Origem e significado dos nomes de Portugal e da Galiza

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Actas do III Congresso Internacional sobre a cultura celta: "Os Celtas da Europa Atlântica." 15, 16 e 17 de Abril de 2011. Narón (Galiza). ISBN 10: 84-697-2178-X - ISBN 13: 978-84-697-2178-O Vídeo da apresentação: http://goo.gl/xdd3Qn

Origem e significado dos nomes de Portugal e da Galiza Luís Magarinhos1

Resumo: Neste trabalho descrevemos a origem e significado dos nomes de Portugal e da Galiza à luz da linguística e da arqueologia e as fontes antigas. Centrámo-nos especialmente no que hoje é a cidade do Porto como localização originária da forma Cale (evoluída em Calécia / Gallaecia / Galiza) e do seu porto, o Porto de Cale, que posteriormente derivou em Portugal. Palavras-chave: cale, portu cale, porto, origem, significado, nome, calécia, gallaecia, galiza, portugal Abstract: This paper describes the origins and significance of the names of Portugal and Galicia from a linguistic and an archaeological perspective. Drawing on ancient texts, its focus Is on the city of Oporto as the original location of Cale (evolved into Calécia -> Gallaecia -> Galicia) and its port, the Port of Cale, which later derived into Portugal. Keywords: cale, portu cale, porto, origin, meaning, name, calécia, gallaecia, galicia, portugal

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Uma primeira olhada leiga sob as palavras PortuGal e Galiza, permite-nos perceber de imediato a existência dum radical Gal contido nos dois vocábulos, o qual nos faz pensar numa ligação etimológica entre as duas denominações. Aliás, a forma Gal poderia apresentar-se como uma derivação latina do radical indoeuropeu Cale (Calem segundo as fontes). A origem da palavra Galiza (Calécia, Gallaecia) tem a ver precisamente com o radical Cale. Concretamente com o localizado numa das áreas onde hoje se encontra a cidade do Porto. Mas, antes de abordarmos essa questão, seria bom aproximarmo-nos a algumas análises sobre a etimologia e origem linguística Cale.

Hoje sabemos, que a forma Cale esteve e está muito presente em toda a geografia europeia, nomeadamente nas áreas geográficas onde perviviu ou pervive um substrato linguístico celta2 (ainda que se tem registrado também em outras

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línguas indo-europeias como o eslavo ou o albanês). Daí, por exemplo, que na Europa atlântica (e não só) tenhamos encontrado denominações como Galia, Calais, Galatia, Gaia, Galiza ou PortuGal. Palavras que partilham entre si o radical Cale / Gal. A zona geográfica europeia na que a frequência das formas Cale/Gal é mais importante caracteríza-se por possuir um passado conformado por povos protohistóricos partilhavam uma língua comum indo-europeia que alguns autores (Soler) relacionam com o goidelico, ainda existindo diversas ramas dentro dela como seriam a gaélica (Irlanda, Escócia), britônica (Cornualhes, Gales, Bretanha) e a galaico-lusitana (Galiza e Portugal). Mas o que nos atinge agora é tentar sabermos qual é a origem exata e significado de Cale dentro do corpus linguístico celta do que é originário. Para Tranoy (1981) e Alarcão (1998) a origem do termo (que logo dará lugar à forma latinizada Calécia / Gallaecia) parte da Deusa mãe dos celtas Cal-leach, pois era costume romana na altura nomear aos povos conquistados pela denominação dos seus deuses. Nesse sentido, os celtas do Douro, virão a ser os Cal-laic-us (Calaicos) ou filhos da Deusa mãe dos celtas Cal-leach. Cuja referencia se tem encontrado numa inscrição na forma de Calaic-ia no lugar de Sobreira, perto do Porto (Vasconcelos 1922).

Uma outra analise do radical Cale no âmbito das línguas célticas feita por Lapesa (1957) e Firmat (1966), liga este com o significado de «pedra», «rochedo», «duro», cuja expressão se adequa com rigor às características geológicas e graníticas da cidade do Porto, nomeadamente do morro da Sé-Catedral. Para Martins (1990) o vocábulo pré-indo-europeu Kala, definido como «abrigo», «refúgio», passou à língua celta sob a forma Cale e com significação de «terra»,

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«montanha». Para ele, o etnónimo Calaico/a viria então a denominar ao «da terra» ao «do lugar». Outras interpretações, do nosso ponto de vista menos consistentes ligam a origem de Cale com os galos ou gálatas. E mesmo há autores que atribuem a fundação de Cale, a uma expedição de galos chegados às terras do Douro através da Lusitânia. Mencionarmos também aos que como Pedro de Valdés ligam a origem da palavra com vocábulo grego Kalos, «fermoso», daí que Calécia significasse para este autor «coisa fermosa». Cale e o nascimento da Galiza (Calécia/Gallaecia) Segundo múltiplas interpretações entre as que sugerimos destacar as de Corrêa (1933), Tranoy (1981) e Silva (2006), a origem do nome da Calécia / Gallaecia dado pelos romanos (reforma de Diocleciano 284-288 d.C.) ao território político-cultural enquadrado no Noroeste da Península Ibérica, delimitado com a Lusitânia pelo rio Douro, é um caso de apropriação onomástica a partir dum topónimo que nomeava apenas o povoamento proto-histórico ou castro de Cale, localizado na área que compreende o Morro da Sé e o monte da Cividade do que hoje é a cidade do Porto. Lugar onde se estabelece a localização originária do primeiro povoamento humano que se tem registrado na cidade.

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A existência do castro ou cívitas de Cale, transmitido até os nossos dias pelas fontes clássicas, permite-nos afirmar (concordando neste ponto com as interpretações de quase todos os autores que têm estudado esta questão), que este topónimo deu nome ao etnónimo Calaicos/as (habitantes de Cale), tribo distribuída em vários povoados proto-históricos na área do que hoje é a cidade do Porto e a foz do Douro (Sanfins, Penafiel ou Vila Chã) e que contava com um lugar de importância capital devido ao valor estratégico na encruzilhada de caminhos que na altura vinha a supor o lugar onde hoje se encontra Morro da Sé e o Monte da Cividade. Plínio, que definiria aos habitantes de Cale como Caleci / Galaicos, fez distinção entre estes e os Lusitanos ao sul do Douro.

Corrêa (1933) aposta por localizar o monte da Cividade (e o povoado de Cale) no outeiro enquadrado entre a Batalha e o lugar onde se hoje se encontra estação de São Bento junto com as ruas adjacentes (Cimo de Vila e da Madeira) que ligam esta área com o Morro da Sé da cidade do Porto. Porém, há autores que se têm decidido por localizar a cívitas ou castro de Cale, e posteriormente o seu porto (Portu Cale) na margem esquerda, na margem sul, do Douro. No que hoje é Vila Nova de Gaia. Mas, uma leitura sossegada das teses de uma e outra opção, leva-nos a acreditar que o Cale original só tem podido se localizar na margem direita do rio.

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Para Vasconcelos (1905) a mais antiga referência a Cale, é a feita por Salústio no S. I a.C., e na qual se indica claramente Cale ser uma cidade da Calécia, «cívitas in Gallaecia». Ora, a Calécia, como já foi dito, situava-se ao norte do Douro. Mesmo também Vergílio Corrêia (1928) identifica a cidade de Cale com o convento dos Brácaros ao norte do Douro. Neste ponto é pertinente aclarar como bem aponta Manuel de Sousa (2004) que o facto dos romanos terem dado o nome de Calécia / Gallaecia (honrando assim a feroz resistência oferecida pelos Calaicos na atalha do Douro) 4 a todo o noroeste da Península Ibérica como delimitação político-administrativa (neste caso o último e mais resistente território a ser conquistado) não quer dizer, como já comentámos, que toda ela fosse habitada pelos Calaicos. Pois na altura (S. I a.C.), existiam diversas tribos que mesmo partilhando um substrato étnico-cultural e um habitat comum, localizavam-se em diferentes populi ou trebas em todo o noroeste penínsular. Além dos Calaicos, as fontes escritas e arqueológicas transmitiram-nos constância de muitos outros populi e agrupações tribais entre as que podemos citar os Gróvios (Baixo Minho), Ártabros (Artábria, ou área da actual cidade da Corunha e Ferrol), Célticos (Bergantinhos), Poemanos (Lugo), Brácaros (Braga), Caporos (Íria Flavia) ou os Quarquernos (Serra dos Gerês) entre outros. Estas tribos distribuíamse em pequenas cívitas, populi ou trebas por toda a área do que logo virá a ser a Gallaecia. Mas só um desses populi, o da área de Cale, teria a sorte de erigir-se posteriormente em nome da actual Galiza uma vez que os romanos formam província da Gallaecia no S. III d.C. O porto de Cale: Portu Cale Segundo aponta Silva (2006) a «justaposição natural da cívitas [ou castro] de Cale e o seu porto, portus, poderão justificar a primeira referencia a Portu Cale» datada na segunda metade do século V d.C. e transmitida pelo Chronicon de Idácio (§ 175 e anteriores em edição de A. Tranoy). Um Portu Cale que nos atrevemos a localizar, quase com total seguridade, ao pé da margem norte do Douro, no que logo virá a ser Ribeira do Porto.

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Idácio, o cronista e bispo de Chaves (falecido em 472 d.C.), afirma textualmente Portu Cale estar situado «ad extremas sedes Gallaeciae» (na extrema da Gallaecia), que estando separada da Lusitânia pelo rio Douro, «Fluvius Dourus dividens... Gallaecia et Lusitania...» (Julius Honorius), exclui claramente qualquer hipótese de localização desse sitio na margem esquerda do rio. Corrêa (1933) escreve que «havia uns 500 ou 600 metros a percorrer [desde Cale] até o Douro pela via natural de trânsito, nas margens do [afluente] Rio da Vila». Para o arqueólogo portuense, o vale que se vinha a conformar desde a Sé e o monte da Cividade até a beira do rio (o que hoje seria as rua das Flores e Mouzinho da Silveira), ligaria Cale com o seu porto na margem norte do Douro, estabelecendo-se Portu Cale, já na época romana (daí a origem latina do radical inicial da palavra) como porto de serventia para Cale.

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Chegados a este ponto não faz sentido, como já afirmamos, que o porto de Cale se situasse do outro lado do rio, no castelo de Gaia, pois, o trajecto natural desde Cale até o Douro, vinha a encorajar-se através do vale marcado pelo rio da Vila até a actual Ribeira da cidade. «A Ribeira era o cais natural da Cividade sobre o Douro» afirma Corrêa (1933). Portu Cale virá a nascer então como uma derivação natural das actividades de Cale para a beira do rio. Pois, era este, o processo geral da «pax romana»: o abandono dos lugares altos e abruptos dos habitats castrejo/celtas e a migração para os vales, planícies e terras baixas. É por isto que só a partir do século V d.C. se deixa de se falar de Cale como tal, e se iniciam as primeiras referências ao «porto de Cale» (Portu Cale). Topónimo que teria a sorte de erigir-se em nome do atual Portugal, do mesmo jeito que séculos antes Cale derivou em Calécia / Gallaecia, e hoje Galiza.

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