Orações irmãs? Confronto de duas edições portuguesas da Oração da Emparedada

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Orações irmãs? Confronto de duas edições portuguesas da Oração da Emparedada Ana Luisa Sonsino, Esperança Cardeira Universidade de Lisboa Faculdade de Letras-Centro de Linguística [email protected], [email protected] No século XV circulou na Europa, e em várias línguas, um conjunto de orações conhecido como Quindecim Orationes. Estas orações foram originalmente escritas em latim. A fonte mais remota que se conseguiu localizar data de 1340, tendo possivelmente como antecedente outro texto latino. A Oração de Santa Brígida ficou conhecida na Península Ibérica (s. XV-XVI) como Oração da Empardeada. Há também notícias da sua existência em castelhano e catalão. Em português, existem atualmente duas versões daquela época: 1. A Oração da Empardeada no Livro de Horas. É a versão contida em Horas de nossa Senhora segundo costume Romaão de Frei João Claro e Luís Fernandes, composto em português e impresso em Paris em 1500-1501. Ha muy sancta e deuota oraçam da empardeada não aparece em edições posteriores. 2. A Oração da Empardeada de Barcarrota. A Oração da Empardeada em lingoagem portugues, encontrada em Barcarrota, Espanha, em 1992. Exemplar único, impresso em Lisboa entre 1537 e 1540 na oficina de Germão Galharde. A entrada desta oração no Index português de 1551 e no espanhol de 1559 explica tanto a sua retirada do Livro de Horas como o seu emparedamento. Objetivo O explicit do Livro de Horas apresenta-o como uma tradução do latim; contudo, a Oração da Empardeada apresenta castelhanismos que permitem colocar a hipótese de na sua origem estar uma tradução para castelhano, já perdida. Pelos castelhanismos que também ela apresenta, a edição achada em Barcarrota poderia proceder tanto deste Livro de Horas como de uma tradução para castelhano. É a relação entre estas edições, se é que ela existe, que procuramos elucidar.

Conta a lenda que, em resposta aos rogos de uma mulher emparedada que desejava saber qual o número de chagas de Cristo, este apareceu-lhe e não só lhe revelou esse mistério como lhe deu uma oração que garantia indulgências e perdões para o possuidor da oração e seus familiares. Resultados  O confronto das duas versões revela que as diferenças correspondem a: A. Atualização da língua (linguística e gráfica: terminações nasais, eliminação de hiatos, regularização de género). B. Poupança de espaço e erros de cópia (erros, omissões e substituições).  Os castelhanismos contidos em H são mais numerosos do que os de B.  Ocorre, em ambas as edições, uma frase que parece conter um erro que só poderia provir da uma tradução de castelhano para português, com confusão entre o artigo el e o pronome él: (...) lhe sera outorgado por elle meesmo senhor jhesu christo que viue e regna cõ deo padre. Esta confusão não seria possível se o original fosse em latim (que não tem artigos) ou em português (que não confunde o artigo o com o pronome pessoal ele); a frase faria mais sentido substituindo o pronome pessoal pelo artigo definido: lhe sera outorgado por o meesmo senhor jhesu christo.

Impresso em París por Narciso Brun.

Provavelmente impresso em Lisboa por Germão Galharde

Estrutura e conteúdo.

Confronto das duas edições Omissões e substituições para poupar espaço Livro de Horas (H) Barcarrota (B) Ha muy sancta e A muyto deuota deuota oraçam oraçã ho qual eu nom ha darei aos que esta -----------oraçõ nom comprirẽ sanctissima e santissima paixã dolorosa payxam Amẽ . Pater noster . Pater noster . Aue maria . e ho miolho dos ------------teos ossos se nõ tua muy senã a tua muj prezada e amada prezada mãi madre Pater noster . Aue ----------------Maria . e ho meu spiritu se ----------------cõtoruar perdoões da perdões sobredicta oraçom . Eliminação de hiatos H B boõ bõ dyaboo/diaboo diabo door(es) dor(es) homeẽs homẽs huũ hũ voontade võtade Regularização de género H B aruores (f=1, m=1) aruores (f) door (m=3, f=2) dor (f) linhagẽ (f=1, m=1) linhagẽ (f) rayzes (m) raizes (f) sangue ( m=5, f=3) sangue (m)

Aparente erro conjuntivo:

Terminações nasais H aboffetearõ cõprirom deleytaçõ dolçidõe/dulçidoõe jrmitaão ladrõ mansidoõe nõ/nom

B abofetearã cõprirã deleitaçã dulcidã jrmitã ladrã mãsidã nam/nã

Edição muito cuidada, feita provavelmente por encomenda ou patrocinada pela família real.

B

(...) lhe será outorgado por elle meesmo senhor jhesu christo que viue e regna cõ deo padre (...).

H 1500-1

1537-40

Edição económica, feita com poucos recursos e destinada a um público pouco letrado

Castelhanismos

Português médio: afasta-se do português antigo e apresenta mudanças em curso.

Português médio tardio: mudanças consolidadas.

Erros de compositor/copista H em tua sancta graça possa perseuerar pera sempre e a craridade da tua diuinidade O Jhesu christo verdadeyra vide e ho liquor das tuas ẽtranhas se secou

B ẽ a tua sancta possa perseuerar pera sempre: e a caridade da tua diuidade O Jesu christo verdadeira vida e o rigor das tuas ẽtranhas se secou

Conclusões Se na última frase analisada estivermos realmente perante um erro de tradução, isto permite: - afirmar que tanto H como B contêm o mesmo erro substantivo e, portanto, este pode ser considerado um erro conjuntivo. - propor possíveis relações estemáticas entre H e B: i) ii)

Atualização linguística e gráfica H miha angeos mais çellestrial aquesta moesteyro areuatado trouuer

B minha ãjos mas celestial esta mosteiro arrebatado trouxer

H e B foram copiados de um outro texto que por sua vez foi traduzido do castelhano. um deles foi a tradução que serviu de arquétipo do outro. Se tivermos ainda em consideração o número de castelhanismos registados em H que já não aparecem em B, e que H é uma edição cuidada, provavelmente encomendada pela família real, e B é uma edição pequena e de baixo custo, é plausível que H seja o arquétipo de B, e portanto a tradução da versão castelhana da Oração. α

α

i) H

ii) B

H

B

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