Os alquimistas do cinema: a materialidade da imagem dos cine-artesãos

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Os alquimistas do cinema: a materialidade da imagem dos cine-artesãos1 Cinema Alchemists: the materiality of image from cine-artisans

por Andréa C. Scansani2 Resumo: A consolidação digital do cinema é incontestável. No desmantelamento da infraestrutura das técnicas tradicionais de manipulação da imagem fotocinematográfica observamos crescentes movimentos artísticos que navegam contracorrente. O reconhecimento da materialidade como componente primordial da imagem em movimento encontra nas obras de alguns cineastas-artesãos um caminho para colocar em perspectiva os aspectos intangíveis da imagem. A partir dos fundamentos da fotografia cinematográfica este artigo propõe pensar a construção da imagem esculpida no corpo fílmico. Palavras-chave: materialidade da imagem, fotografia, luz, Jean Epstein, MTK. Abstract: The consolidation of digital cinema is undeniable. Throughout the dismantling of traditional photo-cinematographic laboratories we can observe growing artistic movements sailing against the mainstream. The recognition of materiality as a key component of the moving image leads us to MTK's production to put into perspective the intangible aspects of the image created by the artisan filmmakers from this group.

Key words: image materiality, photography, light, Jean Epstein, MTK.

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Trabalho apresentado no XIX Encontro Socine de Estudos de Cinema e Audiovisual na sessão 6: Cinema como arte e vice-versa. 2 Professora de Cinema e Fotografia da Universidade Federal de Santa Catarina e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA/Universidade de São Paulo.

Este artigo é animado pela necessidade de discutir a fotografia cinematográfica como construtora do corpo fílmico constituído pelo manejo da luz e do movimento. O enfoque proposto não é pensar a fotografia como um objeto de estudo histórico, social ou mesmo estético senão adentrar suas entranhas e explicitar algumas das infinitas possibilidades de criação da imagem cinematográfica. O que aqui se apresenta é um recorte modesto de uma ampla pesquisa que se encontra em andamento. Para podermos dar início à discussão gostaríamos de colocar em questão duas simples palavras que hoje em dia são usadas de maneira múltipla e genérica e que acreditamos necessitar de uma determinação estreita tanto em seu significado quanto em seu contexto. A primeira palavra da qual não podemos, e nem devemos escapar é cinema que, mesmo morta para alguns3, continua sendo a protagonista de estudos dos mais diversos. O uso da palavra cinema, e também do termo imagem cinematográfica, será aplicado aqui próximo ao seu sentido literal e etimológico: o da escrita do movimento. A segunda palavra, que está demasiadamente em moda, é matéria e seus derivados: materialidade, imaterialidade etc. Sem receio de vincularmo-nos a modismos estes termos compõem uma parte importante deste texto. E para que a palavra matéria não fique solta e chegue a criar vida própria atrelada a significados indesejáveis, novamente aqui, buscamos reduzi-la à sua definição mais primitiva: substância da qual um objeto é feito e, a partir daí, lembrarmo-nos sempre que em sua raiz reside mater: a mãe, geradora. Com essas colocações em mente este artigo se apresentará em três partes. A primeira se dedicará ao elemento primordial da elaboração fotográfica da imagem que é a luz: como pensar os aspectos físicos de uma substância que não podemos tocar? A segunda parte entrará no jogo da luz sobre os materiais sensíveis na concepção da fotografia propriamente dita. Não apenas como uma descrição de métodos, mas com alguns questionamentos, por que não dizer, filosóficos de Jean Epstein, sobre o cinema e sua capacidade de enriquecer nosso modo de olhar para o mundo. O terceiro segmento analisará um pequeno filme que parte de uma experiência prática de uma rede mundial de laboratórios muito particular que teve seu início com o MTK em Grenoble na França. Estes laboratórios fotoquímicos compartilham sua infraestrutura com cineastas-artesões, artistas visuais, performers etc. que processam seu próprio filme de acordo com as especificidades de 3

enumerar os autores que polemizam ...

cada projeto numa clara e direta manipulação material da fotografia.

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Durante a montagem da retrospectiva do artista plástico James Turrell no museu Guggenheim em 2013, seu curador, Michael Goven, comenta estupefato como toneladas e toneladas de tapumes e tecidos chegam em caminhões e mais caminhões a serviço do nada, do imaterial4. Para aqueles que estão familiarizados com o trabalho de Turrell5 não será exagero afirmar que suas esculturas, feitas exclusivamente de luz, assemelham-se a miragens que desafiam as certezas dos espectadores. Não apenas as crenças sobre o espaço e sobre nossa própria percepção são colocadas em xeque mas, fundamentalmente, nossa concepção sobre a concretude das coisas do mundo. Como o próprio artista diz: "meu trabalho não tem nenhuma imagem, não tem nenhum objeto, nada físico, do modo como concebemos a fisicalidade hoje, não há nem mesmo como focar o olhar. Então, se não há nenhuma imagem, não há nenhum objeto, não há foco, o que sobra? Bem, muito do que está ali é a ideia de poder observar o próprio ato de ver, compreender como percebemos a luz, tanto em sua qualidade efêmera - como notadamente a vemos - quanto em sua fisicalidade, que é como eu gosto de olhá-la”. Olhar a dimensão física da luz não é tarefa simples, requer um esforço de dissolução de paradigmas sedimentados em nossa percepção sobre as coisas desse mundo. Como algo que não podemos tocar pode ser abordado por sua materialidade? Onde reside seu corpo e de qual matéria é constituído? A natureza da luz sempre foi objeto da curiosidade e da investigação de grandes pensadores. De Pitágoras e da Vinci a Einstein, suas qualidades foram alvo de leituras e interpretações, o mais das vezes, divergentes. É conhecida a dualidade corpuscular e ondulatória da luz com a qual a física se debate[u] durante alguns séculos. Essa dinâmica entre ambiguidades guarda mistérios até hoje. Mesmo após a aceitação científica, há quase um século, da simultaneidade de estados identitários contraditórios, através das pesquisas de Planck e Einstein ou de Broglie e Bohr, é apenas em março de 2015 (o ano proclamado pela Unesco como o ‘Ano Internacional

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disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ox00pFnKS7g, último acesso em 18 de maio de 2015. disponível em http://jamesturrell.com/roden-crater/colome/ - Donald Hess Collection - inaugurado em 2009, último acesso em 15 de abril de 2015. 5

da Luz’6) que temos pela primeira vez na história da ciência uma imagem, publicada pela Nature Communications

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, que mostra a luz como partícula e onda

conjuntamente. Jean Epstein em seu capítulo “Realidade, soma de irrealidades” do livro A inteligência de uma máquina, escrito em 1946, não hesita em dizer: Certas análises da luz fazem aparecer uma estrutura granular, descontínua. Mas é impossível provar que esta descontinuidade existia antes das experiências investigadoras que puderam criá-la. Da mesma forma que a câmara filmadora inventou uma sucessão de descansos na continuidade de um movimento. Outros fenômenos luminosos só se explicam admitindo que a luz é, não uma descontinuidade de projéteis, senão um fluxo ininterrupto de ondas. A mecânica ondulatória não chega a dissipar totalmente esta incompreensível contradição, ao supor em um raio luminoso uma natureza dupla, imaterialmente contínua e materialmente descontínua, formada por um corpúsculo e por uma onda piloto [...] Diante de um problema insolúvel, diante de uma contradição inconciliável, com frequência há motivos para suspeitar que, na realidade, não há nem problema nem contradição. [...]. Não há nada de excludente entre elas como não há entre as cores de um disco em repouso e o branco que forma este mesmo disco em rotação. Contínuo e descontínuo, cor e branco tomam alternadamente o papel de realidade (EPSTEIN, 1960, p. 28-29, tradução e grifo nossos).

Trazer algumas questões sobre como nos aproximamos da compreensão da luz logo na introdução deste texto tem por finalidade pensar como as diferentes materialidades, os diferentes meios, afetam os sentidos que transportam (GUMBRECHT 2010, p.32). Desta forma, concentrar nossos esforços de análise da imagem cinematográfica através da materialidade de uma substância tão recoberta pela efemeridade quanto a luz, serve-nos, não apenas para despertar alguns fantasmas da sua própria constituição física, mas também nos coloca frente a uma prática que, de diversas formas, é abordada pela fotografia: instrumento primário de construção da imagem no cinema. O saber fotográfico constitui-se no duplo percurso entre técnica e estética. É um saber híbrido, produto da interdisciplinaridade e fruto de dois modos díspares de pensamento. Podemos olhar para a fotografia como um saber contínuo, de caráter ondulatório, metafórico e artístico, ao mesmo tempo que podemos analisar cientificamente suas partículas, dissecar sua composição, seu corpo esculpido pela luz. A fotografia é uma expressão imaterialmente contínua e materialmente

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http://www.light2015.org/Home.html, último acesso em 21 de junho de 2015 Disponível em http://www.nature.com/ncomms/2015/150302/ncomms7407/full/ncomms7407.html, último acesso em 30 março de 2015. 7

descontínua, uma ponte8 entre arte e técnica e, por quê não dizer, um instrumento de ponderação entre teoria e prática. Ao longo da história, a constituição física dos fragmentos fotográficos que dão origem às sequências de fotogramas da imagem em movimento, teve diferenciadas elaborações, todas baseadas em transformações da matéria desencadeadas pela energia luminosa. Desde compostos de ferro aos mais extravagantes experimentos com prata fixada em suportes como vidro, metal, papel, nitrocelulose, polímeros, fitas magnéticas, silício etc.

Cada sistema desenvolvido, ou ainda por desenvolver,

encerra em si características próprias atreladas aos materiais que os compõe, os quais estruturam seu corpo; O ponto em comum, no entanto, que atravessa a mecânica de todos esses sistemas, está na impressão - ou codificação - da luz em um material sensível a esta e a busca por uma forma de armazená-la de tal maneira que, ao projetála, a imagem assistida contenha vestígios do momento de sua captura - com ou sem semelhança figurativa a este - e que propicie uma estabilidade física duradoura. A base de toda imagem cinematográfica - em uma, senão em todas as etapas de sua composição e armazenamento depende da luz. Podemos pensar parte do processo ao observar o que acontece com a energia luminosa (fótons) que atravessa o obturador da câmera e fecunda o material sensível. Esse toque da luz, em suas variadas intensidades, inicia o processo de formação da imagem latente. A sensibilização ocorre diferentemente para cada material utilizado. Cada emulsão fotográfica, ou sensor eletrônico, possui características próprias originárias de seus fabricantes e essa estrutura primordial, somada ao modo pelo qual será processada, acompanhará a imagem por toda a sua existência. Aqui, podemos pensar em dois caminhos de formação da imagem latente que guardam em si características distintas. 1) Na formação da imagem em suporte emulsionado por prata a luz trabalha como uma escultora. Ao enegrecer a prata que passará pelo processo de revelação (que nada mais é do que uma otimização do trabalho da luz em forma química) e fixação (retirada a prata que não foi enegrecida e, portanto, ainda passível de sensibilização) a luz forja pequenas densidades no quadro e a cada fotograma uma micro-escultura é concebida. 2) Os pixels do sensor eletrônico, por sua vez, têm como tarefa transformar os fótons em elétrons para que 8

Empresto a analogia entre fotografia e ponte de Mike Ware de seu artigo intitulado “A Bridge for Two Cultures” disponível em http://www.mikeware.co.uk/mikeware/Bridge_Cultures.html último acesso em 06 de abril de 2015.

estes possam ser quantificados, codificados e armazenados. Duas metamorfoses da substância luz. Desta forma, podemos supor que as possibilidades estéticas e expressivas de cada sistema - se pensarmos apenas em suas características físicas - dependerá de como essa matéria primitiva foi concebida, trabalhada e armazenada. Conhecê-la em suas particularidades científicas e artísticas oferece alguns caminhos para pensarmos as conexões recíprocas entre o universo físico que nos rodeia e as potencialidades da imagem cinematográfica como forma de criação e reflexão sobre o mesmo. Um desses caminhos foi traçado por Jean Epstein cuja obra, tanto fílmica quanto teórica, foi elaborada num momento de descobertas e expansões tecnológicas transformadoras. Um período no qual a ebulição criativa encontra grande autonomia provavelmente por ainda não estarem estabelecidos os padrões técnicos e mercadológicos que logo estreitarão as possibilidades de distribuição das mais variadas formas de exploração do meio cinematográfico. De certa maneira, Epstein parece ser herdeiro de uma tradição científico-artística da qual o fisiologistafotógrafo, Etienne-Jules Marey, é um dos expoentes. As contribuições das cronofotografias de Marey para o desenvolvimento da imagem em movimento e, portanto, para a tecnologia envolvida no cinema é de fundamental importância. Contudo, o cinema desvia-se de um de seus criadores ao confinar sua trajetória - como ele mesmo pontua ao comentar a projeção das vistas dos irmãos Lumière – “na simples reprodução da experiência visual sem nada fazer para estender a percepção humana” (CUNNING, Tom in KELLER, Sarah; PAUL, Jason 2012, p.19). Num momento onde as possibilidades cinematográficas pareciam ilimitadas e suas implicações teóricas ainda estavam por ser escritas, Epstein pensa o cinema como uma maneira profusa de observação e interação com o mundo. Para ele a percepção humana, através da dilatação dos sentidos oferecida pela câmera, pode penetrar a carne da matéria. Seus escritos estão por completar um século de existência e parecem fazer enorme sentido no momento atual de transformação tecnológica com a evidente consolidação digital da produção e distribuição cinematográficas. Um mudança de grande impacto não apenas pela predominância de obras e salas digitalizadas mas pelo desmantelamento da infraestrutura física e humana dos últimos cento e poucos anos de sua história em celuloide. A corrida tecnológica pela imagem mais do que perfeita ou pelos ambientes virtuais imersivos suprareais vive seu

prelúdio enquanto o cinema experimenta expansões, transgressões e mutações. Nessa patente movimentação transfiguradora somam-se atitudes que ditam o fim da materialidade na era digital, enquanto outras, voltam-se aos processos fotocinematográficos tradicionais de manipulação física dos componentes. No atual desmonte das estruturas tradicionais de processamento da imagem foto-cinematográfica podemos observar crescentes movimentos artísticos que navegam contracorrente, desde laboratórios caseiros a grupos que se apropriam dos aparatos abandonados pela indústria. Não estamos diante de algo novo se pensarmos na longa e artesanal trajetória do cinema chamado experimental. Esses grupos, longe de alimentarem o fetiche pela película cinematográfica ou mitificarem técnicas como superiores ou opostas a outras, cumprem um papel chave no livre trânsito entre as práticas transmidiáticas contemporâneas nas quais a manipulação fotográfica ocupa um lugar singular na construção do corpo da imagem fílmica. Como olhar para a tecnologia da imagem como um modo de repensar e recriar a relação do homem com seu entorno para além da repetição, sempre ilusória, de equivalências miméticas? O interesse aqui reside nas produções que exploram os domínios da sensibilidade, não como uma representação figurativa do mundo, mas como uma forma de penetração nas camadas do tempo e da matéria. A predominante monocultura da imagem cinematográfica figurativa, que se esforça em reproduzir o visível, tal como se apresenta à nossa percepção, coloca-nos numa armadilha, onde o discurso camufla a produção de presença e restringe nossa percepção a resultantes ilustrativas e narrativas. No entanto, em todas as imagens, figurativas ou não, “existe outra coisa [...] além da reprodução do visível; existe a ação do visual - ação direta, imediata, por menos que a obra se tenha empenhado sobre a sensação, a compreendê-la, a nela identificar as forças presentes e encontrar um meio de lhes atribuir uma existência em Figura9 ” (AUMONT 2009, p.25, grifo nosso). Esta “outra coisa”, aquilo que está “além do visível” e que é inerente a toda e qualquer imagem, pode ser explorado pela fotografia de infinitas maneiras. As 9

“Credo du figural: dans l‘image, il y a autre chose que la reproduction du visible; il y a l’action du visuel – action directe, immédiate, pour peu que l‘œuvre se soit attachée à « se retourner » sur la sensation, à la comprendre, à y repérer les forces en jeu, et à trouver un moyen de leur donner une existence en Figure”. Aqui parece que Aumont faz referência ao pensamento de Didi-Huberman: “Didi Huberman dans son ouvrage Devant l’image, avec des références à l’histoire de l’art, distingue la présentation, ou la présentabilité des images, et la représentation figurative d’un objet du monde naturel. La présentation se situe du côté du figural, du côté de ce qui dépasse l’immédiatement perçu et qui l’absente de la représentation figurative. Le figural est l’au-delà du visible ; il se situe du côté de la censure, de l’oubli. Il signale le détournement et devient synonyme de faille, de lacune et de déchirure.”

possibilidades fotográficas passam por escolhas objetivas que determinam a infraestrutura das filmagens como: modelo de câmera, parque de luz, equipamentos de movimentação, processamentos de armazenamento e finalização da imagem etc. Para além das questões estritamente materiais e estruturais há também uma gama sem fim de opções de enquadramentos, contrastes, movimentos, durações, velocidades etc. A manipulação direta e corporal dos aparatos constitui o substrato que será trabalhado posteriormente na montagem. Como exemplo, temos um pequeno filme artesanal feito por Sarah Darmon em 2001. Em Ink, desde o princípio vemos - ou talvez apenas acreditamos que vemos uma mulher que desperta abruptamente, levanta-se da cama e caminha em direção a um vidro iluminado. Esta simples ação, decupada de maneira clássica, é intercalada por dois planos de um corpo enigmático que parece atrair a mulher. Antes de começarmos a assistir ao filme sabemos pelos créditos iniciais em qual substrato a cineasta escolheu plantar sua composição. E é sobre uma película super-8, preto e branco e em formato scope que seu imaginário brota. Independente das razões que possam estar em jogo no momento de tal escolha, a resultante visual elabora corpos que se fundem e se confundem com o substrato no qual estão inscritos. Como se a própria matéria fílmica parisse suas formas e guiasse seus movimentos. O grão, necessariamente extravagante de um original super-8 tão minúsculo (4,01 x 5,79 mm), é dilatado pelas escolhas de iluminação e exposição; e pelo processo de revelação. Tudo isso somado à transferência da película para um arquivo digital e às inevitáveis conversões e decodificações da nossa era de tecnologias transgênicas. Esses estratos amalgamados de grão, pixel, mulher, luz, movimento, explicitam as partículas que compõem a imagem. Em meio ao paradoxo da visibilidade da matéria através de sua aparente desmaterialização nos é permitido “não apreender a imagem [mas] deixar[nos] ser apreendidos por ela: portanto [...] deixar-[nos] desprender do [nosso] saber sobre ela” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 24). Como se os grãos saltassem da tela e impregnassem a sala de cinema envolvendo em matéria fílmica os espectadores. As estratégias da fotografia para tornar visível, ainda que sutilmente, sensações ou pensamentos, são todas baseadas na manipulação de sua materialidade, mesmo que esta possa ser entendida como movimento ou duração. Para além das questões interpretativas que podem variar de acordo com o espectador, com as circunstâncias históricas entre tantas outras variáveis, todas as expressões artísticas

são reféns de sua matéria e, desta forma, acreditamos ser ilusória a fronteira entre materialidade e imaterialidade, ambas constituem um mesmo e único corpo. Pois “a imagem cinematográfica não é nada tangível. Este é o paradoxo da imagem luminosa do cinema (e aqui não faço nenhuma distinção tecnológica: pois é verdadeiro tanto para o vídeo quanto para a imagem digital): ela não é propriamente material; não podemos tocá-la nem mesmo localizá-la (ela não está sobre a película, nem sobre a tela, nem na projeção). No entanto, ela possui uma forma material (ela não é imaterial)10” (AUMONT, 2009, p. 21).

Referências bibliográficas AUMONT, J. Matière d'images, redux. Paris: Éditions de la Différence, 2009. coleção: Les Essais. BELLOUR, R. Le corps du cinéma: hypnoses, émotions, animalité. Paris: POL, 2009. DIDI-HUBERMAN, G. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. [original francês: 2002]. DIDI-HUBERMAN, G. Diante da Imagem. São Paulo: Editora 34, 2013. [original francês: 1990]. EPSTEIN, J. La inteligéncia de una máquina. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1960. [original francês: 1946]. EPSTEIN, J. Écrits sur le cinéma - tome 1. Paris: Éditions Seghers/Cinéma club, 1974. EPSTEIN, J. Écrits sur le cinéma - tome 2. Paris: Éditions Seghers/Cinéma club, 1974. GUMBRECHT, H. U. Produção de presença - o que o sentido não consegue tranmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. [original inglês: 2004]. KELLER, SARAH; PAUL, JASON. Jean Epstein - critical essays and new translations. [S.l.]: Amsterdam University Press , 2012. MERLEAU-PONTY, M. The Primacy of Perception. Tradução de NUP 1964. Evanston: Northwestern University Press, 2002. [original francês: 1947, 1955 e 1964]. RANCIÈRE, J. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. [original francês: 2003]. SIETY, E. Fictions d'images - essai sur l'attribution de proprietés fictives aux images de films. [S.l.]: Presses universitaires de Rennes, 2009. Collection 'Le Spectaculaire'. TRACHTENBERG, A. Classic Essays on Photography. New Haven: Leete's Island Books, 1980. 10

[l’image du cinéma] n’est plus tangible du tout. C’est tout le paradoxe de l’image lumineuse du cinéma (et ici je ne fais pas acception de technique: c’est vrai de la vidéo, du numérique): elle n’a pas elle-même, à proprement parler, de matériau; on ne peut la toucher ni même vraiment la localiser (elle n’est pas sur la pellicule seulement, ni sur l ‘écran seulement, ni dans la projection seulement). Pourtant, elle a une forme matérielle (elle n’est pas immatérielle).

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