Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal

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Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618.

Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal

Rodrigo Luís Kanayama, Professor Adjunto de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da UFPR, Doutor em Direito do Estado pela UFPR, advogado em Curitiba ([email protected]) Ricardo Alberto Kanayama, graduado em Direito pela UFPR, advogado em Curitiba ([email protected])

O papel do Estado contemporâneo é, simultaneamente, complexo e controverso. Complexo, porque abrange plêiade de serviços e tarefas assumidas após a Constituição da República de 1988. Controverso, porque o modo de prestação dos serviços e a assunção das tarefas, com participação de pessoas alheias ao Estado, não são temas unânimes na doutrina. Há muito debate-se a natureza jurídica dos serviços públicos, o conceito dos serviços públicos e, mais, se existe crise na noção de serviço público. De fato, é termo com significados fluidos, que se transformam no transcorrer do tempo.1 Eclodiram opiniões diversas, desde a promulgação da Constituição de 1988, sobre o papel do Estado e a possibilidade de prestação dos serviços por particulares. Com o advento da Lei 9.637/98, o Poder Executivo recebeu a competência para “qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.” 2. O Estado poderá qualificar as organizações sociais (OSs) para prestação de serviços Sobre o tema, conferir: (i) JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 614 e ss; (ii) KANAYAMA, Rodrigo Luís. A polêmica acerca do regime jurídico do serviço público. In.: COSTALDELLO, Angela Cassia. Serviço público. Direitos Fundamentais, Formas Organizacionais e Cidadania. Curitiba: Juruá, 2005, p. 193-211. 1

2 Art.

1º, caput, Lei 9.637/98.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. públicos, que não são exclusivos do Estado. A constitucionalidade da lei foi contestada no Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923/DF (Relator Min. Ayres Britto, Redator para acórdão Min. Luiz Fux), proposta em 1998, com pedido cautelar. Os autores da ADI 1.923/DF (Partido dos Trabalhadores – PT – e Partido Democrático Trabalhista –PDT) alegaram que o modelo adotado ofende:

“(i) aos deveres de prestação de serviços públicos de saúde, educação, proteção ao meio ambiente, patrimônio histórico e acesso à ciência (CF, arts. 23, 196, 197, 199, § 1o, 205, 206, 208, 209, 215, 216, § 1o, 218 e 225): a transferência de responsabilidade pela atuação nos setores apontados, do Poder Público para os particulares, representaria burla aos deveres constitucionais de atuação da Administração Pública. A atuação privada nesses casos, segundo a Constituição, darse-ia apenas de modo complementar, sem substituir o Estado. A Lei das OS’s, porém, na ótica dos autores da ADIN, acaba transferindo recursos, servidores e bens públicos a particulares, o que configuraria verdadeira substituição da atuação do Poder Público”3 Além disso, no tocante às despesas com pessoal, existiria: “(iv) ofensa aos princípios da legalidade e do concurso público na gestão de pessoal (CF, art. 37, II e X, e 169): a Lei das OS’s prevê que a própria entidade, como condição para a celebração de contrato de gestão, fixará, por seu Conselho de Administração, a remuneração dos membros de sua diretoria, a estrutura de seus cargos e, através de regulamento, o plano de cargos, salários e benefícios de seus empregados (art. 4o, V, VII e VIII). Caberá, ainda, ao contrato de gestão estabelecer limites e critérios para as despesas com pessoal (art. 7o, II). Tais normas desconsideram a exigência de lei formal para o regime jurídico dos servidores públicos, além de tomarem como pressuposto a desnecessidade de concurso público para a contratação de pessoal nas Organizações Sociais;” “(v) descumprimento de direitos previdenciários dos servidores (CF, art. 40, caput e §4º): na cessão de servidores públicos à OS, não caberá, segundo a Lei, a incorporação à remuneração de qualquer vantagem que àqueles venha a ser paga pela entidade privada (art. 14, § 1o). Por consequência, essas verbas não seriam levadas

3 Até o momento final da redação do presente artigo, dia 13 de novembro de 2015, a ementa e o acórdão da ADI 1.923/DF, quanto ao mérito, não haviam sido publicados e colocados à disposição no Portal do STF. Aos interessados, a ementa e ao voto do Ministro Luiz Fux (relator para o acórdão) poderão ser encontrados na Revista de Direito Administrativo, Vol. 267 (setembro/dezembro 2014), Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 287 – 321.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. em conta “para fins de cálculo dos proventos de inatividade”, ferindo o direito à integralidade e à paridade dos inativos;”4 As preocupações dos autores da ADI 1.923/DF, entre várias outras, eram relacionadas às remunerações pagas aos trabalhadores das OSs, entendidos como se servidores públicos fossem, detendo as mesmas limitações legais do regime jurídico de direito público, em razão dos recursos públicos destinados a essas organizações. Assim, eram preocupações a exigência de lei formal para fixação de remunerações dos trabalhadores das OS, e a não incorporação à remuneração das vantagens pagas pelas OSs. Sob esses argumentos, os mesmos pressupostos aplicáveis aos servidores públicos são transplantados aos empregados das OSs. Com a superveniência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2001, novos elementos surgiram sobre as despesas relacionadas à prestação dos serviços públicos. A atuação do agente público tornou-se limitada pela responsabilidade, o que representa a necessidade da manutenção do equilíbrio orçamentário e financeiro. A LRF procura impedir o descontrole das despesas públicas e do endividamento, ao mesmo tempo em que obriga a captação das receitas. Além do mais, criou algumas barreiras que impedem ações que extrapolem o limite da lei, mas que pareçam possuir verniz de licitude. Uma dessas barreiras é a contabilização das despesas com contratos de terceirização (entrega de prestação de serviços a terceiros) como outras despesas com pessoal, evitando que, se houver intenção de burla aos limites legais, as terceirizações sejam consideradas como se despesas com pessoal fossem, ainda que elas ocorram por interposta pessoa. A norma foi assim redigida:

“Art. 18 (…)

4 ADI

1.923/DF, Relatório, Voto do Min. Luiz Fux. Fonte citada.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. § 1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal”.5 A questão que será abordada, neste artigo, é se, ao se entender que “a transferência de responsabilidade pela atuação nos setores apontados, do Poder Público para os particulares, representaria burla aos deveres constitucionais de atuação da Administração Pública”, como queriam os autores da ADI 1.923/DF, aconteceria a terceirização de mão-deobra para substituição de servidores. A dúvida é válida, pois se vingasse entendimento dos autores da ADI 1.923/DF, as tarefas – que sofressem transferência de responsabilidade – seriam típicas e exclusivas de servidores públicos, configurando-se terceirização inconstitucional e violação do concurso público, e as despesas realizadas para remunerar os empregados das OSs seriam consideradas como outras despesas de pessoal, contabilizadas para fim de aplicação dos limites da LRF. Finalmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADI 1.923/DF, entendendo pela possibilidade de celebração de contrato de gestão para prestação de serviços públicos não exclusivos por Organizações Sociais, cuja natureza jurídica é de direito privado, celebram

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Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF)

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. contrato de gestão com o Poder Público, e prestam serviços públicos – saúde e educação, por exemplo. 6 Avaliaremos a norma da LRF que trata sobre as despesas de pessoal, a terceirização, e as organizações sociais, considerando a decisão do STF na ADI 1.923/DF.

1. Conceito de terceirização Terceirização. Transferência para terceiro de atividades que não são as principais na esfera de atuação de algum ente, segundo entendimento tradicional. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

“A terceirização, bastante utilizada no âmbito da iniciativa privada, aparece entre os institutos pelos quais a Administração Pública moderna busca a parceria com o setor privado para a realização de suas atividades. Pode-se dizer que a terceirização constitui uma das formas de privatização (em sentido amplo) de que se vem socorrendo a Administração Pública”.7

6

“O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, apenas para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8.666/93, incluído pela Lei nº 9.648/98, para que: (i) o procedimento de qualificação seja conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal, e de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei nº 9.637/98; (ii) a celebração do contrato de gestão seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal; (iii) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12, § 3º) sejam conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal; (iv) os contratos a serem celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos públicos, sejam conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; (v) a seleção de pessoal pelas Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e (vi) para afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União, da aplicação de verbas públicas, nos termos do voto do Ministro Luiz Fux, que redigirá o acórdão, vencidos, em parte, o Ministro Ayres Britto (Relator) e, julgando procedente o pedido em maior extensão, os Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber. Não votou o Ministro Roberto Barroso por suceder ao Ministro Ayres Britto. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 16.04.2015.”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Decisão de Julgamento na ADI 1.923/DF. Rel. Min. para acórdão Luiz Fux. Disponível na Internet via WWW.URL < http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1739668 > Acessado em 13 de Novembro de 2015. 7

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 229.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. A terceirização transfere ao particular a execução de serviço – por isso, a doutrina tende a admiti-la para atividades-meio, apenas, que são instrumentais à execução do serviço pelo Estado, burocrática e de apoio, como serviços acessórios, de limpeza e segurança.8 Para Di Pietro, a terceirização pode existir como “empreitada de obra e de serviço”, “locação de serviços por meio de interposta pessoa (fornecimento de mão-de-obra) e, por último, “franquia”. A execução indireta (por terceiros) vem da reforma administrativa (Decreto-lei 200/67), considerado o primeiro marco gerencial do país e que pode assim ser resumido: “(...) a verdadeira tentativa de reforma administrativa só aconteceria no final dos anos 1960, por meio do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, concebido por Hélio Beltrão, que viria a ser o pioneiro dessas novas ideias no Brasil. Essa reforma objetivava a superação da rigidez burocrática, a partir do pressuposto da maior eficiência da administração descentralizada. Pelo citado decreto-lei foram transferidas as atividades de produção de bens e serviços para as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, reconhecendo e racionalizando uma situação existente na prática. Consolidaram-se princípios como o da racionalidade administrativa, o do planejamento, o do orçamento, o da descentralização e o do controle de resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados celetistas, submetidos ao regime de contratação de trabalho. Como sustentáculo para a decisão de aprimorar a administração pública por meio de administração indireta estava o reconhecimento de que a administração direta não havia sido capaz de responder com agilidade, flexibilidade, presteza e criatividade às demandas e pressões de um Estado que se decidira desenvolvimentista. Por meio da flexibilização administrativa, buscava-se maior eficiência nas atividades econômicas do Estado estatal, civil e militar e a classe empresarial.” 9

8

Diferente é a concessão ou permissão, pois nesses o Estado transfere a execução de serviços públicos exclusivos. Segundo Di Pietro, “A concessão tem por objeto um serviço público; não uma determinada atividade ligada ao serviço público, mas todo o complexo de atividades indispensáveis à realização de um específico serviço público, envolvendo a gestão e a execução material. (...) A Administração transfere o serviço em seu todo, estabelecendo as condições em que quer que ele seja desempenhado; a concessionária é que vai ter a alternativa de terceirizar ou não determinadas atividades materiais ligadas ao objeto da concessão. A locação de serviços tem por objeto determinada atividade que não é atribuída ao Estado como serviço público e que ele exerce apenas em caráter acessório ou complementar da atividade- meio, que é o serviço público”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 239) 9

FALCÃO, Joaquim; GUERRA, Sérgio; ALMEIDA, Rafael (org). Administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 77 e 78.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. Contudo, ainda que um dos princípios do referido Decreto-Lei tenha sido a descentralização (art. 6, III), na prática a administração continuou bastante centralizada (e hierarquizada) na figura do Chefe do Poder Executivo, tendo o fato sido reforçado pela própria Constituição Federal de 1988. Porém, o contexto econômico caótico do Brasil no início da década de 90 veio confirmar a necessidade de uma mudança mais profunda na estrutura estatal, o que deu origem ao Plano Diretor de Reforma do Estado, de 1995, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual novamente propôs maior racionalidade e a busca por resultados. Não obstante os diversos textos acerca deste Plano, suficiente citar a parte preliminar do voto do Ministro Gilmar Mendes quando da análise da Medida Cautelar na ADI 1923/DF, na qual ele inseriu as organizações sociais no programa de “publicização” previsto no Plano: “No Brasil, a redefinição do papel do Estado e sua reconstrução têm importância decisiva em razão de sua incapacidade para absorver e administrar com eficiência todo o imenso peso das demandas que lhe são dirigidas, sobretudo na área social. O esgotamento do modelo social intervencionista, a patente ineficácia e ineficiência de uma administração pública burocrática baseada em um vetusto modelo weberiano, assim como a crise fiscal, todos observados em grande escala na segunda metade da década de oitenta, tornaram imperiosa a reconstrução do Estado brasileiro nos moldes já referidos de um Estado gerencial, capaz de resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas. (...) O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado − elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995) − contém os programas e metas para uma reforma destinada à transição de ‘um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão’ (...) O programa de publicização, portanto, permite ao Estado compartilhar com a comunidade, as empresas e o Terceiro Setor a responsabilidade pela prestação de serviços públicos como os de saúde e educação. Trata-se, em outros termos, de uma parceria entre o Estado e sociedade na consecução de objetivos de interesse público, com maior agilidade, eficiência.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. As Organizações Sociais correspondem à implementação do Programa Nacional de Publicização-PNP e, dessa forma, constituem estratégia central da Reforma do Estado brasileiro.” 10 A “maior agilidade, eficiência” destacada no voto do Ministro Gilmar Mendes foi explicitamente prevista na Emenda Constitucional 19/98 que trouxe o princípio da eficiência, fortalecendo, ainda mais, a desburocratização do Estado e a transferência aos particulares de determinadas atividades. 11 Entre as formas de execução indireta está a empreitada de obra e serviço, prevista no art. 10, Lei 8.666/93.12 Trata-se da execução de obra ou serviço por terceiro privado, contratado para este fim. Quanto à locação de serviços, na esfera da União, pode ser encontrada no Decreto 2.271/97

13.

De acordo com esta norma, “poderão ser objeto de

execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade”. 14 Veda-se, contudo, a locação de serviços que sirva à atividade-fim, ou seja, “não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do

10

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Pleno. MC em ADI 1923/DF. Relator Ministro Ilmar Galvão/Relator para acórdão Eros Grau. Acórdão de 1º de Agosto de 2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível na Internet via WWW.URL < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia > Acessado em 13 de Novembro de 2015. 11

A constatação foi reiterada nos fundamentos do Ministro Relator para o acórdão, Luiz Fux, quando do julgamento do mérito da ADI 1923/DF: “21. Mais recentemente, porém, o modelo atual de Estado, diante das exigências formais do regime jurídico público tradicional e do agigantamento do aparelho estrutural administrativo, muitas vezes tem se inclinado para a atuação indireta, por regulação, indução e através do fomento público (art. 174, caput, da CF, que dipõe de forma genérica sobre a regulação, a fiscalização, o incentivo e o planejamento estatais no âmbito das atividades econômicas). Sinal claro dessa tendência consiste nos programas de privatização e desestatização, que povoaram o Brasil na década de noventa, e na crescente relevância atribuída pela legislação às denominadas agências reguladoras, cujo modelo institucional já recebeu a chancela desta Corte Suprema no julgamento das ADIn’s nº 1.668/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, e 1.949-MC/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.” Acesso em Revista de Direito Administrativo. Fonte já citada. 12

Conferir JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 125-126. 13 Art. 1º, §1º – “As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta”. (execução indireta de serviços – atividades-meio) 14

Art. 1º, caput. No §1º, estão as atividades que preferencialmente serão terceirizadas: “As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta”.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal”. 15 O problema reside na locação de mão-de-obra, que é considerada modo inconstitucional de terceirização. A pessoa jurídica é somente intermediária, pois a relação ocorre com o empregado. Há subordinação (entre empregado e Administração Pública) e pessoalidade (relação direta com o funcionário) na relação com a mão-de-obra. Trata-se de funções que seriam tipicamente prestadas por servidores públicos, mas são prestadas por empregados privados vinculados a um terceiro privado, não ao Estado. Não seria lícita a forma de contratar pessoal, com violação da exigência de concurso público. 16 Essa forma de terceirização, que serve à substituição de servidores e empregados públicos para exercício de atividades-fim, estaria sob a LRF, art. 18, §1º, incluindo as despesas com pessoal no cálculo dos limites da LRF.17 Embora a redação tenha sido precária, afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “(…) o dispositivo deve ser entendido no sentido de que, se celebrado [contrato de fornecimento de mão-de-obra], a despesa correspondente

15 Art.

1o, §2o, Decreto 2.271/97. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “(…) quando se tratar de contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como de serviços especializados ligados à atividademeio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação; nesse caso, a contratação é lícita, porque não se trata de contrato de fornecimento de mão-de-obra (em que estão presentes a pessoalidade e a subordinação), mas de locação de serviços, em que aquelas características não estão presentes” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: MARTINS, Ives Gandra da Silva e outro. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, p. 156). Segundo Caldas Furtado, “[n]ão custa nada lembrar que são apenas 3 (três) os tipos de situação de pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelo erário: a) servidores estatutários (ocupantes de cargo efetivo ou comissionado); b) empregados públicos (ocupantes de emprego público); c) servidores temporários (contratados com base na Constituição Federal, art. 37, IX).” E prossegue: “Entretanto, é muito comum na Administração Pública brasileira a contratação direta de pessoa física (advogado, contador, médico, odontólogo, etc.), ao arrepio da ordem jurídico-constitucional, para prestar serviço de natureza contínua, mediante remuneração mensal, ocorrendo lançamento forçado do contrato como Despesa com Serviços de Terceiros – Pessoa Física. Nessa hipótese, desconsiderada a ilegalidade e a classificação imprópria da despesa, os gastos respectivos devem sempre compor a despesa total com pessoal para os efeitos do artigo 18 da Lei Complementar nº 101/00 (LRF)”. (CALDAS FURTADO, J. R. Direito Financeiro, 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 463). 16

17

Como aponta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “nem sempre é fácil diferenciar a terceirização sob a forma de locação de serviços (que tem fundamento no art. 37, XXI, da CF) da terceirização sob a modalidade de fornecimento de mão-de-obra.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: MARTINS, Ives Grandra da Silva e outro. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 150).

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. será levada em consideração para fins de cálculo das despesas com pessoal”18. Faremos a análise do tema, a seguir.

2. Terceirização e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o cenário das finanças públicas foi alterado. Exigiram-se, a partir daí, equilíbrio orçamentário, controle do endividamento, das despesas públicas – sobretudo as obrigatórias, responsabilidade na captação da receita. Entre as despesas públicas capazes de propiciar desequilíbrio das contas públicas estão as despesas com pessoal, cuja obrigatoriedade é evidente, porque previstas constitucionalmente, porque previstas em lei. E, ademais, a Constituição da República criou direitos e garantias em prol dos servidores públicos, reduzindo o grau de maleabilidade e de controle dessas despesas. A LRF, dentro dessa temática, estabelece o conceito legal de: (i) Despesa Total com Pessoal (DTP), no art. 18, caput; (ii) cálculo da DTP, no art. 18, §2º; (iii) limites da DTP, no art. 19; (iv) limites individualizados por poder ou órgão, no art. 20. Além dessas regras, a LRF prescreve: “Art. 18 (…) § 1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal”. No caput do art. 18, a LRF enumera quais despesas com pessoal ingressam com conceito de DTP. E o §1º, adiciona como despesa de pessoal os contratos de terceirização (nem todos). A inclusão desse parágrafo serve ao controle dessas despesas para evitar que o agente público responsável pelo gasto retire tais despesas do cálculo da DTP. Procura-se evitar, então, o desrespeito à lei com verniz de legalidade.

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: MARTINS, Ives Grandra da Silva e outro. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 152.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. Interpretar-se-á, pois, a norma “os valores dos contratos de terceirização de mão de obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos (…)”. Podemos retirar as seguintes conclusões: (a) Refere-se aos valores dos contratos, não aos valores do pagamento à mão-de-obra (aos servidores e empregados). (b) não se preocupa apenas com os servidores, mas com os empregados públicos suportados pelo tesouro do Estado (salienta-se que não há limites com despesa com pessoal, na LRF, às despesas das empresas estatais). (c) Terceirização de mão-de-obra é a transferência para outros, alheios ao Estado, para execução de trabalho cujo objeto não encontra-se entre as principais atividades. Trata-se de transferência de atividades-meio. (d) Contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos são os contratos celebrados com terceiros – interposta pessoa – para que esta contrate mão-de-obra para prestar serviços como se servidores ou empregados públicos fossem. Portanto, referem-se às atividades-fim. (e) São registrados como “Outras despesas de pessoal”, pertencendo ao gênero despesa de pessoal e integram o cálculo da DTP. Considerando as informações acima, volta-se à hipótese lançada no início do trabalho, com vista na ADI 1.923/DF. A transferência da gestão e execução do serviço público por OSs, cuja receita advém do Estado, será terceirização de “mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos” – pois, como defenderam os autores da ADI 1.923/DF, haveria exigência de concurso público – e, em razão deste argumento, as despesas decorrentes do contrato de gestão ingressariam no cálculo da despesa total com pessoal (DTP), impondo-se limites da LRF à despesa do ente federativo com as OSs? Vejamos, antes, o conceito de OSs.

3. O que são OSs?

A qualificação das Organizações Sociais (OSs) foi definida na Lei 9.637/98, devendo ser promovida pelo Poder Executivo, o qual “poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde” 19 Segundo Juarez Freitas, “as organizações sociais ocupam zona mesclada, intermediária entre o público e o privado, claramente integrantes do emergente e valiosíssimo terceiro setor”. Apontou Freitas que a lei é imprecisa na definição dos elementos caracterizadores das Organizações Sociais.20 Aliás, a Lei deixa patente a finalidade das OSs, com algumas deficiências (e espaço para discricionariedade). A doutrina trabalhou sobre o conceito de OSs e a atuação dessas pessoas jurídicas na prestação de serviços públicos (não como atividades-meio, como segurança ou limpeza, mas como atividades-fim – a própria prestação do serviço de saúde, por exemplo). Houve

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Art. 1º, caput, Lei 9.637/98.

20 Conforme Juarez Freitas, “(…) o regime das organizações sociais desponta como atípico. Não atuam por delegação nos moldes de concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, tampouco podem almejar finalidade lucrativa. Logo, não executam serviços públicos nos moldes do art. 175 da Constituição Federal, mas recebem delegação (a "qualificação" do art. 2º da Lei 9.637/98). De outra parte, estão obrigadas a outorgar ampla publicidade de seus atos, comprometendo-se com o cidadão-cliente e podem receber recursos humanos públicos (com ônus para origem), assim como permissão de uso de bens públicos. Não integram a Administração Pública indireta e se prestam a absorver atividades desenvolvidas por entidades públicas extintas por lei específica.” (FREITAS, Juarez. Regime Peculiar das Organizações Sociais e o Indispensável Aperfeiçoamento do Modelo Federal. In.: Revista de Direito Administrativo, n. 214. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 99-106)

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. movimentação a favor da prestação de serviços públicos por OSs 21 e opiniões contrárias.

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Segundo Paulo Modesto, “[o]ra, a Constituição Federal prevê que ‘as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos’ (grifo nosso). Contrato e convênio são ambos acordos de vontades, distinguindo-se basicamente pela natureza dos interesses de ambas as partes. No contrato, os interesses são de regra antagônicos ou contraditórios; no convênio, os interesses são comuns ou convergentes. É evidente que a Constituição da República, na norma referida, pretendeu distinguir entre dois modos de prestação de serviços de saúde por particulares. No primeiro, mediante a referência ao instrumento do contrato, admite a terceirização, vale dizer, a contratação de particular-empresário, com vistas ao desempenho de atividades-meio na área de saúde financiada pelo Estado. Esta prestação de serviço, é certo, revestida de caráter empresarial e lucrativo, exige prévia licitação. No segundo modo, mediante a referência ao instrumento do convênio, admite a lei maior a colaboração de entidades sem fins lucrativos, com interesses coincidentes com a administração pública, não sendo cogitada remuneração pela gerência do serviço nem reciprocidade de obrigações e, portanto, de licitação (DI PIETRO, 1996: 109 e 117). Na hipótese de contrato, pelo caráter próprio da terceirização, não há prestação global do serviço de saúde, mas sim atuação em simples atividades operacionais ou ancilares (serviços de vigilância, manutenção, limpeza, transporte, seguro etc.). Na hipótese de convênio, o que se pode estender também para a figura de acordo impropriamente denominada "contrato de gestão", não há impedimento à execução global do serviço pelo particular, pois trata-se de atividade livre à ação privada, fomentada ou financiada pelo Estado, mas não titularizada por ele. Pode-se, portanto, a partir da própria Constituição, apartar as duas figuras referidas, evitando mais uma espécie de incompreensão. “ (MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil. As Dúvidas dos Juristas sobre o Modelo das Organizações Sociais. In.: Revista de Direito Administrativo, 210. Rio de Janeiro: FGV, 1997, p. 211) E conforme Marcos Juruena Vilella Souto, “A regra é que, para atividades permanentes, seja criado, por lei, um cargo público e provido por um servidor selecionado através de concurso público. Se é que, em tempos de modernização e diminuição da máquina do Estado, os cargos públicos só devem ser providos ou criados se envolverem atividades típicas do Poder Público, notadamente, as que exigem manifestação de poder de império (polícia, fiscalização, controle, justiça). As demais atividades que não exijam uso de força ou independência no controle podem (e, muitas vezes, devem) ser terceirizadas (sequer havendo necessidade de restabelecer o regime celetista para servidores públicos; basta que os cargos públicos, sujeitos ao regime estatutário, sejam reservados às funções típicas de Estado, liberando-se a terceirização para outras funções, que podem compreender diversas formas de parceria que não apenas o vínculo celetista com o prestador do serviço).” “Uma das críticas bastante freqüentes ao processo de terceirização, dentro ou fora da Administração Pública, seja por empresa de locação de serviços de mão-de-obra por ela empregada, seja por cooperativa, é o fato de que, não raro, muda a pessoa jurídica prestadora do serviço mas não as pessoas físicas que, concretamente, o executam.” “Tal aspecto, no entanto, é irrelevante para o tomador do serviço, já que a essência da terceirização é a atividade e não a pessoa física.” (SOUTO, MARCOS JURUENA V. Desestatização: Privatização, Concessões e Terceirizações, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1999, p. 243 e 244).

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. 22

Já na discussão da Medida Cautelar na ADI 1.923/DF, a dissonância ficou patente entre o voto − dissidente do relator − do Ministro Eros Grau e o voto de seu par, Ministro Gilmar Mendes, fato que evidenciou que a questão discutida era tanto jurídica quanto política, já que estava em debate a própria natureza do Estado na atualidade.23 Ponto que merece destaque quando se estudam as Organizações Sociais é o contrato de gestão. O destaque é explicado pelo fato de haver entendimentos também conflitantes acerca dele na seara doutrinária e que foi objeto central na decisão da ADI 1.923/ DF. Acerca do contrato de gestão, previsto no art. 37, § 8º da Constituição Federal − incluído pela já citada Emenda Constitucional 19/98 − e no art. 8º, da Lei 9.637/98, a primeira crítica que se faz é em relação à utilização do termo contrato, porque: “A denominação utilizada, contrato de gestão, para designar o instrumento previsto, como já se indicou anteriormente neste Curso, é tecnicamente inadequada, uma vez que a natureza jurídica da relação que se estabelece entre o Estado e a organização social não é contratual.

22 “6. Não pode o Poder Público firmar um contrato, convênio ou termo de parceria com entidades do “terceiro setor”, seja para repassar atividades-fim, a gestão de todo um aparelho público prestador de serviços públicos sociais, ou mesmo disponibilizar mão-de-obra, sob pena de caracterização de burla ao princípio constitucional do concurso público; 7. Assim, a disponibilização de professores para escolas públicas ou de médicos para hospitais públicos não poderá ocorrer por meio de contratos, convênios, contratos de gestão ou termos de parceria, com empresas, associações de utilidade pública, organizações sociais, OSCIPs, cooperativas; 8. Mesmo se condizente com a atividade-meio da Administração Pública, não poderá a terceirização tratada neste estudo servir para disponibilização de pessoal com a caracterização de pessoalidade e subordinação direta.” (VIOLIN, Tarso Cabral. Estado, Ordem Social e Privatização – As terceirizações ilíticas da Administração Pública por meio das Organizações Sociais, OSCIPs e demais entidades do “terceiro setor”. In.: http://www.stf.jus.br/ arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/terceirizacao_privatizaco_terceiro_setor_oscip.pdf, acesso em outubro de 2015) 23

O Ministro Eros Grau, divergindo dos ministros que o precederam (Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Moreira Alves e Nelson Jobim) e que indefiriram a liminar pleiteada, votou no sentido de conceder a liminar para suspender os efeitos de vários artigos da Lei 9648/1998, apoiando-se nas ideias de Celso Antônio Bandeira de Mello, o qual defende a inconstitucionalidade da referida Lei. Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski (concedendo em parte liminar) e Joaquim Barbosa (acompanhando a dissidência do Ministro Eros Grau), o Ministro Gilmar Mendes, já nas considerações finais de seu voto que indeferia a liminar, citou passagem do voto do Ministro Eros Grau acerca do termo “instrumento” e a criticou com base nas ideias do jurista alemão Günther Teubner. A observação foi suficiente para que o Ministro criticado pedisse a palavra e respondesse que “nenhum dos argumentos do Ministro Gilmar Mendes, em relação ao mérito, me convence. Nenhum deles.”.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. Com efeito, não se trata de contrato, porque não são pactuadas prestações recíprocas, voltadas à satisfação de interesses de cada uma delas em separado, senão que, distintamente, as partes ajustam prestações conjugadas em regime de colaboração, dirigidas à satisfação de um mesmo interesse público que lhes é comum, o que caracteriza um pacto não contratual.” 24 A partir daí, surge a dificuldade em saber qual seria a natureza jurídica deste contrato (ou instrumento, nos dizeres da Lei das OSs). Em geral, os autores conferem a ele uma aproximação com o “convênio”, justamente porque não há a contraposição de interesses.25 Esta foi a interpretação dada pelo STF na decisão da ADI 1.923/DF, na qual se lê no voto do relator o seguinte: “45. A inicial também veicula impugnação consistente na ausência de licitação para a celebração do próprio contrato de gestão entre a entidade qualificada e o Poder Público. Tampouco aqui, porém, cabe falar em incidência do dever constitucional de licitar, já que o contrato de gestão não consiste, a rigor, em contrato administrativo, mas dim em um convênio. Com efeito, no núcleo da figura 24

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 12ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 270. No mesmo sentido, JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. 25

Conferir, JUSTEN FILHO, obra citada; DI PIETRO, obra citada. Gustavo Justino de Oliveira optou pela expressão “acordos administrativos colaborativos”: “Em face de todo o exposto, entende-se que tais contratos de gestão não são contratos administrativos, e sim acordos administrativos colaborativos (contrato de gestão externo ou exógeno), pois: (i) o ajuste em tela não tem por objeto adquirir bens e serviços junto à iniciativa privada ou a ela transferir a execução de atividades especiais qualificadas como serviço públicos; (ii) há a conjugação de vontades para a realização de um interesse que é comum a ambas as partes; (iii) o vínculo instaurado pelo ajuste ora enfocado institui uma parceira; não originando (a princípio) prestações equivalentes entre as partes, embora possa estabelecer compromissos recíprocos com efeitos vinculantes e (iv) o conteúdo do ajuste não é dotado de patrimonialidade (característica dos contratos administrativos), embora do vínculo associativo formado decorram repercussões de ordem financeira.”. (OLIVEIRA, Gustavo Justino. Constitucionalidade da Lei Federal nº 9.637/98, das Organizações Sociais: Comentários à Medida Cautelar da ADIN nº 1.923-DF, do Supremo Tribunal Federal. In: Revista de Direito do Estado. Nº 8 (Outubro/Dezembro 2007). Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 345 – 382). Por outro lado, sem se preocupar em dar à figura um contorno preciso, Celson Antônio Bandeira de Mello escreve: “Seriam, pois, em princípio, pura e simplesmente ‘contratos administrativos’, figura jurídica perfeitamente conhecida. Deveras, aqui nada mais haveria senão – como é corrente no Direito Administrativo − um relacionamento de natureza contratual entre o Poder Público e um outro sujeito encartado no universo privado. Todo questionamento que possa caber − e cabe, diga-se, desde já − não diz respeito à viabilidade de um contrato entre Estado e um terceiro, mas a alguma particularidade de disciplina que se lhe queira outorgar . No caso, o tema se propõe porque a lei disciplinadora das ‘organizações sociais’ pretendeu, inconstitucionalmente, permitir que travem contratos administrativos com o Poder Público sem licitação e sem qualquer cautela, mesmo a mais elementar, resguardadora dos princípios constitucionais da impessoalidade (prestante para assegurar o princípio da moralidade) garantidora dos interesses públicos.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. atual. Malheiros, 2014, p. 240).

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. dos convênios está a conjugação de esforços para o atingimento de um objetivo comum aos interessados: há plena harmonia entre as posições subjetivas, que buscam um negócio verdadeiramente associativo, e não comutativo, voltado para um fim compartilhado. 46. É justamente isto que se passa no contrato de gestão, em que a entidade privada, constituída para atuar sem finalidade lucrativa nas áreas elencadas no art. 1º, e o Poder Público, submetido aos deveres constitucionais de agir, pretendem alcançar a mesma finalidade: a realização de serviços de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, meio ambiente e ciência e tecnologia. Os interesses de ambas as partes, portanto, confluem em uma mesma direção, o que é totalmente diverso do que ocorre com a figura típica do contrato administrativo, caracterizado pela oposição de interesses. É nesse sentido que se expressa a doutrina, recusando aos contratos de gestão a natureza verdadeiramente contratual.”26 Foi justamente em função da natureza não contratual − e por integrarem as OSs o Terceiro Setor − é que a decisão reconheceu a desnecessidade da licitação nas contratações desde que sejam respeitados os princípios da impessoalidade, isonomia, publicidade e motivação, bem como a desnecessidade de concurso público na contratação de pessoal, pontos que serão discutidos adiante.

4. Às OSs, objeto da ADI 1923, impõe-se o art. 18, §1º da Lei de Responsabilidade Fiscal?


A discussão em torno das Organizações Sociais, conforme já informado nas seções anteriores deste artigo, iniciou-se com uma Medida Cautelar na ADI 1.923/DF, em junho de 1999, não obstante o protocolo da inicial tenha ocorrido em dezembro do ano anterior, ou seja, no mesmo ano da publicação da Lei atacada. Porém, o julgamento deste pedido liminar − indeferimento por maioria −, ocorreu tão só em agosto de 2007, em função de vários pedidos de vista − em especial do Ministro Nelson Jobim, o qual reteve os autos por quase 5 anos.

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Voto-vista do Ministro Luiz Fux (vencedor), na ADI 1923/DF, cujo relator original após a redistribuição ocorrida com a aposentadoria do Ministro Ilmar Galvão, era o Ministro Ayres Britto (vencido), publicado integralmente na Revista de Direito Administrativo. Fonte já citada.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. Após a manifestação de diversas entidades interessadas e a inclusão de vários amici curiae, o julgamento do mérito foi colocado em pauta pelo novo Ministro Relator, Ayres Britto, em março de 2011, o qual julgou parcialmente procedente a declaração de inconstitucionalidade. O Ministro Luiz Fux, em pedido de vista, dois meses meses depois, votou parcialmente procedente conferindo interpretação conforme à Constituição. Porém, após novos pedidos de vista dos autos, apenas em abril de 2015 concluiu-se o julgamento da ADI 1.923/DF.27 O STF, finalmente, julgou que os serviços podem ser realizadas por terceiros, ou seja, não são atividades exclusivas de servidores públicos, e podem ser prestadas por OSs. Observamos que há divergências doutrinárias acerca da competência – ou não – da prestação (incluindo a gestão) de serviços públicos exclusivos do Estado por OSs (atividades-fim), passando o Estado a prestá-los mediante a atuação de terceiros, não diretamente. É lícito afirmar que: (a) O voto do Min. Luiz Fux apontou que “os empregados das Organizações Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados privados, por isso que sua remuneração não deve ter base em lei (CF, art. 37, X), mas nos contratos de trabalho firmados consensualmente. Por identidade de razões, também não se aplica às Organizações Sociais a exigência de concurso público (CF, art. 37, II), mas a seleção de pessoal, da mesma forma como a contratação de obras e serviços, deve ser posta em prática através de um procedimento objetivo e impessoal” E prossegue: “(…) não há como vislumbrar qualquer violação, na Lei das Organizações Sociais, aos princípios constitucionais que regem a remuneração dos servidores públicos. Os empregados das Organizações Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados privados. Por isso, sua remuneração não deve ter base em lei, mas sim nos contratos de trabalho firmados consensualmente. Enfim, afirma que “não há qualquer inconstitucionalidade nos §§ 1º e 2º do art. 14 da Lei no 9.637/98. Da interpretação conjugada de tais dispositivos extrai-se ser possível, em

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Até o momento da redação deste artigo (13 de novembro de 2015), a ementa e o acórdão ainda não estão disponíveis no Portal do Supremo Tribunal Federal.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. primeiro lugar, que a Organização Social pague, com recursos próprios, vantagens pecuniárias a servidores públicos que lhe forem cedidos; caso se trate, porém, de recursos advindos do contrato de gestão, tal pagamento apenas será válido “na hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção e assessoria” (§2º do art. 14). Em qualquer dos casos, porém, como visto, acima, “não será incorporada aos vencimentos ou à remuneração de origem do servidor cedido qualquer vantagem pecuniária que vier a ser paga pela organização social”. (b) O voto também compreendeu que os serviços públicos não exclusivos podem ser prestados por privados, inclusive pelas OSs: “Portanto, o Poder Público não renunciou aos seus deveres constitucionais de atuação nas áreas de saúde, educação, proteção ao meio ambiente, patrimônio histórico e acesso à ciência, mas apenas colocou em prática uma opção válida por intervir de forma indireta para o cumprimento de tais deveres, através do fomento e da regulação. Na essência, preside a execução deste programa de ação a lógica de que a atuação privada será mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que dominam o regime de direito privado”. (c) O voto concluiu que a própria OS fixará a remuneração e salários, não se exigindo lei formal: “Assim, embora a própria Lei nº 9.637/98 já pudesse ser lida, em teoria, como uma autorização legislativa para o pagamento das referidas verbas, a verdade é que a natureza jurídica das OSs, componentes do Terceiro Setor, afasta a necessidade de previsão em lei para o pagamento de verbas ainda que para os servidores cedidos. Entender de modo contrário consubstanciaria, na realidade, uma verdadeira autarquização das organizações sociais, afrontando a própria lógica de eficiência e de flexibilidade que inspiraram a criação do modelo”. (d) a celebração de contrato de gestão não ensejaria terceirização no sentido ordinário, em razão da inexistência de subordinação entre os empregados e a Administração Pública, mas configura-se terceirização no sentido amplo, quando atividades que antes eram prestados pelo ente estatal passam a ser realizados por privados, sustentados pelo próprio Estado (ou não), mediante transferência de bens, recursos e pessoal.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. Absorvendo os argumentos do voto do Min. Luiz Fux, lícito afirmar que “contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos” não se confundem com os contratos de gestão celebrados entre a Administração Pública e a OS, pois estes não servem à substituição de servidores públicos (pois agem em nome próprio), haja vista a constitucionalidade da prestação de serviços públicos por OSs. (e) Enfim, a celebração de contrato de gestão para que OSs prestem serviços de educação, saúde, proteção ao meio ambiente, patrimônio histórico e acesso à ciência, é espécie de terceirização de atividade-fim, mas que não serve à substituição de servidores e empregados públicos – hipótese que violaria a exigência do concurso público –, pois tais atividades poderão ser prestadas por particulares, não se lhe aplicando – ao contrato – o art. 18, §1º. Pertinente relembrar, como forma de reforçar a não aplicação das despesas com pessoal da LRF às OSs, singelo trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão28 , relator original da Medida Cautelar na ADI 1.923/DF, quando do julgamento da Medida Cautelar, no qual assentou-se:

“Em razão de tratar-se de pessoas jurídicas de direito privado, não estão as organizações sociais sujeitas à rigidez orçamentária prevista no art. 169, § 1º, da CF.” Um pouco mais à frente, o Ministro Ilmar Galvão ainda disse:

“f) Os arts. 4º, incisos V, VII e VIII; e 7º, inc. II, contrariam os arts. 37, caput, II e X, e, ainda, o art. 169 da mesma Carta, ao autorizarem o Conselho de Administração das novéis entidades a fixar a remuneração dos membros da diretoria a dispor sobre o plano de cargos e salários e benefícios de seus empregados. Os dispositivos indicados cuidam da remuneração de pessoal das ‘OS’, já havendo sido anteriormente afastada a sua alegada ofensa aos textos constitucionais enumerados, os quais, como já dito, não se lhe aplicam, posto tratar-se de entidades que, conquanto qualificadas pelo Estado, se regem pelo direito privado.”

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Pleno. MC em ADI 1923/DF. Relator Ministro Ilmar Galvão/Relator para acórdão Eros Grau. Acórdão de 1º de Agosto de 2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível na Internet via WWW.URL < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia > Acessado em 13 de Novembro de 2015.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. O artigo da Constituição afastado – não aplicado às referidas organizações sociais – merece reprodução a fim de deixar a conclusão mais evidente:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. § 1º. A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: Ao afastar a rigidez orçamentária prevista no art. 169 (despesa com pessoal), por não aplicar-se o referido artigo às organizações sociais, parece claro que o Ministro entendeu que as despesas com os empregados das organizações sociais não fazem parte das despesas com pessoal ou, mais precisamente, não podem ser contabilizadas como “outras despesas de pessoal”, cujos limites estão estabelecidos em Lei Complementar, qual seja, a LRF. Embora o Ministro Luiz Fux não foi tenha sido tão explícito em seu voto quanto o Ministro Ilmar Galvão, ao afirmar que a remuneração dos empregados das OSs não deve ser prevista em lei, com a finalidade de evitar a “autarquização” das organizações e restringir sua eficiência, parece ter deixado claro que o art. 18, § 1º, da LRF realmente não deve ser aplicado às organizações sociais.

Conclusão A LRF, nos últimos 15 anos, foi interpretada e aplicada de formas diversas pelos juristas e tribunais. Alguns percalços surgiram, devido à dificuldade causada pela redação de algumas de suas normas. Uma delas é a regra do art. 18, §1º, que prevê os contratos de terceirização de mão-de-obra e a inclusão dessas despesas como despesas com pessoal. Buscou-se demonstrar neste singelo artigo que, a despeito dos intensos debates travados entre estudiosos, as terceirizações realizadas por meio de OSs para prestação de atividades-fim foram reconhecidas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, o que nos

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. KANAYAMA, Ricardo Alberto. Organizações sociais e despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. ALLEMAND, Luiz Claudio. ABRAHAM, Marcus. Responsabilidade Fiscal. Análise da Lei Complementar nº 101/2000. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016, p. 599 - 618. leva a concluir que as atividades não são típicas e exclusivas de servidores públicos, podendo ser executadas por privados. Nesse sentido, a norma no art. 18, §1º, LRF não será aplicável ao caso, pois não haverá qualquer substituição de servidores e empregados. Poderão os entes federativos celebrar contratos de gestão com OSs para que estas prestem serviços públicos que podem ser prestados por particulares. O entes federativos, visando à eficiência no uso dos recursos públicos escassos, transmitirá a gestão e execução do serviço público, evitando o agigantamento do Estado e perseguindo o propósito que ensejou a criação das organizações sociais.

Referências bibliográficas BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Pleno. MC em ADI 1923/DF. Relator Ministro Ilmar Galvão/Relator para acórdão Eros Grau. Acórdão de 1º de Agosto de 2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível na Internet via WWW.URL < http://www.stf.jus.br/ portal/jurisprudencia > Acessado em 13 de Novembro de 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Decisão de Julgamento na ADI 1.923/ DF. Rel. Min. para acórdão Luiz Fux. Disponível na Internet via WWW.URL < http:// stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1739668 > Acessado em 13 de Novembro de 2015. CALDAS FURTADO, J. R. Direito Financeiro, 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. In.: MARTINS, Ives Grandra da Silva e outro. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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