Ora pro nobis, beate Antoni: Políticas de canonização e o culto a Antônio de Pádua no Duecento Italiano

May 30, 2017 | Autor: Gustavo Gonçalves | Categoria: Hagiography, Canonization and sanctity, Medieval sanctity, Medieval Sainthood
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Prezados e prezadas, bom dia. Meu nome é Gustavo da Silva Gonçalves, estudante do décimo semestre do curso de História. Esta comunicação é resultado de aproximadamente três anos de pesquisa desenvolvidas junto ao prof. Dr. Igor Salomão Teixeira, estando atrelada ao projeto "Histórias da Península Itálica: crônicas, hagiografias e sermões (Séculos XIII e XIV)". A apresentação é, portanto, resultado de leituras, discussões e reflexões desenvolvidas no período de 2013 até o presente momento.
No que concerne à documentação utilizada recorremos à análise de hagiografias. Estamos, portanto, de acordo com a premissa de Anneke Mulder-Baker, alegando que "cada fonte que fale algo sobre um santo, seja imagem ou objeto material, é uma fonte hagiográfica". A mesma autora defende a necessidade de se questionar as escolhas e decisões que motivaram a escrita deste corpus documental. Deste modo, recorreu-se, ao longo do desenvolvimento da pesquisa, às seguintes obras para o presente trabalho: a edição crítica de Vergílio Gamboso da Legenda Assídua, escrita entre 1230 a 1232; o Estatuto da Cidade de Pádua; a obra Vita e morte di Ezzelino III Da Romano, produzida por Rolandino de Pádua.
O objetivo da pesquisa é analisar os conflitos que permeavam a zona setentrional da Itália, bem como a atuação exercida por Antônio de Pádua na região. Nascido em 1191 em Lisboa, Antônio foi membro da Ordem dos Frades Menores e teve uma atuação destacada naquela região. Faleceu em 13 de junho de 1231, próximo a Arcella, pequena região no condado de Pádua. É lícito afirmar que imediatamente após sua morte houve uma ampla mobilização para a canonização, sendo que o reconhecimento da santidade de Antônio ocorreu em 30 de maio de 1232. Diferentes setores de Pádua, dentre os quais destacamos a universidade e o popolo, tiveram preponderante atuação na causa.
Mas por que realizar mais uma pesquisa sobre o culto a Antônio, bem como a sua canonização? O estudo sobre a santidade antoniana está bem consolidado no exterior, especialmente no livro de Antonio Rigon, intitulado "Dal Libro alla Folla", bem como pelas contribuições da revista "Il Santo", editada pelo Centro de Estudos Antonianos. Em todo caso, julgamos que foi dada pouca atenção à destacada atuação do studium paduano, mas também que houve poucas preocupações teóricas sobre os personagens históricos envolvidos na devoção e canonização do frade conglomerados no conceito de popolo.
Para realizar a análise da santificação de Antônio valemo-nos do conceito de "tempos de santidade" desenvolvido por Igor Salomão Teixeira. De acordo com o autor, ao analisar o caso de Tomás de Aquino, este conceito se baseia "[no] tempo transcorrido para que seu culto e reconhecimento oficial acontecesse". Trata-se, portanto, de uma ferramenta heurística que possibilita enfocar as peculiaridades de cada canonização, como também observar as diferenças temporalidades. Neste ponto é necessário ressaltar que a canonização de Antônio teve duração de 352 dias, sendo o segundo mais rápido da história da Igreja. No caso de Antônio, por que houve um curto tempo, se comparado com outras santidades? A resposta a esta interrogação está relacionada à específica atuação de Antônio, em uma circunscrita situação histórico-social do norte da Itália no século XIII.
Ao contrário do que afirmou o historiador Alexander Murray, que defendeu que a santidade não possuía classe social na Idade Média, defendemos que Antônio de Pádua teve um papel preeminente para diferentes sujeitos históricos atuantes no interior da comuna de Pádua, concebido como popolo. Em torno a este conceito reuniu-se diferentes grupos emergentes na cidade a partir do século XIII, que Gerard Rippe denominou-os novos ricos, tributários das atividades comerciais e de maior inserção nas instâncias decisórias da comuna.
A intervenção de Antônio nos conflitos que permeavam o interior da cidade foi uma condição para a defesa de sua santidade, mas é possível afirmar que a sua participação em defesa destes sujeitos emergentes reafirmou a importância da canonização.
O estudo tornar-se-ia incompleto se não se mencionasse o papel da Santa Sé. Ao longo do século XIII a Igreja buscou reafirmar sua preponderância, aprimorando os procedimentos de canonização. Também foi neste momento que as ordens mendicantes se vincularam a um projeto mais amplo por parte da Igreja, isto é, em um momento de maior inserção nas cidades e de reforma dos costumes no interior destas. Cidades como Pádua, Milão e Florença cresceram e novos grupos surgiram na transição do século XII ao XIII.
O atrelamento da Cúria Romana à cidade de Pádua também é um ponto fundamental para a canonização de Antônio. A política imperial – aqui representada por Frederico II, ameaçava os propósitos da Santa Sé para a região, em um momento que se defendia a libertas ecclesiae. Seus correligionários, como Ezzelino III da Romano, foram paulatinamente assimilados pela Igreja com a figura do diabo em uma tentativa de reaver o controle sob o território. Também foi um período de aumento exponencial dos grupos dissidentes da ortodoxia católica, tendo ampla ressonância em grandes centros urbanos, como Milão e na região sul da França. Deste modo, não causa estranheza tal proximidade da Cúria Romana com Pádua. Pode-se igualmente considerar os vínculos que remetiam a períodos anteriores à chegada de Antônio na região, conforme o elogio realizado pelo papa Inocêncio III à Pádua em 1213, já que esta exercia o papel de pacificação na região.
Se é correto afirmar que Pádua possuía aproximações com a Santa Sé, é justo admitir que a chegada de Antônio na cidade realizou um maior estreitamento desta relação. Não somente isso: sua chegada se deu em um período de relativa estabilidade social no interior de Pádua. Desde o início do século se viu uma transformação nas instâncias decisórias no interior da cidade, tendo uma ampliação da participação de grupos emergentes. Acreditamos que tal equilíbrio foi decorrente da presença de um controle exterior à comuna, isto é, representado pelo potentado estrangeiro. É lícito afirmar, portanto, um atrelamento do frade com os "novos ricos" da cidade, na medida em que condenava a prática usurária e os conflitos em Pádua.
Essa intervenção na vida comunal foi complementada com a legitimação no Estatuto da Cidade, em que vemos a participação ativa de Antônio na crítica à usura e ao encarceramento por conta de dívidas. Nesta lei consta que "quando a fraude não puder ser comprovada de modo evidente, estará sob o julgamento do podestà". Em outras palavras: Antônio estava reafirmando o poder do podestà, este que representava – em maior grau, os grupos emergentes da comuna paduana. A canonização de Antônio foi vista para Rolandino de Pádua como um mecanismo de intercessão para o popolo paduano nas instâncias decisórias da comuna. Torna-se ainda mais factível a afirmação de que os grupos emergentes foram responsáveis pela canonização se considerarmos a devoção em Pádua a partir das divisões entre quarteirões. Gerard Rippe afirmou que foi esta mesma divisão que deu maior representatividade aos grupos emergentes frente às antigas alianças e grupos sociais que dominavam a cidade nos séculos X a XII.
Causa estranheza – à primeira vista, verificar a destacada defesa que a universidade de Pádua realizou na canonização de Antônio. Formada em 1222 a partir de uma cisão de estudantes e professores oriundos de Bolonha, consta na hagiografia sobre Antônio que "todos os professores e alunos da Universidade escrevem muitas coisas dignas de aplauso; e a assembleia dos gramáticos, para que não lhe imputassem a mínima contestação". Acreditamos que o studium paduano realizou uma função de intelectualidade a serviço da comuna – e mais especificamente aos grupos emergentes. Antônio de Pádua – em certa medida, conferindo legitimidade para a atuação dos pauperes na comuna, teve sua canonização apoiada pelos universitários na medida em que estes também se atrelavam aos grupos emergentes em Pádua, sendo que o envolvimento entre a dimensão universitária e os grupos que controlavam a cidade tiveram os laços gradualmente reforçados ao longo do século.
Os novos ricos – e os grupos intelectuais a seu serviço, estiveram empenhados na canonização na medida em que esta legitimava a sua atuação no interior da Comuna. A Igreja, na tentativa de reafirmar sua autoridade na região peninsular, atrelou os seus interesses à Pádua em um programa comum, sendo que a cidade serviria como um candelabro que irradiaria luz para as áreas adjacentes, conforme os termos aplicados na bula de canonização de Antônio. E não somente isso, realizou aquilo que Giorgio Agambem determinou como uma práxis econômica, isso é "uma práxis gerencial que governa o curso das coisas, adaptando-se a cada vez, em seu intento salvífico, à natureza da situação concreta". Ou seja, a adaptação se deu ao específico caso de Antônio, e decorrente a esta peculiaridade que se viu uma considerável celeridade na canonização e imediato reconhecimento por parte da Santa Sé, inclusive sem inquérito para verificação dos milagres.
Portanto, a canonização de Antônio deve ser entendida como um ponto convergente de diferentes interesses – seja por setores emergentes em Pádua ou pela Igreja. Se a sua atuação em Pádua possibilitou uma ampla devoção in vita do santo, a peculiar situação histórico-social da Península Itálica potencializou seu culto, que, com o passar dos séculos, enraizou-se ainda mais na cidade.



MULDER-BAKER, A. B. The invention of saintliness: texts and contexts. In: MULDER-BAKER, A. B. (org.). The Invention of Saintliness. Londres: Routledge, 2002, p. 13.
TEIXEIRA, I.S. Hagiografia e Processo de Canonização: a construção do tempo da santidade de Tomás de Aquino (1274-1323). 2011. 187 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011, pp. 21-22.
"[...] ad sedandas discordias et inimicitias, et pacem et tranquillitatem faciendam in Tota Marchia". Cf. VERCI, G. Storia degli Ecelini. Veneza: Erede Picotti, 1848, P. 178.
AGAMBEM, G. O reino e a glória. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014, p. 64, grifos nossos.



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