Os almofarizes béticos em Bracara Augusta.pdf

May 29, 2017 | Autor: Rui Morais | Categoria: Roman ceramics, Ceramica Romana, Roman Archaeology
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Os almofarizes béticos em Bracara Augusta tipo de bordo, na fase 3 estabelecida por C. Aguarod Otal (1991, 141; fig. VIII, 3; 177), correspondente ao auge da produção, entre os finais do período de Cláudio e os inícios do período Antonino.

OS ALMOFARIZES BÉTICOS EM BRACARA AVGVSTA Rui MORAIS Universidade do Minho

Como ilustram os mapas de dispersão elaborados por C. Aguarod Otal (1991, 139: nº 43; 178, nº 45) e Mª Ángeles Sánchez (1995, 259, fig. 7), estes dois tipos de almofarizes, além de serem particularmente abundantes em Itália, encontram-se ainda bem difundidos no mediterrâneo oriental e ocidental (Riley 1979: 295-96), nas províncias do norte e Grã-Bretanha (Cunliffe 1961-71, idem 1968, 87, Hartley 1973, 49-57; Tyers 1996, 122) e presentes nalguns naufrágios (Parker 1992. 71, nº 98; 165-66, nº 371 e 199200, nº 470). Entre outros achados na Península Hispânica, os mapas de distribuição apresentados por C. Aguarod Otal (1991, 138: nº 42; 177, nº 44) para a Tarraconense, e por Mª Ángeles Sánchez (1995, 258, fig. 6), para o Baixo vale do Guadalquivir, são bem demonstrativos da presença abundante destas formas de almofarizes no território peninsular. A estes acrescente-se, ainda, os exemplares destas formas recolhidos em Lugo, um dos quais, correspondente ao tipo Dramont D 1, com a marca M. CIMONI / SATURNINI (Alcorta 1995, 202-203, fig. 1, nº 1). No actual território português conhecemos, até à data, os exemplares das mesmas formas encontrados em Conimbriga, um dos quais, pertencente ao tipo Dramont D 2, com a marca Cn. DOMITIUS ARIGNOTUS, um dos libertos dos irmãos DOMITII que desenvolveram uma ampla actividade industrial (Alarcão 1975, 137, Est. XVIII, nº 48 a 52; Aguarod Otal 1991, 162).

À semelhança das cerâmicas de paredes finas recolhidas na cidade, os c. de 77 almofarizes importados encontrados até ao momento faziam parte das cargas “parasitárias” dos navios que transportavam as ânforas. Se considerarmos a presença abundante de ânforas em todo o território peninsular, fácil é admitir que não se tenha prestado a devida atenção àqueles objectos transportados no contexto referido e, contudo, pode mesmo afirmar-se, atendendo sobretudo ao que ultimamente tem vindo a ser publicado, que os almofarizes foram largamente exportados. Infelizmente, alguns deles, designadamente os de origem bética, não foram ainda objecto de uma análise integrada que permita atribuirlhes uma tipologia específica. Em Braga, com excepção de dois fragmentos oriundos de Roma, integráveis nas conhecidas formas Dramont D 1 e 2, os restantes fragmentos encontrados correspondem a exemplares provenientes da Bética, realidade alias concordante com a relação comercial privilegiada de Bracara Augusta com aquela província testemunhada inequivocamente pela extraordinária quantidade de ânforas béticas encontradas na cidade. 1.- Produções itálicas. Como acima se referiu, até ao momento apenas se encontraram na cidade dois almofarizes oriundos da Itália central junto à área tiberina e Roma. Um destes exemplares, com um diâmetro de 290 mm. (fig. 1: 1), possui uma pasta fina e rosada coberto por um engobe de cor bege esbranquiçada e uma superfície interna com pequenas partículas de rochas duras incrustadas na argila ainda fresca. De acordo com as características morfológicas e de fabrico podemos atribuí-lo ao tipo 1 de Cap. Dramont, maioritariamente exportado a partir de meados do século I até meados do século II (Hartley 1973, 54 e 57; Aguarod Otal 1991, 44). Este tipo está frequentemente associado ao equipamento de legionários, como no caso dos acampamentos de Numância e de la Chorquilla e outros acampamentos germânicos, como Haltern (Aguarod Otal 1991, 140). O exemplar nº 2 (fig. 1), de perfil completo, com um diâmetro de 190 mm., possui uma cor bege acastanhada e uma pasta com abundantes inclusões plásticas, em particular minerais de origem vulcânica, rica em quartzos e óxidos de ferro, característicos de oficinas urbanas da área romanotiberina, dedicadas à produção de materiais de construção (telhas e tijolos) e, em menor proporção, ao fabrico de recipientes de uso comum como dolia e mortaria (Steinby 1979, 266). Pelas características formais e de fabrico podemos incluí-lo na forma Dramont D 2 e enquadrável, pelo

Figura 1.

2.- Produções béticas. 2.1.- Características morfológicas e de fabrico. A hegemonia, praticamente absoluta na cidade romana de Bracara Augusta, dos almofarizes de origem bética, enquadra-se, como vimos, no contexto de uma relação comercial privilegiada com aquela província. Do total de c. de 75 exemplares, apenas 1 possue um fabrico característico do vale do Guadalquivir (fig. 2: 7), sendo os restantes representados por formas e fabricos reconhecidamente atribuídos à região bética costeira, em particular à baía de Cádiz. Ainda que sem pretensões de criar uma tipologia para estes recipientes, a ausência de um estudo específico que nos permita enquadrar os fragmentos individualizados na cidade, leva-nos a estabelecer 3 grupos distintos para permitir uma apresentação mais clara do material.

Actas del Congreso Internacional FIGLINAE BAETICAE. Talleres alfareros y producciones cerámicas en la Bética romana (ss. II a.C. – VII d.C.), Universidad de Cádiz, Noviembre 2003, B.A.R., int. ser., 1266, Oxford, 2004, pp. 567-570.

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Rui Morais (fig. 2), são originários de Cádiz e possuem um diâmetro variável entre 300 mm (nº 3) e 440 mm (nº 6). O nº 7, proveniente do Guadalquivir, com um diâmetro de 300 mm, possui um bordo que podemos considerar ainda inspirado na mesma forma mas com a face superior da aba horizontal e oblíqua e a face inferior ligeiramente engrossada. Os exemplares atribuídos ao grupo II caracterizam-se por possuírem a parte superior da parede externa moldurada e uma superfície interna estriada. Este grupo admite diferentes tipos de bordos: - II A (fig. 3: 8 a 13), bordo engrossado com o lábio interno reentrante com um diâmetro variável entre 260 (nº 13) e 360 mm (nº 9 e 10); - II B (fig. 4: 14 a 19), lábio simplesmente engrossado (nº 14 a 16) ou engrossado com a face externa triangular (nº 17 a 19) com um diâmetro variável entre 280 (nº 15) e 398 mm (nº 17); - II C (fig. 5: 20 a 25), lábio em forma de martelo e um diâmetro variável entre 260 mm (nº 21) e 430 mm (nº 24); - II D (fig. 6: 26), lábio reentrante e pega curta abaixo do bordo. Figura 2.

Num III grupo (fig. 6) incluímos 3 fragmentos tão exíguos que não permitem atribuí-los a qualquer dos grupos anteriores, dado não ser possível reconhecer com segurança o tipo de perfil e o tratamento da superfície interna mas apenas a forma do lábio, simplesmente engrossado (nº 27) e engrossado com perfil triangular (nº 28-29), com um diâmetro variável entre 280 mm. (nº 27) e 360 mm (nº 29). Além dos exemplares referidos contámos ainda na cidade com um conjunto significativo de 25 fragmentos (fig. 7: 30 a 33) com uma parede estriada rematados por característicos fundos com pés anelares. 2.2.- Paralelos e tentativa de ensaio cronológico. Na ausência de paralelos específicos para o grupo I ficamos limitados à cronologia fornecida pelas escavações de Braga. Estes provêm de estratos datáveis de momentos anteriores ao período flávio, destacando-se dois exemplares (não ilustrados dado o estado de fragmentação), recolhidos no sector 8 das Cavalariças, com materiais datáveis de Augusto a finais do período de Tibério / inícios do reinado de Cláudio. À semelhança dos exemplares do grupo anterior os almofarizes integrados no grupo II provêm igualmente de estratos anteriores ao período flávio. Os exemplares do grupo II A estão bem representados noutras estações arqueológicas. Refira-se, entre outros, os almofarizes tardo-republicanos recolhidos em Mesas do Castelinho –Almodovar- (Fabião 1998, 412; fig. 110, nº 1-2), os exemplares provenientes do depósito augusto-tiberiano de Abul A -Alcácer do Sal- (Mayet e Tavares 2002, 28; 37; 46, fig. 12, nº 113-116; 118-120) e os exemplares recolhidos em Conimbriga (Alarcão 1976, 71; 73;136, Est. XVII, nº 4), sem valorização cronológica específica dado provirem de camadas revolvidas e do enchimento flaviano da esplanada do templo.

Figura 3.

O grupo I, representado na cidade por 13 exemplares, com afinidades com a forma Dramont D 1 caracteriza-se por possuir um bordo em forma de aba abaulada com ressalto na extremidade interna. Todos estes exemplares possuem uma superfície interna com um revestimento de pequenas pedras incrustadas na argila ainda fresca. Os exemplares nº 3 a 6 568

Os almofarizes béticos em Bracara Augusta

Figura 6. Figura 4.

Figura 7.

2002, 186) e em níveis da 1ª metade do século I, provenientes do depósito augusto-tiberiano de Abul A Alcácer do Sal- (Mayet e Tavares 2002, 28; 37; 46, fig. 12, nº 117) e do nível tibério-claudiano de Los Castillones (Sola 1985, 200, referida em Serrano 1995, 231; 234, fig. 4, nº 27; 245). A estes acrescente-se ainda 1 exemplar sem contexto recolhido em Balsa –Tavira- (Nolen 1994, 136; 149; Est. 26, nº 12) e outros referidos por Encarnacíon Serrano, dados como provenientes de Munigua, Lacipo, Itálica e Sevilha (vid. autores em Serrano 1995, 231).

Figura 5.

Os exemplares do grupo II B, estão à semelhança de Braga, bem representados na maior parte das estações onde se documentam almofarizes. De acordo com a bibliografia consultada, encontramos exemplares enquadráveis neste grupo em contextos datáveis dos finais do período tardorepublicano, recolhidos no Castelo da Lousa (Mourão) (Wahl 1985; Fabião 1998, fig. 110, nº 3; Gonçalves e Carvalho,

Os exemplares do grupo II C são idênticos a exemplares de Conimbriga, recolhidos em estratos do período claudiano e flávio (Alarcão 1976, 72-73; 136, Est. XVII, nº 5-7). 3.- Considerações finais. A diversidade morfológica dos almofarizes de produção bética não se esgota, naturalmente, nos tipos recolhidos na

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Rui Morais FABIÃO, C. e GUERRA, A. (1994): “As ocupações Antigas de Mesas do Castelinho (Almodôvar). Resultados Preliminares das Campanhas de 1990-92”, Actas das V Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses (Lisboa, 1993), vol. II, pp. 275-289. GONÇALVES, A. e CARVALHO, P. (2002): “Intervenção Arqueológica no Castelo da Lousa”, Al-Madan, II, série, nº 11 (Dezembro 2002), pp. 181-188. HARTLEY, K.F. (1973): “La Diffusion des mortiers, tuiles et autres produits en provenence des fabriques italiennes”, Cahiers d`Archéologie Suaquatique, II, pp. 49-60. MAYET, F. e TAVARES DA SILVA, C. (2002): L`Atelier d`Amphores d`Abul (Portugal), Diffusion E. de Boccard, París. NOLEN, J.U.S. (1994): Cerâmicas e vidros de Torres de Ares (Balsa), Instituto Português de Museus. PARKER, A.J. (1992): Ancient shipwrecks of the Mediterranean and the Roman provinces, BAR. International series, 580, Tempus Reparatum, Oxford. RILEY, J.A. (1979): “The coarse pottery from Benghazi”, in Excavations at Sidi Khrebih, Benghazi (Berenice), Vol. II, ed. J. A. Lloyd, Suplemento a Libya Antiqua, 5, Department of Antiquities, Tripoli, pp. 91-497. SÁNCHEZ SÁNCHEZ, Mª.A. (1995): “Producciones importadas en la vajilla culinaria romana del Bajo Gudalquivir”, Ceràmica comuna romana d`época Alto-Imperial a la Península Ibèrica. Estat de la questió, Monografies Emporitanes VIII, Museu d`Arqueologia de Catalunya, Empúries, pp. 251-279. SERRANO, E. (1995): “Producciones de cerámicas comunes locales de la Bética”, Ceràmica comuna romana d`época AltoImperial a la Península Ibèrica. Estat de la questió, Monografies Emporitanes VIII, Museu d`Arqueologia de Catalunya, Empúries, pp. 227-249. STEINBY, M. (1979): “La produzione laterizia”, in Pompei 79, Nápoles, pp. 265-271. TYERS, P. (1996): Roman Pottery in Britain, Batsford, London. WAHL, J. (1985): “Castelo da Lousa. Ein wehrgehöft caesarischaugusteischerzeit”, Madrider Mitteilungen, XXVI, pp. 163-165.

cidade. Tal diversidade mereceria que num futuro próximo se tenta-se estabelecer uma tipologia específica destes recipientes tendo em conta a sua evolução formal e cronológica. Refira-se, a título de exemplo, o fragmento de almofariz com o bordo bifurcado, semelhante a peças publicadas por M. Vegas, datado do 3º quartel do século I a.C. (Fabião e Guerra 1994, 280; Fabião 1998, 412; fig. 110, nº 4); os exemplares com bordo alto, moldurados na face externa e lábio ligeiramente biselado, recolhidos em Mesas do Castelinho –Almodôvar- (Fabião 1998, 412; fig. 110, nº 5) e Conimbriga (Alarcão 1976, 71-72;136, Est. XVII, nº 13); os exemplares provenientes de Balsa –Tavira- idênticos aos nossos almofarizes do grupo I, mas aqui com estrias na parede interna (Nolen 1994, 136; 149; Est 26, nº 15; Est. 27, nº 16-17); os exemplares sem a característica moldura na parede externa recolhidos em Conimbriga (Alarcão 1976, 7273;136, Est. XVII, nº 10-17), Balsa –Tavira- (Nolen 1994, 136; 149; Est. 26, nº 14) e no centro produtor de Andújar, que os fabricou na 2ª metade do século I (Serrano 1995, 231; 234, fig. 4, nº 28; 245). Relativamente ao material aqui apresentado não podemos deixar de valorizar a presença na cidade de um número significativo de almofarizes oriundos da região de Cádiz com fabrico idêntico ao das ânforas piscícolas com a mesma proveniência. Este dado é mais um forte indicador da comercialização destes produtos no mesmo âmbito. Neste contexto, e tendo em conta que uma das finalidades específicas dos almofarizes servia para triturar e misturar molhos, cujo ingrediente principal seria o garum (vid. Apício), não devemos pensar que os almofarizes representam uma simples produção complementar às ânforas, mas antes um produto imprescindível e indissociável na comercialização das mesmas.

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