Os \'brandos costumes\' Portugueses – Séc. XX

June 1, 2017 | Autor: Fernando Pereira | Categoria: Historia Social, Portugal, História, Historia Cultural, Historia Contemporánea, História de Portugal
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Os 'brandos costumes' Portugueses – Séc. XX










Introdução
02
I- Sidonismo
04
II- Estado Novo
11
Conclusão
38
Bibliografia
39
Appendix
42






Introdução
Seria no séc. XX que a expressão 'brandos costumes' teria a sua génese oficial a propósito da justificação que o regime salazarista dava para a obstinada manutenção, contra tudo e contra todos, das colónias africanas numa época em que o mundo ocidental, liderado pelos EUA, entendia ser seu dever pugnar pelo fim do colonialismo. Os 'brandos costumes', a par com o conceito de 'luso-tropicalismo', pretendiam explicar que a colonização portuguesa nada tinha a ver com as suas congéneres europeias, tendo sido muito mais 'branda' e 'amiga' dos povos colonizados, os quais se sentiam "felizes como parte integrante da grande nação portuguesa" (opinião seguramente partilhada por todos os outros colonialismos sobre si próprios…), não havendo por isso a necessidade de lhes dar a independência.

Porém, se o Portugal do séc. XIX foi marcado por duas guerras civis (as guerras liberais e a guerra da Patuleia) e golpes de Estado de vária ordem, o país do séc. XX também teria a sua quota de instabilidade política e social, pelo que não caberia no âmbito deste exercício a abordagem exaustiva de todos os aspetos dessa instabilidade. Efetivamente, desde o Regicídio ocorrido em 1908, que resultaria na implantação da República em 1910, até ao derradeiro a 25 de Abril de 1974, registaram-se 59 golpes militares dos quais apenas uma reduzida percentagem – 14, cerca de 24% – saíram vitoriosos, tendo sempre ocorrido em situações de crise institucional.

Assim, desenvolver-se-á o Sidonismo e o Estado Novo como períodos de governação algo similares, em que se assiste à progressiva personalização do Poder, não obstante as forças contrárias que tentam derrotar os regimes tirânicos recorrendo sobejamente à violência e luta armada, contrariando de forma óbvia o mito de 'brandos costumes' em que se supunha estar o país mergulhado; afinal, foi nos princípios deste século que ocorreu o assassínio de um Rei e de um Presidente. Para essa análise optou-se por desenvolver paralelamente os períodos em questão a par com as conturbações que neles se verificaram, ao invés de se promover uma separação entre acontecimentos, uns reflexo dos 'brandos costumes' outros ilustrativos da violência mais extrema.



I- Sidonismo
Este termo designa a política desenvolvida por Sidónio Pais e também o período da sua governação. Em termos políticos, aliás, nunca chegou a constituir-se como uma doutrina concreta. Assim, a 5 de dezembro de 1917 estala em Lisboa uma revolta militar que iria dar origem a um período de governação ditatorial que se denominou de 'consulado sidonista', 'sidonismo', 'dezembrismo' e ainda 'República Nova'. Foi uma movimentação contra o Partido Republicano Português dirigido por Afonso Costa que contaria com o apoio discreto dos restantes partidos republicanos e da União Operária Nacional.
Do primeiro governo saído deste golpe de Estado faziam parte unionistas, centristas (dissidentes do Partido Evolucionista) e «amigos de Machado dos Santos», o qual também fez parte da Junta Revolucionária assim constituída. Após a visita apoteótica de janeiro de 1918 ao Norte do país onde pela primeira vez falou da República Nova, Sidónio muda de atitude em relação à questão da eleição presidencial, passando a defender a eleição direta, o que contrariava a Constituição de 1911. Os três ministros unionistas abandonam o Governo, começando aí o progressivo afastamento dos partidos republicanos. Sidónio apela à formação de um partido único, o que vem a acontecer constituindo-se com o embrionário Partido Centrista Republicano e dissidentes do Partido Evolucionista da União Republicana. Com a institucionalização do Sidonismo através da promulgação da "lei eleitoral", Lei n.º 3977 de 30 de março de 1918, elaborada com o concurso dos integralistas António Sardinha, Nobre de Meio e Hipólito Raposo os partidos republicanos boicotam as eleições em preparação e o regime recebe o apoio de monárquicos e católicos. A nova lei apresenta alguns traços do corporativismo que caracterizará, alguns anos mais tarde, o salazarismo. Em 28 de abril de 1918, realizar-se-iam as eleições simultâneas para o Parlamento, Senado e Presidente da República. Os resultados das eleições, às quais não concorreram os partidos republicanos, evidenciaram uma supremacia do regime, que as divisões internas viriam a fazer esboroar completamente. O Partido Nacional Republicano obtém 105 deputados, cabendo 37 aos monárquicos, 5 aos independentes e 5 aos católicos. No Senado, 31 senadores são governamentais e 8 monárquicos; Sidónio é eleito presidente da República por 513.958 votos. A oposição ao regime agrava-se desde outubro com as tentativas insurrecionais de 12 desse mês, em Coimbra e Évora, prontamente sufocadas pelo Governo. Por seu turno, e a pretexto da manutenção da ordem, formam-se as juntas militares no Porto e em Lisboa, constituídas por oficiais do Exército, na sua maioria antigos oficiais monárquicos reintegrados nas fileiras pelo Sidonismo. Os objetivos das juntas são claros: manter a ordem pública, impedir as ações oriundas do Partido Republicano Português e, em caso de desaparecimento de Sidónio Pais, formar um governo militar forte. Em novembro, a União Operária desencadeou uma greve geral revolucionária, num período de debilidade Generalizada provocada pela 'pneumónica' ou gripe espanhola, que se saldou por uma derrota. Vencido, o movimento operário organizado alia-se aos velhos partidos republicanos que combatera meses antes.

O Sidonismo encontra-se em acentuado declínio, sem o apoio do vasto leque de classes que tinham apoiado a revolução de 5 de dezembro de 1917. Enquanto os monárquicos ameaçam com a restauração da monarquia e os "trauliteiros" dominam a cidade do Porto, implantando a Monarquia do Norte, a Junta Militar do Norte agudiza as suas investidas incitada por Paiva Couceiro. Quando se prepara para visitar o Porto no dia 14 de dezembro, para pôr cobro à agitação, Sidónio é assassinado e o sidonismo entra em agonia. As juntas militares aceitam a formação do Governo de Tamagnini Barbosa, que restabelece a Constituição de 1911. É então eleito pelas duas câmaras, para presidente da República, o monárquico Canto e Castro. O partido sidonista passa a designar-se Partido Nacional Republicano Presidencialista, mas, sem o seu mentor, vai perdendo eficácia e clientela política. Concorre ainda às eleições legislativas em 1921 e 1 922, com fracos resultados, vindo a integrar-se, em 1925, no Partido Nacionalista.
«O papel do grande ditador português não estava reservado para Salazar mas para Sidónio. O acaso, se é que há acasos na vida, não o quis porém. Tivesse surgido uns anitos mais tarde e ficaríamos tão bem servidos com ele como os italianos com Mussolini. Não teria sido melhor que o cavalheiro de Santa Comba!»

Efetivamente, Sidónio Pais protagonizou a ditadura antes da ditadura. Convence-se que é um predestinado e um salvador perante as ovações que o cercam. Institui um governo centralizado na sua pessoa e tenta acudir a todas as situações, colmatar as múltiplas insuficiências de que padece o país. «Raras noites se meteu na cama. Se ia ao teatro, logo voltava para trabalhar até altas horas, com a capa militar pelos ombros e um cobertor nos joelhos. Não havia domingo em que não tivesse de inaugurar uma obra, de visitar um hospital, de assistir a uma festa de crianças.» Certa altura ele próprio vai à Alfândega buscar arroz, açúcar e outros géneros que, por questões burocráticas, ali apodreciam. Cria na Caixa Geral de Depósitos as taxas simbólicas, um serviço de empréstimos sobre valores, visando acabar com os agiotas. Cria também a Sopa dos Pobres, que ficaria conhecida como a Sopa do Sidónio, que atende mais de quinze mil pessoas por dia.

Porém, o seu estado de graça começa a desvanecer-se. Torna-se cada vez mais autoritário, repõe a Censura Prévia que havia abolido, apreende e encerra os jornais que lhe fazem ataques cada vez mais cerrados, secundados pelos partidos e pelos grandes vultos intelectuais e da política; há manifestações nas ruas e greves nas fábricas, a escassez da produção agrícola exige resposta às expectativas criadas. Sidónio empreende uma fuga para a frente, confiscando bens, prendendo opositores e perseguindo críticos. Vê inimigos em todo o lado, tem comportamento de déspota; chamam-lhe o 'czar português'. O periódico eborense A Voz Pública, sintetiza o regime da seguinte forma: «O presidentismo arrasta a vida precária e hesitante que é característica de todas as instituições que, nascidas da violência, vegetam no arbítrio. O presidentismo vive dia a dia, quase hora a hora, atormentadamente, sem ciência nem consciência, arquitetando um expediente para cada nova dificuldade e criando uma nova dificuldade em cada expediente de que lança mão.»

As revoltas sucedem-se: nas Forças Armadas, na Administração Pública, em Coimbra, em Braga, em Santarém, em Lisboa, em Évora. Amigos e apoiantes afastam-se em número cada vez maior. O Presidente isola-se cada vez mais. Só o povo ainda o idolatra. Fernando Pessoa, que o apelida de Presidente-Rei, descreve: «O valor de Sidónio – o subconsciente da Nação imediatamente o sentiu – era um valor simbólico, a sombra à distância de qualquer coisa por vir. Dos falsos Encobertos, Sidónio foi, sem dúvida, o que ergueu em torno de si maior auréola mística.»

A 23 de setembro de 1918, declara em Queluz: «O País pode estar seguro de que eu velo, não duvidando de, se preciso for, sacrificar a própria vida para o bem da Pátria.» No dia em que se assinalava o aniversário do golpe de Estado que liderou, 5 de dezembro, Sidónio Pais sofre a primeira tentativa de assassinato com o disparo de três tiros de revólver que não o atingem. Tentando apaziguar dissidências militares de conotação monárquica no Norte do país, o Presidente dirige-se, a 14 de dezembro, para a estação do Rossio. Ao entrar na gare, José Júlio da Costa, antigo sargento do Exército – antigermanófilo que acusava Sidónio de proteger a Igreja ao alterar a lei de separação entre o Estado e a Igreja, restituindo a esta parte da sua intervenção nos assuntos do culto – descarrega sobre ele uma pistola matando-o: «Quando fui matar o Sidónio ia naturalmente disposto a morrer também. O meu gesto não foi um ataque traiçoeiro – avancei sempre de frente –, não matei numa cilada, numa emboscada. Não atirei de longe uma bomba ou um tiro dentro da multidão. Quando, na Estação do Rossio, o déspota marchava para a gare entre alas de polícias armados, afastei de repelão os guardas e tive Sidónio seguro na boca da minha pistola, tão certo de o abater como era convicção minha cair também. Mas mataram outro e eu escapei por bambúrrio. Matava-o segunda vez se fosse preciso. Era uma figura sinistra, misto de clerical e militarista, calcando com o seu tacão de ditador as liberdades tão custosamente alcançadas.»

Egas Moniz, ministro dos Negócios Estrangeiros do último governo sidonista e, mais tarde, Nobel da Medicina, diria a propósito de Sidónio Pais: «Era um homem cheio de virtudes e extraordinárias qualidades que um desvario sebástico perdeu. Julgava-se imprescindível, eivou-se mesmo daquele messianismo de que têm enfermado muitos dos homens públicos portugueses.»

Para alguns autores da atualidade, Sidónio lançou «as sementes precursoras do Fascio que Mussolini, anos depois, fez germinar, florir e frutificar.», Será «o antecessor de todos os governos de autoridade que, anos depois, proliferam pela Europa inteira.», «Ele ficou a um passo de ser o primeiro ditador reacionário da Europa.»

Para outros, «Sidónio não foi um pró-fascista, foi, sim, um presidencialista clássico. Não foi um germanófilo como alguns o acusam. Receava até que a Alemanha ganhasse a guerra.»

«Sidónio transitou da História para o Mito, ergueu-se a proporções póstumas de símbolo nacional e místico, até cabalístico.»



II- Estado Novo
A 28 de maio de 1926 o General Gomes da Costa inicia em Braga o golpe fundador da Ditadura Militar, regime de tipo autoritário que derruba a I República e a partir do qual se estruturará o Estado Novo. As operações foram secundadas no Porto, em Lisboa, Évora, Coimbra, Santarém, Lagos e outras, através da intervenção de unidades militares chefiadas por oficiais superiores representativos de diversas correntes político-ideológicas conservadoras. O novo regime caracterizava-se pela supressão das instituições básicas do regime republicano consagradas na Constituição liberal-parlamentar de 1911; pelo domínio do aparelho de Estado pelos militares que para aí transportam conflitos político-ideológicos e corporativos; pela instabilidade política inerente ao heterogéneo bloco de apoio à Ditadura que se reflete na extrema dificuldade de institucionalização de um novo regime político alternativo àquele que foi derrubado.
Podem considerar-se três fases distintas nos sete anos da vida política nacional que se seguem:

O biénio 1926-1928, durante o qual os militares ocupam as posições-chave nos órgãos de governação (o Parlamento é encerrado a 31 de maio), envolvendo-se por vezes em conflitos de maior ou menor gravidade (a destituição do General Gomes da Costa é seguramente o sinal mais gritante de desinteligências internas entre os militares), surgindo o discreto General Óscar Carmona como fator de equilíbrio, enquanto árbitro entre fações e interesses e elemento unificador do Exército. Às dificuldades económicas herdadas da República somam-se as que uma administração incompetente vai produzindo, o que leva o Governo a encarar a necessidade de obter um vultoso empréstimo externo, hipótese que vem a ser rejeitada por duas ordens de razões: por um lado, porque as condições impostas para a sua concretização foram tidas por vexatórias; por outro, porque se avolumou o receio de perda das colónias para satisfação das dívidas acumuladas. Este problema financeiro virá a tomar grande importância política, obrigando a substituir a gestão financeira de militares incompetentes por uma figura de técnico competente e dotado de autoridade: será António de Oliveira Salazar a preencher essas condições. Mas não só no seio dos militares no poder surgiam dificuldades e crises. A Oposição, alguma da qual continuava a mover-se na legalidade, movimentou-se tanto no exterior (movendo as suas influências políticas para obstar ao empréstimo, desde logo) como no interior (desencadeando a revolta de fevereiro de 1927, que redundou numa curta mas mortífera guerra civil, tendo falhado pela ação conjugada da iniciativa do ministro da Guerra e da deficiente organização da revolta, mal liderada e descoordenada).

Um novo biénio (1928-1930), quase exclusivamente marcado pela atuação de Salazar ao leme do potentíssimo Ministério das Finanças, através do qual exerce um severo controlo sobre todo o aparelho de Estado. No fim deste biénio, é-lhe creditado o saneamento das finanças públicas; efetivamente, consegue estabilizar a moeda e os preços, equilibrar o orçamento do Estado e reduzir a dramática dívida externa (antes dele, na República, apenas Afonso Costa conseguira semelhantes resultados). Este sucesso, apesar da controvérsia que suscitou, colocou Salazar na posição de líder indiscutível do regime.


Segue-se mais um período conturbado, em que o regime tem de enfrentar um recrudescimento das conspirações e revoltas dos oposicionistas (na Madeira, em 1931, por exemplo), com um pesado saldo de mortos e feridos, seguidos de deportações e prisões, a que se juntam manifestações de tendências autonomistas nas colónias (Angola, 1930) e o receio de que a proclamação da República na vizinha Espanha (1931) venha dar novo ânimo aos oposicionistas ou conduza mesmo à perda da independência. Dentro do Governo, o poder de Salazar vai crescendo (junta o Ministério das Colónias ao das Finanças). Para consolidar os apoios ao Governo e ao regime e evitar um recrudescimento das tentativas de restauracionismo monárquico, é criada em 1931 a União Nacional. Sob a direção cada vez mais forte de Salazar, que ascende à cadeira de primeiro-ministro (mas não sem oposição interna e externa), o regime desmilitariza-se progressivamente e vai sendo criado um regime centralizado, nacionalista e colonialista. O coroamento deste edifício político é a aprovação por plebiscito da Constituição de 1933, que institucionaliza o Estado Novo, e a aprovação do Estatuto do Trabalho Nacional, que corporativiza os sindicatos.

O golpe de 28 de maio de 1926 foi inicialmente suportado por republicanos conservadores, monárquicos integralistas e liberais, fascistas e mesmo setores da esquerda republicana. O próprio golpe tem a sua génese em complexas negociações e sobressaltos diversos entre as diversas alas que o apoiam, levando ao afastamento logo numa primeira fase da ala liberal agrupada em torno do almirante Cabeçadas e, posteriormente, do próprio líder do golpe o General Gomes da Costa.

À medida que a chefia da Ditadura se vai definindo e esta se institucionaliza enquanto regime político sofre convulsões internas no seu bloco de apoio – por divergências acerca do modelo institucional a definir – e externas – provocadas por diversas tentativas revolucionárias por parte dos apoiantes do regime deposto – como seja a revolta de 7 de fevereiro de 1927. O primeiro passo na via da institucionalização será a eleição – na prática um plebiscito – de Carmona para Presidente da República, logo seguida de várias tentativas de criação de uma organização civil de apoio à Ditadura e que seja o suporte do novo regime. Porém, estas tentativas irão falhar devido a divergências ideológicas, como por exemplo a chamada 'questão do regime': monarquia ou república. Em 1928 a Ditadura enfrenta uma grave crise financeira que ameaça a sua existência enquanto regime, bem como o seu reconhecimento internacional. É nestas circunstâncias que o jovem ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, se transforma no homem forte da Ditadura Militar, acabando por a neutralizar – afastando os militares do aparelho do Estado – e ser o dirigente efetivo da institucionalização de um novo regime, o Estado Novo, entre 1930 e 1933.

A expressão 'Estado Novo' surge assim por volta de 1930 e durará até à promulgação da Constituição, em 11 de abril de 1933. O putsch militar de 28 de maio de 1926 foi dirigido por um complexo conjunto de forças e interesses fundamentados no ideário de ordem e unidos pela oposição ao Partido Democrático de Afonso Costa, sem ideologia política homogénea nem perspetivas políticas unificadoras. A luta entre as fações dirigentes do golpe militar produzirá sucessivos golpes palacianos que culminarão no afastamento dos revolucionários republicanos da primeira hora e permitirão o reforço da direita nos governos da ditadura. Esta ascensão da direita organiza-se, a partir de 1928 em torno do então ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, que ocupará em 1932 a presidência do Conselho de Ministros.

Os modelos político-organizativos do Estado Novo encontram-se já espalhados pela Europa durante os anos de 1920, nas experiências ditatoriais e fascizantes de Pilsudski, na Polónia; Mussolini, na Itália; Dolfuss, na Áustria; Horthy, na Hungria, entre outros. Regimes ditatoriais de diferente estrutura, assentes num ideário de ordem e no culto do chefe, que têm em Portugal os seus adeptos e defensores. O Estado Novo português segue de perto o modelo fascista italiano, do qual extrai um vasto conjunto de fórmulas e modelos políticos e institucionais, baseando-se também no corporativismo, no partido único e no culto do chefe. Este modelo é deliberadamente implantado na década de 1930, sendo em 1933 o grande momento da viragem jurídica e institucional. Promulgada a Constituição, que define o caráter corporativo do regime, seguem-se-lhe instrumentos jurídicos de aplicação do corporativismo, de conciliação de classes sob a direção de um Estado intervencionista: decretos-lei do Estatuto do Trabalho Nacional – decalcado da Carta del Lavoro italiana – dos Sindicatos Nacionais, das Casas do Povo e dos Grémios Obrigatórios. No ano seguinte é publicado o decreto sobre os Grémios facultativos, enquanto os do ano anterior começam a surtir efeito. O partido único – a União Nacional — é criado por iniciativa governamental em 1930 e legalizado dois anos mais tarde publicação dos seus estatutos no Diário do Governo.
O facto de a sua criação ter sido determinada pelo Governo e a sua integração no aparelho de Estado, aliados à sua passividade e apagamento, são traços distintivos do Estado Novo, em comparação ao fascismo italiano que lhe serve de modelo. Neste, o movimento conducente à tomada do poder é orientado pelo Partido Nacional Fascista dirigido pelo chefe (Mussolini). No Estado Novo o partido constitui-se posteriormente à tomada do poder, o que levou a considerá-lo como um fascismo sem movimento fascista. Salazar, ministro das Finanças, desde 1928, e presidente do Conselho de Ministros desde 1932, seria o presidente da nova associação antipartidos. A imagem de marca do chefe e do regime não se pode desligar de António Ferro secretário da Propaganda Nacional desde 1933, que procura reforçar o poder do primeiro e o apoio de massas ao segundo. O poder pessoal de Salazar não deixa de crescer: em 1936 é presidente do Conselho de Ministros e ocupa as pastas das Finanças, da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, só abandonando as três últimas respetivamente em 1940, 1944 e 1947.

Será durante o período da Guerra Civil de Espanha que o Estado Novo atinge maior radicalização. No início do conflito surgem em Portugal as organizações paramilitares: a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, do tipo de milícias, mais uma vez seguindo o modelo italiano. A consolidação do regime passou pela aniquilação das oposições internas de esquerda e direita, estando as primeiras estavam praticamente dispersas em 1933. Proibidos os partidos republicanos e desmantelada a Confederação Geral do Trabalho, o Estado Novo ficava a braços com os oficiais republicanos nas Forças Armadas (já de si debilitados pelos afastamentos decorrentes das fracassadas revoltas durante o período da Ditadura Militar) e com as forças monárquicas e católicas. Em 1934 a situação ficaria resolvida quanto aos últimos, com o convite à dissolução das suas organizações e integração na União Nacional.

Durante a sua vigência o regime foi várias vezes alvo de movimentações revolucionárias que visavam o seu derrube. As mais significativas são a greve geral de 1934, à qual faltou o apoio militar; a gorada tentativa de revolta de setembro de 1935, sob liderança da extrema-direita; a revolta dos navios da Armada em setembro de 1936. Em julho de 1937 foi perpetrado um atentado pessoal a Salazar do qual saiu ileso; em março de 1959 falha nova tentativa de insurreição militar com o apoio de civis. Em 1962 dá-se mais uma tentativa, no assalto ao quartel de Beja, para o derrube do regime.

No período da Segunda Guerra Mundial, o modelo corporativista não sofre evolução significativa. Em contrapartida, o País é agitado pelos movimentos grevistas de 1942-1943, parcialmente dirigidos pelo PCP. Em 1944-1945, acompanhando a agitação social, surge o ilegal Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), que conta com o apoio do PCP e dos republicanos históricos. Ainda em 1944 regista-se mais um levantamento militar sem consequências para o poder, a revolta da Mealhada. Ao terminar o conflito o regime vê-se confrontado com um amplo movimento político de oposição, semiespontâneo, que se organizará no Movimento de Unidade Democrática, perspetivando o fim do regime, devido à vitória das democracias. Inicia-se então, em 1945, o período da chamada "democracia orgânica", de maior abertura do Estado Novo, que termina com as eleições presidenciais de 1958. Por seu lado, o regime encontrava-se em crise pelo aumento das contradições internas das suas forças, que procuravam a saída do impasse. O Estado Novo sobrevive graças ao apoio dos vencedores da guerra, mais preocupados com a delimitação de áreas de influência mundiais que com a democracia na Península Ibérica e, em 1949, Portugal entra na NATO. Com o início das guerras coloniais, em 1961, um novo período começa, caracterizado por uma maior abertura exterior e por um processo de industrialização do País. Pela primeira vez desde a sua existência, o Estado Novo pende mais para os setores do capital financeiro, em detrimento dos interesses agrários, cuja conciliação tinha conseguido manter com as leis do condicionamento industrial. E o novo arranque da industrialização, iniciada nos anos da guerra, face a uma conjuntura de maiores facilidades concorrenciais, desenvolvida em 1951-1952 e continuada com o Primeiro Plano de Fomento (1953-1958). Em 1968, o regime é de novo abalado com o acidente de Salazar, que o impossibilita de desempenhar qualquer cargo público. Marcelo Caetano é chamado a constituir o novo governo e inicia uma nova etapa do Estado Novo a que chamará "evolução na continuidade". As guerras coloniais desenvolvem-se em três frentes perante o isolamento internacional do País. Com a morte física de Salazar, em 1970, torna-se mais aguda a luta entre conservadores e liberais e Marcelo Caetano não consegue orientar o País para soluções duradouras. A revisão constitucional de Caetano, em 1971, apesar da integração de um setor liberal na Assembleia Nacional, não traz alterações de fundo. Sob novas designações, as instituições fundamentais do regime mantêm-se, reforça-se o poder executivo, mas a liberalização não se verifica. A oposição faz o seu aparecimento com atentados bombistas, enquanto se multiplicam as ações grevistas. Em março de 1974 verifica-se uma revolta militar nas Caldas da Rainha, que prenunciará o fim próximo do regime. Problemas corporativos no seio do oficialato miliciano, suporte efetivo das guerras coloniais, conduzirão à preparação do golpe militar que, em 25 de Abril de 1974, derrubará o Estado Novo.

De facto, em vésperas do 25 de Abril, Portugal era um país anacrónico. Último império colonial do mundo ocidental travava uma guerra em três frentes africanas, onde os movimentos de libertação eram solidamente apoiadas pelo Terceiro Mundo e fazia face a sucessivas condenações nas Nações Unidas e à incomodidade dos seus tradicionais aliados. Rara era a família que não tinha alguém a combater em África, o serviço militar durava quatro anos, a expressão pública de opiniões contra o regime e contra a guerra era severamente reprimida pelos aparelhos censório e policial, os partidos e movimentos políticos estavam proibidos, as prisões cheias de presos políticos, os líderes oposicionistas exilados, os sindicatos fortemente controlados, a greve interdita, o despedimento facilitado, a vida cultural apertadamente vigiada.

A anestesia a que o povo português esteve sujeito décadas a fio, mau grado os esforços das elites oposicionistas, a par das injustiças sociais agravadas e do persistente atraso económico e cultural, foi aqui e ali sacudida por acontecimentos que fizeram tremer o regime, nalguns casos nos seus alicerces.

1937
A 4 de julho, em Lisboa, cerca das 10:30, Salazar é alvo de um atentado quando se deslocava para assistir à missa dominical. Ao sair do carro que o transportava, dera apenas alguns passos quando uma violenta explosão fez rebentar vidros, pedras e tampões dos coletores. Não se registaram mortos nem feridos. Mais tarde veio a ser detido Emídio Santana, anarcossindicalista conhecido das autoridades, acusado da responsabilidade do atentado. Ficaria preso de 1937 a 1953.

1951
O General Craveiro Lopes é investido nas funções de chefe de Estado. A recusa de Oliveira Salazar em aceitar abandonar o cargo de presidente do Conselho em favor da "função moderadora" de Presidente da República, determinou que o Governo e a União Nacional aprovassem o nome de Craveiro Lopes para 'candidato oficial'. Para trás ficaram os democratas Rui Luís Gomes e Quintão Meireles que nem sequer chegaram às urnas, o primeiro por ter sido considerado 'inelegível' pelo Conselho de Estado – depois de agredido por agentes da PIDE e membros da Legião Portuguesa – e o segundo por ter desistido de participar na 'farsa eleitoral', pela ausência de garantias mínimas de democraticidade.

1958
Decorrem as eleições presidenciais em que o General Humberto Delgado é o candidato da oposição concorrendo contra Américo Tomás, candidato do regime. A célebre frase «Obviamente demito-o!» pronunciada por Delgado em relação a Salazar numa conferência de imprensa realizada no Café Chave de Ouro, seria uma declaração de guerra à ditadura salazarista, que lhe valeria o esmagador apoio da população, apesar de algum constrangimento dos seus apoiantes políticos. Evidentemente que seria Américo Tomás a vencer as eleições, mais uma vez manipuladas pelo Governo.

1960
A 3 de janeiro, do Forte de Peniche, uma das cadeias de alta segurança utilizadas pelo governo para encarcerar os seus opositores políticos, fogem dez prisioneiros políticos entre os quais Álvaro Cunhal, líder do Partido Comunista Português.

1961
A 22 de janeiro, o Capitão Henrique Galvão lidera a "Operação Ducineia" desviando o navio português "Santa Maria" com o auxílio de 24 homens armados. Do assalto resultaria um morto e três feridos entre a tripulação e passageiros. Galvão conseguiu desembarcar os passageiros no Recife e o Presidente do Brasil, Jânio Quadros, concedeu-lhe asilo político. Esta ação, que ficaria para a História como o primeiro desvio de um meio de transporte com objetivos políticos, saldou-se por uma denúncia internacional da natureza ditatorial e antidemocrática do Estado Novo.
A 4 de fevereiro iniciam-se as hostilidades em Angola.
A 13 de abril há uma tentativa de golpe de Estado encabeçada pelo General Botelho Moniz, então Ministro da Defesa. Os chefes do movimento são detidos.
A 18 de dezembro a União Indiana anexa Goa, Damão e Diu, possessões portuguesas em território indiano. Com a independência da Índia, em 1947, o novo governo reclamava Goa como parte integrante do Estado indiano. Viveram-se anos de grande tensão perante a intransigência do Governo português em aceitar uma solução negociada. Finalmente em dezembro de 1961 as tropas indianas invadiram Goa, que seria incorporada pela força na Índia, em 1962. Na mesma altura foram também perdidas as outras duas possessões portuguesas na região, Damão e Diu.
A 19 de dezembro, o escultor e militante comunista José Dias Coelho é assassinado no bairro de Alcântara, em Lisboa, pela PIDE.



1962
A 1 de janeiro, dá-se a revolta de Beja. Um grupo de militares, entre os quais o Capitão Varela Gomes, em luta contra o regime de Salazar, tenta ocupar o Quartel de Beja. A tentativa falha, sendo detidos os militares diretamente envolvidos. O General Humberto Delgado, exilado desde as últimas eleições presidenciais, tinha entrado clandestinamente em Portugal para apoiar a ação. Em face do desaire, regressa ao exílio.
Em 26 de março, o Dia do Estudante é proibido em Lisboa. Os estudantes de Lisboa entram em greve. A Academia de Coimbra solidariza-se e a luta estudantil mantém-se acesa até maio. A Associação Académica de Coimbra é encerrada.

1963
Em abril inicia-se a guerra na Guiné.

1964
Em setembro inicia-se a guerra em Moçambique.

1965
A 13 de fevereiro, o General Humberto Delgado é assassinado pela PIDE em Vila Nueva del Fresno, perto de Badajoz, Espanha.

1966
O 10 de junho era comemorado como em todos os anos. O Dia de Portugal era uma ocasião para exaltação da guerra colonial, em que mães e viúvas choravam e as crianças ficavam com a medalha do pai, concedida a título póstumo, que não mais voltariam a ver ou que nem sequer tinham chegado a conhecer. Os discursos sucediam-se enaltecendo a estratégia do regime, falando-se de pátria, de dever a cumprir, de gesta. O vice-reitor da Universidade de Coimbra proclamava no seu discurso: «Se a Índia não pôde salvar-se com a espada da justiça, não poderá salvar-se Portugal em África sem a justiça da espada.»
Em dezembro, é divulgado um abaixo-assinado de elementos conotados com diversos setores da Oposição Democrática, em que se fazia apelo ao restabelecimento das liberdades fundamentais no país e se pedia a demissão de Salazar. Esse documento ficou conhecido como Manifesto dos 118.

1967
A 17 de maio dá-se o assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, numa primeira ação da LUAR. O golpe é dirigido por Palma Inácio. Verifica-se ainda o assalto à sede da 3ª Região Militar em Évora, também pela LUAR, com o desvio de armas.

1968
A 6 de setembro, na sequência de uma queda no Forte de Santo António no Estoril, Salazar fica fisicamente incapacitado e é afastado do Governo. A 27 de setembro, Marcelo Caetano é nomeado Primeiro-ministro, na sequência de convite do Presidente da República Américo Tomás. A cerimónia decorreu no Salão Nobre do Palácio de S. Bento, contando com a presença de membros do Governo, deputados, procuradores à Câmara Corporativa, magistrados, professores universitários, altas patentes militares e figuras da área económica. No seu primeiro discurso como chefe do Governo, frisou que a sua preocupação imediata seria «assegurar a continuidade», clarificando que «essa continuidade será procurada não apenas na ordem administrativa como, naturalmente, no plano político».
Em dezembro, devido ao forte clima de contestação estudantil vivido em Lisboa nos dois últimos meses, o Governo manda encerrar o Instituto Superior Técnico. É decretado pela Associação Académica de Lisboa 'luto académico'.

1969
A 17 de abril desencadeia-se em Coimbra a crise universitária de 1969 na sequência da qual é decretada greve às aulas e, mais tarde, o boicote aos exames da época de junho.
A vida portuguesa seria ainda dominada pelo II Congresso Republicano a 15 de maio e pelas eleições legislativas em 26 de outubro, para a Assembleia Nacional. Como seria de prever num regime de partido único em que a oposição política era tolerada mas não aceite, a União Nacional, partido do governo, ganha as eleições com quase 88% dos votos e cerca de 40% de abstenções (que, para o caso, contavam como votos no partido governamental). Forma-se, no seio da União Nacional, um movimento que ficou conhecido como "Ala Liberal", integrando, entre outros, Pinto Leite, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota, Miller Guerra e agindo como uma "oposição moderada" dentro do próprio regime.
A 17 de novembro o Governo muda o nome da polícia política de PIDE para DGS, exemplo da "evolução na continuidade".

1970
A 27 de julho, após cerca de ano e meio de doença que o inibira do desempenho das funções de Presidente do Conselho de Ministros, Salazar morre em Lisboa. Aos últimos momentos de vida assistem a equipa médica, um grupo restrito de familiares e a sua governanta Maria de Jesus. Às 11:20 a bandeira nacional era colocada a meia haste no Palácio de S. Bento; o corpo de Salazar esteve em câmara-ardente no Mosteiro dos Jerónimos, de onde saiu o funeral, em comboio especial, para Santa Comba Dão. Ali ficaria sepultado em campa rasa, como era seu desejo, ao lado dos pais.

1971
A 8 de março, a Ação Revolucionária Armada (ARA) afeta ao PCP, ataca a Base Aérea de Tancos e destrói toda a frota de helicópteros e alguns aviões de treino.
A 16 de agosto, numa tentativa de aparentar uma certa abertura do regime, a Assembleia Nacional aprova uma resolução constitucional em que se preconiza maior autonomia para as "Províncias Ultramarinas", como passaram a ser denominadas as colónias africanas. Entretanto Portugal continuava a ignorar as recomendações da ONU relativamente aos territórios africanos sob governo português.

1972
A 12 de outubro, o estudante de engenharia, Ribeiro dos Santos, afeto ao MRPP, é morto a tiro pela polícia no decorrer de uma manifestação em Lisboa. O caso dará azo a grandes manifestações estudantis.
A 2 de novembro, a Assembleia-geral da ONU reconhece a «legitimidade da luta armada contra Portugal, em África».
A 16 de dezembro, o Exército Português desencadeia uma operação militar sobre a população indígena em Wiriyamu (Moçambique). Mais tarde a imprensa internacional irá denunciar esta ação e o caso tornar-se-á tristemente célebre sob a designação de Massacre de Wiriyamu.

1973
A 4 de abril realiza-se em Aveiro o III Congresso da Oposição Democrática. Mais de três mil pessoas superlotaram o Cineteatro Avenida, onde decorreram os trabalhos. O Governo havia entretanto proibido os atos públicos programados pelas comissões do Congresso e ordenou uma das mais violentas repressões de manifestações de rua jamais vistas em Portugal. Os congressistas aprovaram os seguintes objetivos: fim da guerra colonial; luta contra o poder absoluto do capitalismo monopolista; conquista das liberdades democráticas. Durante o encontro foi prestada homenagem a Mário Sacramento, tendo o professor da Faculdade de Letras de Lisboa, Lindley Cintra, recordado o final da sua carta-testamento: «Façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá.»
A visita de Marcelo Caetano a Londres é aproveitada pela imprensa britânica para denunciar os massacres do colonialismo português em Wiriyamu.
A 19 de abril, numa reunião da Ação Socialista Portuguesa, realizada perto de Bona, Alemanha, é fundado o PS.
A 21 de agosto ocorre a primeira reunião clandestina de capitães em Bissau.
A 9 de setembro, nova reunião clandestina de capitães no Monte Sobral (Alcáçovas): nascimento do MFA.
A 24 de setembro, nas regiões sob controlo do PAIGC, reunida a Assembleia Popular, é proclamada unilateralmente a independência do Estado da Guiné-Bissau.

1974
A 22 de fevereiro publica-se o livro Portugal e o Futuro do General António de Spínola, em que este defende que a solução para a guerra colonial deverá ser política e não militar.
A 5 de março, nova reunião da Comissão Coordenadora do MFA. É lido e decidido pôr a circular no seio do Movimento dos Capitães o primeiro documento do Movimento contra o regime e a Guerra Colonial: intitulava-se "Os Militares, as Forças Armadas e a Nação" e foi elaborado por Melo Antunes.
A 14 de março, o Governo demite os Generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de Chefe e Vice-Chefe de Estado-maior General das Forças Armadas, alegando falta de comparência na cerimónia de solidariedade com o regime, levada a cabo pelos três ramos das Forças Armadas. Essa cerimónia de solidariedade será ironicamente batizada nos meios ligados à oposição ao regime como "Brigada do Reumático" nome pelo qual ainda hoje é muitas vezes referenciada. A demissão dos dois generais virá a ser determinante na aceleração das operações militares contra o regime.
A 16 de março ocorre uma tentativa de golpe militar contra o regime. Só o Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha marcha sobre Lisboa, num golpe esboçado com contornos algo indefinidos e que, consequentemente falharia. São presos cerca de 200 militares, mas este pronunciamento militar ficaria na História como o prenúncio do 25 de Abril e não deixou de ser um sinal visível do descontentamento reinante entre os militares, que a demissão dos respeitados generais António de Spínola e Costa Gomes iria precipitar para a ação.
A 24 de março dá-se a última reunião clandestina da Comissão Coordenadora do MFA, na qual foi decidido o derrube do regime e o golpe militar.
A 23 de abril Otelo Saraiva de Carvalho entrega, a capitães mensageiros, sobrescritos fechados contendo as instruções para as ações a desencadear na noite de 24 para 25 e um exemplar do jornal a Época, como identificação, destinada às unidades participantes.
A 24 de abril o jornal República, em breve notícia, chama a atenção dos seus leitores para a emissão do programa "Limite" dessa noite, na Rádio Renascença.
A 24 de abril, pelas 22:00 horas, Otelo Saraiva de Carvalho e outros cinco oficiais ligados ao MFA já estão no Regimento de Engenharia 1 na Pontinha onde, desde a véspera, fora clandestinamente preparado o Posto de Comando do Movimento. Será ele a comandar as operações militares contra o regime.
A 24 de abril, pelas 22:55 horas, transmissão da canção "E depois do Adeus", interpretada por Paulo de Carvalho, aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa, marca o início das operações militares contra o regime.
A 25 de Abril, pelas 00:20 horas, transmissão da canção "Grândola Vila Morena" de José Afonso, no programa "Limite" da Rádio Renancença, é a senha escolhida pelo MFA, como sinal confirmativo de que as operações militares estão em marcha e são irreversíveis.
A 25 de Abril, das 00:30 às 16:00 horas:
Ocupação de pontos estratégicos considerados fundamentais (RTP, Emissora Nacional, Rádio Clube Português, Aeroporto de Lisboa, Quartel General, Estado Maior do Exército, Ministério do Exército, Banco de Portugal e Marconi).
Primeiro comunicado do MFA difundido pelo Rádio Clube Português.
Forças da Escola Prática de Cavalaria de Santarém estacionam no Terreiro do Paço.
As forças paramilitares leais ao regime começam a render-se: a Legião Portuguesa é a primeira.
Desde a primeira hora o povo vem para a rua para expressar a sua alegria. Início do cerco ao Quartel do Carmo, chefiado pelo Capitão Salgueiro Maia, entre milhares de pessoas que apoiavam os militares revoltosos. Dentro do Quartel estão refugiados Marcelo Caetano e mais dois ministros do seu Gabinete.

A 25 de Abril, pelas 16:30 horas, expira o prazo inicial para a rendição anunciado por megafone pelo Capitão Salgueiro Maia; após algumas diligências feitas por mediadores civis, Marcelo Caetano faz saber que está disposto a render-se e pede a comparência no Quartel do Carmo de um oficial do MFA de patente não inferior a coronel.
A 25 de Abril, pelas 17:45 horas, o General Spínola, mandatado pelo MFA entra no Quartel do Carmo para negociar a rendição do Governo. Algum tempo depois o Quartel do Carmo hasteia a bandeira branca.
A 25 de Abril, pelas 19:30 horas, dá-se a rendição de Marcelo Caetano. A chaimite BULA entra no Quartel para retirar o ex-presidente do Conselho e os ministros que o acompanhavam, levando-os, à guarda do MFA para o Posto de Comando do Movimento no Quartel da Pontinha.
A 25 de Abril, pelas 20:00 horas, disparos de elementos da PIDE/DGS sobre manifestantes que começavam a afluir à sede daquela polícia na Rua António Maria Cardoso, fazem quatro mortos e 45 feridos.
A 26 de abril:
A PIDE/DGS rende-se após conversa telefónica entre o General Spínola e Silva Pais, diretor daquela corporação.
Apresentação da Junta de Salvação Nacional ao país, perante as câmaras da RTP.
Por ordem do MFA, Marcelo Caetano, Américo Tomás, César Moreira Batista e outros elementos afetos ao antigo regime, são enviados para a Madeira.
O General Spínola é designado Presidente da República.
Libertação dos presos políticos de Caxias e Peniche.

A 27 de abril dá-se a apresentação do Programa do Movimento das Forças Armadas.
De 29 a 30 de abril, regressam os líderes do Partido Socialista, Mário Soares e do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal.
A partir daqui elege-se, por sufrágio direto, a Assembleia Constituinte, tendo em vista elaborar uma nova Constituição que fosse a expressão de um regime democrático e garantisse a liberdade de pensamento. O país entrava assim numa nova fase de estabilidade, mau grado alguns acidentes de percurso como o PREC (Processo Revolucionário Em Curso), em que apesar de todas as vicissitudes conseguiu manter um sistema de funcionamento democrático das instituições, algo que já não se verificava há pelo menos meio século.



CONCLUSÃO
Daquilo que foi longamente exposto, ressalta que Portugal nunca foi um país de 'brandos costumes'. Pelo menos no sentido de um país amorfo, sem uma vontade definida, que se contenta em seguir cegamente o líder.

Embora aparente que tal situação se verificou durante os 48 anos da ditadura salazarista, a verdade é que não foi um período isento de contestação e de revoltas militares que o regime ia, duma forma ou de outra, neutralizando.

Naturalmente que o controlo dos meios de comunicação através da Censura, viabilizando apenas aquilo que o Governo pretendia que fosse do conhecimento da população, a par com a ação da PIDE que implementava o terror, teve um papel primordial na ausência de uma contestação mais visível. Que, no entanto, não deixou de se fazer sentir.

É assim que, tendo os militares – assumindo, mais uma vez na História Contemporânea de Portugal, um certo papel de redentores – derrubado um regime político que permanecera cego e surdo à evolução do mundo que o rodeava, desde logo o povo, essa massa até então considerada ignara e dócil, veio para a rua em peso demonstrando inequivocamente uma consciência política que contrariava a menoridade cívica que durante tanto tempo o fizeram crer que era seu estatuto.

E que, por vezes, ainda fazem crer.

BIBLIOGRAFIA

DACOSTA, Fernando, Nascido no Estado Novo, Braga, Círculo de Leitores, 2002
Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Seleções do Reader's Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1985, 2 vols.
Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coord. edit.), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's].
Portugal – Um Século de Imagens, Livro de Ouro, Mário Bettencourt Resendes (dir.), Lisboa, Diário de Notícias / Tranquilidade Seguros, 1999.

Webliografia
Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra in
http://www.uc.pt/cd25a/cron_po/cron01.html.

Origem das figuras

Fig. 1 – Google Imagens

Fig. 2 - João B. Serra, "GOLPES MILITARES NO SÉCULO XX" in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coordenação), Seleções do Reader's Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1985, vol. 1, pp. 291, 292.

Fig. 3 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, Livro de Ouro, Lisboa, Mário Bettencourt Resendes (dir.), Diário de Notícias / Tranquilidade Seguros, 1999, p. 48.

Fig. 4 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 49

Fig. 5 - Extraída de "Afonso Costa" in Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's].

Fig. 6 - Extraída de "Henrique de Paiva Couceiro" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 7 – Extraída de "Canto e Castro" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 8 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 61.

Fig. 9 - Digitalizada a partir de Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, op. cit., vol. 1, p. 192.

Fig. 10 - Extraída de "José Mendes Cabeçadas" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 11 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 67.

Fig. 12 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 66.

Fig. 13 - Extraída de "Marechal Óscar Carmona" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 14 - Extraída de "António de Oliveira Salazar" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 15 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 76.

Fig. 16 - Extraída de "Mocidade Portuguesa" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 17 - Extraída de "F. H. Craveiro Lopes" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 18 - Extraída de "Marcello Caetano" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 19 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 82.

Fig. 20 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 98.

Fig. 21 - Extraída de "Humberto Delgado" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 22 - Idem.

Fig. 23 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 105.

Fig. 24 - Extraída de "Américo Thomaz" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 25 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 104.

Fig. 26 - Extraída de "Forte de Peniche" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 27 – Idem.

Fig. 28 - Extraída de "Henrique Galvão" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 29 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 108.

Fig. 30 – Digitalizada a partir de DACOSTA, Fernando, Nascido no Estado Novo, Braga, Círculo de Leitores, 2002

Fig. 31 – Idem, pág. 113.

Fig. 32 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 123.

Fig. 33 - Idem, p. 127.

Fig. 34 - Idem, p. 128.

Fig. 35 – Idem, p. 129.

Fig. 36 – Idem, p. 130.

Fig. 37 – Idem.

Fig. 38 – Idem.

Fig. 39 - Extraída de "Salgueiro Maia" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 40 – Google Imagens.

Fig. 41 – Idem.

Fig. 42 - Digitalizada a partir de Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 132.

Fig. 43 - Extraída de "Mário Soares" in Diciopédia 2003, op. cit.

Fig. 44 - Extraída de "Álvaro Cunhal" in Diciopédia 2003, op. cit.









APPENDIX - Figuras







Fig. 1 - RegicídioFig. 1 - Regicídio
Fig. 1 - Regicídio
Fig. 1 - Regicídio















Fig. 2 – Estatística dos golpes militares entre 1910 e 1974



























Fig. 3 – Sidónio Pais assiste às cerimónias religiosas presididas pelo cardeal-patriarca em memória dos que tombaram em França e em África, durante a 1ª Guerra Mundial.









Fig. 4 – Sidónio Pais no seu leito mortuário.



















Fig. 5 – Afonso Costa
Fig. 6 – Henrique de Paiva Couceiro
Fig. 7 – Almirante Canto e Castro.











Fig. 8 – General Gomes da Costa.












Fig. 9 – Força da GNR encarregue de fechar o Parlamento na sequência dos acontecimentos de 28 de maio de 1926.














Fig. 10 – Almirante Mendes Cabeçadas.



Fig. 11 – A Guarda Republicana revoltada, em fevereiro de 1927, toma posições em S. Pedro de Alcântara, Lisboa.









Fig. 12 – Funerais das vítimas da revolta de fevereiro de 1927 em Lisboa.













Fig. 13 – Marechal Óscar Carmona














Fig. 14 – António de Oliveira Salazar





Fig. 15 – O Gabinete de Salazar, terceiro a contar da esquerda, constituído em julho de 1933.







Fig. 16 – Mocidade Portuguesa
































Fig. 18 – Marcelo Caetano
Fig. 17 – General Craveiro Lopes




















Fig. 19 – No dia 4 de julho de 1937, cerca das 10h30, Salazar é alvo de um atentado com uma bomba a explodir segundos depois de se ter apeado do automóvel que o conduzira à missa dominical.
































Fig. 20 – Investidura do general Craveiro Lopes como Presidente da República em 1951.


Fig. 21 – General Humberto Delgado


















Fig. 22 – Receção apoteótica do general Delgado na cidade do Porto em 1958, durante a campanha eleitoral para a Presidência da República.


























Fig. 23 – Conferência de imprensa dada por Delgado na campanha eleitoral para a Presidência da República em 1958, onde pronunciaria a célebre frase em relação a Salazar: «Obviamente, demito-o!».










Fig. 24 – Almirante Américo Thomaz
























Fig. 25 – Almirante Américo Thomaz, investido em março de 1958 nas funções de Chefe de Estado, em cerimónia realizada na Assembleia Nacional, após o que assomou à varanda para saudar o público e as tropas em parada. Num setor especial, encontram-se elementos do patronato, empregados do comércio, funcionários públicos e camarários, devidamente enfileirados pelo Governo.





















Fig. 26 – Forte de Peniche, vista da muralha defensiva ao longo do porto piscatório.
Fig. 27 – Forte de Peniche, vista do castelo e muralhas do forte.











Fig. 28 – Capitão Henrique Galvão











Fig. 29 – O capitão Henrique Galvão durante o desvio do "Santa Maria".












Fig. 30 – Regresso a Lisboa do "Santa Maria", desviado por Henrique Galvão em conjunto com 24 homens armados.





















Fig. 31 – Comemorações do Dia de Portugal a 10 de Junho de 1966.























Fig. 32 – Marcelo Caetano discursa no ato de posse como chefe do Governo em 27 de setembro de 1968.























Fig. 33 – O corpo de Salazar em câmara-ardente.























Fig. 34 – Carga policial sobre os manifestantes que participaram no III Congresso da Oposição Democrática que decorreu em Aveiro em abril de 1973.


























Fig. 35 – Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha, Porta de Armas.



Fig. 36 – Forças da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, comandadas pelo capitão Salgueiro Maia, tomam posições no Terreiro do Paço em 25 de Abril de 1974.



































Fig. 37 – A população de Lisboa sai à rua em massa para apoiar o movimento militar, em 25 de Abril de 1974.





Fig. 38 – Cerco ao Quartel do Carmo, onde se refugiara Marcelo Caetano, pelas tropas da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, sempre com o apoio da população.

































Fig. 41 – Marechal Costa Gomes (com o uniforme de General)
Fig. 39 – Capitão Salgueiro Maia
Fig. 40 – Marechal António de Spínola









Fig. 42 – Apresentação da Junta de Salvação Nacional, presidida pelo General António de Spínola, perante as câmaras da RTP a 26 de abril de 1974.








































Fig. 43 – Mário Soares

Fig. 44 – Álvaro Cunhal



N. A.: Estas expressões resultam das memórias de infância do autor do trabalho que ora se apresenta.

Regicídio – A violência da oposição à ditadura de João Franco criara as condições propícias a uma tentativa revolucionária republicana. Em 21 de janeiro de 1908 são presos, como suspeitos de conspiração, França Borges, João Chagas, Alfredo Leal e Vítor de Sousa. Em 28 de janeiro fracassa uma tentativa revolucionária. Foram presos, como implicados na intentona, entre outros, Afonso Costa, Egas Moniz, Álvaro Pope e o visconde de Ribeira Brava. O Governo resolve então intensificar a repressão. Prepara um decreto que lhe permite expulsar do país ou deportar para o ultramar os culpados de crime contra a segurança do Estado. Em 31 desse mês, o ministro da Justiça Teixeira de Abreu regressa de Vila Viçosa, onde se encontrava a família real, com o decreto assinado. D. Carlos, no dia seguinte, 1 de fevereiro, regressa a Lisboa acompanhado da família real. Tendo desembarcado no Terreiro do Paço, seguiam numa carruagem aberta para o Paço das Necessidades. A carruagem real roda lentamente junto da penúltima arcada do lado ocidental do Terreiro do Paço. Subitamente, rompendo entre o cordão de polícias e população, um homem de revólver em punho põe o pé no estribo traseiro da carruagem real e dispara à queima-roupa contra o rei, atingindo-o com dois tiros na cabeça. A carruagem segue à desfilada pela rua do Arsenal, quando um outro indivíduo, mais adiante, dispara uma carabina que trazia oculta contra D. Luís Filipe, que segurava um revólver, matando-o. D. Manuel é atingido num braço. Apenas a rainha D. Amélia sai ilesa. O pânico e o tiroteio Generalizam-se. O primeiro regicida terá sido morto pelo príncipe D. Luís Filipe. O segundo é morto pela polícia. Os regicidas foram Alfredo Costa, de 28 anos, caixeiro de profissão e Manuel Buíça, de 32 anos, professor primário, ambos republicanos. Cf. "Regicídio" in Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's]; vide Appendix fig. 1.

Vide Appendix, fig. 2.
Cf. António Moreira, "SIDONISMO" in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coordenação), Seleções do Reader's Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1985, 2 vols., vol. 2, pp. 226, 227.

Sidónio Pais – Nasceu em 1872. Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais repartiu a sua atividade pela docência (regeu a cátedra de Matemática em Coimbra), pelo serviço militar, pela política e pela diplomacia. A sua carreira política apenas se iniciou após a implantação do regime republicano, durante o qual foi sucessivamente deputado e senador e sobraçou pastas ministeriais (Fomento e Finanças), após o que ingressou na carreira diplomática, como representante de Portugal em Berlim, quando já se avizinhava a Primeira Guerra Mundial. Regressando a Portugal após a declaração do estado de guerra entre a Alemanha e Portugal, participa na conspiração que virá a instaurar a "República Nova", que, sob a sua direção suprema, colocou no poder, no período de 1917-18, uma confederação de interesses composta por republicanos descontentes, monárquicos e clericais, e adversários da participação na guerra. Legitimou a sua presidência por meio de eleições, exerceu o poder com um misto de autoritarismo (em que alguns encontram uma espécie de "ensaio" do salazarismo) e de populismo. A sua morte, num atentado, em 1918, deixou o país numa situação de grande instabilidade, em que se chegou a temer a restauração da Monarquia. Cf. "Sidónio Pais" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 3, 4.

Afonso Costa – Afonso Augusto da Costa nasceu em 1871. Advogado de formação, entrou para o Parlamento em 1900 e logo então defendeu a substituição da monarquia pelo sistema republicano. Depois de implantada a República em 1910, foi ministro da Justiça do Governo Provisório, cabendo-lhe preparar e publicar algumas leis basilares do novo regime, como as respeitantes à separação da Igreja e do Estado, ao divórcio e à família. Assumiu por diversas vezes, entre 1913 e 1917, os cargos de chefe do Executivo e de ministro das Finanças, ficando-se-lhe a dever algumas das iniciativas de reforma social e institucional mais importantes do período da República parlamentarista. Como governante, Afonso Costa equilibrou as finanças públicas, criou o Ministério da Instrução e foi o responsável por legislação de relevo nas áreas da economia, das finanças, da justiça, do trabalho, etc. Em todo este labor, aliava a sua competência técnica de jurista a uma qualidade invulgar de homem de Estado. Defensor da entrada do país na Primeira Guerra Mundial, Afonso Costa afirmava que só dessa maneira o país se livraria da tutela inglesa e defenderia eficazmente os seus interesses nos territórios ultramarinos. Aliando-se a António José de Almeida, constituiu a chamada União Sagrada, que governaria até 1917, isto é, até à altura em que se deu o golpe de Sidónio Pais. Afonso Costa foi então preso. Uma vez libertado, partiu para França, exilado, mas não demoraria a voltar para Portugal. Morto Sidónio Pais, a situação política proporcionou o regresso. Em 1919, foi nomeado chefe da delegação portuguesa à Conferência de Paz e à Sociedade das Nações. Depois, porém, deu-se o golpe de 1926, que instaurou a Ditadura Militar, seguindo-se-lhe a consolidação do Estado Novo, alguns anos mais tarde. Num país que vivia sob um regime político que não era aquele por que desde novo combatera, Afonso Costa veio a morrer em 1937. Cf. "Afonso Costa" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 5.

Membros do Partido Unionista chefiado por Manuel de Brito Camacho (1862-1934). Médico, jornalista, governador ultramarino e escritor, Manuel de Brito Camacho nasceu em 1862, em Aljustrel, e morreu em 1934, em Lisboa. Foi uma das personalidades de maior relevo da política republicana. Em 1906 fundou e dirigiu A Luta, diário que exerceu significativa influência na sociedade portuguesa e que em contribuiu, pela sua orientação ideológica, para a implantação da República. O papel de Brito Camacho no movimento que implantou a República foi da maior importância, graças às suas relações com o chefe militar Cândido dos Reis e às suas amizades entre a classe dos oficiais do exército e da armada. Depois de proclamado o novo regime, assumiu, em novembro de 1910, a pasta do Fomento do Governo provisório. Após a cisão do Partido Republicano, Brito Camacho fundou e chefiou a União Republicana. Durante a Primeira Guerra Mundial, manteve-se afastado dos governos da União Sagrada, defendendo a ideia de que a participação de Portugal deveria dar-se nas colónias africanas e não em França. Esta sua posição encontra-se explicitada em obras como Portugal na Guerra e Rescaldo da Guerra. Nos finais de 1921, Brito Camacho foi nomeado alto-comissário da República na colónia de Moçambique. Mais tarde, o estadista veio a abandonar a política, dedicando-se à literatura, mas não teve, neste capítulo, sucesso idêntico ao que alcançara como jornalista. Cf. "Unionista", "Manuel de Brito Camacho" in Diciopédia 2003, op. cit.

Partido Evolucionista – Também chamado Partido Republicano Evolucionista, foi fundado em 1912 por António José de Almeida, que foi também o seu líder. À parte o período da União Sagrada, os evolucionistas foram os republicanos que mais se opuseram à supremacia do Partido Democrático. António José de Almeida reclamava constantemente a amnistia para os monárquicos, pensa-se que tentando conquistar adeptos. Assim, os evolucionistas sempre disseram que buscavam a concórdia nacional. A eleição de António José de Almeida para presidente da República, em 1919, determinou a dissolução do partido. Cf. "Partido Evolucionista" in Diciopédia 2003, op. cit.

António Maria de Azevedo Machado Santos – O político republicano Machado Santos nasceu em 1875. Foi membro dirigente da Carbonária e um conspirador antimonárquico extremamente ativo. Na altura comissário naval, foi o chefe militar da revolução republicana vitoriosa de 5 de Outubro de 1910, cabendo-lhe comandar a força que ocupou a Rotunda, em Lisboa. Pelo excecional espírito combativo demonstrado e pela eficácia da sua ação, a Assembleia Constituinte, em 1911, promoveu-o a capitão de mar e guerra, concedendo-lhe ainda uma pensão anual a título vitalício. Mais tarde, Machado Santos chegaria ao posto de vice-almirante. Dos acontecimentos da Rotunda dá conta um Relatório, que foi escrito pelo próprio Machado Santos mas não constitui fonte absolutamente fiável, uma vez que o autor não assistiu a certos sucessos que menciona, antes reproduz informações que recolheu junto de outros intervenientes nos combates de 1910. Depois da instauração da República, curiosamente, Machado Santos revelou-se uma personalidade irrequieta e perturbadora da própria estabilidade do regime. Tornou-se evidente a sua incompatibilidade com a orientação política do País e a Generalidade dos seus dirigentes. Nos jornais, criticava acidamente quase todos os governos, em intervenções incómodas e nem sempre claras quanto à orientação política que preconizava como alternativa. Foi apoiante de Sidónio Pais, em cujo consulado foi ministro (responsável pela pasta do Interior) e secretário de Estado (das Subsistências e Transportes), mas depois passou também a opor-se-lhe. De qualquer forma, as suas convicções republicanas foram claramente afirmadas no empenho que pôs em enfrentar a Monarquia do Norte. Morreu assassinado, em 1921, durante a chamada Noite Sangrenta, juntamente com António Granjo. Cf. "António Maria de Azevedo Machado Santos" in Diciopédia 2003, op. cit.

Um regime presidencialista em que o Presidente é o chefe do Governo e os ministros são secretários de Estado, à semelhança do norte-americano. Cfr. Fernando Dacosta, Nascido no Estado Novo, Braga, Círculo de Leitores, 2002, p. 136.
Designação dada aos monárquicos durante a Traulitânia, período político entre 19 de janeiro e 13 de fevereiro de 1919, em que vigorou a chamada Monarquia do Norte, com sede no Porto. Cf. "trauliteiro", "Traulitânia" in Diciopédia 2003, op. cit.

Monarquia do Norte – Após o assassinato de Sidónio Pais, a 14 de dezembro de 1918, os monárquicos portugueses aproveitaram a situação de instabilidade vivida no País para redobrar as suas ações no sentido de restaurar o regime derrubado a 5 de Outubro de 1910. Assim, a 19 de janeiro de 1919, a Junta do Norte proclamou, no Porto, a restauração da Monarquia, anunciando a constituição de uma Junta Governativa. Esta era constituída por Henrique de Paiva Couceiro, que, além de presidente, tinha a seu cargo a pasta da Fazenda e Subsistências; António Adalberto Sollari Allegro, com a pasta do Reino; o visconde do Banho, encarregado dos Negócios Eclesiásticos, da Justiça e da Instrução; na Guerra e Comunicações, João de Almeida; nos Negócios Estrangeiros, Luís de Magalhães; nas Obras Públicas, Correios e Telégrafos, Artur da Silva Ramos; e na Agricultura, Comércio e Indústria e Trabalho, o conde de Azevedo. A proclamação da Junta do Norte gerou focos de resistência ao poder republicano em vários pontos do País. No Norte, os republicanos foram perseguidos e presos, sendo utilizado o Eden-Teatro do Porto como local onde decorriam os interrogatórios. A 23 de janeiro, seguindo os passos dos monárquicos do Norte, os monárquicos de Lisboa concentraram-se em Monsanto, acabando, porém, por ser vencidos em pouco tempo. Os monárquicos do Norte, porém, mantiveram posições durante perto de um mês, dominando a quase totalidade do Minho e Trás-os-Montes, e ainda parte das Beiras. A revolta caiu a 13 de fevereiro, com a entrada no Porto das tropas fiéis à República. Cf. "Monarquia do Norte" in Diciopédia 2003, op. cit.

Henrique de Paiva Couceiro – De seu nome completo Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, nasceu na cidade de Lisboa em 1861 e aí morreu em 1944. Foi oficial do Exército, participando em campanhas em África. Ficou célebre, nomeadamente, na luta contra as forças de Gungunhana. Pelos seus feitos militares, foi alvo de diversas condecorações e homenagens. Foi proclamado Benemérito da Pátria em 1896. Anos mais tarde, em 1907, foi nomeado Governador-geral de Angola por D. Carlos. Em 1910, aquando da instauração da República, contava-se entre os defensores da causa monárquica. Em 1919, após o assassinato de Sidónio Pais, Paiva Couceiro vê a sua grande oportunidade de lutar pela restauração do regime em que acreditava. Assim, proclama a monarquia no Porto, tornando-se presidente da respetiva Junta Governativa. Porém, a situação não consegue perdurar e o regime republicano é novamente instaurado. A partir dessa altura, Paiva Couceiro retira-se da vida política, partindo exilado para as Canárias. Cf. "Henrique de Paiva Couceiro" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 6.

João Tamagnini de Sousa Barbosa – Político português (1883/12/30-1948/12/15) nascido em Macau e falecido em Lisboa. Estudou na Escola do Exército e na Escola Politécnica, em 1904 e 1905 respetivamente. Em 1911 resolveu juntar-se à Maçonaria. De 1917 a 1918 foi ministro das Colónias, cargo que deixou a 15 de maio para se tornar ministro do Interior até 8 de outubro e, seguidamente, ministro das Finanças até 23 de dezembro. A partir desta data ocupou o cargo de presidente do Governo acumulando com o de ministro do Interior até ao ano seguinte. Em 1927, após um período como deputado, foi deportado para a Madeira, vindo a ocupar mais tarde o lugar de Comandante militar da ilha Terceira. Cf. "João Tamagnini de Sousa Barbosa" in Diciopédia 2003, op. cit.

Canto e Castro – De seu nome completo João do Canto e Castro Silva Antunes, nasceu em 1862. Monárquico (chegou a ser deputado em 1908), oficial da Marinha com carreira feita nas colónias e em funções de comando, fez parte do governo de Sidónio Pais, na qualidade de ministro da Marinha, e acabou por ser eleito Presidente da República pelo Congresso após o assassinato de Sidónio. A eleição gerou forte controvérsia. A sua credibilidade ficou fortemente abalada, mas Canto e Castro acabou por contrariar as expectativas mais pessimistas ao garantir a efetivação de eleições legislativas em 1919 (nas quais venceu uma maioria democrática) e ao defender a República (apesar das suas profundas convicções monárquicas) contra as tentativas de restauracionismo registadas no mesmo ano (Monarquia do Norte, revolta de Monsanto). Em 1919 foi promovido a Almirante por distinção. Morreu em 1934. Cf. "Canto e Castro" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 7.

Agostinho da Silva apud Fernando Dacosta, Nascido no Estado Novo, op. cit, p. 133.
Vital Fontes (chefe do pessoal da Presidência à época) apud Fernando Dacosta, op. cit., p. 137.
Cf. Fernando Dacosta, op. cit., pp. 136-139.
Idem, p. 138.
Cf. Fernando Dacosta, Nascido no Estado Novo, op. cit., p. 140.
Cf. Portugal – Um Século de Imagens, Livro de Ouro, Lisboa, Mário Bettencourt Resendes (dir.), Diário de Notícias / Tranquilidade Seguros, 1999, p. 49.
Cf. Fernando Dacosta, op. cit., pp. 142., 143.
Vide supra, p. 139.
Joaquim Madureira apud Fernando Dacosta, op. cit., p. 138.
Teófilo Duarte apud Fernando Dacosta, op. cit.
Castro Sidónio apud Fernando Dacosta, op. cit., p. 139.
Armando Malheiro da Silva apud Fernando Dacosta, op. cit., pp. 138, 139.
João Medina apud Fernando Dacosta, op. cit., p. 140.

Manuel Gomes da Costa – Manuel de Oliveira Gomes da Costa nasce em 1863. Oficial do Exército, é nas colónias que decorre parte significativa da sua carreira militar, vindo mais tarde a publicar obras de História militar fundamentadas quer no estudo do passado quer na sua experiência pessoal. Participou em operações militares primeiro na Índia, depois em Moçambique, neste último caso sob as ordens de Mouzinho de Albuquerque, de quem se afirmará discípulo e admirador. É ainda naquela colónia que assume funções de caráter político-administrativo, durante o período de governo de Freire de Andrade. Implantada a República, continua a sua carreira de militar colonial em postos de chefia em Angola e São Tomé e Príncipe. Após o desencadear do conflito mundial, em que Portugal se verá envolvido, regressa à metrópole e incorpora-se, como voluntário, no Corpo Expedicionário que irá combater na frente europeia, sendo-lhe atribuído o comando da 1a Divisão daquele Corpo. Nesta sua decisão de avançar para a frente de combate será motivado por uma razão em que comungam os republicanos e os seus adversários: a intenção de preservar a integridade do Império. Terminada a guerra, já com a patente de General a que fora promovido pelo seu comportamento exemplar na Flandres, envolve-se em atividades políticas conspirativas contra a República, a que na realidade nunca aderira, dadas as suas convicções monárquicas. Associa-se a políticos de tendências diversas, contando-se entre eles desde adversários declarados do regime, como os Integralistas Lusitanos, a republicanos desiludidos, como Machado Santos, o herói da Rotunda, um dos símbolos da revolta vitoriosa do 5 de Outubro de 1910. Militar prestigiado e condecorado ao mais alto nível, a sua irrequietude política fá-lo entrar em choque com as autoridades, o que lhe vale a prisão por mais de uma vez e uma espécie de exílio disfarçado (missão de inspeção às forças militares no Oriente, o que se traduz no seu afastamento dos centros de decisão e dos ambientes conspirativos). Depois do seu regresso, a ligação a movimentos conspirativos não esmorece, envolvendo-se na preparação do movimento político e militar que iria traduzir-se no golpe de 28 de maio de 1926 e na consequente instauração da Ditadura Militar. Vitorioso o golpe, os vencedores envolvem-se em disputas internas: Gomes da Costa dirige um golpe que derruba Mendes Cabeçadas e é por sua vez deposto num novo golpe encabeçado pelo General Sinel de Cordes, numa vertiginosa sucessão de conflitos. A 9 de julho triunfa o golpe de Sinel de Cordes, e apenas dois dias depois, a 11, Gomes da Costa, que recusara a opção de permanecer como Presidente da República e renunciar ao poder executivo, parte para o exílio nos Açores, onde receberá a promoção a marechal (o governo restabelece aquele grau honorífico expressamente para o homenagear) ainda no mesmo ano. Ainda exercerá algumas funções de natureza política, mas com valor protocolar apenas. Morrerá em grande pobreza, totalmente desligado do poder. Cf. "Manuel Gomes da Costa" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 8.

Cf. Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 61; António Costa Pinto, "DITADURA MILITAR" in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, op. cit., pp. 191, 192; "Ditadura Militar" in Diciopédia 2003, op. cit..

Marechal Óscar Carmona – António Óscar Fragoso Carmona, militar oriundo da arma de Cavalaria, de família de tradições militares, nascido a 24 de novembro de 1869 e falecido a 18 de abril de 1951, não possui uma folha de serviços marcada por atos notáveis. Nos primeiros tempos do regime republicano, participa nos trabalhos de reestruturação das instituições militares, após o que continua uma carreira relativamente apagada até que, em 1925, uma intentona falhada contra o regime termina em julgamento em tribunal militar. Assume aí as funções de acusador, o que lhe dá a oportunidade de apresentar um juízo pessimista sobre a situação política: asseverando que «a pátria está doente», coloca-se inesperadamente ao lado dos conspiradores acusados contra o sistema, atitude que revela as suas tendências políticas mais íntimas e lhe confere pública notoriedade. No ano seguinte, será uma das figuras de proa da conspiração política e militar que desemboca no golpe de 28 de maio. Começa aqui a sua verdadeira carreira política, que o conduz à oposição a Gomes da Costa num dos primeiros momentos de clivagem nas fileiras dos novos detentores do poder. Ascende, após a queda daquele General, à Presidência da República, na qual é confirmado pelo processo eleitoral de 1928, em que se apresenta como candidato único. A sua eleição significa, simultaneamente, um passo em frente na consolidação e institucionalização do novo regime. É no decorrer do período da Ditadura Militar que o seu poder político se acentua, na medida em que congrega à sua volta as diversas correntes de opinião no seio das forças militares apoiantes do regime e arbitra os conflitos patentes ou latentes entre os militares e os dirigentes civis, particularmente no decorrer da ascensão de António de Oliveira Salazar (durante algum tempo, Portugal vive mesmo sob um "presidencialismo bicéfalo", personificado por Carmona e Salazar). A evolução dos acontecimentos, particularmente a redução do peso político das Forças Armadas e consequentemente da sua capacidade de intervenção junto dos órgãos de decisão, acarreta o declínio da autoridade do próprio Marechal Carmona, que, apesar de continuar a ocupar a Presidência até ao seu falecimento, vê diminuir drasticamente a sua autoridade e influência perante o aumento do poder efetivo do Presidente do Conselho de Ministros, com o qual inclusivamente tem desencontros de opinião em momentos decisivos da evolução do Estado Novo. Cf. "Marechal Óscar Carmona" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 13.

António de Oliveira Salazar – Nasceu em 1889 em Santa Comba Dão, de família de pequenos proprietários agrícolas, e, como muitos jovens da sua idade e condição social, fez a sua formação académica em ambiente fortemente marcado pelo Catolicismo, tendo frequentado o seminário durante vários anos. A influência religiosa assim adquirida na juventude nunca mais o abandonaria. Estudante e depois docente na Universidade de Coimbra, teve como colega e grande amigo um sacerdote que viria a ser Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira, ele próprio também docente universitário. O seu ingresso na política faz-se através do Centro Académico da Democracia Cristã (CADC) de Coimbra, que constituiu um dos veículos de oposição católica à República liberal. O primeiro marco significativo da carreira política de Salazar – que viria a revelar-se excecionalmente longa – é justamente a sua eleição como deputado católico para o Parlamento republicano, em 1921; compareceu apenas a uma sessão da Câmara dos Deputados, sem fazer qualquer intervenção, e afastou-se em definitivo da cena parlamentar. Proclamada a Ditadura Militar, na sequência do golpe militar de 28 de maio de 1926, Salazar exerce por poucos dias o cargo de ministro das Finanças, que prontamente abandona por divergências de fundo com os generais. Regressará em 1928, para as mesmas funções, mas nas suas próprias condições: é, na realidade, um superministro com poderes para desenvolver uma política rigorosa de controlo da máquina do Estado, condição indispensável para o combate à crónica crise financeira nacional. O seu êxito neste campo solidifica a sua posição, de tal modo que ascende em 1932 à chefia do Governo, onde se manterá até 1968. Em 1933, após fazer plebiscitar uma nova Constituição, enceta a construção de um Estado autoritário (o Estado Novo), com semelhanças nalguns pontos com a Itália de Mussolini. Salazar será durante décadas o denominador comum de todos os governos constituídos em Portugal, reservando para si a chefia do Executivo e, em momentos de crise, assegurando a pasta da Guerra, do Interior ou dos Negócios Estrangeiros. Alimentando uma imagem paternal de dirigente dedicado exclusivamente à governação, "casado com a Nação" (e é indesmentível que a sua vida privada deixa de ter significado), acompanha todos os aspetos da vida nacional, dirige ou condiciona fortemente todas as áreas do governo, arbitra conflitos entre os seus próprios apoiantes ou colaboradores mais diretos e acaba por deter um poder político efetivo muito mais vasto e indiscutível que os presidentes da República que se vão sucedendo em Belém. Manterá até ao fim da sua vida política a hostilidade ao parlamentarismo, a confiança nas elites iluminadas, nunca alterando um discurso fortemente marcado pelo Catolicismo e pelo anticomunismo; simultaneamente, permanece arreigado a conceitos imperiais na defesa de um Portugal do Minho a Timor, mesmo quando o quadro político internacional sofre transformações radicais e o País se encontra envolvido numa guerra colonial em três frentes. A sua figura simbolizará o regime por ele idealizado, criado e gerido durante décadas – será mesmo a sua figura tutelar, obsessivamente presente, um dos maiores obstáculos à consolidação do seu sucessor, Marcelo Caetano. O Estado Novo criado por Salazar iria sobreviver, com numerosos sobressaltos, à sua morte política (ocorrida num vulgar acidente doméstico que terá como consequência a incapacidade física para continuar no exercício de funções e a perda da noção das realidades) e à sua morte física (que teve lugar em 1970), vindo a cair unicamente em 25 de Abril de 1974. Cf. "António de Oliveira Salazar" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 14.

Iniciada no Porto como um amplo movimento militar e civil republicano contra a Ditadura Militar, de que resultariam centenas de mortos, milhares de feridos e mais de 600 prisões e deportações. Por intermédio do núncio apostólico, os países acreditados em Lisboa felicitaram o Governo da Ditadura pela vitória alcançada e pelo regresso à 'normalidade', no que seriam secundados pelas diversas associações patronais. Cf. Portugal – Um Século de Imagens, Livro de Ouro, Lisboa, Diário de Notícias / Tranquilidade Seguros, Mário Bettencourt Resendes (dir.), 1999, p. 66; vide Appendix, fig. 11, 12.
Estado Novo – Regime político instituído sob a direção de António de Oliveira Salazar, e que vigorou em Portugal sem interrupção, embora com alterações de forma e conteúdo, desde 1933 até 1974, nalguns aspetos semelhante aos regimes instituídos por Benito Mussolini na Itália e por Adolf Hitler na Alemanha, mas também com significativas diferenças em relação aos mesmos. Podem inventariar-se, sem preocupação de se ser exaustivo, as seguintes características essenciais do Estado Novo português: 1- O culto do Chefe, Salazar (e depois, sem grande êxito, Marcelo Caetano), mas um chefe paternal, de falas mansas mas austero, eremita "casado com a Nação", sem as poses bombásticas e militaristas dos seus congéneres Franco, Mussolini ou Hitler; 2- Uma ideologia com forte componente católica, associando-se o regime à Igreja Católica através de uma Concordata que a esta concede vastos privilégios, bem diferente do paganismo hitleriano; 3- Uma aversão declarada ao liberalismo político, apesar da existência de uma Assembleia Nacional e de uma Câmara Corporativa com alguma liberdade de palavra, mas representando apenas os setores apoiantes do regime, organizados numa União Nacional, que Caetano mudará em Ação Nacional Popular (com exceção do curto período em que nela esteve integrada uma "ala liberal", numa fase crítica de fim de regime, a unanimidade será a tónica destes órgãos); 4- Um serviço de censura prévia às publicações periódicas, emissões de rádio e de televisão, e de fiscalização de publicações não periódicas nacionais e estrangeiras, velando permanentemente pela pureza doutrinária das ideias expostas e pela defesa da moral e dos bons costumes; 5- Uma polícia política (PVDE, mais tarde PIDE e no final do regime DGS), omnipresente e detentora de grande poder, que reprime de acordo com critérios de seletividade, nunca se responsabilizando por crimes de massas, ao contrário das suas congéneres italiana e especialmente alemã; 6- Um projeto nacionalista e colonial que pretende manter à sombra da bandeira portuguesa vastos territórios dispersos por vários continentes, "do Minho a Timor", mas rejeitando a ideia da conquista de novos territórios (ao contrário do expansionismo do Eixo) e que é mesmo vítima da política de conquista alheia (caso de Timor) e no qual radica a manutenção de uma longa guerra colonial; 7- Um discurso e uma prática anticomunistas, não apenas na ordem interna como na externa, que leva Salazar, por um lado, a assinar um pacto com a vizinha Espanha franquista e, por outro, a hesitar longamente entre o Eixo e as democracias durante a Segunda Guerra Mundial; 8- Uma economia tutelada por cartéis constituídos à sombra do Governo, detentores de grandes privilégios, fechada ao exterior, receosa da inovação e do desenvolvimento, que só admitirá a entrada de capitais estrangeiros numa fase tardia da história do regime; 9- Uma forte tutela sobre o movimento sindical, apertado nas malhas de um sistema corporativo que procura conciliar harmoniosamente os interesses do operariado e do patronato. O Estado Novo sofrerá diversos abalos provocados quer pelas tentações golpistas de forças de caráter abertamente fascista, à sua direita (Nacionais-Sindicalistas), quer pelas conspirações putschistas dos reviralhistas republicanos, repetidamente frustradas, quer pela ação das forças políticas que periodicamente se candidatam a eleições (nomeadamente em 1958, com o General Humberto Delgado), mas acabará por cair por ação de uma conspiração militar dirigida pelo Movimento das Forças Armadas, em 25 de Abril de 1974. Cf. "Estado Novo" in Diciopédia 2003, op. cit.

José Mendes Cabeçadas – Nasceu em 1883 e morreu em 1965. Oficial da Armada, participou na preparação e desencadeamento da insurreição de 5 de Outubro de 1910, que instaurou o regime republicano. Distinguiu-se particularmente, não só pelo grande fervor e impaciência nos momentos críticos em que o movimento parecia comprometido, como pela iniciativa corajosa ao assumir o comando do navio "Adamastor", colocando-o ao serviço da revolução. No ano seguinte, foi deputado às Constituintes, juntamente com outros jovens militares revolucionários. No entanto, viria a revoltar-se contra o regime que ajudara a implantar, por razões nem sempre muito claras, algumas aparentemente de caráter aventureiro e pessoal. Em 1926 participa nas manobras e conspirações políticas e militares que levam à instauração da Ditadura Militar. Nos primeiros dias deste novo regime, assume poderes ditatoriais, num governo em que se responsabiliza por todas as pastas, mas é prontamente afastado do poder pelos seus próprios correligionários liderados por Gomes da Costa, no que seria o primeiro choque significativo no seio do grupo político-militar vencedor. Cf. "José Mendes Cabeçadas" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 10.

Vide supra, n. 34.
Cf. António Moreira, "ESTADO NOVO" in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, op. cit., vol. 1, pp. 222, 223.
Vide supra, n. 6.
Vide supra, n. 32 ; vide Appendix, fig. 13.

Corporativismo – O corporativismo é uma forma de organização político-económica das sociedades, que se distancia das outras (que vão desde o dirigismo estatal puro até ao liberalismo radical) pelo facto de implicar a existência das denominadas corporações. As corporações são corpos profissionais que assumem o controlo dos principais aspetos da economia, ficando o Estado sem intervenção relevante a esse nível. De acordo com o sistema corporativista, as corporações correspondem a instituições que podem ter vários tipos de caráter: económico, moral e cultural. Entre as instituições de caráter económico associadas ao corporativismo podem destacar-se os sindicatos (associações profissionais sectoriais cujo principal objetivo é a defesa dos interesses económicos e profissionais dos elementos que os compõem), os grémios, as associações de comércio, as associações da indústria, as associações da agricultura, etc. Relativamente às instituições de caráter moral no âmbito do Corporativismo podem referir-se as misericórdias, as associações de assistência, etc. Finalmente, no que concerne a instituições de caráter cultural, o corporativismo pressupõe a atribuições de poderes a universidades, academias, etc. Tendo em conta o referido, pode dizer-se que o corporativismo preconiza a renúncia do Estado a um conjunto de poderes a todos os níveis da vida política, económica e social, bem como da luta de classes, aspeto fundamental da doutrina socialista, designadamente do raciocínio de Karl Marx. De acordo com o corporativismo, a luta de classes não faz sentido na medida em que os setores de atividade se organizariam em comunidades de trabalho sem qualquer oposição entre as classes sociais. De facto, de acordo com o corporativismo, essa organização institucional provocaria uma forte solidariedade entre os interesses corporativos. Em Portugal, o regime salazarista baseou-se fortemente no corporativismo, embora na prática, e tal como aconteceu noutras experiências de implementação desse sistema, o Estado tenha exercido um forte controlo sobre as corporações, facto que se traduziu na implementação de um sistema de dirigismo estatal mais do que corporativista. O corporativismo assumiu-se como sistema de organização político-económico no início do século XX, num contexto de aparecimento de soluções diversas que por sua vez se deveram a fatores como a crise do liberalismo clássico, a 1ª Guerra Mundial e a crise de 1929-30. De facto, esse contexto conturbado propiciou o aparecimento de experiências como o nacional-socialismo alemão, as economias planificadas dos regimes da Europa de Leste e o intervencionismo neoliberal. Cf. "Corporativismo" in Diciopédia 2003, op. cit.

União Nacional – O lançamento de uma estrutura partidária de caráter frentista de apoio ao regime saído do 28 de maio partiu da iniciativa pessoal de Oliveira Salazar, que em várias intervenções foi preparando a opinião pública, frisando mais de uma vez a sua necessidade. Foi ainda Salazar quem coordenou a criação de estruturas regionais do futuro partido, para o que contou com os esforços do Ministro do Interior e dos governadores civis que daquele dependiam hierarquicamente. Foram estes atores, dotados de autoridade política e administrativa, que fizeram o trabalho de campo necessário à efetivação do projeto. O processo terá tido início, informalmente, em 1930, adquirindo legitimidade em termos jurídicos com a publicação dos seus Estatutos no Diário do Governo dois anos mais tarde; em 1934, no seu I Congresso, a União Nacional criaria os seus órgãos de direção, estabeleceria a sua estrutura interna e definiria as suas normas de atuação futuras. Em 1970, sob a direção de Marcelo Caetano, viria a alterar a denominação para Ação Nacional Popular (ANP), designação que se manteria até ao dia 25 de Abril de 1974, altura em que foi dissolvida por decreto da Junta de Salvação Nacional. A criação da União Nacional obedecia a objetivos definidos a curto e a longo prazo. Destaca-se, de entre eles, a intenção de criar condições para uma transição suave da Ditadura Militar instituída em 1926 para um novo regime, de contornos ainda mal definidos, que viria a ser o Estado Novo. O caráter indubitavelmente civil do novo partido iria retirar legitimidade à intervenção das Forças Armadas na política, quebrando assim uma tradição que vinha da República democrática e que a própria Ditadura Militar, pelo seu caráter declaradamente castrense, ainda mais acentuara. Para conseguir tal desiderato, Salazar, mestre em compromissos e equilíbrios como sempre, forjou alianças com todos os setores da vida política que se haviam rebelado contra a República (católicos, monárquicos, integralistas lusitanos) e ainda com republicanos convertidos ao novo regime. O I Congresso da União Nacional reuniu-se em 1934, num momento de crispação particularmente grave da vida política nacional, quando a corporativização dos sindicatos desencadeara movimentos de forte contestação (o mais significativo dos quais seria a revolta de 18 de janeiro de 1934) e o movimento nacional-sindicalista punha de modos diversos em causa a sobrevivência ou a estabilidade do regime. A unanimidade conseguida por Salazar foi em grande parte resultado do endurecimento do regime após as movimentações oposicionistas, permitindo, por outro lado, o isolamento dos nacionais-sindicalistas mais radicais (que, postos em minoria, foram relegados à clandestinidade) e a absorção dos restantes. Este caráter 'frentista' da União Nacional manter-se-ia durante toda a vigência do regime. De facto, embora tivesse vivido momentos de quebra de unanimidade, nunca foi seriamente abalada na sua estrutura interna e nunca deixou de desempenhar o seu papel de sustentáculo político civil do regime, quer sob Oliveira Salazar quer sob Marcelo Caetano, embora nos poucos anos de governo deste último tivesse permitido no seu seio a criação e manifestação, com elevado grau de autonomia, de uma "ala liberal" que iria questionar aspetos fundamentais do sistema político. Organização centralizada e intimamente ligada ao Governo, a União Nacional e depois a sua sucessora Ação Nacional Popular seriam sempre superiormente dirigidas pelo Primeiro-Ministro em exercício: seria primeiro António de Oliveira Salazar a assegurar a presidência da sua Comissão Central, a título vitalício, e mais tarde, após a constatação do caráter irreversível da doença que o acometera, caberia a Marcelo Caetano ocupar o mesmo posto. Estas características de centralização e de ligação ao executivo foram acompanhadas, durante mais de uma década, de um absoluto monopólio da representação política, dado que as oposições possíveis estavam ilegalizadas. Foi assim que a União Nacional não teve concorrentes aos atos eleitorais até 1945; neste ano, como reflexo do desfecho do conflito mundial, Salazar cederia algumas liberdades formais e pontuais às oposições, tolerando a sua participação em campanhas eleitorais e a consequente apresentação de listas. Apesar dessa abertura, a União Nacional e a Ação Nacional Popular garantiram o monopólio da representação parlamentar e asseguraram que os três Presidentes da República eleitos durante a vigência do regime fossem sempre aqueles que ela própria escolhera e apoiava (Marechal Óscar Carmona, F. H. Craveiro Lopes e Américo Tomás). Cf. "União Nacional" in Diciopédia 2003, op. cit.

António Ferro – Escritor, jornalista e político, António Joaquim Tavares Ferro nasceu em 1895, em Lisboa, e morreu em 1956. Desde cedo ficou ligado ao movimento modernista, emparceirando com personalidades como Mário de Sá-Carneiro, José de Almada Negreiros, Fernando Pessoa e Luís de Montalvor. Foi o principal impulsionador da revista Orpheu (1915) e, apesar de ainda ser menor de idade, foi nomeado editor da publicação por Mário de Sá-Carneiro. Em 1918 partiu para Angola como oficial miliciano, afastando-se assim do mundo do jornalismo e das letras. Regressado a Portugal um ano depois, assume a chefia da redação de O Jornal, na altura órgão oficioso dos partidários do presidente Sidónio Pais. Nos anos seguintes passaria ainda pelos periódicos O Século, Diário de Lisboa e Diário de Notícias. As entrevistas que fez a Mussolini, D'Annunzio, Clemenceau, Afonso XIII e Salazar constituíram um impulso importante para a sua carreira no jornalismo. Em 1933 foi nomeado diretor do Secretariado da Propaganda Nacional, órgão de dependência governamental que em 1944 se transformou no Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular. Embora o Secretariado fosse um instrumento de propaganda do Estado Novo, António Ferro desenvolveu uma efetiva dinamização cultural da sociedade portuguesa de então, desenvolvendo a informação, os espetáculos, as artes plásticas, os prémios literários e artísticos. Em 1950 foi-lhe atribuído o cargo de Ministro de Portugal em Berna e já no final da sua vida, em 1954, tornou-se o embaixador nacional em Roma. Cf. "António Ferro" in Diciopédia 2003, op. cit.

Mocidade Portuguesa – Organização de caráter milicial dirigida às camadas mais jovens da população, foi criada por decreto em 1936, tendo a sua secção feminina sido criada dois anos mais tarde. Em 1939 seria alargada às colónias. A criação e manutenção de organizações milícias não era exclusiva do Estado Novo português; na realidade, encontram-se organizações do mesmo tipo quer na Itália de Mussolini (Balilas) quer na Alemanha hitleriana (Hitlerjugend). Tal não quer dizer que a organização criada sob a orientação de Salazar fosse uma cópia fiel daquelas, embora tivesse havido algumas relações entre a Mocidade Portuguesa e as organizações daqueles países e haja algumas semelhanças de facto. A Mocidade Portuguesa destinava-se a crianças entre os 7 e os 14 anos de idade, escolarizadas ou não, e a frequência das suas atividades tinha caráter obrigatório. Para os jovens do sexo masculino entre os 17 e os 20 anos foi ainda criada uma milícia, espécie de braço armado da organização. Estes dois ramos do setor masculino da organização, bem como a respetiva extensão nos domínios coloniais, eram inspirados por objetivos claramente definidos de adestramento pré-militar, para o que se instituíram mecanismos disciplinadores e uniformizadores diversos: a farda, a disciplina rigorosa baseada em conceitos de autoridade e hierarquia, as paradas e acampamentos, os prémios e as sanções. Para os mais velhos, a quem a milícia se destinava, estavam reservados benefícios particularmente atraentes, dado que da sua qualificação na instrução pré-militar decorria a dispensa de parte do serviço militar obrigatório (a recruta no caso das praças, o primeiro ciclo dos respetivos cursos para os sargentos e oficiais milicianos). O caráter paramilitar de muitas das atividades desenvolvidas (até mesmo a prática desportiva estava centrada em atividades afins da instrução militar: esgrima, boxe, voo) justificava o facto de a direção da organização estar entregue, a diversos níveis, a oficiais das Forças Armadas ou a graduados da Legião Portuguesa (registando-se mesmo a tendência para recrutar na Mocidade Portuguesa quadros para a milícia adulta que era a Legião Portuguesa). A direção ao mais alto nível era, no entanto, confiada a personalidades afetas ao regime, gozando de grande prestígio ou autoridade, que foram sempre civis (o primeiro Comissário Nacional foi um antigo embaixador em Berlim, o segundo foi Marcelo Caetano, etc.). O ramo feminino da Mocidade Portuguesa obedecia a outras orientações, naturalmente sempre enquadradas nos objetivos de orientação ideológica do Estado Novo: as raparigas seriam ali encaminhadas para assumirem mais tarde o papel de mães de família e donas de casa, ao mesmo tempo que lhes era ministrada educação religiosa católica de acordo com uma trilogia cara ao regime (Deus, Pátria e Família). A exaltação do espírito patriótico não era aqui acompanhada por exercícios de caráter militar, de acordo com uma filosofia tradicionalista que encarava a guerra como domínio exclusivo do homem. O exercício físico a que as filiadas eram submetidas tinha um outro sentido, o da preservação da sua saúde precisamente como futuras mães de família. Enquanto a Mocidade Portuguesa era dirigida quase exclusivamente por militares, a direção do ramo feminino estava nas mãos de docentes do ensino secundário ou reitoras de liceu, naturalmente apoiantes do regime. A época de maior desenvolvimento da estrutura da Mocidade Portuguesa foi a que mediou entre a sua criação e o final da II Guerra Mundial, em 1945. Com efeito, a queda dos regimes totalitários na Europa levou ao descrédito das organizações de tipo milicial destinadas à juventude (é preciso manter presente que o fim do conflito trouxe sinais de crise social e política ao Estado Novo). A organização entrou em decadência, perdeu vitalidade e, anos mais tarde, em 1966, perdeu o controle das atividades circum-escolares, que passaram a ficar centradas na Escola. Em 1974, quando o regime é derrubado, a Mocidade Portuguesa, tal como numerosas outras organizações, foi extinta sem quaisquer sobressaltos, tal a debilidade em que tinha caído. Cf. "Mocidade Portuguesa" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 16.

Legião Portuguesa – Organização miliciana portuguesa criada em 1936 e que perdurou até ao 25 de Abril de 1974, a Legião Portuguesa dependia dos ministérios do Interior e da Guerra. A sua criação favoreceu a subordinação do Exército ao Estado Novo. A Legião estendeu a sua organização aos diversos distritos, onde era chefiada por um comandante distrital. As estruturas locais eram compostas por batalhões, terços, lanças, secções e quinas. A Legião dispunha de vários serviços, como o Serviço de Informações, a Brigada Naval e a Força Automóvel de Choque. A criação da Legião Portuguesa encontrou alento, a nível externo, na consolidação das experiências ditatoriais alemã e italiana, na difusão do autoritarismo e no deflagrar da Guerra Civil de Espanha; internamente, assentou na mobilização da direita radical, mobilização que o eclodir da guerra na vizinha Espanha favorecia. Nos primeiros anos do seu funcionamento, a Legião Portuguesa agregou as forças da direita radical. Este foi um período delicado do relacionamento entre Salazar e os militares – existiu uma tensão constante entre as bases da milícia (direita radical) e os esforços de Salazar para "normalizar" a Legião. Neste contexto, em 1938, Casimiro Teles procedeu a uma verdadeira reorganização da milícia. Afastou a maioria dos seus comandantes anteriores e remodelou serviços e corpos especiais, levando à subordina ão total da Legião ao Exército. A Legião Portuguesa foi o único organismo político português que com o eclodir da Segunda Guerra Mundial se posicionou ao lado das pretensões alemãs. Salazar, porém, queria calar as manifestações abertas de germanofilia e atribuiu à Legião funções na organização da Defesa Civil do Território (DCT), para fazer recair a sua atenção sobre a ordem interna e a repressão da agitação social gerada depois de 1942. A partir de 1944, a Legião viu aniquilados os resquícios do radicalismo que a tinha caracterizado nos primeiros anos da sua existência. Foi definitivamente transformada num serviço auxiliar das estruturas do regime, nomeadamente no que diz respeito ao seu Serviço de Informações. Nos anos 50 e 60, a ação da Legião Portuguesa ficou marcada pelo papel do seu Serviço de Informações e da sua densa rede de informadores, bem pelo desempenho da polícia de choque repressão de manifestantes e instituições tidos por oposicionistas do regime. Cf. "Legião Portuguesa" in Diciopédia 2003, op. cit.

Marcelo Caetano – De seu nome completo Marcelo José das Neves Alves Caetano (1906-1980), foi reputado especialista de Direito, jornalista e político. Produziu uma obra vasta de investigação no domínio do Direito administrativo, do Direito constitucional e da história do Direito em Portugal, para além do Direito corporativo, o que aliás se casava intimamente com as suas responsabilidades e opções políticas. É, de resto, autor do projeto do Código Administrativo de 1936, e o primeiro docente universitário a lecionar Direito corporativo em universidades portuguesas. De facto, tendo-se iniciado na política como seguidor do Integralismo Lusitano, aderiu ao Estado Novo criado por Salazar e ocupou numerosos cargos de alta responsabilidade, a nível partidário (presidente da Comissão Executiva da União Nacional), na direção dos organismos miliciais do regime (Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa), em estruturas essenciais das forças de apoio político ao regime (procurador, vice-presidente e presidente da Câmara Corporativa) e ainda a nível governamental (foi Ministro das Colónias e Ministro da Presidência). O seu relacionamento com Salazar nem sempre foi pacífico, mas tal não obstou a que fosse reconhecido como seu mais que provável sucessor na chefia do Governo. Algumas situações houve em que os dois se encontraram em conflito aberto ou latente: quando, por exemplo, Marcelo se demite de reitor da Universidade Clássica de Lisboa, como forma de protesto pela repressão violenta sobre os estudantes universitários de Lisboa (1962), ou quando o General Botelho Moniz o procurou associar ao seu frustrado golpe de Estado (1961). Ascendeu efetivamente à chefia do Governo, mas por escolha do presidente da República, almirante Américo Tomás, após se verificar a incapacidade de Salazar para continuar no exercício de funções. Entre 1968 e 1974, procura construir uma política de "evolução na continuidade", concedendo alguma abertura política à oposição, admitindo mesmo no seio da União Nacional (rebatizada Ação Nacional Popular) um grupo de jovens liberais com forte espírito crítico e grande dinamismo. Tentou, sem sucesso, uma política de equilíbrio entre uma fação de duros defensores do regime, partidários de posições intransigentes no campo da defesa da "ordem" interna e da continuação da guerra colonial, e uma tendência de certo modo reformista, mais liberal e europeísta. As suas hesitações, ao tentar singrar entre as duas correntes, enfraqueceram-no e retiraram-lhe margem de manobra. Cairia, por fim, em resultado da conspiração que iria dar origem ao 25 de Abril de 1974, após o qual foi autorizado a seguir para o exílio, no Brasil, onde se dedicou à docência e revelou, em livros de caráter memorialístico, o seu grande azedume perante a evolução dos acontecimentos em Portugal. Cf. "Marcello Caetano" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 18.

Cf. António Reis, "Cronologia do Estado Novo", Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra in http://www.uc.pt/cd25a/cron_po/cron01.html.
Cf. Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 82; vide Appendix, fig. 17.

F. H. Craveiro Lopes – Francisco Higino Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu em 1964. Oficial da Força Aérea (entrou em 1918 para a aviação, quando a guerra ainda não havia terminado), prestara serviço militar no Corpo Expedicionário Português na Flandres durante o conflito e ocupara o importante cargo de Comandante-Geral da Legião Portuguesa na segunda metade da década de quarenta. Embora tivesse ocupado discretamente uma cadeira de deputado por algum tempo, não se encontrava vinculado a nenhuma das tendências que se manifestavam no seio das forças políticas de apoio ao Estado Novo quando o Marechal Óscar Carmona faleceu em 1951. Foi, por isso, com alguma surpresa que surgiu como candidato indigitado às eleições que tiveram de se realizar, inopinadamente, para a substituição do falecido Presidente. Candidato apoiado pela União Nacional, foi eleito sem surpresa nem dificuldades. Embora tivesse exercido, de modo geral, as suas funções da maneira discreta e não intervencionista exigida pelo facto de o seu cargo ser efetivamente de conteúdo protocolar e destituído de poder real de intervenção, algumas situações houve em que se não coibiu de tomar posição contra a política oficial definida pelo Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar. Assim, são conhecidas as suas reticências (se não mesmo oposição) à política colonial de Salazar e é nestas diferenças de opinião que se radica o seu apoio ao golpe de Estado frustrado do ministro da Defesa, General Botelho Moniz, que em abril de 1961, mal a guerra estalara em Angola, procurara derrubar Salazar e assim abrir caminho a uma resolução política do conflito. Foram precisamente as divergências com Salazar que determinaram a sua substituição pelo Almirante Américo Tomás, candidato oficial do regime, apoiado pela União Nacional, nas eleições presidenciais de 1958. Cf. "F. H. Craveiro Lopes" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 17.

Humberto Delgado – Nasceu em 1906. Jovem oficial, participou no movimento militar de 28 de maio de 1926, que derrubou a República liberal e implantou em Portugal a Ditadura Militar que, poucos anos mais tarde, iria dar lugar ao Estado Novo liderado por Salazar. Durante muitos anos comungou das posições oficiais do regime salazarista, particularmente do seu violento anticomunismo. A sua atitude política, aliada a uma reconhecida competência técnica, levou-o a ascender rapidamente na escala hierárquica (será o General mais jovem da Força Aérea) e a ocupar posições de destaque, nomeadamente como Diretor da Aeronáutica Civil, membro da missão militar que negociou com o Reino Unido as condições de utilização de instalações militares nos Açores na decisiva fase final da guerra contra o Eixo na Europa, e em cargos de elevada responsabilidade na representação de Portugal na orgânica da NATO, nos Estados Unidos. Estas duas últimas experiências colocá-lo-ão em contacto com a vida política das democracias ocidentais, que vivamente o impressionam e o levam a questionar a legitimidade do regime que até aí servira. Regressado a Portugal, aceita o convite de personalidades oposicionistas para se candidatar à Presidência da República, tendo como concorrentes, no campo oposicionista, o Dr. Arlindo Vicente (que virá a desistir a seu favor), e, no campo governamental, o Contra-Almirante Américo Tomás. Imprime à campanha um ritmo vivo, até aí desconhecido da vivência oposicionista, manifestando-se decididamente contrário à continuação de Salazar à frente do Governo – quando questionado, publicamente, sobre as suas intenções quanto a Salazar na eventualidade de vencer as eleições, responde secamente «Obviamente, demito-o!», o que equivalia a uma declaração de guerra ao regime. Esta frase, rapidamente celebrizada, incomodou os mais conservadores dos seus apoiantes, mas incendiou os espíritos das massas populares que o vitoriaram durante a campanha (com particular destaque para a entusiástica receção popular no Porto). Apesar do apoio popular, os resultados eleitorais oficiais atribuem-lhe a derrota, que tanto o próprio General como a Oposição em geral nunca aceitarão. Convencido de que o regime não poderá ser derrubado pelas urnas, procura atrair as chefias militares para um putsch, ficando desiludido pela falta de recetividade ao seu apelo. Considerando-se em perigo, refugia-se na Embaixada do Brasil, aí ficando largos meses até lhe ser permitido partir para o exílio, onde debalde tentará congregar os núcleos oposicionistas exilados; somando desilusões e traições, rodeado de colaboradores indisciplinados, dá cobertura à Operação Dulcineia, desencadeada pelo seu aliado Capitão Henrique Galvão (outro dissidente do regime), que consiste na captura do paquete Santa Maria (batizado "Santa Liberdade"), que será utilizado como veículo de propaganda que atrairá as atenções da opinião pública internacional para a situação política no País. A operação coincide com o início da guerra em Angola, fazendo nascer suspeitas de entendimento entre os oposicionistas portugueses e a direção dos movimentos independentistas africanos. A sua tendência para privilegiar a solução militar para o derrube do regime, a sua ousadia (que justifica o qualificativo de "General Sem Medo"), que muitos desentendimentos provocará no seio da oposição no estrangeiro e no interior, leva-o a planear e executar uma nova tentativa revolucionária, com a colaboração de conspiradores militares e civis – tomando de assalto o quartel de Beja (Ano Novo 1961-1962), e eventualmente outras posições, partiria à conquista dos pontos fulcrais do País. Falhando a revolta, o General, que entrara clandestinamente em Portugal, volta a atravessar a fronteira, para nunca mais regressar à Pátria. Desloca mais tarde as suas atividades para o Magreb, onde procura outros apoios e aliados (Ben Bella, o Partido Comunista Português e os movimentos de libertação das colónias portuguesas, entre outros); os desacordos políticos e as incompatibilidades entre o General, que continua a crer na viabilidade do derrube do regime salazarista pela força das armas, e outros setores, nomeadamente o Partido Comunista Português, que privilegiam a luta política paciente e pacífica, isolam progressivamente o General Delgado, que cada vez mais se distancia da realidade portuguesa. Este isolamento proporciona, em 1965, a montagem de uma armadilha fatal: crendo vir ao encontro de conspiradores do interior que partilhariam as suas ideias, Delgado dirige-se à fronteira de Badajoz, sendo aí assassinado por um comando da PIDE. O regime nunca reconhecerá oficialmente as suas responsabilidades pelo facto, mas os seus autores virão a ser levados a juízo após a revolução de 25 de Abril de 1974; entretanto, o clamor que se erguera na opinião pública criara significativas dificuldades políticas a Salazar. Após a restauração da democracia, promovido postumamente a marechal, o seu corpo será trasladado com todas as honras para o Panteão Nacional. Cf. "Humberto Delgado" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 21, 22.

Américo Tomás – Américo Deus Rodrigues Tomás nasceu a 19 de novembro de 1894 e faleceu a 18 de setembro de 1987. Quando a União Nacional, sob proposta de Salazar, o apresentou como candidato à Presidência da República, averbava no seu curriculum a passagem pelo governo como Ministro da Marinha, num período de reformas da marinha mercante que ele próprio dirigira ou incentivara. A sua aparição como candidato era fruto das desavenças entre Salazar e Craveiro Lopes, o anterior presidente, que se revelara pouco acomodatício nos últimos tempos do seu mandato. Américo Tomás, gozando do apoio da máquina política da União Nacional e das próprias estruturas do poder de Estado, foi proclamado vencedor no pleito, em que teve de se defrontar com o General Humberto Delgado, cuja campanha dinâmica pusera inesperadamente em causa a estabilidade, se não mesmo a sobrevivência, do regime. O sobressalto causado por Delgado provocou no regime uma reação de defesa, que consistiu na alteração do sistema eleitoral: se até aí os candidatos eram eleitos por sufrágio universal, passaram a ser eleitos por um colégio restrito, no qual as surpresas não se poderiam manifestar. Tal alteração permitiu que Américo Tomás, último presidente do Estado Novo, tivesse sido reeleito para dois mandatos posteriores, sem oposição nem dificuldades, mantendo-se no cargo até ao golpe de 25 de Abril de 1974. O longo e protocolar exercício da função presidencial viria a sofrer sobressaltos, não por ação das forças políticas adversas, mas pela inesperada doença incapacitante de Salazar. A evolução do estado de saúde do real dirigente do Estado colocou nas mãos de Américo Tomás a espinhosa responsabilidade de lhe encontrar sucessor. Foi, efetivamente, sua a opção por Marcelo Caetano, opção em que não obteve o apoio unânime das forças que apoiavam o regime. Demitido das suas funções em 25 de Abril de 1974, foi exilado para o Brasil, juntamente com outros altos dignitários do regime deposto, tendo-se ali mantido até que o General Ramalho Eanes autorizou o seu pacífico regresso a Portugal, onde viria a falecer com idade bastante avançada, tendo dedicado os últimos anos da sua vida à redação de livros de memórias. Cf. "Américo Thomaz" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 24, 25.

Vide Appendix, fig. 23.
Vide Appendix, fig. 26, 27.

Álvaro Cunhal – O político português Álvaro Barreirinhas Cunhal nasceu em 1913, em Coimbra. Foi estudante da Faculdade de Direito de Lisboa e, em 1931, filiou-se no Partido Comunista. Em 1935, foi eleito secretário-geral da Juventude Comunista e, um ano depois, passou à clandestinidade. Em 1937, entrou para o Comité Central do partido. Após várias prisões temporárias, foi preso em 1949 no Forte de Peniche, de onde conseguiu evadir-se em 1960. A partir do ano seguinte passou a ser secretário-geral do partido, cargo que ocupou até novembro de 1992, data do último congresso, que elegeu, para o mesmo cargo, Carlos Carvalhas. Regressou a Portugal em 27 de abril de 1974, sendo ministro sem pasta dos governos provisórios de 1974 e de 1975. Foi eleito deputado várias vezes, mas raramente ocupou o lugar na Assembleia da República. Cunhal distinguiu-se também como escritor. Escreveu vários livros de índole política, como Rumo à Vitória (1964), O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista (1970), Contribuição para o Estudo da Questão Agrária (1976), A Revolução Portuguesa (1976) e Passado e Futuro (1976). No campo do romance, entre outros livros, publicou, sob o pseudónimo de Manuel Tiago, Até Amanhã, Camaradas e Cinco Dias, Cinco Noites. Ambos os romances têm por referente os tempos em que o PCP se movia na clandestinidade, durante o regime corporativista deposto no 25 de Abril. Também se distinguiu como artista plástico. Os seus Desenhos na Prisão, realizados quando cumpriu pena por "atividades subversivas pró-comunistas", dão uma carga estética à visão política do seu autor. Cf. "Álvaro Cunhal" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 44.

Partido Comunista Português (PCP) – O partido mais antigo na cena política portuguesa, foi fundado em 1921, na legalidade, integrado num regime democrático parlamentar que reconhecia a liberdade de formação e atuação dos partidos políticos. Apanhado de surpresa pelo golpe militar de 28 de maio de 1926, que deu origem à criação da Ditadura Militar (o golpe quase coincide com o II Congresso, que teve lugar a 19 e 30 de maio), só três anos mais tarde reinicia a sua atividade, na clandestinidade, sob a direção de Bento Gonçalves. Ainda não liberto das conceções anarcossindicalistas que privilegiavam a ação violenta, armada, para o derrube do regime, o PCP participa na gorada tentativa revolucionária de 18 de janeiro de 1934, pela qual o movimento operário tentava opor-se à corporativização dos sindicatos. Foi apenas em 1935, sob orientação da Internacional Comunista, de que o partido era membro, que se orientou para táticas que tomavam em consideração, simultaneamente, três níveis de ação: clandestina, semilegal e legal, orientação esta que nunca mais abandonará até à queda do Estado Novo, em 1974. Várias vicissitudes marcaram a vida do partido, sem nunca o destruírem, embora em numerosas ocasiões o tenham debilitado fortemente: golpes repressivos desferidos pela polícia política, tais como a apreensão de tipografias clandestinas; prisão de dirigentes (Álvaro Cunhal e outros), deportação para o Tarrafal (Bento Gonçalves) e morte de alguns deles (Alex, Dias Coelho); dissidências provocadas pelas crises que abalaram o movimento comunista internacional, de que há a destacar o diferendo entre Estaline e Trotsky e respetivos seguidores, e a divisão entre pró-soviéticos e maoístas na década de 60, que dará origem a um movimento marxista-leninista fragmentado com uma vida que se prolonga até depois da queda do Estado Novo; defeção de dirigentes e simples militantes, questionamento da herança histórica do partido e da sua orientação atual, como consequência e reflexo dos acontecimentos ocorridos na Europa de Leste (queda do Muro de Berlim, Perestroika, desagregação da União Soviética). Chegado o 25 de Abril de 1974, numerosos dirigentes comunistas encontram-se na prisão ou no exílio, mas prontamente acorrem ao País, participando ativamente no movimento revolucionário, nomeadamente na aplicação da Reforma Agrária, na dinamização da vida sindical e na luta contra a continuação da guerra colonial. Alvo de novas formas de hostilidade (foi a vítima principal dos ataques bombistas durante o chamado "verão quente" de 1975), integrou-se na vida política democrática, aceitando o jogo parlamentar, onde tem mantido a sua representação, fomentando alianças de caráter frentista, tendo mesmo apresentado candidatos à Presidência da República. Ao cabo de setenta e cinco anos de existência, representa uma força política e social sem a qual se não pode compreender a História contemporânea de Portugal, e pode alinhar nas suas memórias coletivas as figuras emblemáticas de Bento Gonçalves, dirigente na clandestinidade nos primórdios do Estado Novo, Álvaro Cunhal, reorganizador e dirigente incontestado no segundo após-guerra, e Soeiro Pereira Gomes, militante clandestino e escritor neorrealista, entre outros. Cf. Diciopédia 2003, op. cit.

Henrique Galvão – Militar português (1895-1970), de nome completo Henrique Carlos Mata Galvão, foi administrador nas colónias e deputado à Assembleia Nacional durante o Estado Novo. Por volta de 1950, porém, afastou-se do regime. Foi preso em 1952, acusado de ações conspirativas, evadindo-se em 1959 e vindo a comandar operações armadas contra o regime, como o sequestro do paquete "Santa Maria", em 1961, que teve forte repercussão internacional. Cf. "Henrique Galvão" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 28, 29.

Vide Appendix, fig. 30.
Cf. Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 113; vide Appendix, fig. 31.
Vide supra n. 57., p. 123; idem, fig. 32.
PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) – O Estado Novo, constituído sob a direção de António de Oliveira Salazar, criou diversos organismos de Estado com o fim de condicionar, controlar ou eliminar as manifestações de opinião e impedir a organização política das forças que se lhe opunham, bem como dos contestatários ou descontentes no seio das próprias forças de apoio do regime. Um dos mecanismos de controlo, particularmente vocacionado para operar a limitação do direito de reunião, expressão e organização políticas, foi a polícia política, instituição de caráter secreto que começou por ter uma base apenas regional durante a Ditadura Militar e posteriormente veio a estender-se ao todo nacional, embora com uma cobertura territorial incompleta, sem meios de comunicação modernos e permanentemente carente em pessoal (PVDE - Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado). Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, Salazar empreende a modernização do aparelho policial secreto, criando em 1945 a PIDE, atribuindo-lhe a missão de defender o regime contra as atividades das organizações clandestinas, particularmente do Partido Comunista Português, para tal recorrendo a métodos os mais variados, que iam da vigilância de suspeitos à prisão sem culpa formada, passando pela interceção de correspondência e de comunicações telefónicas e pela criação e manutenção de uma rede tentacular de informadores, culminando com a apresentação dos detidos a Tribunais Plenários, que constituíam a forma de legitimação jurídica das prisões e investigações. Bastas vezes acusada de prender para investigar em lugar de investigar para prender, foi a executora da política seletiva de repressão preconizada por Salazar, a política dos «safanões a tempo». Pelas suas cadeias privativas no Continente e pelo campo do Tarrafal (Cabo Verde) passaram suspeitos da mais diversa origem social e filiação ou tendência ideológica ou política, por períodos mais ou menos longos, muitos deles sujeitos a maus-tratos ou torturas. Contrariamente às suas congéneres dos países do Eixo, nunca praticou, de acordo com a filosofia seletiva enunciada pelo chefe do Governo, formas de repressão massiva. No entanto, foi responsável por alguns crimes de sangue, como o assassinato do militante do PCP José Dias Coelho e do General Humberto Delgado. Este último foi atraído a uma emboscada, só possível pela introdução de informadores nas organizações que o General liderava ou na sua teia mais íntima de relações pessoais, ultrapassando mesmo as fronteiras nacionais (não só o crime foi cometido em território espanhol como os informadores se encontravam instalados no Brasil, na França e na Itália). Durante as guerras coloniais, a polícia política, até aí virtualmente ausente dos territórios africanos, assumiu nos três teatros de operações a função de serviço de informações e, constituindo, enquadrando e dirigindo milícias próprias, compostas por africanos, por vezes desertores da guerrilha, colaborou com as forças militares no terreno. Neste âmbito, poderá a sua ação ter também ultrapassado as fronteiras; com efeito, são-lhe atribuídas responsabilidades, quer no atentado que vitimou o dirigente da FRELIMO Eduardo Mondlane, quer na manipulação dos descontentes do PAIGC que, num "golpe de Estado" dentro do partido, assassinaram o dirigente independentista Amílcar Cabral. Com a primavera marcelista sobreveio uma mudança de nome, passando a PIDE a denominar-se DGS, numa liberalização de procedimentos mais aparente do que real, vista pelas oposições legal e clandestina com grande desconfiança. Depois do 25 de Abril de 1974, após um momento de hesitação do novo poder, que, sob a inspiração do General António de Spínola, projetava transformá-la em polícia de informações militar em zona de guerra, acabou por ser extinta, sendo alguns dos seus responsáveis levados a tribunal, nomeadamente os mandantes e executores do assassinato do General Delgado, tendo o seu julgamento suscitado grande controvérsia. Cf. "PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado)" in Diciopédia 2003, op. cit.

Vide Appendix, fig. 33.

Cf. Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 127.

Guerra Colonial – No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, o domínio colonial das potências europeias sobre territórios africanos e asiáticos começou a ser fortemente posto em causa, tendo-se formado um vasto movimento ideológico e político tendente a obter a independência daqueles territórios. Tal foi sendo conseguido, nalguns poucos casos, sem surtos significativos de violência; mas, na maioria das independências, prevaleceu o uso da força. Foi o caso da revolta dos Mau-Mau no Quénia britânico, e da prolongada e duríssima guerra da Argélia, por exemplo. O último império a ser afetado foi o português, que perdeu a primeira parcela após uma guerra de curta duração em que as forças portuguesas estacionadas em Goa, Damão e Diu não puderam contrariar a invasão daqueles territórios por forças indianas, incomparavelmente mais fortes. Esta derrota serviu, contudo, para demonstrar dois factos importantes: a) Salazar privilegiaria sempre a vertente militar para resolver as questões de soberania que se lhe colocassem no âmbito colonial; de facto, ordenara a resistência a todo o custo, sem olhar aos sacrifícios materiais e humanos que isso acarretaria; b) a posição portuguesa no jogo da diplomacia mundial era débil e incapaz de mobilizar apoios em defesa de domínios coloniais, já que a própria Inglaterra, instada a honrar históricos compromissos de solidariedade em nome da secular aliança entre os dois países, se recusara a apoiar a posição do Governo português. Em 1961 abre-se um novo capítulo na história do Império colonial português. Dois acontecimentos marcam o início de uma guerra que durará 13 anos, até que o poder revolucionário saído do 25 de Abril de 1974 imponha um fim político ao conflito: 1) a 4 de fevereiro, militantes do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) tentam tomar de assalto esquadras de polícia em Luanda, sendo repelidos depois de combates violentos em vários pontos da cidade; 2) em 15 de março, a UPA (União das Populações de Angola, mais tarde denominada FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola) lança uma série de ataques mortíferos em zonas isoladas e desguarnecidas do norte da colónia, tentando erradicar a população branca. Estes dois movimentos, a que anos mais tarde se juntará a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), fruto de uma dissidência na UPA, conduzem uma luta de guerrilha que, após uma primeira fase de êxitos táticos, se vê remetida à defensiva. A guerra em Angola não conhecerá nunca um vencedor claro nem um derrotado assumido. Muito diferente é a situação na Guiné-Bissau, onde se encontra em campo uma única organização política, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde), que não encontra rivais no terreno desde o início do conflito em 1963, beneficia de apoios logísticos eficazes nos países vizinhos, tem a simpatia dos governos do Terceiro Mundo com representação e influência na Assembleia-geral das Nações Unidas, consegue os êxitos táticos suficientes para reunir uma assembleia de delegados em Madina do Boé, proclamar unilateralmente a independência e v -la reconhecida por numerosos países em 1973. Em Moçambique, a guerra é desencadeada em 1964 pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), que tem de se confrontar não só com outras forças, menos estruturadas, no terreno, mas que enfrenta no seu seio dissidências de caráter étnico, que a enfraquecem. Tal como em Angola, a guerra nunca se decidirá claramente a favor das forças portuguesas, no plano militar, apesar de algumas operações de grande envergadura, desencadeadas particularmente pelo General Kaúlza de Arriaga. Tal como em Angola, o 25 de Abril irá encontrar a situação num impasse. Na África, apenas os territórios insulares (Cabo Verde, São Tomé e Príncipe) ficarão imunes à guerra; na Ásia, Macau sofrerá de alguns momentos de instabilidade por influência da Revolução Cultural na vizinha República Popular da China e Timor só verá surgir os seus movimentos a favor da independência após o 25 de Abril de 1974. Logo em 1961, Salazar formula numa frase lapidar a sua intenção de privilegiar a defesa do império, custe o que custar, enviando tropas para Angola, "imediatamente e em força", rejeitando toda e qualquer negociação, mesmo que Portugal se encontrasse "orgulhosamente só" a partir desse momento. Apesar de privilegiar a solução militar, introduzirá alterações no estatuto legal e social dos indígenas africanos, promoverá ações sociais para captar a simpatia das populações, abrirá as colónias ao investimento metropolitano e externo, procurará incentivar a emigração para África, desviando-a da França, para onde se dirigia de preferência naquele momento. A guerra, travada em três frentes, significará um investimento extremamente gravoso para as finanças do Estado português, provocará dissensões no seio do próprio Governo (golpe do General Botelho Moniz, em abril de 1961), desgastará o moral das próprias forças armadas, retirará braços à produção em Portugal e provocará o isolamento do país na arena diplomática mundial (tanto nas relações multilaterais no seio da Organização das Nações Unidas como a nível bilateral). O seu balanço em termos humanos é trágico: mobilização de cerca de um milhão e quatrocentos mil homens, aproximadamente nove mil mortos e trinta mil feridos e ainda cento e quarenta mil ex-combatentes sofrendo de distúrbio pós-traumático do stress de guerra (isto sem esquecer as vítimas civis, de ambos os lados, obviamente em maior número entre as populações do teatro de guerra, mas que nenhum dos beligerantes alguma vez contabilizou). Um dos maiores golpes diplomáticos contra as posições do Governo português será a audiência concedida a dirigentes dos movimentos das três colónias pelo papa Paulo VI, em 1 de julho de 1970. Marcelo Caetano, que sucede a Salazar na chefia do Governo, não encontrará também solução para o conflito, quer por meios militares quer por meios pacíficos. Será apenas por meios diplomáticos e políticos, por iniciativa do poder revolucionário instituído em 1974, que o conflito verá o seu termo. Cf. "Guerra Colonial" in Diciopédia 2003, op. cit.

Mário Sacramento – Ensaísta português (1920-1969), de nome completo Mário Emílio de Morais Sacramento, nascido em Ílhavo. Tendo frequentado as Faculdades de Medicina de Coimbra, Porto e Lisboa, especializou-se em Gastrenterologia em Paris. De formação marxista e neorrealista, participou no Movimento de Unidade Democrática e foi o impulsionador do I Congresso Republicano de Aveiro em 1957. Com uma atitude crítica e exigente, colaborou em jornais, revistas e páginas literárias, tendo publicado diversas obras, entre as quais Retrato de Eça de Queirós (1944), Fernando Pessoa – Poeta da Hora Absurda (1953), Lendo Raul Brandão (1967), Fernando Namora – O Homem e a Obra (1967) e Uma Estética Neorrealista? (1968). Cf. "Mário Sacramento" in Diciopédia 2003, op. cit.

Cf. Portugal – Um Século de Imagens, op. cit., p. 128; vide Appendix, fig. 34.

Partido Socialista (PS) – A corrente socialista está presente no movimento de ideias e na vida política portuguesa desde o século XIX, tendo existido, ainda sob a Monarquia e durante a República democrática, um partido socialista que, embora minoritário, obteve alguma representação parlamentar. Dissolvendo-se em 1931, asfixiado pelas limitações à liberdade de opinião e organização criadas pela Ditadura Militar, nem por isso deixaram de existir núcleos de ativistas que se reclamavam das ideias socialistas, enquadrados nos movimentos políticos que espaçadamente se manifestavam durante o regime salazarista do Estado Novo. Mas foi apenas nos últimos meses do curto período em que o País foi governado por Marcelo Caetano que o partido foi reconstituído, num congresso clandestino realizado na República Federal da Alemanha (abril de 1973), no qual participaram militantes socialistas do interior e exilados, contando-se entre estes últimos aquele que viria a ser o seu militante n.º 1, Mário Soares. Derrubado o regime em 25 de Abril de 1974, o Partido Socialista organiza-se na legalidade, Mário Soares e outros exilados regressam prontamente, ocupam cargos governamentais em vários períodos do processo revolucionário e, em conjugação de esforços com outros partidos (nomeadamente o PPD dirigido por Francisco de Sá Carneiro), bate-se contra a influência crescente do Partido Comunista Português e da extrema-esquerda durante o "verão quente" de 1975. Sempre com Mário Soares na liderança, o PS forma governos monopartidários ou de coligação, obtendo número elevado de lugares nos atos eleitorais nacionais e conquistando numerosas autarquias. Mário Soares será Presidente da República em dois mandatos sucessivos, com o seu termo em 1995, ano em que o Partido, sob a liderança de António Guterres, concretiza uma vitória estratégica em numerosos domínios – obtém a maioria em eleições para o Parlamento Europeu, para as autarquias e para o Parlamento, forma um Governo monocolor (embora com a participação de independentes) e vê um seu militante (Jorge Sampaio) ser eleito para a Presidência da República. Cf. "Partido Socialista (PS)" in Diciopédia 2003, op. cit.

Movimento das Forças Armadas (MFA) – O nascimento do Movimento dos Capitães encontra-se ligado à publicação dos Decretos-Leis n.º 353, de 13 de julho de 1973, e n.º 409, de 20 de agosto do mesmo ano, por meio dos quais se pretendia resolver o problema da falta de oficiais com que o Exército se debatia perante a continuação da Guerra Colonial. Contudo, a evolução do Movimento não deve ser entendida apenas numa perspetiva corporativista, já que a contestação ao Governo não abrandou com a suspensão dos dois diplomas. Pelo contrário, as reuniões destes militares continuaram e o movimento politizou-se. A recusa de Marcelo Caetano em aceitar uma solução política para a guerra levou a que os oficiais de nível intermédio, que suportavam realmente o combate no teatro de operações, percebessem que o fim do conflito passava pelo derrube do regime do Estado Novo. Os capitães sabiam ser este também o sentimento geral da população. Sabiam ainda, após a publicação do livro de Spínola Portugal e o Futuro (fevereiro de 1974), que podiam contar com o apoio dos seus chefes militares. Assim, o Movimento dos Capitães começou a consolidar ligações e canais de divulgação de informação dentro dos quartéis (na metrópole e nas colónias). Foi eleita uma Comissão Coordenadora, que passou a liderar todo o processo de contestação. Em novembro de 1973, o Movimenta explicita que, além das reivindicações corporativas, estavam em causa outros objetivos, como o fim da Guerra Colonial e o restabelecimento da democracia. Em dezembro foi eleito um Secretariado Executivo constituído por Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves, e foram formadas as várias comissões que iniciaram o processo de preparação de um golpe militar. A 5 de março de 1974, o Movimento dos Capitães passou a designar-se Movimento das Forças Armadas e foram aprovadas as suas bases programáticas, que constam de um documento distribuído nos quartéis, O Movimento, as Forças Armadas e a Nação. O programa iria depois sintetizar-se em três palavras-lema: democratizar, descolonizar e desenvolver. O ensaio geral para o derrube do regime deu-se a 16 de março de 1974, quando o Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha tentou um golpe militar. Devido à falta de coordenação com outros setores do movimento, a iniciativa não teve sucesso. A conspiração que finalmente derrubou o Estado Novo envolveu cerca de trezentos oficiais das Forças Armadas e desenvolveu-se em menos de um ano. O golpe foi marcado para a semana de 20 a 27 de abril de 1974. Acabou por ter lugar a 25, com Otelo Saraiva de Carvalho como principal comandante das operações. O regime caiu sem ter quase quem o defendesse. Depois da revolução, o MFA sofreu várias transformações de estrutura. Primeiro através da Comissão Coordenadora, depois do Conselho dos Vinte, mais tarde ainda pelas Assembleias do MFA e finalmente pelo Conselho da Revolução, coube-lhe desempenhar o papel principal na recomposição das hierarquias das Forças Armadas Portuguesas até 1982. Cf. "Movimento das Forças Armadas (MFA)" in Diciopédia 2003, op. cit.

António de Spínola – Militar de carreira (1910-1996), em 1973 foi nomeado vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, vindo a ser demitido ao publicar o livro Portugal e o Futuro. Logo após o 25 de Abril de 1974, Spínola acumula as presidências da Junta de Salvação Nacional e da República (15.5.1974-30.9.1974), mas demite-se dos cargos por oposição aos radicalismos de esquerda. Por este motivo estimula o golpe militar de 11 de março de 1975, do qual sai derrotado, partindo depois para o exílio. A derrota da esquerda no 25 de novembro de 1975 permite o seu regresso a Portugal, sendo promovido ao posto de marechal em 1981. Cf. "António de Spínola" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 41.

Ernesto Melo Antunes – Militar e político português (1933-1999), nascido em Lisboa, foi membro da direção do Movimento das Forças Armadas (MFA) e o principal criador do seu programa político. Foi ministro sem pasta entre julho de 1974 e maio de 1975. De março a julho de 1975 e de setembro deste ano a julho do seguinte, exerceu as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros. Membro do Conselho da Revolução de 1975 até 1982, data em que o órgão se extinguiu, foi um dos signatários do Documento dos Nove, que representou um esforço contra a radicalização do processo revolucionário. Presidente da Comissão Constitucional de 1976 até 1983, passou à reserva em 1981 com o posto de tenente-coronel. Cf. "Ernesto Melo Antunes" in Diciopédia 2003, op. cit.


Francisco da Costa Gomes – Francisco da Costa Gomes nasceu a 30 de junho de 1914 e faleceu a 31 de julho de 2001. Em 1974, após o triunfo da revolução de abril, aparece como membro da Junta de Salvação Nacional, a quem o poder foi entregue pelos militares organizadores do golpe. Militar com longa carreira, fora secretário de Estado num governo de Salazar (1958-1961), tendo sido destituído devido à sua participação no golpe de Estado falhado do General Botelho Moniz. A sua carreira militar decorrera em grande parte nas colónias em guerra (Moçambique e Angola), em funções de comando e direção, após o que assume o cargo de chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, em 1973. É no exercício destas funções que autoriza a publicação do livro em que o General António de Spínola defende a opção política para pôr termo à guerra, circunstância que acarreta a demissão de ambos. Quando, em 18 de setembro de 1974, Spínola tenta um golpe de força com a finalidade de impedir a radicalização da revolução e se vê forçado a abandonar os cargos que detinha, Costa Gomes assume a Presidência da República. O período que se segue será marcado pelo entrecruzar de linhas políticas antagónicas, que colocam o país, nalguns momentos mais delicados, à beira da guerra civil. Costa Gomes realiza equilíbrios sucessivos entre as forças em conflito, particularmente entre o golpe spínolista de 11 de março de 1975 e o golpe de 25 de novembro, em que as forças esquerdistas são arredadas do poder, tendo muito provavelmente a sua mediação e negociação constantes impedido o estalar do conflito. Será durante o seu mandato (1974-1976) que se concluirá o processo de independência das colónias e será aprovada a Constituição da República, após o que se procede a eleições livres, que levam à Presidência o General António Ramalho Eanes. Costa Gomes passará à reserva e virá a ser promovido a marechal em 1981, juntamente com Spínola. Cf. "Francisco da Costa Gomes" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 42.

Vide Appendix, fig. 36.
Vide Appendix, fig. 36.
Vide Appendix, fig. 37.
Vide Appendix, fig. 38.

Salgueiro Maia – Fernando José Salgueiro Maia nasceu em Castelo de Vide em 1944 e morreu no Hospital Militar de Belém (Lisboa) em 1992. Depois de frequentar a Academia Militar e a Escola Prática de Cavalaria, desempenhou funções de Alferes-comando em Moçambique, durante a Guerra Colonial. Já com o posto de Capitão, na madrugada de 25 de Abril de 1974, dirigiu as tropas revolucionárias de Santarém até Lisboa, tornando-se uma das figuras-chave do golpe. Tomou os ministérios do Terreiro do Paço e o quartel da Guarda Nacional Republicana, no Carmo, onde estava refugiado o chefe do Governo, Marcelo Caetano, que se lhe rendeu. Assim se deu a queda do Estado Novo. A revolta militar foi desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), que derrubou o regime praticamente sem o emprego da força e sem provocar vítimas. Os dois únicos momentos de tensão foram protagonizados pelo próprio Salgueiro Maia. O primeiro foi o encontro com um destacamento de blindados até então obediente ao Governo, resolvido quando estas tropas tomaram posição ao lado dos revoltosos. O outro quando o Capitão mandou abrir fogo sobre a parede exterior do quartel da GNR. Retomando modestamente o rumo da sua carreira militar, o Capitão Salgueiro Maia recusou as honrarias que o regime democrático lhe quis atribuir. Todos os anos é recordada a sua coragem e a sua determinação aquando das comemorações do 25 de Abril. Cf. "Salgueiro Maia" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 40.

Vide Appendix, fig. 43.

Mário Soares – Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu em 1924. Oriundo de uma família com tradições políticas republicanas liberais, participou ativamente, desde a juventude, em atividades políticas contra o Estado Novo, o que lhe acarretou a passagem pelas prisões da polícia política e o exílio, primeiro em S. Tomé e depois em França, onde o 25 de Abril de 1974 o encontraria. Advogado, defendeu em tribunais plenários numerosos opositores do regime, tendo-se destacado como representante da família Delgado nas investigações sobre as circunstâncias e responsabilidades da morte do "General sem Medo". Oposicionista declarado, apresentou-se como candidato em atos eleitorais consentidos pelo regime, nunca sendo, obviamente, eleito. Dirigente da Ação Socialista Portuguesa, é um dos fundadores do Partido Socialista (1973), de que será o primeiro secretário-geral. Após o levantamento dos capitães em 1974, regressa prontamente a Portugal, ocupando a pasta dos Negócios Estrangeiros, passando a ser responsável pelo estabelecimento de relações diplomáticas com diversos países do mundo e pelas negociações que levariam à independência das colónias portuguesas. No plano da política interna, destaca-se principalmente pela oposição à influência política e social de comunistas e partidos de extrema-esquerda, combatendo, não só o peso daqueles dentro das instituições militares e no aparelho de Estado, mas também a proposta de unicidade sindical. Será primeiro-ministro de três governos constitucionais, assumindo o poder sempre em situações de grande gravidade (instabilidade resultante do PREC, crise financeira, etc.), governando ora com o apoio exclusivo do seu partido ora em coligação, consoante a relação de forças estabelecida no Parlamento. Será o segundo presidente da República eleito democraticamente após o restabelecimento da democracia, cumprindo dois mandatos sucessivos entre 1986 e 1996, durante os quais se empenhou repetidamente, quer na dinamização das relações externas, quer na auscultação das aspirações e reclamações populares, através de "presidências abertas" que o levaram a percorrer praticamente todo o território nacional. Homem controverso, as suas relações com correligionários e com outros políticos destacados (Francisco de Sá Carneiro, António Ramalho Eanes, Salgado Zenha, Aníbal Cavaco Silva) foram por vezes tempestuosas ou, pelo menos, difíceis; no entanto, conseguiu conservar grande capital de simpatia popular até ao fim do seu segundo mandato. Aquando da sua primeira candidatura presidencial, renunciou à filiação partidária e, contrariamente a algumas expectativas, quando saiu de Belém não regressou às fileiras do partido em cuja fundação teve significativo papel. No seu discurso de despedida ao povo português, deixou claramente expresso o desejo de se afastar definitivamente da política («política nunca mais») e de se dedicar a outras atividades, particularmente à escrita. Em 1998 recebeu um convite da ONU, para chefiar uma missão de informação à Argélia, reunindo várias personalidades escolhidas por Kofi Annan. O objetivo desta missão foi observar a situação vivida neste país através do contacto com organizações políticas, representantes de jornais e visitas a vários locais. Cf. "Mário Soares" in Diciopédia 2003, op. cit.; vide Appendix, fig. 43.

Vide supra, n. 54; vide Appendix, fig. 44.
N. A.: Contam os meus pais que, para se ouvir informação credível ou, pelo menos, diferente da veiculada pelos meios de comunicação nacionais, era necessário sintonizar-se a Rádio Argel ou a Rádio Moscovo, tendo, no entanto, o cuidado de baixar o mais possível o volume e colocar um copo de água em cima do aparelho de rádio por causa da pesquisa e deteção que a PIDE fazia tentando descobrir quem estaria à escuta de "informação subversiva". Desconheço se tal estratagema tinha algum resultado prático ou se foi apenas uma questão de sorte não terem recebido a visita da polícia a meio da noite.

N. A.: Existe uma história familiar em que um tio-avô foi objeto de atenção da polícia política. Sendo não mais que um simples cidadão, uma tarde, quando viajava no 'elétrico' de regresso do trabalho, teve um comentário jocoso mas inofensivo para com um colega, acerca de uma foto do jornal retratando Salazar. Quando se apeou do transporte foi de imediato 'acompanhado' por agentes da PIDE à paisana, tendo ficado preso e incomunicável durante 22 dias, tempo em que a família de nada sabia sobre o seu paradeiro. Nunca chegou a saber ao certo em que prisão esteve e quando foi finalmente libertado, foi obrigado a filiar-se na União Nacional e a assinar um documento em que assegurava ter sido bem tratado durante essa sua 'estadia', apesar da tortura e maus-tratos que eram prática de rotina. Muito tempo depois deste episódio, ainda recebia visitas regulares de agentes da polícia política, inquirindo-o sobre o seu comportamento ou sobre se conhecia alguém suspeito de 'atividades subversivas'.

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