação que talvez devesse ser mais divulgada publicamente dado que cerca de 50% do público inquirido desconhecia que há uma abordagem psicológica que se foca nas qualidades humanas. Nesse sentido, uma intervenção macrossistémica evidencia-se como sendo obviamente necessária. Mas, se para além do foco no problema (ou sintoma ou queixa), se nas consultas de psicologia clínica (ou de psicoterapia) houvesse também um foco na aferição e na ampliação dos atributos positivos dos utentes (i.e., nas caraterísticas positivas das suas personalidades), considerarão os PePC que esse foco poderia contribuir para uma maior adesão terapêutica? A psicologia positiva integrada na psicoterapia. Talvez surpreendentemente (face às caraterísticas da amostra) 75% (n = 24) dos psicoterapeutas responderam afirmativamente e apenas 3% (n = 1) discorda da opinião de que um foco complementar na aferição e na ampliação das caraterísticas positivas da personalidade dos utentes poderia contribuir para ampliar a adesão terapêutica. Este resultado poderá parecer inesperado, pois por exemplo, 8/11 psicanalistas (72.7%) concordam, os 3 psicoterapeutas fenomenológico-existenciais também estão de acordo, assim como 4/5 dos cognitivo-comportamentais e 4/5 dos construtivistas. Portanto existe aqui um outro ponto de encontro utentes-psicoterapeutas: ambos os grupos concordam com a inclusão complementar da psicologia positiva nas consultas de psicoterapia (Anexo L). Mas estes são resultados quantitativos. Estarão de acordo com outra perspetiva de investigação? Afirmativo. A análise qualitativa (Anexo M) enfatizou a importância de um foco complementar da psicologia positiva sobre a psicoterapia habitual a fim de aumentar a adesão terapêutica e que vai de encontro às vivências intencionais dos utentes (aferidas no E1): reconhecer as caraterísticas positivas das pessoas, leva-as a sentirem-se mais equilibradas e empoderadas, o que as motiva a permanecer no

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processo terapêutico, proporcionando-lhes uma evolução mais plena, potenciando-lhes comportamentos e relacionamentos mais funcionais e uma maior qualidade de vida, o que se pode considerar um sucesso psicoterapêutico e uma contribuição para uma imagem pública mais favorável da psicologia. Por conseguinte parece ser possível efetuar a seguinte representação de cinco dimensões sequenciais: Reconhecimento das caraterísticas positivas dos utentes.

Equilíbrio e empoderamento.

Motivação para a manutenção no processo terapêutico.

Evolução pessoal, melhores relações e qualidade de vida.

Sucesso psicoterapêutico e favorecimento da imagem da Ψ

Não foi referido pelos respondentes mas o estudo de Rashid (2015) aponta para a possibilidade de serem incluídas mais três subdimensões no diagrama acima: duas na quarta dimensão (o aumento da autoestima e da perceção de autoeficácia dos psicoterapeutas) e uma subdimensão na quinta e última dimensão: a redução dos sintomas de burnout dos PePC (dado que estes não ficam centrados apenas nos problemas dos pacientes). Ainda assim este resultado, aparentemente surpreendente, suscita uma questão: alguns PePC referem já usar uma abordagem positiva (P21, P30, P38, P42, P46, P50, P55, P58; Anexo M) mas estarão a usar técnicas da psicologia positiva? Conhecerão as técnicas desta abordagem?

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Quanto a uma psicoterapia positiva exclusiva. Conforme seria expectável, a maioria dos PePC não concordou com a ideia de haver um foco exclusivo nas virtudes e nas forças de caráter dos utentes da psicoterapia, dado que esta seria uma abordagem parcial à condição humana e os utentes também procuram a psicologia para resolver os seus problemas, cuja resolução implica autoconhecimento e evolução pessoal (Anexo N). Ainda assim encontrou-se nesta intencionalidade um ponto de divergência entre os utentes e os PePC, dado que 30% do primeiro grupo concorda com uma abordagem apenas positiva na psicoterapia (e nenhum PePC concorda), o que levanta uma questão: estes 30% devem ser descurados? Estimando-se, na população portuguesa, uma prevalência de perturbações mentais na ordem dos 23,1%, que corresponde a cerca de dois milhões de pessoas (Ramos, 2016) poder-se-á estar a limitar a adesão terapêutica a 600 mil potenciais utentes, o que parece ser um número considerável de portugueses e que poderá aumentar, muito, se for considerada a população portuguesa, incluindo as crianças, que, segundo a Direção-Geral da Saúde (2015), consomem mais de 5 milhões de doses por ano de um psicofármaco (Ritalina) para tratar a PHDA, perturbação que, conforme confessou Eisenberg (antes de falecer com 87 anos) é uma doença fictícia para favorecer a indústria farmacêutica (Blech, 2012). Ainda assim, sabendo os psicólogos deste facto, continuam a diagnosticar as crianças com PHDA e os psiquiatras continuam a receitar Ritalina às crianças. De facto estes são movimentos que se vão anormalmente normalizando, que não me parece serem socialmente saudáveis, que não contribuem para a imagem pública da psicologia em geral e que são muito contrários aos da psicologia positiva em particular. Portanto parece haver aqui outro importante ponto de reflexão, que poderá até passar por uma atualização da terminologia psicológica. Por fim houve algumas justificações inesperadas para a discordância com o uso da psicologia positiva de forma exclusiva: as pessoas não estão predispostas “para o [seu] desenvolvimento pessoal” (P38), porque a terapia deixaria de ser clínica e negligenciaria a ciência psicológica (P46) e porque a psicologia positiva é uma técnica (sic) inútil (P47). Cabe recuperar do E1 que uma das conclusões inesperadas foi a de que os utentes percecionam as dimensões instrumental, técnica e pessoal (do psicólogo) como fatores que contribuem para a sua evolução pessoal, logo há pessoas motivadas para com o seu desenvolvimento pessoal. Quanto à ciência psicológica talvez seja interessante deixar expresso que o interesse na contribuição dos psicólogos para estimular ou ampliar as caraterísticas positivas dos utentes (a fim de equilibrar a elaboração dos conteúdos mais angustiantes) tem vindo a subir desde o início da formação da psicologia positiva em 1999: Donaldson, Dollwet e Rao (2015)

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efetuaram uma revisão de literatura que identificou 1336 publicações (revistas por pares) sobre esta nova área da psicologia (Anexo O); por conseguinte a psicologia positiva é uma ciência psicológica com um interesse crescente. Cabe ainda clarificar que a psicologia positiva não é uma técnica, mas uma nova área da psicologia que tem exercido cada vez mais influências não só no âmbito da psicologia como no da gestão de empresas (e.g., na liderança organizacional), no educativo e no dos cuidados de saúde (Gantt & Thayne, 2014). Fica ainda uma nota curiosa: apenas um inquirido expressou interesse em saber os resultados deste estudo, mas assume-se que estes 3% de interesse se relacionem com o facto deste trabalho ser elaborado por um aluno do 4.º ano de psicologia e não porque a adesão terapêutica não seja um tema de especial relevância para os PePC.

Conclusões Este estudo procurou encontrar pontos de convergência e de divergência entre a opinião pública e os PePC a fim de contribuir para a ampliação da adesão terapêutica, bem como, paralelamente, para a redução do dropout dos utentes e o burnout dos clínicos. Convergências. Os resultados demonstraram que existem pontos onde as intencionalidades dos utentes e dos PePC são convergentes. É o que ocorre na perceção das quatro dimensões inerentes às consultas de psicologia aferidas no E1 (competência técnica do psicólogo, caraterísticas da personalidade do psicólogo, caraterísticas do espaço (setting) e evolução ou desenvolvimento pessoal do utente) as quais são consideradas importantes por ambos os grupos, mormente no que concerne à competência técnica dos PePC. Por outro lado, ambos os grupos concordam com a inclusão da psicologia positiva nas consultas de psicoterapia de uma forma complementar. Divergências. Mas também há pontos onde as intencionalidades de ambos os grupos divergem. Cerca de 50% dos utentes (e potenciais utentes) inquiridos desconheciam que há uma abordagem psicológica que se foca na ampliação do melhor do ser humano, ao passo que 97% dos PePC conhece a psicologia positiva, logo uma intervenção macrossistémica que fomente uma maior psicoeducação, no sentido de divulgar este enfoque psicológico, poderá contribuir para ampliar a adesão terapêutica. Mas há outra divergência intencional, que poderá estar a bloquear o recurso a consultas de psicologia a milhares de portugueses: os PePC rejeitam uma abordagem exclusiva da psicologia positiva ao passo que 30% dos utentes veem essa possibilidade como motivadora da adesão terapêutica.

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Convergência divergente. Os dados que apontam causas para a adesão terapêutica ser reduzida são convergentes: ambos os grupos fazem uma maioria de atribuições causais externas. Porém esta confluência intencional dificulta a conexão entre «as duas ilhas»: ao expressarem “a culpa não é minha” estão ambos (os grupos) a criar barreiras, ao invés de vias que contribuam para ampliar os níveis de saúde mental em Portugal. Assim, este estudo aponta para a importância de os PePC refletirem, em conjunto, sobre as dimensões internas da psicologia cuja qualidade necessita de ser melhorada. Mas este movimento parece precisar de ações sinérgicas macrossistémicas paralelas e contributivas de mudanças ideológicas. Forças e fraquezas. Da revisão de literatura efetuada este parece ser o primeiro estudo comparativo sobre as intencionalidades dos utentes e dos PePC sobre as consultas de psicologia, a desejabilidade social terá sido mitigada com a disponibilização do instrumento na Internet, logo, é possível que as vivências intencionais (expressas) não estejam longe do eidos (que é o grande objetivo da investigação fenomenológica) e as conclusões apontam para reflexões e ações que podem contribuir para o aumento da adesão terapêutica (essencial em Portugal para os «habitantes de ambas as ilhas»). Em contraponto, o facto de ter recolhido os dados online não permitiu aprofundar algumas descrições (que poderiam ter enriquecido a parte qualitativa da análise) e sendo eu apologista de uma abordagem clínica integrada, não clivada e holística, é possível que (inconscientemente) esta preferência tenha condicionado de alguma forma o desenho do estudo, a discussão dos resultados e as conclusões. Elementos para estudos futuros. (1) Contrariando a representação social negativa sobre as consultas de psicologia e o estigma que lhe está associado, foi aferido que ambos os grupos em análise salientam a importância do desenvolvimento pessoal do utente (DPU), porém ficou por aferir se o conceito de DPU é convergente em ambos os grupos, ou seja, poderá interessar estudar se as intencionalidades que os utentes e os PePC possuem sobre desenvolvimento pessoal contribui para uma maior conexão entre «as duas ilhas» ou se atribuem diferentes significados ao mesmo significante. (2) Poderá também ser interessante estudar qual é a perceção de valor que o público em geral atribui aos serviços de psicologia clínica e de psicoterapia (comparativamente a outros serviços, e.g., seguros e medicação) pois sendo essa perceção baixa (conforme Ramos, 2016) a análise das vivências intencionais que a constituem, poderá contribuir para identificar os aspetos que necessitam de ser melhorados no contexto da consulta de psicologia. (3) De forma explícita, 25% dos PePC expressaram que já usam uma abordagem positiva nas suas consultas, mas poderá interessar aferir quais são as técnicas específicas da psicologia positiva que usam, pois é provável que o conhecimento

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destas técnicas seja reduzido e que, de facto, as técnicas da psicologia positiva não estejam a ser usadas em benefício dos utentes e da eficácia da psicoterapia, pois a única referência que foi feita a técnicas específicas (P58, que mencionou usar a mindfulness e a terapia da aceitação e do compromisso; Anexo M) não referiu técnicas próprias da psicologia positiva. Protopropostas de atualização da terminologia psicológica. Sendo licenciado em linguística (pré-Bolonha), e prestes a concluir o mestrado em psicologia clínica, talvez possua uma sensibilidade extra para com as questões relacionadas com os significados das palavras no âmbito da psicologia. Mas não será necessário tal formação para pensar na importância de atualizar alguma terminologia desta área (e.g.): (1) manter o termo «psicoterapia» para a prática da clínica psicoterapêutica, mas mudar a designação da prática dos psicólogos clínicos (de «psicoterapia de apoio») para «psicoapoio», psychosupport em inglês (em ambos os casos, para os utentes que buscam uma abordagem com foco no problema); (2) criar o termo «psicoevolução» (psychoevolution em inglês) para os utentes que procuram uma abordagem exclusiva da psicologia positiva e evoluir com o conhecimento dessa área da psicologia; (3) criar o termo «psicointegração» (psychointegration em inglês) para os utentes interessados numa abordagem psicológica assumidamente integrada, com foco no problema e, de forma paralela, na fomentação dos aspetos positivos da personalidade humana. A proposta do termo «psicoapoio» sugere a desambiguação e a diferenciação do trabalho clínico de psicoterapeutas e de psicólogos clínicos, pois (linguisticamente) não me parece ser coerente dizer-se que os psicólogos clínicos fazem psicoterapia de apoio, mas não são psicoterapeutas, quando obviamente, quem faz psicoterapias são os psicoterapeutas. Já as propostas dos termos «psicoevolução» e «psicointegração» visam a mitigação do estigma historicamente associado ao termo «terapia» (cujo étimo é a forma grega therapeía, que significa «tratamento») bem como, contribuir para a imagem de uma psicologia interessada em usar o seu conhecimento acumulado para fomentar o melhor de cada ser humano. Por outro lado parece-me ser óbvio que quando se usa uma abordagem psicológica com foco no problema, aquilo que é positivo surge naturalmente como consequência de uma boa elaboração desse problema. Então, porque será difícil racionalizar o contrário? Isto é, não será óbvio que o uso de uma abordagem psicológica com foco nos aspetos positivos da pessoa, acabará por salientar também o material patológico que necessita de ser elaborado? Parece-me ser importante perceber (e este duplo estudo que agora concluo aponta nesse sentido) que um encontro dialógico a fim de favorecer as populações das «duas ilhas», será bem mais frutuoso do que disputas teóricas que só contribuem para dividir. É necessário unir.

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