Os 60 anos de Ídasse

July 10, 2017 | Autor: J. Pimentel Teixeira | Categoria: Cultural Studies, The Lusophone World, Mozambique, Artes, Arte, Moçambique, Lusophone Africa, Moçambique, Lusophone Africa
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Os 60 anos de Ídasse José Pimentel Teixeira ma-schamba, 1.7.2015

"Sou um aldeão" afirmou Ídasse, em entrevista que concedeu há alguns anos, decerto que falando lá no seu tão maputense bairro do Jardim, naquela rua dos Citrinos que é com ele mas não dele, que nunca homem de usurpar. Nem todos o terão percebido, muito pela placidez com que sempre engradece o que diz, homem esquivo às manias e estratégias, mais deixando correr este tempo que é a vida, sagaz como poucos. Disso, dele, me lembrei há poucos dias, ouvindo Ungulani numa abrasiva tarde nos jardins da Gulbenkian, nesta Lisboa. Recordava o Khosa, naquele seu jeito de charla, nada pomposo mas todo reflectido, os caminhos da ascensão da literatura moçambicana, dos anos 1980s em diante, repetindo o que lhe ouvi algumas vezes nas mesas partilhadas de Maputo. Que à tenaz da poesia de combate, aquilo da mobilização no imediato pósindependência, se sucedeu uma nova geração, a querer falar o real, reconstruir o modo de o dizer. Bebendo em Craveirinha e no livro de Honwana, claro, só então espalhados nessa alvorada nacional. E muito nos célebres latino-americanos do tempo - dos quais, acho 1

eu, sempre temos que retirar Borges, por causas do mundo lá dele, todo intransitivo. Porque aqueles mostravam como meter em cima do papel as formas como as gentes em seu torno entendiam e fabricavam o mundo, daí lhes terem chamado "realismo mágico". E também o Diniz Machado nos dizeres de Molero, lembrou e que a gente d'agora tanto esquece, esse que avisou os moçambicanos que se podia usar o português sem o chapéu na mão, a pedir licença. E, ainda, a pintura de Malangatana. Do pintor vinha-lhes o mergulho nas maneiras de ver, nisso das "visões do mundo" dos vizinhos, tudo contrário, todo se opondo, aos pensamentos oficiais de então, esse abjectando os "feudalismos", "obscurantismos" e "tribalismos", naquela utopia modernista a julgar que o racionalismo era essa angústia de fazer "tábua rasa" das gentes, moldá-las a regra e esquadro num algo "novo", extirpando-as do que iam sendo. . No início da década de 80s surgiram aqueles começos, atrevimentos mais autónomos dos então mais-novos: as primeiras colectivas de artes plásticas e a revista literária "Charrua", esta juntando quase-todos os que vêm escrevendo Moçambique desde então. Em ambos os eixos se destacava Ídasse, muito nesse caminho de olhar em torno, qual vedor e nunca como engenheiro civil, pedagogo ou advogado. Aos da escrita enriquecendo-lhes as revistas com suas obras mas também dando-lhes capas e ilustrando-lhes textos, como o continua hoje, 30 anos depois. E, muito mais, mostrando-lhes não só o que os rodeia mas como a isso atentar. Entre os companheiros das plásticas tornando-se, no seu jeito desinteressado, melhor dizendo, desapressado, no grande homem da sua geração. Talvez por ser essa desapressa que o deixa apreender como ninguém o que se passa e porque se passa. Pois é assim que vai mostrando que "sou um aldeão". Não um qualquer nessa paródia da "aldeia global", ou dos pobres "glocalismos" de que se falou/falhou antes. E muito menos sob um qualquer folclorismo, como se o seu atelier fosse altar ou terreiro de "crenças" ou "usos e costumes" de umas quaisquer "boas gentes", tralhas tão apetecíveis aos da vácua "new age". Em várias formas e expressões mas, ao meu amor, mais no carvão e no acrílico, o que vem dizer é que só apreendendo o olhar e o imaginar do nosso aqui, e revivendo-o à maneira d'agora, é que podemos fruir o mundo que abarca a nossa "aldeia". Ídasse é um sábio, apaziguador - até pessoalmente o sentimos, o seu convívio invadindonos de paz e isto sem recursos a quaisquer misticismos de pacotilha. Com profunda e única sageza convoca as concepções da "aldeia", daquele mundo tsonga do qual ele, ronga Tembe, provém. Trá-las naquela míriade de seres imaginados que nos rodeiam, míticos se se quiser. Mas não, como no antecessor Malangatana, numa deriva denunciatória dos horrores sofridos e das energias convocáveis. Nele vivemos num mundo de lagartos antropófilos e aves semagoiro, uma fauna dançarina panteão de pequenas divindades, 2

poucopotentes, que entre nós cirandam, com e por mas talvez também contra nós, neste descaminho constante, sempre a refazermos, tropeçando. É assim que Ídasse é um sábio, filósofo na sua maneira, antropólogo mais do que nós. E o maior artista plástico moçambicano. Hoje mesmo, 1 de Julho de 2015, Ídasse torna-se sexagenário. Já. Que em Maputo, sua cidade, disse se lembrem, se entreavisem os mais distraídos. O saúdem. Retribuindo o quanto ele vem distribuindo. De afecto. E sentirpensar.

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