Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil

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COLEÇÃO HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA EM MOVIMENTO Direção: Pedro Paulo A. Funari Conselho editorial: Andrés Zarankin, Airton Pollini, José Geraldo Costa Grillo, Gilson Rambelli, Lúcio Menezes Ferreira, Renata Senna Garraffoni Esta coleção visa à publicação de obras originais, com base em uma visão crítica e atualizada, das principais questões historiográficas e arqueológicas. A coleção publica obras organizadas e livros de autoria individual, de autores nacionais ou estrangeiros, em diferentes estágios de suas carreiras, de modo a integrar o que há de mais inovador com as mais reconhecidas contribuições. Sempre marcados pela excelência acadêmica, volumes introdutórios e obras específicas e aprofundadas constituem o cerne da coleção. Conheça os títulos desta coleção no final do livro.

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José Geraldo C. Grillo Pedro Paulo A. Funari Alice V. de Carvalho organizadores

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP G859

Grillo, José Geraldo Costa, Org.; Funari, Pedro Paulo A., Org.; Carvalho, Aline Vieira de, Org. Os caminhos da arqueologia clássica no Brasil: depoimentos. / Organização de José Geraldo Costa Grillo, Pedro Paulo A. Funari e Aline Vieira de Carvalho. Prefácio de José Remesal-Rodríguez. – São Paulo: Annablume, 2013. (Coleção História e Arqueologia em Movimento). 172 p. ; 14x21 cm ISBN 978-85-391-0559-5 1. Arqueologia. 2. Arqueologia Histórica. 3. Arqueologia Clássica. 4. Antiguidade Clássica. 5. Antiguidade Tardia. 6. Brasil. I. Título. II. Considerações sobre os estudos da antiguidade clássica no Brasil. III. Annablume Arqueológica. IV. Série. V. Grillo, José Geraldo Costa, Organizador. VI. Funario, Pedro Paulo A., Organizador. VII. Carvalho, Aline Vieira de, Organizadora. VIII. Remesal-Rodriguez, José. CDU 930.26 CDD 930.1 Catalogação elaborada por Ruth Simão Paulino

OS CAMINHOS DA ARQUEOLOGIA CLÁSSICA NO BRASIL: DEPOIMENTOS Projeto, Produção e Capa Coletivo Gráfico Annablume CONSELHO EDITORIAL Eduardo Peñuela Cañizal Norval Baitello Junior Maria Odila Leite da Silva Dias Celia Maria Marinho de Azevedo Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff (in memoriam) Pedro Roberto Jacobi Lucrécia D’Aléssio Ferrara 1ª edição: agosto de 2013 © José Geraldo C. Grilo, Pedro Paulo A. Funari e Aline V. de Carvalho ANNABLUME editora . comunicação Rua M.M.D.C., 217 . Butantã 05510-021 . São Paulo . SP . Brasil Tel. e Fax. (011) 3539-0226 – Televendas 3539-0225 www.annablume.com.br

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Sumário

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Introdução Organizadores

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P refácio – C onsiderações sobre Antiguidade Clássica no Brasil José Remesal-Rodríguez



os estudos da

I – Pioneiros 00

1. Os Caminhos de uma Arqueóloga Clássica no Brasil Haiganuch Sarian

II – Segunda geração 00

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2. Arqueologia Clássica: uma trajetória Maria Beatriz Borba Florenzano

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3. Arqueologia Clássica no Brasil: um depoimento pessoal Pedro Paulo Abreu Funari

III – Terceira geração 00

4. Uma trajetória de pesquisador na Arqueologia Clássica: entre música e imagem, uma Grécia múltipla Fábio Vergara Cerqueira

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5. Arqueologia Clássica: pesquisa, patrimônio e cultura Francisco Marshall

IV – Jovens 00

6. O Brasil e a Antiguidade Tardia Cláudio Umpierre Carlan

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7. Usos da História Antiga e da Arqueologia Clássica: o caso de Pompéia Marina Regis Cavicchioli

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8. Cultura material e as relações de gênero e sexualidade na sociedade romana



Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa

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9. Arqueologia Clássica

no

Brasil:

relato de uma

experiência



Renata Senna Garraffoni

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10. Experiências e perspectivas de um arqueólogo clássico em contexto brasileiro



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José Geraldo Costa Grillo

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11. Um percurso entre textos e artefatos Julio César Magalhães de Oliveira

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12. História Antiga e Arqueologia no Brasil Airton Pollini

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13. Vir a ser arqueólogo clássico no Brasil: uma errância ousada



Pedro Luís Machado Sanches

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14. A História e a Arqueologia da Antiguidade Clássica e os usos do passado

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Glaydson José da Silva

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Sobre os autores

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Introdução

Caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil é o segundo volume do projeto História da Ciência Arqueológica na América Latina, apoiado pelo Laboratório de Arqueologia Pública – Paulo Duarte – LAP/Unicamp e produzido a partir da colaboração de pesquisadores de diversas instituições brasileiras e estrangeiras1. O projeto de uma forma geral se dedica a documentar, a partir de perspectivas subjetivas e das experiências pessoais dos professores e pesquisadores da área, algumas facetas da constituição e institucionalização de determinados saberes no cenário acadêmico nacional e internacional. Como o próprio título da presente obra já indica, neste volume nos dedicamos a “ouvir” quatro gerações de pesquisadores que devotaram (e, que devotam!) suas vidas ao estudo da Arqueologia Clássica por meio da análise da cultura material 1 O primeiro volume é a obra Desafios da Arqueologia: depoimentos. Lourdes Domínguez, Pedro Paulo A. Funari, Aline Vieira de Carvalho, Gabriella Barbosa Rodrigues (orgs). Erechim, Hábilis, 2009, 240 pp.

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das sociedades que usaram os idiomas grego e latino. A proposta é registrar as memórias de significativos percursos na área, apontando suas referências, motivações, métodos, produtos, dificuldades e possibilidades de desenvolvimento. Neste volume, foram reunidas as vozes de quatorze pesquisadores e referências da Arqueologia Clássica no Brasil: Haiganuch Sarian; Maria Beatriz Borba Florenzano; Pedro Paulo Abreu Funari; Fábio Vergara Cerqueira; Francisco Marshall; Cláudio Umpierre Carlan; Marina Regis Cavicchioli; Renata Senna Garraffoni; Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa; José Geraldo Costa Grillo; Julio César Magalhães de Oliveira; Airton Pollini; Pedro Luís Machado Sanches e Glaydson José da Silva. Para a composição do texto que se segue, cada um dos pesquisadores respondeu a um grupo de questões específicas. As questões foram pensadas de forma a oferecer ao leitor textos minimamente homogêneos e comparáveis, mas também relacionados a questões particulares a cada entrevistado. As perguntas foram diferenciadas apenas para os grupos que chamamos de “pioneiros” e “segunda geração”, de um lado e “terceira geração” e “jovens”, de outro. Para o conhecimento do leitor, antes da apresentação das respostas do pesquisador colocamos uma breve apresentação da trajetória acadêmica do entrevistado. As questões sugeridas para os entrevistados foram: A. Pioneiros e Segunda geração

1. O que motivou sua “opção” por essa área de trabalho/ pesquisa? 2. Quais as circunstâncias de seu ingresso na área?

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3. Quais as principais referências de início de carreira (textos e pessoas)? 4. E as principais referências na carreira como um todo? 5. Como seu trabalho se inseriu/insere na área? Quais as dificuldades, acertos e erros? 6. Quais são os seus procedimentos de trabalho/pesquisa? 7. Quais suas principais contribuições para a área no Brasil e/ou no mundo? B. Terceira geração

1. O que motivou sua “opção” por essa área de trabalho/ pesquisa? 2. Quais as circunstâncias de seu ingresso na área? 3. Quais as principais referências de início de carreira (textos e pessoas)? 4. E as principais referências na carreira até o momento? 5. Quais são os seus procedimentos de trabalho/pesquisa? 6. Qual/quais seu(s) projeto(s) de pesquisa? Como se relacionam com o que vem sendo feito no Brasil e/ ou no exterior? 7. Quais suas expectativas acerca do futuro da disciplina no Brasil? C. Jovens

1. O que motivou sua “opção” por essa área de trabalho/ pesquisa? 2. Quais as circunstâncias de seu ingresso na área? 3. Quais as principais referências (textos e pessoas)?

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Temos a consciência de que será conveniente um segundo volume sobre a temática para abarcar outros importantes nomes da Arqueologia Clássica no Brasil, em especial, e na América Latina como um todo. E já declaramos que será um prazer fazê-lo! Por fim, é importante destacar que essa obra parte de uma premissa política de que o conhecimento acadêmico não deve ficar restrito aos pequenos círculos de intelectuais. Ao contrário, ele deve dialogar de forma aberta e democrática com a sociedade como um todo. Por isso, nos esperamos que os depoimentos aqui reunidos e que as obras do projeto História da Ciência Arqueológica na América Latina sirvam como inspiração para todos os interessados na área. Boa leitura, Aline Vieira de Carvalho, José Geraldo Costa Grillo e Pedro Paulo A. Funari.

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1. Considerações sobre os estudos da antiguidade clássica no

Brasil1

José Remesal-Rodríguez2

Quando o Prof. Funari me propôs fazer o prefácio desse livro, eu esperava encontrar algo muito diferente. Esperava uma análise geral da situação dos estudos de História e Arqueologia Clássica no Brasil: origem e evolução geral da especialidade, centros de estudos, capacidades e particularidades de cada um deles, análises e críticas da situação atual e proposta de futuro. Entretanto, me encontro com um texto radicalmente distinto: um texto que um determinado grupo faz manifestação de sua existência, do desenvolvimento pessoal de cada um de seus integrantes, de suas preocupações e esperanças. Um texto que mostra tanto a juventude quanto a maturidade. 1 Traduzido do original em espanhol por Taís Pagoto Belo, doutoranda do programa de pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Revisão de Pedro Paulo A. Funari. 2 Professor do Departamento de Pré-História, História Antiga e Arqueologia, Faculdade de Geografia e História, Universidade de Barcelona, Espanha.

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Ao longo dos últimos anos venho tendo a oportunidade de conhecer e admirar o desenvolvimento dos estudos sobre Antiguidade Clássica no Brasil, participando de seminários, conferências, comissões e congressos3. Frequentemente, quando me refiro à ciência da Antiguidade alemã, digo apenas que é um grande privilégio deles de terem disponível uma ampla e longa tradição de estudos; ao mesmo tempo, afirmo que o ponto negativo da ciência da Antiguidade alemã é o peso dessa grande tradição, que muitas vezes, os obriga a caminhar por certos cursos já muito bem conhecidos. O mesmo nós poderíamos dizer de outras culturas e tradições científicas européias. Enquanto as ciências da Antiguidade européia nasceram sob o desenvolvimento dos estudos filológicos, no Brasil, em sua maioria, desenvolveram-se por meio dos estudos antropológicos. E este fator marca uma notável diferença: os investigadores brasileiros se baseiam, como ponto de partida, em uma reflexão metodológica ausente em muitos colegas europeus, que seguem pautas de atuação já definidas. E ainda, este ponto de partida antropológico faz com que apareçam pontos de vista diferenciados, inclusive quando se investiga os mesmos aspectos em lugares diferentes.

3 Prova desta vitalidade nos é mostrada pelo notável volume de traduções para a língua portuguesa de autores modernos, o considerável aumento de monografías realizadas por autores brasileiros e as revistas especializadas, assim como: Clássica, publicação da Sociedade Brasiliera de Estudos Clássicos, desde 1988, publicada em São Paulo e Belo Horizonte, anual 1988-1991, bienal 1992-2005, semestral desde 2006. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da Usp, desde 1990, anual, publica artigos de Arqueologia Clássica, São Paulo. Revista de História da Arte e Arqueologia, Unicamp, desde 1995, semestral, publica artigos de Arqueologia Clássica. Boletim do CPA Unicamp/ Revista de Estudos Filosóficos e Históricos, Campinas, semestral, desde 1995, publica artigos de Arqueologia Clássica. Phoinix, Rio de Janeiro, UFRJ, anual, desde 1995, publica artigos de Arqueologia Clássica. Todas elas publicam artigos tanto em português como em outros idiomas. E ainda, revistas de História também aceitam artigos de Arqueologia Clássica, assim como: História, questões e debates, Curitiba, UFPR, semestral. História, Unesp, Franca e Assis, SP, anual.

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Portanto, para documentar a História como disciplina exige-se a análise direta dos dados e documentos de outras épocas que teriam chegado até nosso tempo. Se não houver documentos, não se tem história, como já dizia A. Momigliano4. Tenho participado de defesas de mestrado no Brasil e me deparo com trabalhos com uma perspectiva antropológica que tem me impressionado de forma positiva, pois neles se analisam com grande rigor os dados relativos ao período estudado. Entretanto, tenho participado de outras comissões em que os trabalhos se desenvolvem do pondo de vista do próprio investigador, apresentando conclusões, que do meu ponto de vista, são inaceitáveis, colocando como pretensão uma reconstrução da ideologia do pesquisador, sem que este tivesse um bom conhecimento dos dados do período estudado. Trabalhos que ‘se inventam’ o passado, partindo de apriorismos, uma vez aceitos, como pontos de partida teóricos, e outras vezes, na minha opinião, não. Este problema não é exclusivo da ciência brasileira, nasce em todos aqueles lugares em que a criação de modelos se realiza sem uma confrontação entre nossos modelos teóricos e os dados do período estudado. Outra peculiaridade é que a carência de uma tradição lhes permite ser ecléticos. Isso também acontece em outros países que se incorporaram recentemente a estes tipos de estudos, como é o caso da Espanha. O ecletismo se converte em um aproveitamento de coisas aqui e ali, ou seja, aquilo que pode 4 A. Momigliano, Tra storia e storicismo. Pisa 1985, 72-73: “Mas o ensino tem muitas vezes levado à tentação de propor conclusões sem base nos dados. Ele também criou o que me parece um desequilíbrio entre a interpretação dos fatos e sua descoberta. Em nosso ensino universitário, de maneira talvez inevitável, a interpretação de fatos antigos é mais frequente que a descoberta de fatos novos. Mas só a de fatos novos mantém viva a sensação de que a história dependa dos dados concretos; a descoberta de novos dados é um desafio perpétuo para as conclusões geralmente aceitas. A história real, embora seja desnecessário dizer, alegara-se na descoberta de novos dados, ainda que contradiga algumas das convenções que mais lhes interessam”.

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me interessar em um determinado momento, mas que pode nos conduzir a uma falta de rigor metodológico. Todavia, o ecletismo se converte na capacidade de estudar e compreender formas distintas de abordagens dos nossos temas, o que é muito útil e nos ajuda a nos libertar dos idola scienciarum como dizia Francis Bacon. O ecletismo, na jovem ciência da Antiguidade brasileira, permitirá que no Brasil nasçam grupos e escolas de trabalhos diferenciadas. E o livro que temos em mãos é a prova disso. Um grupo nascido na sombra do grande trabalho realizado pela Profa. Haiganuch Sarian e energizado pelo excelente trabalho do Prof. Pedro Paulo A. Funari. Ambos compreenderam que para sair do estreito círculo brasileiro seria preciso conhecer e integrar-se às correntes de estudo de outros lugares, e eles estão fazendo com que todos os jovens investigadores que estão ao seu redor sigam o mesmo caminho. Poderíamos dizer que esta é uma característica fundamental do grupo, cada um deles têm se formado junto aos investigadores mais qualificados e reconhecidos internacionalmente no campo em que queriam se especializar. Neste sentido, temos que cumprimentá-los devido ao fato que em uma só geração, a ciência da Antiguidade brasileira tem sabido se colocar e ser reconhecida no âmbito internacional. O grupo se declara seguidor da corrente que se define como ‘Arqueologia Histórica’, entendendo que para o estudo da Antiguidade Clássica não se tem apenas que se basear nas fontes literárias, mas em todo tipo de documento, revalorizando assim, os restos de cultura material do mundo clássico. A ideia em si não é nova, o problema está arraigado no fato que os dados arqueológicos têm sido utilizados apenas como elementos confirmadores do que é transmitido pelos textos escritos, neste sentido, tem sido escasso o desenvolvimento de métodos de

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abordagens destes documentos, razão pela qual muitos historiadores têm depreciado o valor destes dados. Elevar à categoria de documento histórico um documento arqueológico não é tarefa fácil. O problema consiste em saber converter os dados arqueológicos, limitados e às vezes contraditórios, em fontes históricas capazes de dar-nos informações sobre a economia, a sociedade ou a política do mundo antigo. Para isso temos que abordar métodos específicos de análise adequados aos documentos que analisamos5. Porém esta explicação não é nova. Ainda que os autores façam referência a teóricos reconhecidos da nossa geração - o problema existente na maioria das produções científicas atuais em que não se analisam os trabalhos das gerações anteriores temos que lembrar que, neste sentido, destacam-se os trabalhos de dois investigadores dos séculos XIX e XX: Dressel, o qual em seus trabalhos, para o volume XV do Corpus Inscriptionum Latinarum, colocou as bases para o estudo do chamado instrumentum domesticum. E M. Rostovtzeff, quem escreveu: “Para mim a arqueologia não é uma fonte de ilustração para textos escritos, mas uma fonte independente de informação histórica e que não possui menor valor ou importância, às vezes até mais importante que as fontes escritas. Nós precisamos aprender e gradualmente estamos aprendendo como escrever história com a ajuda da Arqueologia”6. Se a idéia em si não é nova e se a suposição em si o é, por parte deste grupo, destas idéias e da sabedoria de se desenvolver métodos de análises adequados para os aspectos que estudam, os quais, sem dúvida, têm uma grande importância em se ter partido do conhecimento das ciências antropológicas 5 J. Remesal Rodríguez, Instrumentum domesticum e storia economica: le anfore Dressel 20. Opus 9, 1992, 105-113, en part, 105. 6 M. Rostovtzeff, Iranians and Greeks in south Russia, Oxford 1922, VIII.

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que diferencia o grupo. Outra característica que os definem é a intensa propagação e discussão sobre estes métodos. Permita-me cumprimentar e saudar este jovem grupo que com seu trabalho tem contribuído com passos gigantescos ao desenvolvimento não só da ciência da Antiguidade no Brasil, mas também por ter conseguido um significado notável, em termos internacionais.

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2. Os caminhos de uma arqueóloga clássica no Brasil

Haiganuch Sarian

Croix de bois, croix de fer. Si je mens, je vais en Enfer. (Ditado popular francês) Prólogo

Foi predestinação para os Estudos Clássicos. No Ginásio, feito no interior de São Paulo, Nova Granada, esmerei-me nas aulas de Latim. No Colegial, cursado no Colégio Estadual Presidente Roosevelt de São Paulo, além de continuar meus estudos de Latim, tive a sorte de encontrar a Profª Gilda Reale Starzynsky, que muito mais tarde viria a ser Diretora do MAEUSP, uma excelente mestra para o ensino de Grego, em aulas de Língua e Literatura, Mitologia: durante três anos do antigo Clássico, tive um aprendizado substancial. De modo que, ao ingressar no curso de Letras Clássicas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em

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1958, eu já era uma jovem classicista, aluna de novo da Profª Gilda, mas também do renomado helenista francês, Prof. Dr. Robert Aubreton, discípulo do eminente filólogo e paleólogo Alphonse Dain, da École Pratique des Hautes Études em Paris. Após a Licenciatura em 1961, fiz um curso de Especialização em Língua e Literatura Grega, durante um ano, ministrado pelo Prof. R. Aubreton. Selecionada por ele para especializar-me na França, instalei-me em Caem (1962-1963) e em seguida em Paris (1963-1966), usufruindo de bolsas de estudo do governo francês e da Fundação Calouste Gulbenkian. Nessas cidades, a minha trajetória acadêmica foi a seguinte em cursos de pós-graduação: 1) CAEN, Faculté de Lettres et Sciences Humaines, obtenção do Diplôme d’Études Supérieures em 1963, após submeterme a provas de Língua e Literatura Latina, Língua e Literatura Grega, Paleografia Grega e defesa de Dissertação sobre o tema “Les Origines et l’Évolution du Mythe d’Oreste”, pesquisa dirigida pelos Profs. Drs. Pierre Costil e François Jouan. 2) CAEN e PARIS, preparação do Doctorat de 3e cycle, sob a orientação do Prof. Dr. Pierre Devambez, com pesquisas realizadas no Musée du Louvre e na École Pratique des Hautes Études. A tese de doutorado foi defendida em outubro de 1966, sobre o tema “L’Iconographie du Mythe d’Oreste: Étude Critique, Classification et Interpretation des Documents”, com a banca examinadora composta pelos professores P. Devambez (Musée du Louvre e École Pratique des Hautes Études), R. Aubreton (Université de Rouen) e F. Jouan (Université de Caen). A defesa se deu na Faculté de Lettres et Sciences Humaines de l’Université de Caen. Foi obtida a equivalência ao título de Doutora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1969. Outros cursos foram feitos em Paris entre 1963 e 1966: na École Pratique des Hautes Études, IVe Section (Sciences

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Historiques et Philologiques): Paléographie Grecque (Prof. J. Irigoin), Architecture Grecque (Prof. R. Martin) ; Épigraphie Grecque et Géographie Historique (L. Robert)  ; Ve Section (Sciences Religieuses): Archéologie et Religion de la Grèce Ancienne (Prof. P. Devambez); na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Religion Grecque (Prof. J.-P. Vernant); no Museu do Louvre, Sculpture Grecque (Prof.Jean Charbonneaux). Nesse período tive um longo estágio (entre 1963 e 1966) no Musée du Louvre, Département des Antiquités Grecques, Étrusques et Romaines, sob a orientação do Prof. P. Devambez, ocasião em que efetuei minhas pesquisas para a tese de doutorado. Em novembro de 1966 fui nomeada Membre Étranger de l’École Française d’Athènes e nesta instituição permaneci até dezembro de 1968. Desde então, sou “Ancien Membre” dessa escola de arqueologia francesa na Grécia. Com bolsa da FAPESP, desenvolvi pesquisas e participei de escavações arqueológicas, além de visitar inúmeros sítios e museus do país: 1) Pesquisas e publicações: a) estatuetas de terracota de estilo geométrico provenientes das escavações arqueológicas em Argos, cujos resultados foram publicados em 1969 no Bulletin de Correspondance Hellénique, periódico oficial da École Française d’Athènes; b) iconografia religiosa do período helenístico, estudo baseado em pinturas murais de Delos, com resultados publicados em artigo de 1973, no Supplément I do Bulletin de Correspondance Hellénique (co-autoria de Ulpiano T. Bezerra de Meneses). 2) Trabalhos de campo: a) Maio/Julho de 1967: escavações arqueológicas em Argos, setor da Ágora em colaboração com J.-P. Sodini (cf. Bulletin de Correspondance Hellénique, 2, p. 1003-1021, 1968); b) Abril/Julho de 1968: escavações arqueológicas em Argos, no setor do Odeon, Santuário de

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Afrodite, em colaboração com F. Croissant (cf. Bulletin de Correspondance Hellénique, 2, p. 908-1008, 1969). Em janeiro de 1969 voltei para o Brasil e, com títulos e experiência pós-graduados e pós-doutorados obtidos durante seis anos no exterior, dos quais quatro na França e dois na Grécia, ingressei no Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de São Paulo, denominação esta anterior ao que seria mais tarde Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo; com esta bagagem acadêmica e científica, submeti-me, em 1969, a concurso público de provas e títulos com banca examinadora composta pelos professores Eurípides Simões de Paula, João Baptista Borges Pereira e Ulpiano T. Bezerra de Meneses. Iniciou-se assim a minha carreira voltada para o ensino, pesquisa, curadoria e extensão universitária, na Universidade de São Paulo. Referências e pesquisas

No início da minha carreira já na USP as duas principais referências foram de um filólogo, o Prof. R. Aubreton, que estruturou os estudos e o ensino de Língua e Literatura Grega nessa instituição, e de um arqueólogo, meu orientador de tese de doutorado, o Prof. P. Devambez, da École Pratique des Hautes Études de Paris e Consevador do Museu do Louvre. Coincidentemente esses dois mestres tinham em comum qualidades humanas das mais dignas, acrescidas de um valor inestimável quanto à competência em suas áreas de conhecimento. Nunca me deparei, ao longo de minha carreira, com professores tão dedicados aos seus alunos quanto os professores Aubreton e Devambez a ponto de colocá-los acima de suas próprias ambições de pesquisas e publicações.

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No desenrolar das minhas atividades profissionais, seja em sala de aula, seja em pesquisas, tive marcas profundas deixadas por inúmeros estudiosos da Antiguidade Grega, todos eles arqueólogos, com exceção de J.-P. Vernant, fundador do Centro Louis Gernet, onde se desenvolveram também muitas pesquisas instigantes em Arqueologia da Grécia antiga. A esse centro de excelência deve-se acrescentar um outro ao qual minha dívida é enorme, a École Française d’Athènes (EFA), seja através das oportunidades que tive em pesquisas de campo e outras, seja pelo modelo de rigor e de qualificação científica das mais elevadas que nunca deixaram de me orientar. Além de P. Devambez, emérito representante da EFA, dois outros membros dessa Escola marcaram meu destino de arqueóloga clássica: o Prof. Paul Courbin da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, fundador do BEMA, Bureau d’Études des Méthodes Archéologiques, onde pude aperfeiçoar minha experiência em atividades de campo, que foram seguidas da participação de escavações arqueológicas, sob sua direção, no sul da França, em Grignan, e na Síria, no sítio de Ras-el-Bassit, muito provavelmente a antiga cidade grega de Posideion. Mas não foi só isso. À Profª Lilly Kahil, membro estrangeiro da EFA e professora em Paris e Friburgo na Suíça, devo o privilégio de participar, durante 25 anos, do programa de pesquisas e publicações para o Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae (LIMC), um dos projetos da Union Académique Internationale (UAI, Bruxelas). Com sede em Basiléia, na Suíça, esse projeto redundou na publicação de 8 tomos com 2 volumes cada e mais outro projeto que dele se originou, o Thesaurus Cultus et Rituum Antiquorum (ThesCra), com 5 volumes. Além de membro do

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Comitê Científico desses dois projetos, fui autora de quatro estudos na série LIMC e um estudo na série ThesCra. Com os exemplos acima mencionados, percebe-se que eu sou muitas vezes devedora de pesquisadores franceses. Deles ainda, por intermédio dos professores Devambez e Courbin, recebi minha formação em ceramologia grega, introduzindome mais recentemente no programa do Corpus Vasorum Antiquorum (CVA), também sob a égide da Union Académique Internationale (UAI, Bruxelas). Se o longo e rigoroso programa do LIMC teve como fundamento o estudo da iconografia mitológica clássica a partir de representações figuradas em todo tipo de artefato do mundo clássico (Grécia, Etrúria, Roma e áreas periféricas), o não menos longo e rigoroso programa do CVA tem como base o próprio artefato: um deles, o vaso, o que permite o desenvolvimento dos estudos de ceramologia e ceramografia. Além dessas duas áreas de interesse científico, um terceiro campo de investigações se insere no âmbito de programas oficiais de renome internacional: a Arqueologia de Santuários, um dos programas da École Française d’Athènes (EFA). Como “ancien Membre” (Membro sênior) da EFA, dirijo as pesquisas arqueológicas no santuário da deusa Hera no ilha de Delos, Grécia. Ao lado das escavações realizadas nesse sítio, desenvolvo pesquisas sobre esse santuário grego, seja do ponto de vista da arquitetura dos templos e de outras estruturas próprias a esses locais de culto, seja no tocante às várias categorias de artefatos descobertos em estratigrafia (fragmentos de cerâmica principalmente), ou em depósitos de oferendas (os ex-votos, vasos de cerâmica, alguns portando inscrições com dedicatórias, etc.), que no caso específico do Heraion de Delos são datados do séc. VIII ao séc. II a.C. Essas principais áreas de estudos às quais me dediquei e continuo me dedicando revelam procedimentos dos mais variados. Em

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primeiro lugar, vale salientar que para mim o modelo de pesquisa em Arqueologia Clássica, no particular, e no geral, em Antiguidade, deve levar em conta a soberania das fontes primárias que, no caso dos estudos de Arqueologia, são todas as categorias de cultura material. Qualquer que seja a orientação teórica a sugerir as abordagens interpretativas para se entender os vários aspectos de uma sociedade, é necessário antes de tudo interrogar os artefatos para se obter respostas originais. Mais ainda: quase sempre são as questões que surgem dessa interrogação que esclarecem os caminhos teóricometodológicos a seguir. Portanto, soberania das fontes primárias, soberania dos artefatos, soberania da cultura material. Isto posto, não é sem razão que os arqueólogos mais propensos a direções teóricas, com resultados relevantes, são aqueles que já obtiveram longa experiência com algum tipo de artefato ou de problemas correlatos: vale dizer, dentre os que mais me inspiraram, P. Courbin, Ph.Bruneau e A. Schnapp, na França, sem contar os iconografistas do Centro Louis Gernet, como F. Lissarrague; e, na Inglaterra, A. M. Snodgrass em primeiro lugar, C. Renfrew, I. Morris e J. Whitley. E muitos outros da Europa e dos Estados Unidos nos quais as preocupações teóricas se fundamentam em longa vivência e produção a partir dos vestígios materiais. Concluo: a teoria arqueológica só tem a sua primazia e sentido se intimamente articulada com uma documentação empírica material criticamente elencada e questionada. Ensino e formação

A minha atividade docente foi intensa, mesmo antes de ser promovida ao estatuto de Professora Doutora em 1978, quando uma portaria do Magnífico Reitor da USP integrou os então arqueólogos dos Museus e Institutos da universidade à

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carreira docente. Dediquei-me, portanto, ao ensino desde 1969, numa época de real pioneirismo em companhia dos colegas Ulpiano T. Bezerra de Meneses e Luciana Pallestrini. De início, os cursos eram de Extensão Universitária ou Optativos, com classes repletas de alunos interessados. Só em 1973 iniciamos a Pós-Graduação de Arqueologia, incluída no Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Seguiram-se anos heróicos, com dificuldades até na constituição de bancas para as defesas de dissertações de Mestrado e teses de Doutorado. O quadro se modificou largamente quando, em 1989, instituiu-se a PósGraduação em Arqueologia dissociada da Antropologia, mas ainda vinculada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e, finalmente, constituindo um Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP). Fui a primeira professora de Arqueologia Clássica a orientar trabalhos acadêmicos e exerci a docência em nível de Graduação no MAE, mas também nos departamentos de História, de Letras Clássicas e de Antropologia da USP. Essa diversificação do ensino de Arqueologia Clássica em várias unidades foi, sem dúvida, bastante profícua para a minha experiência docente, mas exigiu de mim reciclar-me a cada vez: a perspectiva das aulas de Arqueologia Clássica se modificava quer sendo os alunos do curso de História, de Letras Clássicas, de Antropologia ou especificamente de Arqueologia no MAE. Esses cursos de Graduação também foram importantes na medida em que ocasionavam descobrir bons alunos vocacionados para a Arqueologia Clássica, alunos esses que continuaram os estudos em nível de Mestrado e Doutorado. Hoje são eles os professores que ensinam e orientam nessa área, em várias universidades do país. De modo que, se, no início, éramos dois professores de Arqueologia Clássica a ministrar cursos em nível de Gradua-

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ção (o professor Ulpiano T. B. de Meneses e eu) e apenas eu a orientar alunos de Pós-Graduação em Arqueologia Clássica, agora são inúmeros os arqueólogos clássicos que se multiplicaram por sua vez. Pode-se dizer, atualmente, que existe uma disciplina – a Arqueologia Clássica –, sedimentada no ensino superior quer de História Antiga quer especificamente de Arqueologia do Velho Mundo. Contribuições

Tenho plena consciência de que minha maior contribuição para o Brasil foi ter-me dedicado mais a outros do que a mim mesma. No tocante à formação de pesquisadores fui muito além de simples orientadora formal e informal; na maioria das vezes fui promotora de carreiras no Brasil e no exterior, abrindo portas e canais de centros de excelência a todos aqueles que me procuraram, alunos, ex-alunos, alunos de colegas e mesmo colegas, todos obtendo enriquecimento científico e profícuos contatos nesses centros não somente na área de Arqueologia Clássica como também em várias outras áreas de estudos sobre a Antiguidade. Nesse jogo de intercâmbio com instituições do exterior, tiveram grande relevância a École Française d’Athènes (EFA) e a École Française de Rome (EFR), instituições responsáveis por inúmeras escavações arqueológicas e pesquisas correlatas na Grécia e na Itália, centros de veneranda tradição que se renovaram e abriram suas portas ao meio científico internacional. Tem sido ainda bastante expressivo o apoio do Centre Louis Gernet de Paris, através principalmente dos arqueólogos que estudam iconografia. No mesmo sentido, Museus da Grécia, da Itália, da França e da Inglaterra estão atendendo jovens pesquisadores brasileiros em seus trabalhos acadêmicos.

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Além disso, organizei e coordenei programas de cursos e de conferências de professores do exterior, todos centrados no MAE-USP, com o intuito sobretudo de proporcionar aos nossos alunos e também ao meio acadêmico da USP a oportunidade de alargar seus horizontes científicos através dos mais variados assuntos sobre Arqueologia Clássica. Não poderia deixar de mencionar o papel valioso que exerceu a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC), onde pude chamar a atenção dos classicistas para a Arqueologia, instituindo assim, como presidente fundadora, um espaço aberto e privilegiado para manifestações de toda sorte em seus Congressos e Reuniões Científicas por parte dos estudantes e professores: a Arqueologia Clássica passou a ter um fórum de discussão que se ampliou largamente no correr dos anos. A presença da Arqueologia Clássica na SBEC projetou-se ainda na Fédération Internationale des Associations des Études Classiques (FIEC), culminando com a participação de vários especialistas dessa área, do Brasil e do exterior, no XII Congresso Internacional de Estudos Clássicos da FIEC, promovido em 2004 pela SBEC no Brasil, na cidade de Ouro Preto. O que dizer da contribuição da Arqueologia Clássica à Arqueologia no Brasil? Acredito que seja uma contribuição em dupla via: a Arqueologia Brasileira teve e continua tendo uma importância valiosa na preparação dos arqueólogos clássicos em trabalhos de escavações. Assim é que são inúmeros os pós-graduandos em Arqueologia Clássica do Programa de PósGraduação em Arqueologia do MAE-USP, que participam dos trabalhos de campo dirigidos pelos nossos colegas em vários sítios do Brasil e obtêm rigorosa formação nesse método de pesquisa. Preparam-se, dessa maneira, a trabalhos de campo em área geográfica específica nas regiões mediterrânicas.

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Em contrapartida, a Arqueologia Clássica tem muito a oferecer à Arqueologia Brasileira no tocante ao estudo da cultura material fundamentado entre os classicistas em experiência de longuíssima tradição. Pesquisas e publicações de referência sobre os mais variados artefatos, sobretudo no domínio da ceramologia, indicam caminhos, com resultados à mostra, a serem percorridos, ressaltando-se bem entendido as características de uma e outra disciplina. O mesmo se pode dizer de temas relevantes, entre os quais se destacam o estudo de arqueologia das práticas mortuárias, de arqueologia da imagem e de arquitetura. A Arqueologia Clássica não é mais a “prima pobre” da Arqueologia brasileira, como foi em períodos muito difíceis; vale lembrar que os arqueólogos clássicos estão se manifestando nos eventos científicos organizados pela Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), que deveria chamar-se Sociedade Brasileira de Arqueologia; pois, eles revelam, às vezes com sucesso, às vezes com dificuldades, a especificidade de nossa disciplina, porém uma especificidade que não deixa de apresentar procedimentos arqueológicos que podem ser semelhantes quer se trate do Velho ou do Novo Mundo e, em nosso caso particular, do Brasil. Epílogo

O que se pode pensar sobre o futuro da Arqueologia Clássica no Brasil? Se refletirmos sobre sua trajetória nesses últimos 40 anos e no quadro atual, sou muito propensa a ser otimista. Há quatro décadas éramos apenas dois arqueólogos clássicos. Vivíamos pendurados numa Pós-Graduação de Antropologia que, se nos ajudou a formar os primeiros mestres e doutores, foi também uma camisa de força. Nos anos se-

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guintes, os mestres e doutores se multiplicaram, criou-se uma Pós-Graduação em Arqueologia no MAE-USP, a primeira do Brasil, com participação relevante da Arqueologia Clássica. O ensino e a formação de arqueólogos clássicos passaram a ser progressivos em outros centros universitários do país, principalmente na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Um esforço coletivo fez com que os contatos com o exterior se intensificassem com resultados dos mais profícuos. A arqueologia Clássica tem hoje foros de cidadania e seu futuro é bastante promissor. Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu: ... Tempo de plantar e tempo de colher. (Eclesiastes, 3).

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3. Arqueologia clássica: uma trajetória

Maria Beatriz Borba Florenzano

O

que motivou sua

“ opção ”

por essa área de trabalho /

pesquisa?

Desde meu ingresso na graduação em História meu objetivo era especializar-me em Arqueologia. Minha opção por Arqueologia Clássica deveu-se, sobretudo, à possibilidade de contar com uma orientação competente que pudesse me dirigir a esta área. Quais as circunstâncias de seu ingresso na área?

Tendo terminado a graduação em História, tinha intenção, inicialmente, em especializar-me Arqueologia pré-colombiana. Meu aprendizado em Arqueologia havia ocorrido durante a graduação no México. Entretanto, a falta de uma orientação nesta especialidade no Brasil, a dificuldade em conseguir àquela época uma bolsa de estudos para viajar ao exterior e

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motivos familiares me impeliram a procurar uma outra área de especialização na Arqueologia que acabou sendo a Arqueologia Clássica. Quais

as principais referências de início de carreira

(textos

e

pessoas)?

As principais referências de minha formação como arqueóloga no início da carreira foram os Professores Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes, Haiganuch Sarian, Vera Penteado Coelho, Marianno Carneiro da Cunha e Tony Hackens. Assisti aula de todos, li os textos por eles produzidos e/ou recomendados. Fui introduzida à pesquisa em Arqueologia Clássica em todos os seus procedimentos pela Professora Sarian e pelo Professor Tony Hackens. Em relação aos autores –arqueólogos- que mais me marcaram neste início de carreira posso citar V.Gordon Childe e Andrea Carandini. Na área de minha especialidade, a Numismática, o autor mais importante além de meu orientador, o Prof. Hackens, devo citar Colin Kraay. E as principais referências na carreira como um todo?

Uma carreira de muitos anos é marcada por inúmeras experiências e influências. No tocante à minha especialização, a Numismática posso dizer que a influência mais forte foi, sem dúvida, da escola franco/belga, responsável pela criação de uma metodologia científica que extrapolava a interpretação do significado das imagens monetárias, método característico da disciplina desde a Renascença. A escola franco/belga de Numismática criou a metodologia dos conjuntos, a análise de ligações de cunhos, os estudos metrológicos das moedas. No

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tocante à Arqueologia em geral, as influências e referências são inúmeras. Mais recentemente, como venho lidando com os estudos sobre a pólis, não há como negar que tanto o Copenhaguen polis centre liderado por M.H. Hansen e a Escola Britânica de Arqueologia da paisagem (nomes fortes como J.-B. Ward-Perkins e A. Snodgrass) são referências importantíssimas no desenvolvimento de minhas pesquisas e de meus alunos e colaboradores. Como

seu trabalho se inseriu/insere na área?

Quais

as dificul-

dades, acertos e erros?

Trabalhar com a Arqueologia Clássica no Brasil apresenta dificuldades apenas recentemente em vias de superação: autorizações para escavações são complicadas a menos que a verba a ser investida seja considerável. A participação regular em equipes internacionais demanda uma energia e recursos que tornam a empreitada –em nosso meio acadêmico- perto de inviável. Assim, a opção de lidar com material já publicado e com levantamentos de superfície pode ser uma saída viável e interessante e que vem ocorrendo com frequência tanto entre nós como entre norte-americanos e europeus. Assim, acredito que a maior dificuldade diga respeito aos recursos necessários para uma investigação aprofundada: são necessárias viagens ao exterior para visita aos locais de pesquisa, coleções e bibliotecas. Por mais que atualizemos nossas Bibliotecas, há periódicos e publicações antigas que são importantes e jamais conseguiremos acessar. Fato este ultimamente parcialmente sanado pela possibilidade de aquisição via internet. A segunda grande dificuldade é que nossos alunos necessariamente tem que dominar alguma lingua estrangeira. Por mais que publiquemos no Brasil, não é possível estudar a

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Arqueologia Clássica sem conhecer ao menos o inglês e dependendo do tema o francês, o italiano ou o alemão. Não digo nada com relação aos idiomas antigos (grego e latim) porque nesses casos é possível contar com traduções bastante decentes para quase todos os principais textos. Mas dependendo do tema, rudimentos dessas duas línguas antigas é indispensável, limitando um pouco o leque de opções de pesquisa para os que deverão se formar. Em termos de minha especialidade, a Numismática, minha inserção ocorre por meio de participações de uma boa quantidade de congressos e seminários internacionais. Tenho publicado com certa regularidade artigos em revistas especializadas ou atas de encontros. Uma de minhas percepções nos últimos anos é que a especificidade da Numismática não atrai nossos alunos: nem todo aluno quer ou tem a habilidade ou o gosto para o estudo de objetos tão pequenos e tão particulares. Assim, sem abandonar os estudos sobre a moeda antiga comecei a abrir perspectivas de estudo em outras temáticas, sobretudo os estudos sobre a cidade grega antiga. Quais

suas principais contribuições para a área no

Brasil e/ou

no mundo?

Com relação à Numismática posso dizer que alguns de meus trabalhos em que procurei introduzir a Antropologia nos estudos das moedas antigas conseguiu alguma repercussão no meio especializado internacional. Naturalmente, o doutorado, sobretudo os capítulos que analisam as emissões monetárias de Pirro também trouxe uma contribuição específica daquele período curto da história da Magna Grécia e da Sicilia.

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Mas, ultimamente venho valorizando a contribuição que como Arqueóloga Clássica posso dar no nosso país para um melhor conhecimento da História da Grécia antiga. Nesse sentido cito os trabalhos desenvolvidos pelo Labeca, Laboratório de estudos sobre a cidade antiga, sediado no MAE/USP, que coordeno e que de 2006 a 2010 foi financiado pela Fapesp através da outorga de auxílio a projeto temático. Para essa contribuição vide sobretudo www.mae.usp.br/labeca. Quais

as contribuições, a seu juízo, da

Arqueologia Clássica Brasil?

brasileira para a disciplina arqueológica no

Entendo que a Arqueologia é uma disciplina única. Entendo também que a reflexão sobre a maneira de interpretar o documento material qualquer que ele seja, necessariamente ganha em densidade e enriquece quando as experiências são compartilhadas. Posso dizer ainda que a Arqueologia Clássica tem uma vasta experiência e muitas formulações teóricas sobre, especificamente, a contribuição do documento textual. Assim, acredito que mais do que qualquer outro setor da Arqueologia, neste quesito, podemos oferecer uma contribuição consistente. Quais suas expectativas acerca do futuro da disciplina no Brasil?

Vejo, a cada dia que passa, um aumento grande de trabalhos na área e de novas publicações. Muitos destes de excelente nível. A vantagem que temos no Brasil ao lidar com a Arqueologia Clássica é que temos a opção de não fazer parte de nenhum grupo fechado de pesquisadores europeus ou norte-americanos e assim podemos usufruir de tudo o que é produzido sem ferir suscetibilidades.

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Se pensarmos que na década de 1970, quando iniciei minha carreira, havia no Brasil apenas dois arqueólogos clássicos e que hoje estes já não se contam mais nos dedos, posso dizer que caminhamos para uma consolidação dessa área em nosso país. Sou bastante otimista com relação a isto.

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4. Arqueologia clássica no Brasil: um depoimento pessoal

Pedro Paulo A. Funari

Nem sempre as carreiras e trajetórias intelectuais são decisões que prescindam dos azares das circunstâncias e das contingências. Isto se passa com a vida, em geral, e tanto mais com as escolhas profissionais. No meu caso, a Arqueologia Clássica tornou-se uma opção tanto pelas oportunidades como pelas necessidades. Na adolescência, minha atenção se voltava para o ser humano e, de maneira mais particular, para a filosofia e a política. Em meio a uma ditadura, na década de 1970, o clima era de medo. Para estudar, eu passava pelo comando do Segundo Exército, no Ibirapuera, em São Paulo e, toda semana, levava minha irmã à rodoviária, ao lado do prédio do Departamento de Ordem Política e Social, DEOPS, hoje Memorial da Resistência1 e, então, calabouço. Ler Platão não era idealismo, mas tentativa de compreender a política2. Por isso, minhas predileções seriam o estudo da Filosofia e da Política, 1 Cf. http://www.pinacoteca.org.br/?pagid=memorial_da_resistencia. 2 Cf. http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&ID=34.

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mas tais carreiras mostravam-se ingratas para quem não tivesse antepassados de nomeada e conexões correspondentes. Minha escolha pela História fez-se por ser uma carreira com ganha-pão garantido, na medida em que um licenciado em História sempre poderia atuar no magistério, como professor nas escolas. Isto não significa que a Arqueologia não houvesse aparecido antes disso, ainda na adolescência. Dentre as leituras mais fruídas, estava o livro Deuses, túmulos e sábios, de Ceram3: uma encantadora narrativa das pesquisas arqueológicas. Não havia, no Brasil, curso universitário de Arqueologia, nem era carreira com reconhecimento formal, nem empregos havia, menos do que em Filosofia – já que havia professores universitários de Filosofia, um campo de trabalho, afinal. A Arqueologia, como profissão, não era viável para quem não possuísse conexões com o poder, naquele momento ditatorial, o que não era o meu caso. Tendo iniciado o curso de História na Universidade de São Paulo, em 1977, pude conhecer muitos temas e áreas, inclusive a Arqueologia pré-histórica, que me encantou, como outros temas. Queria estudar a ditadura..., mas em plena ditadura, isso não era fácil ou realista. Além disso, à época, a História era algo que estudava o passado, não o presente. Tentei estudar temas mais filosóficos e abstratos, a Teoria da História, mas fui desencorajado. Desta forma enviesada, cheguei ao estudo da Antiguidade. A professora Maria da Glória Alves Portal4, estudiosa do mundo romano, de maneira generosa, aceitou orientar-me. Viajada e antenada com as pesquisas no estrangeiro, sugeriu-me o tema que me conduziria à ciência: o azeite espanhol. De fato, era um tema, no início da década de 1980, 3 C. W. Ceram, Deuses, Túmulos e Sábios, São Paulo, Melhoramentos, 1959. 4 Antiga professora universitária em Bauru, atuava como professora de História Antiga da Universidade de São Paulo nas décadas de 1970 e 1980.

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que ganhava muita atenção e que só podia ser estudado por meio do estudo arqueológico, pela análise das ânforas usadas para o transporte do azeite. Por meio da professora Portal, entrei em contato com os estudiosos do tema na Espanha, José María Blázquez. Ele me indicou seu aluno, José Remesal. Com isto, entrei, sem o saber, no campo da Arqueologia Clássica. A professora Portal faleceu em seguida, vitimada por um câncer fulminante e eu passei à orientação da grande estudiosa da cerâmica grega, Haiganuch Sarian (graduada na USP em 19615). Ela já se havia destacado, naquele momento (1983), como a grande referência brasileira no campo da Arqueologia Clássica, em particular no que se refere à ceramologia (estudo da cerâmica). Graças à professora Sarian, fui aluno, na própria USP, de grandes arqueólogos como René Ginouves6, Lily Kahil7 e Tony Hackens8, assim como de outros grandes estudiosos por ela trazidos ao Brasil, como Jean Bottero9. O contato com esses grandes intelectuais foi decisivo para que me decidisse por dedicar-me à Arqueologia e, em particular, para a Arqueologia Clássica. Naquela ocasião, entre 1983 e 1985, ademais dos grandes estudiosos da História, aprendia muito com os latinistas, tendo à frente o professor Antônio da Silveira Mendonça10. A decisão pelo caminho da Arqueologia Clássica deveu-se, na origem, à visão e contatos da professora Portal e, em seguida, à orientação e inserção internacional da professora Sarian. Em seguida, já como mestre e professor da UNESP/Assis, eu pude estudar para meu doutoramento com a supervisão do 5 Cf. Currículo Lattes de Haiganuch Sarian em http://lattes.cnpq.br/3670941143366964. 6 Arqueólogo clássico renomado, cujo nome foi dado à unidade de Arqueologia Clássica da Universidade de Paris X, cf. http://www.mae.u-paris10.fr/ginouves/. 7 Arqueóloga clássica da Universidade de Paris X, Nanterre. 8 Numismata da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. 9 Assiriólogo francês. 10 Cf. currículo lattes, http://lattes.cnpq.br/5080563752158463.

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professor Remesal e em contato com estudiosos e especialistas na Espanha, Inglaterra e Itália, para além dos contatos prévios com os franceses. O doutoramento (1986-1990) sobre as ânforas de tipo Dressel 20 permitiu-me, para além dos trabalhos de campo e em museus, conhecer, de maneira detalhada, a pesquisa arqueológica européia e, em particular, britânica. Viajei e trabalhei em dezenas de cidades e instituições arqueológicas britânicas, do Museu Britânico ao Museu Nacional do País de Gales, de Vindolanda a Colchester. Foi uma experiência profissional e humana riquíssima. Nada foi, portanto, planejado, mas aprendi muito com brasileiros e estrangeiros. Nesses primeiros anos (1979-1990), as influências, no campo da Arqueologia Clássica, foram variadas, a começar pela erudição francesa, que pude apreciar na própria USP. Aulas e provas em francês, professores que eram referências universais, esse foi o primeiro e fundamental substrato. Em seguida, eu pude aprender com os colegas espanhóis, italianos e britânicos. Os espanhóis ensinaram-me a importância da erudição para os periféricos. Os italianos mostraram-me os limites da erudição. Os britânicos fizeramme retornar às preocupações epistemológicas e políticas que me haviam animado na adolescência. Naqueles anos, entre 1983 e 1990, ano em que conclui o doutoramento, as principais referências, no campo da Arqueologia Clássica, além dos já indicados, foram diversos estudiosos com os quais pude aprender pessoalmente: Andrea Carandini, Beth Richardson, Chris Green, Daniele Manacorda, David Peacock, Emilio Rodríguez-Almeida, Fausto Zevi, Margarita Díaz-Andreu, Mark Hassal, Michael Shanks, Michel Ponsich, Peter Ucko, Roberta Tomber, Robin Symonds, Siân Jones e Simon Keay, entre outros. Dentre os arqueólogos clássicos mais lidos, estavam, ademais dos

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mencionados, Jean-Claude Gardin, John Boardman e Philippe Bruneau. A partir do doutoramento, minhas áreas de atuação se diversificaram, para além do campo da Arqueologia Clássica, mas, nessa área as novas grandes influências, nas duas décadas seguintes (1990-2010), vieram de estudiosos de temas em ascensão, como a sexualidade, as identidades e as abordagens críticas e pós-modernas. Os colegas com os quais convivi foram capitais, como Alan Bowman, Antonio Varone e Richard Hingley, para além dos citados e entre outros. No campo das leituras, destacaram-se nomes como Martin Goodman, Michel Foucault, Paul Veyne. Nem todos atuaram no campo da Arqueologia Clássica, mas foram, cada um à sua maneira, importantes para as reflexões arqueológicas a respeito do mundo antigo. Minhas pesquisas no campo da Arqueologia Clássica desenvolveram-se em torno da ceramologia e da anforologia, em particular, com dois livros publicados sobre o tema, um em Oxford11 e outro em Barcelona. Em seguida, ainda na década de 1980, voltei-me para a Arqueologia de Pompéia, também com livros publicados no Brasil e na Espanha12. Nas duas décadas seguintes (1990-2010), as pesquisas arqueológicas voltaram-se para temas como a sexualidade, as identidades, a religiosidade, a cultura, tanto do mundo romano, como também grego e judaico. Minha contribuição, a meu juízo, foi mais relevante na formação de pesquisadores, pois diversos deles se tornaram destacados estudiosos no campo da Arqueologia Clássico, reconhecidos líderes em universidades brasileiras, alguns deles bem inseridos na ciência internacional. No campo das idéias, tentei imprimir 11 Dressel 20 inscriptions from Britain and The Consumption of Spanish Olive Oil, Oxford, Archaeopress, 1996; Britannia y el Mediterraneo: estudios sobre el abastecimiento bético y africano a Britannia, Barcelona, Universidad de Barcelona, 1998, em co-autoria com César Carreras. 12 La cultura popular en la antigüedad clásica, Écija, Sol, 1992.

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duas noções: erudição – com o conseqüente domínio de línguas clássicas e modernas – e originalidade – com pesquisas cuja contribuição pudessem ser relevantes para além das nossas fronteiras. As dificuldades derivaram, em grande parte, das circunstâncias. Nem sempre foi possível prover os estudiosos com as oportunidades para que pudessem ter uma formação acadêmica sólida, assim como as condições financeiras nem sempre permitiram que os interessados pudessem inserir-se na ciência internacional. Para minha formação e estudo, não posso me queixar. Contei com bolsas de estudo (entre 1983 e 1985), com emprego – como docente da UNESP de Assis entre 1986 e 1992 e da Unicamp a partir daí – e com apoio familiar que me permitiram dedicar-me ao à pesquisa. No geral, portanto, as dificuldades reverteram-se em oportunidades, pois o que se apresentava como um revés logo se revelava um caminho para o crescimento. Um exemplo permite avaliar a que me refiro. Quando iniciei o doutoramento, em 1986, já era docente e tive que trabalhar e pesquisar. Era uma dificuldade, mas, graças a isso, tornei-me professor e aprendi a lecionar. Na mesma época, só podia usar os meses de férias (dezembro, janeiro, fevereiro e julho) para pesquisar na Europa, com o uso do meu salário. O tema que pesquisei - as ânforas de tipo Dressel 20 - estavam em museus da Grã-Bretanha e, por isso, tive que viajar e trabalhar em dezenas de cidades e instituições, desde o British Museum até os archaelogical trusts13 em cidadezinhas como St. Albans, Corbridge e Caerwent. Foi uma experiência antropológica e acadêmica inigualável, ainda que, à época, tenha sido uma grande dificuldade. Os erros e acertos são sempre muito relativos. Destes últimos, como já ressaltei, os mais relevantes referem-se à formação de pessoas. Para além daqueles que seguiram a carreira 13 Empresas privadas de Arqueologia, contratadas para trabalhos de salvamento arqueológico.

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acadêmica no campo da Arqueologia Clássica, fico orgulhoso de ter podido atuar na formação de muitas pessoas que se tornaram professores, pesquisadores e seres humanos mais ricos e críticos, em termos intelectuais. Os erros foram, com certeza, muitos, a começar pela impaciência e as demasiadas exigências, tanto em relação a mim mesmo, quanto, o que é mais grave, com os outros. Outra deficiência refere-se à falta de atenção para com os pontos de vista e desejos dos outros. Assim, os caminhos que apresentei a meus alunos nem sempre seriam aqueles mais adequados à sua vocação, mas limitavamse à minhas estreitezas e limitações. Neste sentido, os procedimentos de pesquisa sempre estiveram entre minhas preocupações maiores, tanto na minha formação, como no ensinamento aos estudiosos. O primeiro aspecto e mais fundamental, refere-se à metodologia: o primeiro passo consiste em estudar a teoria, a epistemologia, as discussões historiográficas sobre um tema. Em seguida, e quase em paralelo, cabe cuidar do conhecimento do objeto empírico. O trabalho de campo e o estudo do material arqueológico constituem a espinha dorsal da pesquisa: nada substitui o suor e o embate com o objeto concreto. Em seguida - mas etapa fundamental e imprescindível - vem a narrativa. Aprendi muito com os anglo-saxões, nisso tudo, e em particular, no que se refere à escrita. A prova do pudim do arqueólogo clássico consiste em escrever sobre um tema técnico, como não pode deixar de ser a Arqueologia, de forma a ser lido por um não especialista. Nisto, distanciei-me da formação francesa da minha juventude, menos atenta à clareza e simplicidade, às vezes abstrusa. No trabalho de campo e de laboratório, na mesma linha, segui os passos dos meus mestres e procuro deixar claro como fazer e porque o fazer de determinada maneira: os motivos das escolhas.

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Com isto, creio que as minhas principais contribuições referem-se à formação de pessoas e ao desafio aos juízos dominantes e às hierarquias, no que se refere à produção intelectual. Em particular no contexto brasileiro, parece-me mais relevante aquilo que tem permitido criticar as iniqüidades, arbitrariedades e submissão às normas, como no caso do estudo das relações de gênero, mas também com o uso da Arqueologia para o estudo da repressão e da luta contra a ditadura (ainda que, neste caso, a Arqueologia Clássica contribua mais pela metodologia, do que pelo objeto). Em termos internacionais, para além deste último tema, que transcende o Brasil14, e de ter contribuído para incluir a produção da Arqueologia Clássica brasileira no âmbito universal, considero relevante uma questão epistemológica. Desde a década de 1990, em interação com colegas de outros países, foi possível propor uma abordagem original da Arqueologia Histórica15 – que inclua a Arqueologia Clássica – e da própria teoria arqueológica16 em geral. Esta contribuição da Arqueologia Clássica brasileira pode ser avaliada pela publicação do livro Les civilizations égéennes du néolithique et de l’âge du bronze17 (Paris, Presses Universitaires de Frances, 1989), na prestigiosa coleção francesa Nouvelle Clio com capítulo conclusivo pela arqueóloga clássica brasileira, Haiganuch Sarian. O tema era pré-histórico, stricto sensu, e pode notar-se a relevância desse aporte para a ciência arqueológica brasileira, quando o Brasil acabava de sair de

14 Cf. Pedro Paulo A Funari, Andrés Zarankin and Melisa Salerno, Memories from Darkness, the archeology of repression and resistance in Latin América, Nova Iorque, Springer, 2010. 15 Cf. Pedro Paulo A Funari, Martin Hall and Siân Jones, Historical Archaeology, Back from the edge, Londres, Routledge, 1999. 16 Cf. Pedro Paulo A Funari, Andrés Zarankin and Emily Stovel, Global Archaeological Theory, Nova Iorque, Springer, 2005. 17 Organizado por René Treuil, Pascal Darcque, Jean-Claude Poursat e Gilles Touchais.

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uma ditadura (1964-1985) com efeitos deletérios duradouros para os rumos da disciplina no país18. O futuro da Arqueologia Clássica no Brasil parece-me dos mais promissores. Em primeiro lugar, pela formação contínua de pesquisadores na área, cada vez mais integrados à ciência universal. Em seguida, pela relevância desse campo tanto para a Arqueologia brasileira, como de áreas como História Antiga e Letras Clássicas. No primeiro caso, estudiosos com formação na Arqueologia Clássica contribuíram e contribuem para o estudo e a difusão do conhecimento dos aspectos materiais do nosso passado pré-histórico e histórico. A obra mais vendida de apoio didático sobre a Pré-História do Brasil, Os primeiros habitantes do Brasil (São Paulo, Atual, 1994, já em 15ª edição em 2009) é de um arqueólogo Clássico, Norberto Luiz Guarinello. No campo da História Antiga, torna-se cada vez mais comum a asserção de Geza Alföldy19 de que não se pode pensar esse estudo sem a Arqueologia e historiadores da antiguidade espraiam-se pelo Brasil, de Pelotas20 a Salvador21, passando por Alfenas22 e o Rio de Janeiro23 e para citar apenas alguns exemplos dentre muitos. Também em áreas como os estudos clássicos, cabe lembrar aqueles que se beneficiaram de uma formação na Arqueologia Clássica, seja em trabalhos

18 Sobre isto, consulte-se Pedro Paulo A. Funari, Dictatorship, democracy, and freedom of expression, International Journal of Historical Archaeology, Nova Iorque, v. 7, n. 3, p. 233-237, 2003. 19 Geza Alföldy, Römische Sozialgeschichte, Stuttgart, Steiner, 1984. 20 Fábio Vergara Cerqueira, professor de História Antiga da UFPel, arqueólogo clássico, e também grande referência no campo da Arqueologia Histórica gaúcha. 21 Marina Regis Cavicchioli, professora de História Antiga da UFBa, arqueóloga clássica com pesquisas de campo na Itália e na Espanha. 22 Cláudio Umpierre Carlan, professor de História Antiga da UNIFAL, numismata. 23 André Leonardo Chevitarese, professor de História Antiga da UFRJ, arqueólogo clássico com pesquisas de campo na Grécia.

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de campo24, como em estudo da cultura material clássica25. Isto tudo significa que a Arqueologia Clássica adquiriu, desde a democratização do país, um papel relevante e mesmo único. Mais do que isso, a disciplina serviu para contrapor-se às tendências reacionárias, hierárquicas e conservadoras que dominaram no período ditatorial (1964-1985). A Arqueologia brasileira tornou-se famosa por essas características repressoras, naquele período. Paulo Duarte, grande pioneiro, com sua Arqueologia humanista, foi perseguido, cassado e relegado ao ostracismo. A História Antiga e os estudos do latim e do grego serviram, da mesma forma, aos propósitos mais repressores. A Arqueologia Clássica, desenvolvida no contexto da reação a essas ações obscuras e fascistas, pôde contribuir, no último quarto de século (1985-2010), para uma mudança dos rumos, não apenas no seu próprio campo – a Arqueologia Clássica, stricto sensu - como para democratizar áreas afins, como a Arqueologia brasileira, a História Antiga, Latim, Grego, Estudos Clássicos em geral. A Arqueologia Clássica brasileira, surgida no âmbito estreito do culto às elites, como prática de aristocratas e bem nascidos, tornou-se, em meio século, uma prática relevante, tanto em termos científicos, como para a sociedade. Isto se deve, em não pouca medida, aos esforços de todos os que a escolheram como área de atuação libertadora, em desafio à opressão.

24 Como Patrícia Prata, professora de Latim da Unicamp, com pesquisas de campo na Europa. 25 Como João Angelo Oliva Neto, professor de Latim da USP e premiado tradutor.

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5. Uma trajetória de pesquisador na arqueologia clássica: entre música e imagem, uma Grécia múltipla

Fábio Vergara Cerqueira

Motivações da “opção” pela área de Arqueologia Clássica

Desde a infância e pré-adolescência, nutria interesse pelo Mundo antigo. As imagens do mundo clássico exerciam fascínio sobre mim. Quando retornava da escola, à tarde, acompanhava atentamente todos os capítulos do Sïtio do Pica-pau Amarelo, série televisiva baseada na obra de Monteiro Lobato, que, com a magia do pirilimpimpim trasladava a minha imaginação para o Palácio do Minotauro. Teseu, Ariadne e outras figuras mitológicas entraram assim na minha infância. Poucos anos depois, não perdia os épicos hollywoodianos, como Cleópatra, familiarizando-me com gladiadores, circos e imperadores romanos. Esta foi a porta de entrada para a descoberta da arte greco-romana. A partir do início da adolescência, procurei descobrir coisas sobre a arquitetura e escultura grega e romana: Coliseu, Partenon, Discóbolo, assim como a literatura grega, foram me seduzindo progressivamente. Lá pelos 13/14 anos,

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lancei-me na aventura homérica. Viajei com Ulisses ... e desde então os gregos e suas fantasias (seu imaginário) passaram a ser parte da minha vida. A escolha pelo curso de História sem dúvida alguma foi influenciada por esta admiração que tinha pelos antigos gregos e romanos, alimentada, sem dúvida, pelo quanto fui contaminado, na idade escolar, pelo mito do Milagre Grego, que os colocava como berço das grandes conquistas humanas, a filosofia, a ciência, mas, sobretudo, a democracia. Mas foi sobretudo a paixão pela história da arte, pelo Renascimento italiano, que me deixou absolutamente seduzido pelos estudos do Mundo antigo. Lá pelos 14/15 anos, fui conduzido pelas mãos de Virgílio pelas entranhas do inferno e purgatório de Dante, que preencheu minha mente de representações mentais medievais do mundo greco-romano. Percebia aos poucos que tudo aquilo não abandonaria a minha vida. Lá pelos 15/16 anos, defrontei-me com Sófocles, com Édipo Rei ... aí, definitivamente, o humanismo e o universalismo grego me raptaram por definitivo. Contudo, o desenvolvimento do espírito crítico levou-me a querer superar este nível da admiração, e tentar entender a contribuição dos gregos, como viveram, o que de particular teve sua historicidade para comporem um legado tão surpreendente, tão admirável, e ao mesmo tempo tão universal. Por isso, desde meu ingresso na vida acadêmica, em 1985, como estudante do Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, decidira dedicar-me aos estudos da Antigüidade. O passo da História Antiga rumo à Arqueologia Clássica não é algo que tenha se processado de forma tão consciente. Na verdade, nunca houve de minha parte uma decisão de deixar de ser historiador e tornar-me arqueólogo. A incorporação da pesquisa arqueológica foi para mim uma necessidade de completude do estudo. Fascinado pelos espaços construídos,

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pela carga informativa dos objetos, pelo poder evocativo das imagens, não concebia interpretar o mundo grego antigo à luz somente dos textos. Quando, aos dezenove anos de idade, visitei pela primeira vez Atenas, estupefato diante das imagens acachapantes da Acrópole, do Partenon, da Ágora e do Museu Arqueológico Nacional, compreendi em definitivo ser inviável uma compreensão do Mundo antigo que desconsiderasse a interpretação do mundo material e da imagética. No entanto, estando em Porto Alegre, nos anos 1980, seguir uma carreira em História Antiga ou Arqueologia Clássica era algo que soava muito improvável. Só mesmo o pirilimpimpim do Sïtio do Pica-Pau Amarelo! Precisava me satisfazer com as monumentais colunas dóricas do Instituto de Educação e com a cópia do Teatro de Passárgada, lá na Vila Assunção. O caminho para uma carreira na área apresentavase muito sinuoso, quase impraticável. Por este motivo, após a conclusão do meu curso de graduação, em 1989, os sonhos foram esquecidos, por algum tempo, para serem retomados, alguns anos depois, em outras circunstâncias. Parece que as Moiras se encarregaram de traçar o rumo! Circunstâncias do ingresso na área

A partir de 1991, aprovado em concurso público, assumi a responsabilidade pelas disciplinas de História Antiga Oriental e História Antiga Ocidental no curso de História da Universidade Federal de Pelotas. Estavam garantidas, portanto, as condições para o desenvolvimento de minha carreira nos estudos do Mundo antigo. Faltava, contudo, a qualificação, a titulação. E este era um problema: o que pesquisar, onde se pós-graduar? Desde o início do meu curso de graduação, havia me interessado pelo tema da música grega antiga. Qual o motivo? O assunto me permitia contemplar duas vocações: era músico,

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tocava violoncello, cantava ópera e cantatas em coral. Assim, quis encontrar na música grega uma forma de não me sentir frustrado em largar a música ao optar pela História. Ao cogitar este tema, quase como uma espécie de prêmio de consolação, não dimensionava o enorme potencial de estudo que a música grega guardava. No entanto, já no primeiro ano do curso, em 1985, estimulado pela professora Loiva Otero Félix, fiz a minha monografia, na disciplina de História Antiga Ocidental, sobre a importância da música no cotidiano dos antigos gregos. Este estudo, além de sinalizar para mim que era um terreno fértil para pesquisa, colocou-me em contato pela primeira vez com a iconografia, percebendo que as representações imagéticas da vida diária possuíam um imenso valor interpretativo que até então desconhecia. Em 1994, ao organizar a II Jornada de História Antiga de Pelotas, tive como palestrante convidada a professora Neyde Theml, da UFRJ, que teve a oportunidade de assistir a uma apresentação visual que bolei com algumas alunas, misturando música e imanges, sobre a música grega: ao som de uma gravação em fita K-7 do musicólogo espanhol Gregório Paniagua, reconstituindo musicalmente fragmentos de textos musicais gregos antigos, projetava, no meio de uma grande sala escura, sobre um tule suspenso, que ventava graças a um improvisado ventilador, slides com imagens musicais extraídas de pinturas de vasos gregos antigos.. Positivamente impactada, e estimulada pela paisagem da Lagoa dos Patos, estimulou-me a retomar o estudo, fazendo-o objeto de pesquisa de doutoramento. E foi este o caminho que me levou à Arqueologia Clássica, pela qual já estava absolutamente seduzido desde minha primeira visita a Atenas. Poucos meses depois, ao ser convidado para palestrar em um ciclo organizado pela própria professora Neyde, no Laboratório de História Antiga (LHIA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tive a opor-

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tunidade de ter, na platéia, a professora Haiganuch Sarian, que fez algumas observações bastante didáticas sobre a metodologia de uso e interpretação da iconografia dos vasos gregos. Algo até então razoavelmente desconhecido para mim. Poucos meses depois, decidido a fazer meu doutorado sobre o assunto, escrevi uma carta à professora, consultando-a sobre a possibilidade de orientação na Universidade de São Paulo. Visitei-a no MAE no final de 1994. Em março de 1995 era aluno da pós-graduação desta universidade, sob orientação da professora Sarian, com um projeto de pesquisa na área de Arqueologia do Mediterrâneo antigo. Desde então, ao longo dos últimos dezesseis anos, tenho prosseguido realizando pesquisas na área de Arqueologia clássica, tendo a professora Sarian como principal referência, em nosso país, em termos de profissionalismo, determinação, seriedade científica e rigor metodológico. Principais referências no início de carreira (textos e pessoas)

Nos meus primeiros anos de estudo do Mundo Antigo, ainda como aluno de graduação, fui muito estimulado, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pelos professores da área, Luis Carlos Sohni, responsável pela Antiguidade Oriental e Roma, e Loiva Otero Félix, responsável por Grécia Antiga. À busca de modelos interpretativos alinhados com leituras teóricas que fazia na época (sobretudo a Nova História francesa, mesclada com M. Foucault, F. Nietzsche e os pós-modernos), encontrei na Escola de Paris grande inspiração. Os textos de J.-P. Vernant, P. Vidal-Naquet, M. Detienne, Cl. Mossé e Paul Veyne, bastante traduzidos para o português naquela época, foram minhas principais referências nesta fase. Na literatura brasileira, ainda incipiente na época, chamou-me atenção o texto de P. P. Funari sobre os grafites de Pompéia, ao dedicar-se à cultura popular, permitindo

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vislumbrar o amplo leque de possibilidades existente para se trabalhar com a cultura material e com imagens, possibilitando construir novas narrativas sobre o Mundo antigo.. Entretanto, desde 1988, minha formação seguiu também outra ordem de influência: o convívio com colegas da área de Clássica, oportunizado pela minha filiação à Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos. Nos congressos e reuniões, tive a oportunidade de conhecer outros estudantes, que padeciam do mesmo mal: a paixão pelo Mundo antigo. Desde então, a cada dois anos, reencontrava estes colegas. Hoje, todos nós professores de universidades brasileiras, continuamos a nos encontrar, seja nos congressos da SBEC, ANPUH e outros eventos, seja em publicações conjuntas, seja em bancas de mestrado ou doutorado. Ousaria dizer que este coletivo de colegas, sempre renovado pela entrada de novos membros, funciona, mutuamente, como uma importante referência para nossas carreiras. Principais referências na carreira como um todo

Uma vez que defini a música grega como perspectiva a partir da qual me proponho pensar o Mundo antigo, a musicóloga, arqueóloga e epigrafista francesa Annie Bélis tornouse uma das principais referências para o meu trabalho. Do ponto de vista da iconografia clássica, tanto no que se refere à metodologia quanto à teoria, a professora Haiganuch Sarian continuou sendo uma sólida referência. Contudo, as leituras de Philippe Brunneau, mais do que as de Claude Bérard, foram fundamentais, do ponto de vista teórico, para pensar arqueologicamente a imagem. Jan Bazant foi a principal referência para pensar as possibilidades de interpretação quantitativa do material iconográfico ático. No que se refere à teoria da História, a inspiração geral fornecida pelos autores da Nova História

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francesa, como Jacques Le Goff e Georges Duby, continua muito presente, reforçada por pós-modernos como Hayden White e pelos paradigmas inovadores de Carlo Ginzburg. Para a interpretação do significado das evidências materiais e imagéticas, no âmbito da cultura e da sociedade antigas, as influências dos modelos antropológicos modernos permanecem muito fortes e, de forma heterodoxa, alternam-se. Os modelos antagônicos de Geertz e Lévy-Strauss, entre o interacionismo e o estruturalismo, são visitados e revisitados; a mediação teórica entre mudança e permanência, proposta por Marshall Sahlins, exerceu bastante influência nos meus procedimentos interpretativos. Pode parecer engraçado, mas na minha cabeça, Ginzburg e Sahlins encaixam muito bem. Apesar de ter exercido pouca influência direta na minha formação inicial, o marxismo, através do conceito arqueológico de cultura material, contribuiu para o estabelecimento de análises, sem constituir um modelo normativo central e convivendo com influências teóricas consideradas opostas, como o estruturalismo da Escola de Paris (Vernant, Vidal-Naquet) e o pós-modernismo. Recentemente, preocupado em compreender na Antiguidade os processos culturais e sociais, provocado pelos debates sobre fronteiras e etnicidades, os escritos sobre memória e identidade têm tido grande repercussão sobre meus estudos, sobretudo a constituição de um conceito de identidade ancorado na memória (Joel Candau), o conceito de identidades múltiplas (Stuart Hall) e a retomada do conceito de transculturação (Fernando Ortiz). Procedimentos de pesquisa nos estudos sobre Música e Imagem na Grécia antiga

Meu trabalho se situa entre a História, a Arqueologia e a Antropologia, tendo como foco central o estudo da Música na

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Grécia antiga, tomando como testemunho guia o registro iconográfico da cerâmica ática dos séculos sexto ao quarto. Contudo, o objetivo não é descrever, por meio da iconografia, as práticas musicais, aos moldes de uma história acontecimental da música baseada em registros visuais. A música é encarada como um fato social total, na perspectiva ensinada por Marcel Mauss: portanto, partindo da música, procuramos produzir narrativas sobre a cultura e a sociedade da Grécia antiga, abordando de forma integrada aspectos de ordem simbólica e social. Ao tentarmos entender a música, abordando as práticas culturais e os agentes sociais envolvidos na performance, ensino, produção e consumo da música, queremos produzir interpretações globais sobre diferentes temas, tais como educação, esporte, trabalho, ideologia, gênero, homoerotismo, guerra, religiosidade, festivais, entre outros. De certo modo, é como se perguntasse o que a música e as imagens têm a dizer sobre estes vários temas? A música e a iconografia nos permitem ter um outro olhar sobre variados fenômenos da cultura e da sociedade. Para construir este outro olhar, nos entregamos a uma série de exercícios metodológicos no enfrentamento entre o universo empírico e o universo conceitual. Em primeiro lugar, os meus procedimentos de pesquisa ambientam-se, epistemologicamente, no campo do que se denomina Arqueologia histórica, ao mesmo tempo em que bebem de algumas tradições da Arqueologia clássica no trato das imagens. Ou seja, encontro com tranqüilidade convergências bastante profícuas entre Charles Dugas e Charles Orser, apesar de seus estudos serem separados por aproximadamente meio século. Em que ponto seus ensinamentos convergem? Nas delicadezas e pormenores com que devemos agenciar o diálogo entre os testemunhos escritos e os testemunhos iconográficos. Assim, meus textos são um constante exercício de cotejamento entre documentos literários e documentos imagéticos. Neste

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exercício, outras questões da epistemologia das ciências do passado são ativadas, fundamentalmente aquelas relativas à temporalidade. Dois pares de opostos conceituais revisitam insistentemente meus estudos: sincronia/diacronia e curta duração/longa duração. Nos meus estudos, procuro jogar entre as compreensões sincrônicas e diacrônicas dos fenômenos, aspecto em que a influência de Marshall Sahlins de faz sentir – na verdade, trata-se de uma das questões teóricas centrais do embate entre História e Antropologia: mudança e permanência. Ciente de que boa parte das narrativas sobre o mundo antigo são herdeiras de esquemas totalizantes do século XIX, e que se associam a representações eurocêntricas e cristianocêntricas do passado, a serviço da hegemonia da civilização européia sobre o planeta, procuro encontrar, em meus estudos, neste exercício de enfrentamento entre os textos e as imagens, fissuras presentes nas narrativas predominantes. A identificação destas fissuras, possibilitando erguer outras narrativas, é viabilizada por um olhar sistemático das evidências iconográficas, propiciado pelo método de catalogação e serialização temática. A leitura sistemática das informações visuais nos permitem retornar aos textos e poder absorvê-los por meio de outras lentes. Efetivamente, inspirados por este novo olhar, conseguimos estabelecer uma leitura a contrapelo da tradição literária, que possibilita ler nos textos o que estava ali mas não havia sido destacado. As dimensões do simbólico e do social são analisadas, em meus estudos, como indissociáveis, e compreendidas dentro de uma perspectiva de trivialidade – ou até mesmo frivolidade em alguns casos – da vida cotidiana. Assim, as complexas dimensões conceituais são misturadas com simplórias considerações da ordem pragmática da vida diária. Por exemplo, o simbolismo da alegoria Eos (Aurora) vinculado à pederastia (legitimando-a imaginariamente), presente na série iconográfica

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em que esta entidade aparece como raptora dos jovens Títonos e Céfalos, relaciona-se, interpreto, como diretamente associado ao fato dos meninos saírem de casa no horário da alvorada, a caminho da escola, e serem, neste horário, assediados por homens que saíam, bêbados, dos banquetes e folias, dispostos a conquistarem os amores de algum garoto. O resultado desta metodologia é uma explosão da diversidade, na medida em que podemos identificar a sobreposição de várias interpretações sobre a cultura e a sociedade na própria sociedade grega antiga que produziu os testemunhos que chegaram até nós. A música e a iconografia mostraram-se excelentes ferramentas para se pensar a diversidade no Mundo antigo. Inserção na área e dificuldades

Os textos que produzo atinentes à música e imagem na cultura e sociedade da Grécia antiga alcançam boa receptividade entre os estudiosos, na medida em que seu acesso se torne viabilizado com facilidade. Para tanto, pretendo, nos próximos anos, focar a produção de artigos em periódicos que tenham livre circulação na web. Parte significativa da minha produção se encontra em periódicos impressos, sobretudo brasileiros, muitos deles sem a devida colocação nas bibliotecas dos grandes centros de pesquisa internacionais. Soma-se aqui outro fator, que prejudica a melhor inserção na área, que é a barreira lingüística. Houve sempre pouca receptividade ao idioma português nos círculos dos estudos clássicos, apesar de não haver fundamento técnico para esta resistência, dada a facilidade de leitura do português para os falantes de línguas neo-latinas e para os falantes de línguas teuto-anglo-saxônicas com formação em latim antigo. Portanto, foi sempre muito mais uma barreira cultural, que pouco a pouco

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começa a ceder, dada a posição que o Brasil vem conquistando recentemente na cena internacional. De qualquer modo, diria que a maior das barreiras continua a ser a língua.. Neste sentido, são muito positivas as obras que vêm sendo organizadas, compendiando artigos de pesquisadores brasileiros, publicadas no continente europeu, em espanhol, inglês ou francês, pois favorecem a disseminação de nossos textos. Contribuições das pesquisas sobre Música e Imagem na Grécia antiga para a área no Brasil e no mundo

Considero que meus estudos iconográficos sobre a música grega antiga colaboraram para abrir, no campo dos Estudos Clássicos no Brasil, o espaço para pesquisas relativas à música no Mundo antigo, tema, anteriormente pouco explorado, que tem merecido maior atenção da nova geração, seja em estudos históricos, arqueológicos, literários, lingüísticos ou musicológicos. Especialmente no que se refere à Arqueologia clássica, penso que meu trabalho colabora com o avanço dos estudos de iconografia, capitaneados pela professora Haiganuch Sarian, cuja orientação no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do MAE/USP tem tido como resultado a constituição, a partir dos anos 1990, de um núcleo brasileiro de iconografistas clássicos, tais como Caroline Kesser Barcelos Dias, Gilberto da Silva Francisco, José Geraldo Costa Grillo, Pedro Luiz Machado Sanches e André Leonardo Chevitarese, dentro outros. Do ponto de vista mundial, a perspectiva de interpretação da música, as estratégias de cotejamento entre os diversos tipos de testemunhos (escritos, visuais, materiais ou mesmo oralidade subsumida), as tonalidades da escola brasileira em constituição, os jogos entre sincronia e diacronia, o vai-e-vem entre curta e longa duração, a oscilação entre o individual e o coletivo, têm

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garantido interesse pelos papers e comunicações que tenho produzido sobre o tema, sobretudo na América Latina, onde não se coloca a barreira da língua para a leitura dos textos redigidos em português. A importância de meus estudos está em constituir um extenso programa de compreensão da cotidianidade grega, com freqüência focada na realidade ateniense, vinculando os níveis das representações e das práticas sociais, permitindo dialogar com estudos gerais sobre o Mundo antigo, na medida em que ilumina novas interpretações sobre temas variados, como religião, gênero, homossexualidade e guerra. Fundamentalmente, porém, a base documental sistematizada sob a forma do catálogo de cenas musicais na vida diária tardo-arcaica e clássica poderá constituir-se em uma importante ferramenta de consulta, motivo pelo qual planejo a constituição de um site que torne público este catálogo. Contribuições da Arqueologia Clássica brasileira para a disciplina arqueológica no Brasil

Se formos responder na perspectiva da história da Arqueologia no Brasil, podemos considerá-la estruturante, se tomarmos a constituição de coleções como um marco de institucionalização do saber arqueológico. Ainda no século XIX, as coleções egípcia e greco-romana do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, e já na segunda metade do século V, as coleções de arqueologia mediterrânica que constituíram o núcleo básico do acervo arqueológico do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, são marcos institucionais fundamentais para a consolidação da Arqueologia clássica no campo museal. De fato, se pensarmos modernamente, a contribuição atual da Arqueologia clássica à Arqueologia brasileira mantém como um dos seus focos à atenção às coleções, como forma de valorização da

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cultura material como eixo de compreensão e interpretação do legado arqueológico. Uma das principais contribuições da Arqueologia clássica para a disciplina arqueológica brasileira encontra-se no plano metodológico: no espírito sistemático de classificação da cultura material por meio da constituição de exaustivos catálogos, sem medo de serem tachados de estudos positivistas. Pelo contrário, a catalogação apresenta-se como um procedimento profícuo para a valorização da cultura material, procedimento que poderia trazer grande contribuição ao estudo de materiais arqueológicos pré-históricos brasileiros, tanto líticos quanto cerâmicos. Alguns importantes avanços neste sentido têm se dado no estudos da arte rupestre do Norte e Nordeste. Há que se lembrar que o conceito de cultura material, hoje disseminado em vários campos da arqueologia, foi forjado no campo da Arqueologia Clássica italiana, sob influência marxista. No Brasil, um dos grandes responsáveis pela consolidação do conceito de cultura material como definidor do projeto da arqueologia enquanto ciência humana foi Pedro Paulo Abreu Funari, arqueólogo formado na Arqueologia clássica. Finalmente, a Arqueologia clássica atualizada com os debates contemporâneos que gravitam em torno dos conceitos de diversidade, de relações centro-periferia, de mundialização e globalização, de paradigmas pós-coloniais e pós-modernos, de identidades múltiplas e híbridas, de fronteiras e etnicidades, tem muito a contribuir para colocar a Arqueologia no centro de pungentes debates que estão sendo travados hoje pelas Ciências Humanas e pela sociedade, na medida em que permitem pensar as relações do ser humano com a própria cultura e as culturas diferentes, com a natureza e com o sobrenatural, com o Estado e a sociedade civil, com as diferenças de gênero e de práticas sexuais e amorosas.

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O futuro da disciplina no Brasil

Tenho a expectativa de que a Arqueologia Clássica possa se beneficiar, no Brasil, da onda de criação de novos cursos de Bacharelado em Arqueologia. Espero que alguns dos mais de 10 cursos criados preocupem-se em garantir uma formação arqueológica mais universalizante, incluindo a Arqueologia clássica em suas matrizes curriculares. Sem sombra de dúvida, o avanço da Arqueologia no nível da Graduação repercutirá no avanço da pesquisa, assim como na criação e consolidação de novas alternativas em termos de programas de pós-graduação. Isto poderá criar uma realidade proveitosa para a Arqueologia clássica. Além disso, espero que prossigam e se multipliquem os programas arqueológicos em solo grego ou de outros países mediterrânicos, na esteira dos trabalhos iniciados de forma paradigmática pela professora Haiganuch Sarian, a que se somaram outras iniciativas realizadas, por exemplo, em Creta e em Israel. Além de termos interpretações arqueológicas com assinatura brasileira, referentes à cultura material, iconografia e conformação de sítios, precisamos expandir as missões arqueológicas coordenadas por brasileiros, pensando, de uma perspectiva brasileira, o sítio e as relações deste com a sociedade atual, numa perspectiva local e global. Quem sabe nosso futuro, com o destaque que o Brasil assume na cena internacional, possa nos guardar a promissora notícia da criação de uma Escola Brasileira de Arqueologia em Atenas?

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6. Arqueologia clássica: Pesquisa, patrimônio e cultura

Francisco Marshall

O meu envolvimento com a Arqueologia Clássica iniciou com uma situação fortuita, decorrente de um convite irrecusável. Ao final do VI Simpósio Internacional de História Antiga e Medieval, que realizamos (UFRGS, ANPUH e SBEC) em Porto Alegre em 1996, e que teve como atividade paralela a exposição Arqueologia Hebraica e Mediterrânea (com acervos do MAE-USP e da Tel Aviv University - TAU, IL), nosso convidado da TAU, prof. Dr. Jak Yakar, consultou-me se eu não teria interesse em participar de escavações arqueológicas em Israel, juntamente com equipes de Israel. Face ao entusiasmo de minha equipe de bolsistas e também movido por tentação e fascínio, aceitei o convite. Iniciou-se troca de correspondências e documentações, a partir das quais pude formular, aprovar (na FAPERGS) e realizar o “Projeto Apollonia - em busca da cidade helenístico-romana”. Este projeto teve várias revisões e atualizações e sustentou a realização de seis expedições científicas internacionais, por meio das quais mais de

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40 pesquisadores brasileiros participaram das escavações no sítio de Apollonia-Arsuf, em Israel, e das pesquisas no Brasil e em Israel. De 1998 a 2006, reparti com o prof. Dr. Israel Roll (TAU) a direção das escavações em Apollonia. Desde o princípio, fomos beneficiados pela parceria com o MAE-USP, através da profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano, que, entre muitas contribuições valiosas, treinou a primeira equipe e transmitiu-nos os conhecimentos para a prática em campo, bem como permaneceu ativa neste projeto por longos anos. Em todas as etapas, foram decisivas também as contribuições da profa. Dra. Raquel Machado Rech e do prof. Me. Édison Bisso Cruxen, bem como da sempre entusiasmada equipe de “apollônicos”. As motivações iniciais (entusiasmo da equipe, tentação e fascínio) eram, mais que motores excelentes, razões verdadeiras, que sustentaram este programa de pesquisa por quase uma década, malgrado as imensas dificuldades sempre enfrentadas. Seria possível um pianista que não amasse profundamente Bach, Beethoven ou Chopin? Com a Arqueologia dá-se o mesmo; ela requer paixão e dá muito trabalho, mas gratifica generosamente seus praticantes, com experiências extraordinárias e conhecimentos ímpares. Embora eu tivesse, em 1997, uma pequena experiência em Arqueologia, provinda de escavações realizadas em São Lourenço, nas Missões Jesuíticas no RS, sob orientação do prof. Dr. Arno Kern, no currículo de graduação em História da UFRGS, o fato é que eu entrara para este campo mais ou menos como os habitantes de Çatal Hüyük entravam em suas casas, por cima, sem percorrer o cursus honorum entre a quadrícula e a direção de escavações; em Israel, eu co-dirigia as escavações, e no Brasil, eu coordenava todo o Projeto Apollonia. O risco de quebrar os ossos, tal como para aquele povo neolítico em suas estranhas moradas, era muito grande. Isso me exigiu por um

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certo período de tempo uma dedicação bastante intensiva para apropriar-me de paradigmas, conhecer e praticar os métodos e, sobretudo, afinar minha prática interpretativa, que era a de um historiador nutrido por muita filologia. Por força deste atalho, expus-me a enganos que eu não repetiria. O principal deles foi sempre envolver-me plenamente com todas as etapas do trabalho braçal em campo; fui perceber a diferença entre escavação e arqueologia com fadigas e lombalgias que me perseguem até hoje, no corpo ou em pesadelos. Junto com os pesadelos, há, por certo, saudades da paisagem arqueológica, que sempre nos puxa para fora da redução urbana, com a tentação da aventura, da natureza e da descoberta inusitada. Nos meus anos de iniciação (e consumação!) em Arqueologia (digamos, entre 1996 e 1998), deram-se para mim trânsitos cognitivos e metodológicos decisivos e irreversíveis. O primeiro e mais importante foi sobre a relação entre espaço e cultura. Eu chegara a Israel motivado por uma tradição muito forte de pesquisas sobre a história da cidade, conduzida na UFRGS pela profa. Dra. Loiva Otero Félix. Isto significava doses maciças de Hipódamos de Mileto, Vitrúvio, Richear E. Wycherley, Lewis Mumford, Roland Martin, Leonardo Benevolo, Paolo Sica e outros teóricos da cidade histórica, até François de Polignac. É por isso que em sua versão alfa o PA dizia-se “em busca da cidade helenístico-romana”. Todavia, embora toda essa informação histórica possua grande valor, o que o sítio apresentava como questões e respostas era algo completamente diferente; tratava-se de cultura material e de vida privada em uma cidadezinha em uma província do Império Romano, e de suas transformações em um período de cerca de três séculos. Aos poucos, nosso vocabulário passou a traduzir melhor o cenário prático e teórico pertinente, resolvido em questões de contato cultural, de culturalização da paisagem

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e, sobretudo, de compreensão das propriedades e implicações da cultura material para a visão da História. Desde então, os urbanistas acima cederam lugar a historiadores e arqueólogos como Anthony Snodgrass, Colin Renfrew, François de Polignac (devidamente relido!), Ian Hodder, Ian Morris, Nanno Marinatos, Robin Osborne, Susan Alcock e outros. Embora esta lista esteja em ordem alfabética, o nome de Snodgrass merece também primazia de mérito, pelo modo exemplar com que, a meu ver, concilia arqueologia, história e erudição humanística clássica; estas qualidades aparecem com destaque também em autores alemães como Jan Assmann, Paul Zanker e Tonio Holscher, infelizmente pouco lidos no Brasil. Felizmente, é bem lido no Brasil um outro humanista antiquista arqueólogo que teria o que ensinar a todos os nomes acima, e que não cessa de impressionar com sua autoridade, independência, profunda erudição e excelência comunicativa: Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses. Dele, colho uma permanente motivação para perseverar nas trilhas multi, inter e transdisciplinares requeridas pelo humanismo contemporâneo, sobretudo no grande campo de memória e patrimônio, onde creio inserir-se o meu trabalho de historiador e arqueólogo (rumo a uma cliosofia). Sinto-me privilegiado, também, por contar com a parceria e a amizade de Maria Beatriz Borba Florenzano. Seu trabalho sempre atual, criativo e engajado é uma referência para mim e para muitos. O desenvolvimento do LABECA (Laboratório de Estudos da Cidade Antiga) já é um novo marco da Arqueologia Clássica brasileira e ainda promete muitos resultados importantes, bem como a merecida projeção internacional. Projetos como o de Ian Hodder em Çatal Hüyük revelam que além das rotinas acadêmicas, ainda há novos horizontes a serem desbravados pela arqueologia, e que estes podem, uma vez mais, reescrever a história da humanidade.

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Mesmo que ele tenha herdado uma boa base de James Mellaart, Hodder deu um enorme impulso ao programa. Igualmente a produção de Colin Renfrew, enfrentando problemas centrais e utópicos da Arqueologia e da história da cultura, segue sendo uma uma fonte primordial da pesquisa de vanguarda em Arqueologia. Por fim, três grandes avatares, aos quais acendo velas diariamente, são Aby Warburg, Peter Brown e Carlo Ginzburg, por sua tenacidade investigativa, argúcia interpretativa, rigor, espírito de vanguarda, e, no caso dos dois últimos, também por sua amizade generosa. Mesmo que não guardem o pó das quadrículas em suas vestes, todos eles emprestam aolgo importante à mente do historiador-arqueólogo. Eu creio que o Projeto Apollonia recebeu no Brasil muito mais publicidade do que o merecido, mas isto não é culpa minha, e sim dos editores e jornalistas... todavia, creio também que esta exposição foi benéfica para a área de Arqueologia em geral e de Arqueologia Clássica em particular, por oferecer pontes entre a curiosidade do público geral e nossos ambientes de pesquisa, que são, afinal, quase todos subvencionados com recursos públicos. Ou seja, não podemos nos encerrar nem na Academia nem no Liceu, menos ainda em nossos pequenos Departamentos. Além disso, o Projeto Apollonia teve como meta, desde os primórdios, a formação de recursos humanos avançados nas diversas áreas tangidas pela pesquisa; após vários mestrados e doutorados na UFRGS, na PUCRS e no MAE-USP, creio que tal meta não apenas foi atingida, mas passou a significar a principal contribuição deste projeto. As experiências de vida produzidas nas expedições científicas, e que sei que alteraram profundamente vários destinos acadêmicos e pessoais, possuem valor inestimável, mas seus efeitos em carreiras e trajetórias dedicadas ao resgate, preservação e difusão do patrimônio têm um valor quantificável, e muito alto.

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Além disso, há questões fundamentais cujos marcos de análise precisamos persistentemente ampliar. Primeiramente, a dimensão profunda da identidade brasileira, também nutrida por uma mediterraneinade antiga que a Arqueologia pode e deve informar bem. É preciso que nós, brasileiros e latinoamericanos, produzamos as nossas visões e versões do patrimônio cultural antigo, introduzindo e desenvolvendo temas e problemas que nem sempre interessam aos pesquisadores setentrionais. Neste momento ainda é difícil saber se há ou se haverá um dia uma História Antiga e/ou uma Arqueologia Clássica brasileira, que signifique algo mais do que um punhado de autores com circulação internacional, ou nossa presença em Universidades, congressos e publicações no exterior; ainda assim, precisamos, ou melhor, podemos formular e desenvolver questões “tropicalizadas”, e com elas ampliar os escopos cá e lá, mesmo que isso leve muito tempo para ser percebido, e corra mesmo o risco de nunca vir a sê-lo. Portanto, eu não penso minha presença internacional em termos individuais, não apenas porque é muito cedo e esta é muito pequena, em escala, mas sim porque considero que ainda temos muito terreno pela frente para consumar esta presença, e devemos (ou podemos, de melhor maneira) realizá-la melhor coletivamente. A idéia de um instituto brasileiro na Grécia ou na Itália, à semelhança do que fazem muitas nações ricas e pobres, seria certamente uma conquista crucial neste processo. O efeito destas práticas e, eventualmente, de um tal instituto, é a intensificação e personalização das relações entre a memória do Mediterrâneo e o Brasil e a América Latina, o que vem a realizar com grandeza muitos dos ideais de identidade nacional formulados desde o final do século XIX no Brasil. Um segundo campo em que todos os programas de ensino e pesquisa em Arqueologia no Brasil devem se engajar é

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a formação de quadros para a área patrimonial. Ainda é vergonhoso o volume de patrimônio mal compreendido, aviltado ou deletado sem critério, sintomático da recorrente amnésia nacional, que nos faz a cada dia um país mais jovem. Este quadro é agravado pela difícil sincronia entre museu e educação básica. Assim, creio que os projetos de pesquisa em Arqueologia devem estruturar-se simultaneamente como programas de difusão e educação, conectando-se o máximo possível com escolas e museus. O Projeto Apollonia sempre perseguiu esta meta e creio que a realizou satisfatoriamente. Nota-se, pois, que as contribuições estratégicas da pesquisa em Arqueologia não se restringem ao horizonte de paradigmas do campo do conhecimento, mas prometem um impacto social mais amplo, em áreas e questões em que a relação entre academia e sociedade é decisiva. Após a realização de seis expedições científicas e da publicação de numerosos artigos, exposições, conferências, aulas, dissertações e teses, o Projeto Apollonia parece ter atingido suas metas. É claro que estas podem ser renovadas e atualizadas permanentemente, mas, neste caso particular, duas grandes dificuldades cobram um preço caro à organização e manutenção da agenda expedicionária. A primeira são os custos altos e a dificuldade de financiamento no Brasil. A segunda é a condição social de Israel, cuja permanente mobilização bélica interfere diretamente em nossa prática. Basta dizer que a sexta expedição, prevista para agosto de 2006, teve que ser abortada devido a escaramuças na fronteira com o Líbano, que levaram parte da população de Haifa, ameaçada por foguetes, a migrar para o Sul, ocupando, entre outros espaços, aquele destinado ao nosso acampamento (as Reshef Facilities, em Herzliya); a missão foi realizada parcialmente, em outra data, mas o aborto da expedição planejada para agosto (com 13 expedicionários)

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nos custou muito caro, e me levou a congelar por alguns anos o planejamento deste tipo de evento. O sítio de Apollonia-Arsuf, como resultado de nossas escavações, deu lugar a um belo parque nacional, mas permanece convidativo para a arqueologia; o relacionamento com os colegas da TAU é sempre gratificante e há muito que aprender em um país onde, por diversas razões, a memória arqueológica é prioridade nacional. Deste modo, eu diria que, no início de 2010, o Projeto Apollonia ainda apresenta um ótimo potencial, em sua maior parte latente e oculto, como todo bom sítio arqueológico, à espera do seu kairós (o momento estratégico). As questões sobre os primórdios nunca estarão plenamente respondidas, e esta é uma razão de ser irrevogável da Arqueologia. As causas, princípios, precedentes, origens e fundamentos são múltiplas, e implicam a manutenção de um circuito complexo de questões, pesquisas e processos didáticos. Neste contexto, a Arqueologia Clássica tem o papel fundamental de dar materialidade ao conhecimento do mundo mediterrânico antigo e de suas diversas conexões e transformações, da Idade do Bronze ao Brasil atual. Há numerosas recepções deste patrimônio na história luso-brasileira, e diversas formas de torná-lo positivamente atual, em nossas cidades e arenas. É por essas razões que a Arqueologia consegue ter, simultaneamente, passado, presente e futuro densos e promissores.

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7. O Brasil e a antiguidade tardia

Cláudio Umpierre Carlan

Introdução

O fascínio pela História não é algo novo, seduziu várias gerações. Essa paixão inerente sempre atraiu jovens curiosos ou românticos, em busca de respostas sobre o nosso passado e nossas origens. Porém, essa cega paixão vem acompanhada de uma dura realidade: o medo do magistério, principalmente os baixos salários, nada atrativos, e as péssimas condições de trabalho que encontramos nas escolas públicas, principalmente estaduais e municipais. Quando decidi aceitar essa sedução, já não era tão jovem, tinha uma amarga experiência no Corpo de Fuzileiros Navais. Na ocasião, havia uma certa dúvida entre História e Arqueologia. Acabei optando pela primeira por motivos pragmáticos: o curso de História me habilitaria à carreira do magistério, um novo emprego. Segui o Curso de Licenciatura, na Universidade Veiga de Almeida. Com minha vida presa aos quartéis, não

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me possibilitava fazer um curso diurno em uma Universidade Pública. Primeiramente o interesse veio pelo fascínio da Antiguidade, principalmente a Oriental. Com o tempo acabei me deslocando para o Império Romano, até por causa dos laços familiares e culturais. Em Cruz Alta no Rio Grande do Sul, minha terra natal, a lenda da fundação da cidade (chamada de “lenda da panelinha”) é uma adaptação da lenda de Rômulo e Remo, tratando-se de uma influência da imigração italiana. Na ocasião, a Veiga de Almeida não contava com professor especializado em Antiga para orientar-me. Neste mesmo ano, 1992, o MEC começava a exigir os cursos de mestrado e doutorado para os professores universitários. Procurei iniciar minhas pesquisas visando a da Antiguidade Tardia, pela existência de alguns documentos desse período na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, principalmente ligados a religiosidade cristã, que, desde os meados do século IV, vinham se fortalecendo no Mundo Romano. Depois de formado, durante minha especialização em Arqueologia na Universidade Estácio de Sá, participei do II Simpósio Internacional de História Antiga e Medieval do Cone Sul, em Porto Alegre (1996). Neste simpósio, conheci a professora Gracilda Alves, da UFRJ, que ajudou a direcionar a minha pesquisa, montar o projeto visando um futuro curso de mestrado. A própria professora Gracilda me apresentou ao LHIA (Laboratório de História Antiga da UFRJ) e ao PEM (Programa de Estudos Medievais, da mesma instituição). Debatendo com vários colegas sobre os temas da pesquisa. Participando de vários encontros, congressos e seminários. Durante a preparação do projeto de mestrado, tomei conhecimento da existência de uma coleção de moedas antigas no Museu Histórico Nacional (MHN). Na seção de numismá-

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tica, encontrei um acervo superior a 130 mil peças, dos mais variados períodos. Concentrei-me na coleção referente ao Imperador Constâncio II (317 – 361), filho e herdeiro político de Constantino I, o grande (272 – 337). No mesmo ano, durante uma das jornadas do LHIA, tive a oportunidade de conhecer os professores André Chevitarese, Neide Theml, Maria Regina Cândido, Norma Mendes, Maria Regina Bustamante, Ana Teresa Gonçalves, Gilvan Ventura da Silva e Margarida Maria de Carvalho, cuja produção científica muito ajudou, e ainda ajuda, em minha formação acadêmica. Em dois anos de mestrado, na Universidade Federal Fluminense, orientado pelo professor Ciro Flamarion Santana Cardoso, desenvolvi um fichário-imagem sobre as 259 moedas cunhadas no governo de Constâncio II, com apoio financeiro do CNPQ. Nesse período fui aceito como pesquisador do CEIA (Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade), sediado na UFF. No decorrer dos anos de 2001 a 2003, continuei as pesquisas no Museu Histórico, já ampliando o corpus documental. Analisei, fichei, cataloguei e fotografei as 1888 moedas referentes à Antiguidade Tardia. Em 2002, foram descobertas a existência de um conjunto de moedas, lacrados desde 1922, ano da inauguração do Museu. Ao abrir e analisar o conteúdo, deparei-me com mais de 5000 moedas do século IV, muitas não encontradas em catálogos dos museus internacionais. A grande mudança na minha linha de pesquisas ocorreu quando ingressei no curso de doutorado, na Unicamp. Desde o início, me identifiquei com o trabalho desenvolvido pelo professor Pedro Paulo Abreu Funari, meu orientador, e seu grupo de pesquisa. Não apenas um estudo ou análise da Antiguidade, mas o seu uso no presente, me chamou a atenção. Na Unicamp travei conhecimento e discussões acadêmicas com os professores Carlos Fabião, Amílcar Guerra e

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Catarina Viegas, da Universidade de Lisboa; Jose Remesal, Universidade de Barcelona; Dionísio Pèrez, Universidade de Salamanca. Durante esse período inicial de doutoramento, professor Funari e eu, começamos a preparar um livro contendo o catálogo das moedas de Constâncio II. Tendo sido publicado no ano de 2007 pela própria UNICAMP, Arqueologia Clássica e Numismática, contendo uma discussão empírica sobre arqueologia clássica e o catálogo monetário. Foi a primeira publicação de um catálogo científico sobre a coleção do MHN. Outro ponto fundamental na formação de qualquer pesquisador em Antiguidade, em minha opinião, é a passagem pelas universidades europeias. Não como turista, mas como aluno e pesquisador. Além da riqueza de suas bibliotecas, a troca cultural, a oportunidade de trabalhar em escavações realizadas no continente é de fundamental importância. Em fevereiro de 2007, graças a uma bolsa PEDE, financiada pela CAPES, estudei na Universidade de Barcelona, contando com o apoio logístico do CEIPAC, Centro para el Estúdio de la Interdependência Provincial em la Antigüedad Clasica (coordenado pelo catedrático da instituição, Jose Remesal), e da própria Universidade para prosseguir com as pesquisas. Assisti às aulas do professor Remesal (Economia Romana e Teoria da História) e de outros professores da instituição, como Victor Revilla, titular de História Antiga, Javier Llavinia, titular de História da América e Horácio Capel, catedrático de Geografia Humana. Também participei da organização do curso sobre documentação antiga, ministrado pelo doutorando da instituição Pau Marimon. Desse curso, com aulas práticas pela Barcelona Romana, saiu à idéia de organizarmos uma coletânea sobre a História de Mallorca, terra natal de Marimon. Com outro colega do CEIPAC e da Escola Espanhola de Roma, Serci Calzadas, preparamos o projeto que logo foi aceito pela Universidade das

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Ilhas Baleares, em Mallorca. No livro, publicado em catalão, Història de les Illes Balears, escrevi um capítulo, la circulació monetária a Mallorca durant l´antiguita tardana, utilizando as moedas como fonte principal. Através de uma carta de apresentação, escrita pelo próprio professor Remesal, conheci a doutora Marta Campo, diretora do Gabinete Numismático da Catalunha. Além de ter tido acesso a uma bibliografia riquíssima, analisei e cataloguei boa parte da coleção numismática dos museus catalães, tomando conhecimento da existência de uma rara e bela coleção. Além disso, o método utilizado por eles para restauração, conservação e arquivamento de toda a documentação (iconográfica ou não), é prático e bastante organizado. Retornado ao Brasil, logo após a defesa da tese, em 2008 trabalhei como professor substituto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), ministrando aulas no Departamento de História, Biblioteconomia e Arquivistísca. Nesse meio tempo, me preparava para os futuros concursos públicos. Em dezembro de 2008, fui aprovado no concurso para Universidade Federal de Alfenas, Minas Gerais, instituição essa fundada em 2005. Em menos de um ano de trabalho na Unifal / MG, até o presente momento, estamos desenvolvendo dois projetos de pesquisas. Um, contando com a logística da própria instituição, em parceria com o colega medievalista Adailson José Rui, intitulado Península Ibérica: da Antiguidade Tardia a Reconquista, com a participação de alunos do curso de História (em seu primeiro ano) e o apoio dos professores Pedro Paulo Funari (UNICAMP), Margarida Maria de Carvalho (UNESP/ Franca) e Adriane Viotti (UFG). O outro projeto, financiado pela FAPEMIG, Moeda: poder, imagem e ideologia, com auxílio de um aluno bolsista

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de iniciação científica, com o objetivo principal de analisar as coleções numismáticas particulares e públicas da região de Alfenas, e como é tratado o tema da História Antiga na rede de ensino pública e privada. Em ambos os projetos, existem uma grande procura do quadro discente, querendo participar e ajudar no andamento das pesquisas. Contando com a ajuda da FAPEMIG, participei do Primer Colóquio sobre la Antigüedad Tardia, realizado em outubro de 2009, na cidade de Segóvia, Espanha. Durante o evento, tive a oportunidade de trocar ideias com colegas dos vários centros acadêmicos participantes. Entre eles, professor Peter Brown, da Universidade de Princenton, que estava muito entusiasmado pelo avanço dos estudos clássicos no Brasil. Brown, que é leitor de Euclides da Cunha, Machado de Assis e Mário Quintana, a muito acompanha as nossas pesquisas sobre Antiguidade Tardia, sua especialidade, e defende a maior participação dos pesquisadores brasileiros em eventos internacionais. Esse fato demonstra como nossa produção é atual, importante e ainda temos muito a acrescentar. Infelizmente, certos centros acadêmicos brasileiros continuam preso ao modelo positivista e historicista do século XIX: “sem documentação textual, não existe História”. Esse pensamento prejudica tanto o trabalho sobre Mundo Antigo, quanto os estudos em Brasil Colônia, períodos em que a documentação escrita é mais rara e complexa. Assim, muitos jovens e promissores pesquisadores são afastados da Antiguidade, sendo obrigados a se adaptarem em outra linha de pesquisa, de preferência História do Brasil, séculos XIX e XX. Alguns historiadores esqueceram o que leram ou estudaram na graduação, como a formação da Escola dos Annales, a ampliação da noção de documento, descritas no livro Combate pela História Lucien Febvre:

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...A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles existem. Mas ela pode fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos escritos, se os não houver. Com tudo o que o engenho do historiador pode permitir-lhe utilizar para fabricar o seu mel, à falta de flores habituais. Portanto, com palavras. Com signos. Com paisagens e telhas. Com formas de cultivo e ervas daninhas. Com eclipses da lua e cangas de bois. Com exames de pedras por geólogos e análises de espadas de metal por químicos. Numa palavra, com tudo aquilo que, pertence ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem... (FEBVRE: 1985, 249).

Em contrapartida, possuímos no Brasil, uma grande quantidade de documentação, iconográfica ou não, referente à Antiguidade Clássica. Há um imenso leque de ação para os jovens pesquisadores que querem trilhar por esse caminho. Muitas vezes nós professores desestimulamos ou ensinamos o caminho errado para os nossos alunos. Escolhemos o mais prático e fácil para eles, ou para nós. Indicamos um site na Internet ao invés da coleção de um museu. Tenho observado em muitos congressos, alunos apresentando imagens de sites poucos confiáveis, sem identificá-los adequadamente. Enquanto que a coleção do Museu Histórico Nacional, por exemplo, permanece fechada, pouco conhecida pelo mundo acadêmico. Considerações Finais

No Brasil o estudo da História Antiga sempre ficou legado a um segundo plano. Um local de pouca importância direcionada apenas pelo romantismo e curiosidade sobre civilizações exóticas a muito “desaparecidas”. O cinema tratou de reforçar

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esse romantismo exacerbado sobre o tema. Amor e aventura em um mundo perfeito, sem pobreza, miséria, fome. Apenas homens musculosos e mulheres curvilíneas (CARLAN: 2008, 23). Nas Universidades a ênfase e o maior destaque (principalmente verbas) são direcionados para as ciências exatas. Humanas, apenas relacionadas com Brasil. Por que estudar Antigüidade num país que não teve contato direto com as civilizações orientais e clássicas ? Não “existem” documentos, leia-se fontes primárias, em nosso país que retratam esses povos? Qual estudante e pesquisador em Antigüidade que nunca ouviu essas críticas. Esquecem da grande influência dessas civilizações na nossa sociedade contemporânea. Muitos costumes, cuja origem nem mais lembramos, estão ligados diretamente a esses povos. A língua (latim), as leis (Direito Romano), nas artes, nos ditados populares (gosto não se discute / tradução do provérbio latino de gustibus non est disputandum) (FUNARI: 2003, 96), o noivo que carrega a noiva nos braços (alusão ao rapto das Sabinas por Rômulo). Enfim, uma civilização que deixou uma série de heranças, enraizadas em nós e na nossa sociedade. Agradecimentos

Aos amigos e colegas da UNICAMP, em especial aos professores Pedro Paulo Abreu Funari e José Geraldo da Costa Grillo, pela oportunidade de trocarmos ideias, a André Leonardo Chevitarese, Júlio Gralha, Glaydson José da Silva, Renata Garrafonni, Lourdes Feitosa, Margarida Maria de Carvalho, Rachel dos Santos Funari, Gracilda Alves, José Remesal, Ciro Flamarion Cardoso, Maria Beatriz Florenzano, Vera Lúcia Tostes, Rejane Vieira, Eliane Rose Nery, ao apoio instituicional do Núcleo de Estudos Estratégicos (Unicamp) e

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do Grupo de Pesquisa Península Ibérica: da Antiguidade Tardia a Reconquista (Unifal / MG), a CAPES, CNPQ e FAPEMIG. A responsabilidade pelas ideias restringe-se ao autor. Fontes Numismáticas

Acervo Numismático do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro. Coleção referente aos Imperadores, Augustus e Césares, Imperatrizes e Usurpadores dos séculos III e IV. Moedas de Ouro: Constante, Constâncio II, Arcádio e Honório. Cofre da Seção de Numismática do Museu Histórico Nacional. Total de 7 peças. Moedas comemorativas da Fundação de Constantinopla: 53 moedas cunhadas pelo Imperador Constantino I. Moedas de Bronze: Diocleciano, Galério, Maximiano, Constâncio Cloro, Severo Augusto, Maximino Daia, Galéria, Maxêncio, Rômulo, Licínio (pai e filho), Fausta, Helena, Constantino I, Crispus, Constantino II, Constâncio II, Eusébia, Constante, Galo, Magnêncio, Juliano, Joviano, Procópio, Valente, Valentiniano I, Graciano, Valentiniano II, Flacilla, Eugênio, Teodósio I, Máximo, Eudoxia, Honório e Arcádio; pertencentes ao acervo do Museu Histórico Nacional/Rio de Janeiro: Medalheiro de Número 3;Lotes Números: 11 ao 37, dando um total de 1828 peças. Total do acervo numismático referente ao século IV: 1888 moedas. Referências

CARLAN, Cláudio Umpierre. Antiguidade Clássica e Numismática: representações e pesquisas no ensino fundamental. IN:

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CHEVITARESE, André. CORNELLI, Gabriele. SILVA, Maria Aparecida Oliveira. A Tradição Clássica e o Brasil. Brasília: Fortium Editora, 2008. CHEVITARESE, André Leonardo e CORNELLI, Gabriele. Judaísmo, Cristianismo, Helenismo. Ensaios sobre interações culturais no Mediterrâneo Antigo. Itu: Ottoni Editora, 2003. FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2a. ed. Tradução de Leonor Marinho Simões e Gisela Moniz. Lisboa: Editorial Presença Ltda, 1985, p.249. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Vida Cotidiana na Roma Antiga. São Paulo: Annablume, 2003. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Renovação do Ensino de História Antiga. IN: KARNAL, Leandro (org.). História em Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2003. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. CARLAN, Cláudio Umpierre. Arqueologia Clássica e Numismática. Textos didáticos n. 62. Campinas: UNICAMP / IFCH, 2007.

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8. Usos da história antiga e da arqueologia clássica: o caso de Pompéia

Marina Regis Cavicchioli

A paixão pela História vinha desde menina com as aulas do colégio, e o interesse pelo mundo Clássico surgiu desde muito pequena ao ouvir as Histórias de meu avô sobre uma certa loba que alimentara dois meninos; sobre o heróico povo romano e tantas outras lendas do mundo antigo. Anos mais tarde, ao desenvolver pesquisas sobre os usos da História Antiga e da Arqueologia Clássica como legitimadoras da formação dos Estados Nacionais, compreendi de fato o papel desempenhado por aquelas histórias da infância. Para muito além de mitos sobre a Antiguidade, tais relatos, através da criação das identidades nacionais, compunham a identidade do povo italiano. Isto porque esses relatos baseavam-se em uma idéia de Herança Cultural, como nos aponta Richard Hingley. Dois anos antes de entrar para faculdade de História, no Brasil, ao conhecer o velho continente e encontrar na Itália parte da minha família, que não havia emigrado, ouvi várias daquelas histórias e vivenciei tal identidade. Além da convivência com

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os italianos, minha experiência acadêmica na Università per Stranieri di Perugia, onde cursei disciplinas como História da Itália, História da Arte Italiana, História do Cinema Italiano e História da Língua Italiana, demonstrou a presença do Mundo Antigo no cotidiano italiano. Ainda na ocasião, conheci de perto muito da cultura material sobre a Antiguidade. Apaixonei-me então por Pompéia, cidade romana soterrada pelas cinzas e lavas do vulcão Vesúvio e o mais completo recorte sobre o diaa-dia do mundo antigo, cuja cultura material fora preservada de maneira ímpar durante muitos séculos, sem que sofresse as alterações que as mudanças culturais poderiam impor a qualquer cidade. Anos mais tarde, Pompéia viria a ser meu objeto principal de estudos. Além disso, tive também a oportunidade de colocar uma mochila nas costas e girar pela Europa, Egito, Turquia e Israel. Completamente fascinada com o que havia visto, decidi estudar História, inicialmente acreditando que eu fosse entender melhor tudo aquilo que havia conhecido. No entanto, muito mais que o fascínio inicial, durante minha formação acadêmica, compreendi que a História não é o passado que aconteceu, mas um relato do passado recriado pelo historiador através das fontes escolhidas. Na Faculdade de História, logo no primeiro semestre, cursei a matéria de História Antiga, ministrada pelo Prof. Dr. Pedro Paulo Funari, fundamental influenciador e incentivador de minhas pesquisas. De imediato me encantei, mas acreditava que iria seguir pelo caminho da Historia da Arte. Durante a graduação, cursei várias matérias de História da Arte, contudo, meu interesse nas artes ia além da compreensão das técnicas e estilos dos artistas. O meu interesse voltava-se particularmente para significado social dos artefatos estudados, pensando na importância da iconografia em sociedades nas quais a maior parte da população era analfabeta, como é caso das sociedades

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antigas. Segui cursando disciplinas ligadas à cultura material; neste campo de estudo, descobri que a arqueologia era capaz de apresentar uma resposta mais adequada aos meus anseios. As aulas de Gilson Rambelli e Lourdes Domingues ajudaram-me a compreender que a Arqueologia não seria simplesmente o estudo dos objetos, e sim o estudo das relações humanas, cujos índices palpáveis são os objetos, de sorte que a vida cotidiana, as pessoas comuns e as relações de gêneros interessaram-me particularmente. Foi assim que a sexualidade, bastante negligenciada pelos estudos tradicionais sobre a antiguidade, mas profundamente inserida na vida ordinária romana, consolidouse como tema fundamental de minhas pesquisas. Ao descobrir a existência de um material erótico pompeiano – pertencente ao Museo Nazionale Archeologico di Napoli – e a conseqüente proibição de acesso a ele, ainda quando eu vivia na Itália, inquietaram-me. Porém, foi na Universidade que descobri as fontes da História e a percepção de que, se o passado já aconteceu e não nos é mais tangível, o que nos restam são apenas fragmentos. Estes fragmentos, chamados de documentos, em alguns casos, assumem a forma escrita em leis, tratados, versos, poemas, grafites, documentos oficiais ou cartas de amor. Em outros casos, esses fragmentos podem tratar-se de outras espécies de materiais, como templos, casas, pinturas, mosaicos, vasos, corpos, plantas, comidas: o passado palpável, imediato aos nossos olhos, mas que nem por isso nos remetem a uma realidade direta, são representações, são discursos. Poucos, talvez apenas os documentos oficiais, incluindo alguns templos e marcos como arcos do triunfo, foram feitos para que fossem pensados na posteridade. Mas tudo faz parte da História, qualquer objeto pode ser uma fonte documental, cada um deles representa um mediador entre o nosso presente e o passado.

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Dar-se conta de que caberia ao pesquisador, ao arqueólogo, atribuir a estes objetos a função de fonte, optando pelo recorte do passado – escolhendo assim que materiais utilizar para construir seus discursos – instigou-me a pensar no tema da sexualidade. Compreender que, até que um pesquisador os resgate como fonte, estes artefatos estão espalhados de outras formas, envolvidos em suas funções práticas e simbólicas, catalogando-os de acordo com suas percepções contemporâneas, das quais um pesquisador, ainda que empenhado, jamais poderá despir-se, levou-me a pensar que poderia haver novas possibilidades de leitura, que ultrapassam a visão de pornografia, atribuída tradicionalmente a estes materiais. Nesse sentido, modelos teóricos importantes vieram de pesquisadores da área de gênero como Bárbara Vozz, Joan Gero e Shelby Brown. As pesquisas com este enfoque, todavia, distanciavam-se da visão tradicional européia, principalmente Italiana. Contudo, estar no Brasil, o que caracterizaria a periferia dos estudos clássicos, se por um lado significa a distância de muitas fontes primárias, por outro, comporta a possibilidade de abordar de maneira crítica a visão estabelecida deste Mundo Clássico. Nessa medida, modelos teóricos mais inovadores podem ser somados ao estudo de trabalhos tradicionais, mas extremamente minuciosos e profundamente eruditos. Nesse mesmo sentido, considero o fato de ser uma jovem pesquisadora brasileira como um facilitador para o contato com essas duas perspectivas. Como tal, pude ter acesso a significativos Museus, sítios arqueológicos e bibliotecas na Itália, Inglaterra, Espanha, Portugal e França. Foi possível, também, estabelecer um proveitoso intercâmbio de idéias com importantes pesquisadores da área de Antiguidade em geral e, em especial, pompeianística, como é o caso de Antonio Varone, Anna Maria Ciarallo, Jean Michel Carrié, Juan Blasques Perez e Sebastian

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Celestino Perez, fundamentais interlocutores que sempre deram grande incentivo ao meu trabalho. Assim como eu, muitos brasileiros tiveram oportunidades semelhantes e, também por isso, têm desenvolvido trabalhos de excelência. No entanto, por vezes, o espaço acadêmico do Brasil ainda não se desenvolveu a ponto de ser capaz de acolher esses trabalhos. Há ainda aqueles que vêem a Antiguidade como algo isolado do Mundo Contemporâneo ou mesmo da realidade brasileira. A dificuldade em questão traduz-se no quanto ainda é incomum dar-se conta das influências que o Mundo Clássico seria capaz de exercer sobre nossa cultura, seja por heranças culturais das quais deriva, seja pelas reapropriações elaboradas, tomando o mundo antigo como justificativa do presente. Ainda assim, nas duas últimas décadas, a Arqueologia Clássica no Brasil cresceu significativamente. Tanto que antes havia apenas poucos grandes nomes de destaque nacional, os quais estavam concentrados em centros de pesquisa específicos. A esses pesquisadores devemos, entre tantas coisas, a formação de jovens pesquisadores que acabaram por migrar para outras regiões do país, de sorte que atualmente os estudos na área de Arqueologia Clássica assumem uma nova configuração, ocupando espaço em várias Universidades Brasileiras de norte ao sul do país. Novos núcleos e centros de pesquisa vem sendo formados. Em razão disso, Arqueólogos Clássicos Brasileiros têm alcançado destaque no cenário internacional, principalmente devido à qualidade de suas análises críticas, o que me leva a crer que a Arqueologia Clássica tem, no Brasil, um futuro promissor.

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9. Cultura material e as relações de gênero e sexualidade na sociedade romana

Lourdes Conde Feitosa

O

que motivou sua

pesquisa?

“opção”

por essa área de trabalho/

Quais as circunstâncias de seu ingresso na área?

Há alguns anos pesquiso sobre o mundo romano, com ênfase nas acepções do feminino e do masculino por meio das relações sexo-amorosas. O interesse em refletir sobre gênero surgiu do conjunto de indagações proposto pela contemporaneidade na qual vivemos. Nas últimas décadas do século XX uma série de movimentos mobilizou-se contra as desigualdades sociais, as diferenças de cunho sexual e racial e as formas de dominação originadas pelas sociedades capitalistas. Nesse ambiente, tornaram-se mais freqüentes as lutas contra as diferenças sociais, étnicas, religiosas, sexuais e de gênero, bem como o desenvolvimento de importantes discussões que estimularam a busca de novas referências para se entender os significados atribuídos à feminilidade, à masculinidade e ao conceito de sexualidade, focos de minhas análises.

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Por meio das relações de gênero busca-se compreender os conceitos de “mulher” e “homem” e os papéis a eles atribuídos em tempos, espaços e culturas diversas. Questionam-se os modelos rígidos e estereotipados construídos de cada um deles, bem como a noção de que as motivações sexuais humanas sejam “instintivas” ou “naturais”. Inserida nestas discussões, desenvolvi pesquisa de mestrado nomeada “Homens e Mulheres Romanos: o corpo, o amor e a moral, segundo a literatura amorosa romana (Ovídio e Petrônio)”, cuja proposta foi analisar os atributos físicos e comportamentos éticos e amorosos conferidos ao feminino e ao masculino no século primeiro d.C., por meio de obras literárias de Ovídio e de Petrônio1. Como os autores integravam as elites romanas desse período, inferiu-se tratar de informações preciosas sobre eles, mas sob o prisma de suas concepções aristocráticas a respeito dos diversos estratos sociais a que se referiam. Mais, que os aspectos afetivos e éticos descritos pelos poetas iam além da imaginação literária, à medida que vislumbravam mudanças pelas quais passava a sociedade romana daquele período. Também se verificou que certos paradigmas interpretativos salientados pela historiografia contemporânea eram conflitantes com os descritos nas fontes literárias, por reduzir os papéis sociais atribuídos às mulheres e aos homens a modelos rígidos e generalizantes. Era frequente o uso de conceitos gerais como “homens e mulheres romanos” ou “povo romano”, que não permitiam vislumbrar as perspectivas dos diferentes grupos sociais; assim como afirmações preconceituosas em relação aos populares, apresentados em textos aristocráticos romanos 1 FEITOSA, L. M. G. C. Homens e mulheres romanos: o corpo, o amor e a moral segundo a literatura amorosa do primeiro século (Ovídio e Petrônio). Assis. Dissertação (Mestrado em História e Sociedade) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, 1994.

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ou em noções atuais de senso-comum como “promíscuos” e “desajustados”, emocional e socialmente. Desta maneira surgiu o meu interesse em pesquisar as relações de gênero na esfera popular romana. Esta atenção em escrever a história de pessoas comuns, de seu cotidiano e de suas percepções e valores, vem acontecendo de maneira mais acentuada na segunda metade do século XX, influenciado pelo processo de descolonização, reelaboração do significado de cultura, já não mais limitado às expressões das elites brancas, e valorização dos registros e manifestações de grupos periféricos àqueles eruditos e europeus. Acompanham essas discussões sobre a inserção do popular na História uma reelaboração dos princípios teóricos das Ciências Humanas, até então pouco atentos às experiências populares, às relações de gênero, à percepção da sexualidade, dentre outros. Alargou-se o conceito de fonte histórica e, além dos tradicionais escritos oficiais, também ganharam valor documental a iconografia, a numismática, a epigrafia e muitos outros vestígios arqueológicos, permitindo, desde então, “trazer para a História” as experiências e os olhares daqueles até então nela não representados. A partir dessa percepção, para que eu desenvolvesse uma reflexão a respeito de pessoas comuns se fazia imprescindível uma análise de registros deixados por elas mesmas, disponíveis apenas em fontes arqueológicas. Assim deu-se a minha inserção no manuseio da documentação material romana, em particular dos registros escritos encontrados nas paredes do sítio arqueológico de Pompéia, o mais abundante em escrita popular. Essas inscrições romanas passaram a ser correntemente encontradas com o desenvolvimento das expedições arqueológicas, a partir do século XVIII, estimulando o ritmo das escavações e a própria consolidação da Arqueologia como uma área

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da Ciência. A grande quantidade dessa documentação obtida em diferentes extensões do mundo romano instigou a formação de um grupo de estudiosos dirigido pelo alemão Theodor Mommsen, em 1847, preocupado em organizar e publicar as inscrições latinas de todas as partes desse império. Assim, foi instituído o Corpus Inscriptionum Latinarum, mais comumente conhecido por CIL, cujo volume IV é dedicado às inscrições da região vesuviana (Pompéia, Herculano, Oplontes e Stábia), das quais diversas foram selecionadas para o desenvolvimento de minha pesquisa. Para a leitura e análise dessa documentação foi necessário estabelecer alguns critérios. No CLI parte dos grafites é apresentado da maneira como estavam escritos na parede, mas a grande maioria é mencionada apenas com a versão feita pelos paleógrafos, no qual palavras incompletas são acrescidas, em parênteses, a partir de interpretações e sugestões dos paleógrafos. Toda a pontuação adotada também é feita a partir de critérios atuais, uma vez que na escrita corrida e sem intervalos do texto original não há qualquer marca de pontuação. Isso significa que a própria transcrição desses grafites é influenciada pela interpretação apresentada pelos estudiosos, e este é um primeiro aspecto a ser relevado no trato desse tipo de fonte. A interpretação do latim vulgar, o entendimento do texto, a fragmentação da escrita e a intervenção das muitas reconstituições modernas sobre ela dificultavam a sua leitura. Isso evidenciava a impossibilidade de resgatar os sentidos que continham ao serem escritas e como os significados a elas atribuídos são frutos de interpretações que podem variar de um momento histórico a outro. Então, ao utilizar a documentação epigráfica não tinha como intenção um estudo filológico desses registros, mas desenvolver uma leitura histórica e cultural que favorecesse pensar a composição do feminino e do masculino

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nesse meio, via inscrições amorosas, em um confronto com discursos historiográficos contemporâneos. Para esse trabalho, foi fundamental uma orientação e definição teórica sobre a Epigrafia2 e a Arqueologia3, cujas principais referências utilizadas em meus estudos estão indicadas nas notas de número dois e três, abaixo. Para uma leitura de gênero na esfera do amor e da sexualidade em um ambiente popular pompeiano foi proposto um diálogo entre história econômica, história social e de gênero, a fim de ampliar os aspectos que envolviam a questão. Por meio das inscrições e da análise de pesquisas realizadas com esses documentos materiais pompeianos, foi possível considerar as atividades econômicas desenvolvidas em Pompéia e quais seriam as pessoas, suas origens, suas ocupações e estatutos, que integravam os grupos populares. A partir daí a interpretação das inscrições amorosas foi inserida nas informações construídas sobre os variados aspectos da cidade pompeiana, no qual os populares e suas relações de gênero e sexualidade foram ambientados.

2 MAGALDI, E. Le iscrizioni parietali pompeiane. Napoli: Achille Cimmaruta, 1931; CENCETTI, G. Paleografia latina. Roma: Jouvence, 1978; IRELAND, R. Epigraphy. In: HENIG, M. (Ed.) A handbook of Roman Art. Ithaca/New York: Cornell University Press, 1983; CORBIER, P. L’epigraphie latine. Paris: Sedes, 1998; ALMAR, K. P. Inscriptiones latinae. Bonn: Odense, 1990; KEPPIE, L. Understanding Roman inscriptions. Baltimore: John Hopkins University Press, 1991; CANALI, L., CAVALLO, G. (Orgs.) Grafitti latini. Milano: Rizzoli, 1998 e BODEL, J. Epigraphic Evidence. Ancient history from inscriptions. London/ New York: Routledge, 2001. 3 ORSER Jr, C. A historical archaeology of the Modern World. New York/London: Plenum Press, 1996; FUNARI, P. P. O amadurecimento de uma arqueologia histórica mundial. Revista de História, n. 135, 2º sem. 1996; FUNARI, P. P. Archaeology, History and historical archaeology in South America, International Journal of Historical Archaeology, v. 1, n. 3, 1997; JONES, S. The Archaeology of ethnicity. Constructing identities in the past and present. Londres: Routledge, 1997; FUNARI, P. P. A., HALL, M., JONES, S. (Orgs.) Historical Archaeology. Back from the edge. London/New York: Routledge, 1999;

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As reflexões apresentadas em pesquisas estrangeiras sobre o ethos popular romano, tanto em seus aspectos econômicos, políticos e sociais, quanto culturais, por meio de fontes materiais, foram importantes para o desenvolvimento dessa proposta4. No Brasil, o pioneiro nesse tipo de abordagem foi o arqueólogo e historiador Pedro Paulo Abreu Funari (Unicamp)5, que tem tido um papel fundamental na orientação e no avanço de pesquisas brasileiras que conectam História e Arqueologia. Na área de História Antiga, resultam desse direcionamento algumas pesquisas como as realizadas por Wagner Montanhini (FCLARARAS), Renata Senna Garraffoni (UFPR); Lourdes C. Feitosa (USC), Cláudio Umpierre Carlan (UNIFAL) e Marina Regis Cavicchioli (UFBA)6. 4 Foram significativas as contribuições apresentadas nos estudos de TANZER, H. H. The common people of Pompei. A study of the graffiti. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1939; D’AVINO, M. La donna a Pompei. Napoli: Loffredo, 1964; LeGALL, J. Metiers des femmes ou Corpus Inscriptionum, REL, v. 47 bis, p. 123-130, 1970; WILL, E. L. Women in Pompeii, Archaeology. v. 32, n. 5, p. 34- 43, 1979; ÉTIENNE, R. La vida cotidiana en Pompeya. Tradución de Jose A. Miguel. Madrid: Aguilar, 1971; KAMPEN, N. Image and status: Roman working women in Ostia. Berlin: Mann, 1981; D’AVINO, M. Pompei proibita. Erotismo sacro, augurale e di costume nell’antica città sepolta. Napoli: Procacciti, 1993; CARTELLE, E. M. Priapeos; grafitos amatorios Pompeyanos; la valada de la fiesta de Venus; el concúbito de Marte y Venus; centón nupcial. s. l.: Gredos, 1981; D’AVINO, M. Pompei proibita. Erotismo sacro, augurale e di costume nell’antica città sepolta. Napoli: Procacciti, 1993; CANTARELLA, E. Qualque considerazione sul lavoro femminile a Pompei. Saitabi, v. 49, p. 259-272, 1999 e CANTARELLA, E. Pompei. I volti dell’amore. Milano: Mondadori, 1999. 5 A transliteração e análise de grafites pompeianos têm sido realizadas por Funari desde o final da década de 1980. Conferir, por exemplo: FUNARI, P. P. Cultura(s) dominante(s) e cultura(s) subalterna(s) em Pompéia: da vertical da cidade ao horizonte do possível. Revista Brasileira de História, v. 7, no 13, p. 33-48, set/86-fev/87; FUNARI, P. P. Cultura popular na Antigüidade clássica. São Paulo: Contexto, 1989; FUNARI, P. P. Caricatura gráfica e o ethos popular em Pompéia. Clássica, no 1, p. 117-138. Belo Horizonte: Suplemento, 1992; FUNARI, P. P. El caráter popular de la caricatura pompeyana. Gerión (Madrid), no 11, p. 153-173, 1993; FUNARI, P. P Apotropaic symbolism at Pompeii: a reading of the graffiti evidence. Revista de História, 132, p. 9-17, 1995 e FUNARI, P. P. Romanas por elas mesmas. Cadernos Pagu (Campinas), n. 5, p. 179-200, 1995. 6 MONTANHINI, W. O simbolismo visual dos grafites na epigrafia latina popular pompeiana: 50-79 d.C. Assis. Dissertação (Mestrado em História e Sociedade) – Fa-

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Qual/quais seu(s) projeto(s) de pesquisa? A partir da prática de questionar as idéias e as certezas, marca de nosso tempo, da análise de construções historiográficas e da influência das discussões contemporâneas sobre as questões de gênero no conhecimento da Antigüidade Romana, a continuidade de minhas pesquisas segue em estender essas reflexões para outras narrativas históricas, em específico projeções cinematográficas que retratam o universo romano. Isso porque a atenção para a relação entre presentepassado também tem sido prática corrente entre os pesquisadores interessados na análise de filmes sobre outros momentos históricos. Desde os anos de 1990, por exemplo, são fortes as investigações cinematográficas inspiradas nos ‘estudos culturais’, que se preocupam em refletir sobre as imagens projetadas do ‘feminino’, do “masculino”, das representações de diferentes formas de sexualidade, das minorias étnicas ou da projeção de diversos grupos nas imagens fílmicas7. culdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, 1995; GARRAFFONI, R. S. Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005; FEITOSA, L. C. Amor e sexualidade: o masculino e o feminino em grafites de Pompéia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005 e CARLAN, C. U. Moedas e poder em Roma: um mundo em transformação. Tese (Doutorado em História Cultural) – Instituto de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade Estadual de Campinas, 2007 e CAVICCHIOLI, M. R. A Sexualidade no olhar: Um estudo da iconografia pompeiana. Tese (Doutorado em História Cultural) – Instituto de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade Estadual de Campinas, 2009. 7 Algumas das referências usadas para o desenvolvimento dessa pesquisa foram: FERRO, M. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992; RAMOS, F. P. O que é Documentário? Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, p. 1-11. Portugal, 2002; PENAFRIA, M. O Documentarismo do cinema. Uma reflexão sobre o filme documentário. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, p. 1-6. Portugal, 2006; FELICI, J. M., TARÍN, F. J. G. Interpretar um film. Reflexiones en torno a las metodologías de análisis del texto fílmico para la formulación de una propuesta de trabajo. In: ________ (Eds.) Metodologías de análisis del film. Madrid: Edipo S. A., 2007. p. 31-56 e FUENTES, M. J. G. Algunos apuntes sobre la representación de la

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Como exemplo dessa reflexão entre História e Cinema, em particular a respeito das relações de gênero caracterizadas para a sociedade romana, analisei a produção Pompéia – o último dia, realizada pela TVE/ BBC, da Grã-Bretanha, sob a direção de Peter Nicholson, em 2003, e lançado no Brasil pela editora Abril, em 2005. Definida como um documentário, a sua proposta, como salientado na sinopse brasileira, é: “combinar espetaculares reconstituições, investigações de especialistas, maravilhosos efeitos digitais, e seguir um grupo de personagens centrais que inclui famílias inteiras, amantes, soldados e escravos”. A partir de uma discussão sobre as classificações cinematográficas como ficcional e documental e as expectativas criadas com essas denominações, confrontou-se a representação de masculino e feminino com a análise de material arqueológico romanos, cujos resultados permitiram questionar as relações de gênero projetadas8. Quais as condições favoráveis e desfavoráveis de um(a) jovem pesquisador(a) no Brasil? Como pesquisadora na área de História Antiga que utiliza a documentação arqueológica como fonte de análise, algumas condições são importantes para o desenvolvimento das investigações. Dedicar-se ao estudo da língua latina, de tal maneira que seja possível confrontar traduções existentes com a fonte original e/ou propor leituras de novos textos. Adquirir uma violencia de género en el cine. FELICI, J. M., TARÍN, F. J. G. (Eds.) Metodologías de análisis del fim. Madrid: Edipo S. A., 2007. p. 241-250. 8 Cf. FEITOSA, L. C., Cinema e Arqueologia: leituras de gênero sobre a Pompéia Romana. Revista Gênero, Universidade Federal Fluminense, 2009. ISSN: 15179699. (No prelo). Ver também FEITOSA, L. C.; VICENTE, M. M. Masculinidade do soldado romano: uma representação midiática. In: FUNARI, P.P. et alli História militar do mundo Romano. São Paulo: Fapesp/Annablume, 2009. (No Prelo)

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orientação metodológica que lhe ofereça subsídios de como utilizar o material arqueológico. Como, por exemplo, no caso da leitura dos registros populares é necessário compreender as características das inscrições e as particularidades existentes entre elas, os instrumentos usados para fazer e receber os registros e a influência dos estudiosos modernos nas sugestões de pontuação e complemento das palavras fragmentadas. Esses dados são imprescindíveis para a leitura e análise dessa fonte material como fruto de interpretações que podem variar de um momento histórico a outro. Outro elemento necessário é a leitura de textos modernos em línguas estrangeiras, para que seja possível acompanhar as discussões e teses propostas e tenha condições de oferecer novas interpretações que enriqueçam o debate historiográfico internacional sobre a temática em análise. Entretanto, é notável que o avanço das pesquisas que utilizam fontes materiais no Brasil tem favorecido e ampliado a formação gradativa de profissionais especializados e o acesso, em língua portuguesa, a traduções diretas das fontes, a debates historiográficos de âmbito internacional e a textos acadêmicos especializados, elaborados e interpretados a partir de nossa realidade histórica, em contraposição a interpretações estrangeiras até então predominantes. Também tem ampliado o número de orientações de projetos de iniciação científica, de mestrado e de doutorado nesse tipo de abordagem, o que capacita e fortalece os estudos resultantes da análise de fontes materiais em nosso país, nos mais variados períodos históricos. Também há a possibilidade do pesquisador receber o apoio financeiro da CAPES e da FAPESP, situação que favorece a dedicação integral à pesquisa, a atividade de escavações, a participação em reuniões científicas no Brasil e a realização

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de investigações no exterior, no caso dos doutorandos, estimulando o intercâmbio entre diferentes instituições nacionais e internacionais. Com relação à FAPESP, cabe mencionar ainda o auxílio proporcionado pela chamada reserva técnica, verba anual destinada a mestrandos e doutorandos para aquisição de material permanente como, por exemplo, computadores e livros, principalmente os importados. Com este auxílio, alguns centros têm conseguido ampliar, especializar e atualizar o acervo historiografia, periódicos especializados e coleções de fontes (originais e traduções de excelente qualidade), documentos epigráficos e iconográficos. Quais suas Brasil?

expectativas acerca do futuro da disciplina no

Tendo claro que a investigação histórica não é feita apenas por meio da documentação escrita, mas também pela interpretação das fontes materiais, a conciliação entre História e Arqueologia é fundamental para investigações mais complexas sobre a organização e funcionamento de civilizações passadas e, em particular, de grupos ‘subalternos’. Essa documentação material é valiosa porque se constitui como fonte alternativa às informações expressas em textos literárias, permitindo, dessa maneira, ampliar ou questionar muitos dados destes últimos. Assim, é com muito otimismo que vejo, no Brasil, um notório aumento de pesquisas que utilizam material arqueológico, seja para tratar de nossa própria história ou de outras sociedades passadas. E as novas abordagens teórico-metodológicas têm grande significado nesse processo por realçarem a construção histórica e política do conhecimento científico, e a legitimidade e importância de se questionar os motivos que levaram à construção das diversas acepções de passado. Ou

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seja, a pesquisa é um processo em construção no qual o estudioso formula suas próprias interpretações, questiona visões anteriores e se coloca como um construtor do conhecimento histórico. E é gratificante constatar que estamos avançando significativamente nesse processo.

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10. Arqueologia clássica no Brasil: relato de uma experiência

Renata Senna Garraffoni

Responder as questões propostas pelos organizadores da coleção História da Ciência Arqueológica na América Latina foi uma experiência diferente e, ao mesmo tempo, tocante: por coincidência em março de 2010 faz quinze anos que venho pesquisando sobre o mundo romano. Então, quando li as perguntas e parei para refletir muitas lembranças vieram à tona. Embaralhadas pelas alegrias das conquistas e pelas angustias das escolhas e dificuldades que se enfrenta ao sair de casa e trilhar a vida profissional, essas lembranças me fizeram perceber como a convivência com arqueólogos brasileiros e estrangeiros mudaram minha percepção de mundo e abriram campos de atuação que nunca poderia imaginar quando comecei. Ao longo desses quinze anos estudei, participei de escavações em diferentes locais da Europa, conheci variados museus e, principalmente, convivi pessoas apaixonadas pelo estudo da cultura material, as quais sou muito grata, pois me ensinaram a perceber não só pontencialidade da Arqueologia para criar

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interpretações alternativas para o passado, como também despertar o olhar crítico ao presente por meio da reflexão de meu lugar no mundo. Entre lembranças e, talvez, alguns esquecimentos, o que busquei fazer a seguir foi um relato de experiências que mais me marcaram ao longo desses anos, procurando inseri-las no contexto acadêmico brasileiro e internacional que pude vivenciar. Optei por expor aos leitores relatos variados desde a vontade de estudar o mundo antigo até as preocupações mais profissionais, pois esse me pareceu um bom caminho para rever inquietações que ainda carrego e pensar sobre a importância da Arqueologia Clássica no Brasil. Já de início gostaria de dizer que é meio difícil saber exatamente quando apareceu a vontade de estudar o mundo antigo e a razão. Lembro-me que desde pequena gostava de ir a Museus com meus pais e quando minha mãe me disse que ‘arqueólogo’ era quem estudava objetos antigos fiquei fascinada em saber que havia essa profissão. Era um fascínio meio deslocado é verdade, pois vivia em Ribeirão Preto e estávamos no começo dos anos de 1980. Mas creio que a escola foi muito importante no processo de entendimento e descobertas. Minhas aulas preferidas eram as de “História Geral” e como nos livros didáticos tinham muitos mapas, passava horas e horas vendo mapas, assinalando as rotas que apareciam nos livros e imaginando como seria viver naquele tempo que parecia tão distante. Os anos foram passando e aquela curiosidade infantil foi se transformando com as leituras que ia fazendo. Na adolescência decidi, em meio a protestos de amigos e professores da escola, que iria ser arqueóloga. Essa seria a primeira dificuldade a enfrentar, pois além de muitos julgarem uma escolha exótica e não muito rentável financeiramente, não havia cursos de graduação em Arqueologia naquele momento. Então a solução

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foi estudar História, tendo ingressado no curso da Unicamp em 1993. Logo no início da graduação li, pela primeira vez, as divertidas aventuras de Ascilto, Encólpio e Gíton, narradas nas páginas do Satyricon. Pelas mãos hábeis de Petrônio desenhavam-se cenas engraçadas sobre o cotidiano romano que incluíam as mais incríveis peripécias: roubos, fugas em navios, grandes banquetes, o envolvimento com magia, religião e mistérios. Impressionada com a riqueza de detalhes contida naquele romance sobre a vida em Roma no início do principado e intrigada por descobrir que o mundo antigo era bem mais complexo do que poderia imaginar, resolvi continuar a viagem pela literatura latina e deparei-me com as Metamorfoses de Apuleio, outra obra satírica escrita em meados do século II d.C. Esta leitura não foi menos surpreendente que a primeira; enquanto acompanhava as aventuras do protagonista Lúcio, seja em forma humana ou transformado em asno, pude conhecer os mais diversos personagens. Ricos, pobres, cidadãos ou não, prostitutas, matronas, bandidos, gladiadores, escravos, libertos, deuses e deusas, enfim, uma grande diversidade de figuras se misturavam para compor aquela narrativa. Diante destas duas experiências, despertou-se em mim uma curiosidade em estudar, mais detalhadamente, o cotidiano dos transgressores romanos. Em agosto de 1994 conversei com o professor de História Antiga da Unicamp Pedro Paulo Funari, quem orientou o que deveria fazer. Comecei a estudar latim no IEL (Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp) e no primeiro semestre de 1995 o professor mandou o projeto para o CNPq. Assim, em agosto de 1995 começava, oficialmente, a ser orientanda do professor Funari e a estudar os romanos, ainda na graduação, depois no mestrado e doutorado. De início a pesquisa era mais ampla, reli os dois romances mencionados,

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selecionei os trechos que tratavam de transgressão social e literatura especializada sobre o tema. Foi nesse momento também que fomos recortando o tema a ser estudado: comportamentos de transgressores da elite e das camadas populares. No entanto, diante da riqueza de detalhes com que os autores construíram o cotidiano dos bandidos e personagens pobres, percebi que este campo, pouco explorado até então, proporcionaria a possibilidade de discutir como a historiografia clássica tem tratado as camadas populares romanas, tema que me acompanha até hoje. Quando me formei, no final de 1997, pude, pela primeira vez, ir a Europa. Já tinha sido aprovada para o mestrado, mas antes de inicia-lo, nas férias de janeiro, fui a Barcelona e lá o professor Funari, que sempre acompanhou de perto e apoiou as minhas pesquisas nas mais distintas fases, me apresentou para o professor José Remesal, arqueólogo e diretor do CEIPAC, um grupo da Universidade de Barcelona que estuda economia romana a partir das ânforas de azeite. Foi a partir dessa experiência que pude, finalmente, começar a conviver com a Arqueologia Clássica. Antonio Aguillera, Pablo Ozcaris, Piero Berni, Lluis Pons e Victor Revilla, pesquisadores do grupo liderado pelo professor Remesal naquela época, me mostraram sítios arqueológicos romanos em Barcelona, me ensinaram aspectos dos estudos das inscrições romanas e me levaram a Tarragona, cidade romana próxima a Barcelona. Foi uma experiência muito impactante: ver a cultura material romana após alguns anos lendo os textos por eles escritos mudou minha percepção. Agora os romanos não mais apareciam a partir de textos literários, mas percebia sua arquitetura, os volumes, as formas e cores de sua cultura material ampliando muito as idéias que tinha sobre o Império antigo. Além disso, em Barcelona pude entrar em contato com livros que não tinha acesso no Brasil, uma variedade de textos recentes e do século

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XIX que me mostraram a infinidade de meios de se aproximar dessa sociedade. Ainda nessa viagem pude ir a Roma e a Inglaterra. Em Roma foi onde definitivamente descobri que tinha feito a escolha certa, fiquei maravilhada com tudo o que eu vi e em Londres conheci a biblioteca da Roman Society for Classical Studies e sua imensa coleção de livros, revistas e teses sobre Roma e o mundo antigo. Essa foi a primeira viagem e, seguramente, a que me abriu os olhos para as complexidades dos estudos sobre o passado romano, a que me apresentou pessoas que foram importantes em tantos outros momentos de estudos. Com minha visão de mundo profundamente alterada, tanto pelas inúmeras possibilidades de estudo como pela experiência de viver fora do país, me adapatando a comidas e costumes tão diferentes, voltei para Unicamp e ainda sob a orientação do professor Funari realizei a pesquisa de mestrado Bandidos e Salteadores: Concepções da Elite Romana sobre a Transgressão Social que foi publicada em 2002 com o título de Bandidos e salteadores na Roma Antiga pela editora AnnaBlume, com apoio Fapesp. Esse trabalho ainda é baseado em textos literários, mas foi a partir dele, da experiência de trabalhar com criminosos das camadas populares, que surgiu a idéia de estudar os gladiadores e a cultura material romana atrelada aos jogos. Assim, o projeto de doutorado aprovado pela Unicamp no final de 1999 já tinha um caráter bem diferente e foi o começo de um trabalho que desenvolvo até hoje: as possibilidades de propor um diálogo entre Arqueologia e História; entre cultura material e texto. Durante o doutoramento, ainda sob supervisão do professor Funari, em 2001, tive a oportunidade de participar de uma escavação arqueológica de sítio romano em Segóbriga (província de Cuenca, Espanha) em companhia dos colegas Glaydson José da Silva, professor da Unifesp e na época aluno

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do curso de mestrado da Unicamp, e Marina Cavicchioli, hoje professora da UFBA, mas no momento cursava a graduação. Foi nessa viagem que aprendi as particularidades da escavação em campo e os trabalhos de laboratórios específicos sobre a cultura material romana. Além disso, em 2002, com apoio da Fapesp, voltei a Barcelona para trabalhar junto ao CEIPAC e, também, e no Seminar für Alte Geschichte em Heidelberg, dirigido pelo Dr. Geza Alföldy. O estágio junto aos professores Remesal e Alföldy foi fundamental para conhecer a metodologia de trabalho com a Epigrafia, estudo das inscrições romanas em superfícies duras (mármore, vidro, cerâmica, entre outros). Estudar inscrições me interessou muito já que poderia juntar dois aspectos do mundo romano que sempre me chamaram a atenção: a escrita latina e a cultura material. Assim, quando voltei ao Brasil, tinha em mente escrever uma tese sobre os gladiadores a partir de uma perspectiva pouco estudada. Ao invés de seguir pelo viés mais tradicional, considerando os textos dos eruditos romanos sobre os aspectos políticos lutas de gladiadores, a partir da cultura material, busquei explorar os aspectos culturais desse fenômeno. O estudo dos anfiteatros, suas plantas e estruturas, me surpreenderam pela diversidade de formas, tamanhos, de tecnologias variadas para sua construção, pelas hierarquias presentes nas arquibancadas, indicando que as lutas de gladiadores tinham importância e significados distintos nas diversas partes do Império. Por outro lado, a Epigrafia, em especial as inscrições de lápides funerárias de gladiadores e dos grafites de parede de Pompéia, abriram uma perspectiva pouco conhecida: a partir delas é possível entrar em contato com os gladiadores e seu universo por meio de suas próprias visões de mundo ou das pessoas comuns que os admiravam. Essas inscrições, mesmo que breves, fragmentadas e em latim vulgar, trazem mensagens

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dos próprios gladiadores, de seus amigos, parentes ou amantes e nos introduzem ao dia a dia de pessoas comuns, escravos, libertos ou livres, homens e mulheres que tornaram a gladiatura algo muito maior que os minutos de lutas no anfiteatro. Ao terminar a tese, que foi publicada pela Annablume e Fapesp em 2005 como Gladiadores na Roma Antiga, dos combates às paixões cotidianas, tinha apenas uma certeza, a de que gostaria de conhecer mais sobre as percepções de mundo das camadas populares e seguir estudando as inscrições de parede. Desde que me tornei docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2004, sigo por esse caminho que, a cada dia me surpreende mais pela sua diversidade e possibilidade de ter acesso a vida de pessoas que nem sempre estão presente nos livros de História de Roma. Para poder seguir nesse caminho, acabei montando uma estratégia, pois embora haja cultura material romana em alguns museus brasileiros, o acesso às inscrições de parede de Pompéia é mais restrito. Assim, basicamente trabalho com material já publicado, sejam os livros publicados no exterior como o CIL – Corpus Inscriptionum Latinarum. O CIL é uma publicação organizada desde o século XIX na qual é possível encontrar todas as inscrições coletadas no mundo romano até os dias de hoje e está disponível para consulta na biblioteca do IFCH/UNICAMP. Esta coleção é imprescindível para o acesso aos grafites de parede encontrados na península itálica, em especial os de Pompéia. Atrelado ao estudo das inscrições e da teoria arqueológica, procuro ir sempre que possível a Europa para participar de congressos e pesquisas de campo. Com isso, o contato e apoio dos arqueólogos e colegas europeus é fundamental. Atualmente estou desenvolvendo uma pesquisa intitulada Arqueologia e História: a busca por um diálogo. Nesse projeto, a idéia central partiu das experiências de congressos e seminá-

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rios da WAC (World Archaeological Congress), organização internacional que trabalha a partir de uma perspectiva crítica ao papel do arqueólogo e sua responsabilidade política e social ao construir interpretações sobre o passado a partir de escavações. O projeto tem uma base que é comum da minha formação, o estudo das camadas populares romanas a partir das inscrições de parede de Pompéia, mas apresenta preocupações teóricas que implicam em pensar como o/a arqueólogo/a seleciona o material a ser estudado, qual a relação de sua interpretação com o presente em que vive, quais histórias de vida está narrando, enfim, busco enfocar a cultura material em geral e os grafites parietais em específico para indicar a diversidade de possibilidades de vidas durante o início do império romano, suas ambiguidades e os conflitos. Para desenvolver essa pesquisa, minha estada na Universidade de Birmingham, Inglaterra, entre 2008 e 2009 com apoio da British Academy, foi muito importante. Lá pude trabalhar com o professor Ray Laurence, estudioso de Pompéia e Greg Woolf, estudioso de Epigrafia romana, e aprofundar meus estudos sobre as inscrições de parede de Pompéia e sua importância na formação de diversas formas de identidade entre os romanos. A partir das pesquisas e conversas com o professor Laurence passamos a desenvolver trabalhos em conjunto, em especial um estudo mais aprofundado dos tipos de grafites e sua localização na cidade. Como durante essa ocasião tive acesso a estudos recentes sobre Epigrafia e teoria arqueológica, pude me aprofundar mais no contexto arqueológico das paredes de Pompéia e como era um importante meio de comunicação entre os romanos. Com isso, tenho orientado trabalhos nessa área aqui no Brasil e buscado discutir sempre a importância da Arqueologia em geral e da Arqueologia Clássica em específico. Acredito que essa discussão seja muito importante também, pois se estudar história romana no Brasil já parece para

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muitos meio exótico, com arqueologia clássica o estranhamento aumenta. Assim, os que enveredam nesses caminhos sabem que as dificuldades são muitas, pois o material a ser estudado, em sua maioria se encontra fora do território nacional. Mas de todas as dificuldades de acesso, talvez a mais evidente seja a questão da língua. Embora hoje no Brasil haja muitos grupos de estudos que se dedicam ao mundo antigo e muitos colegas tem publicado seus trabalhos com bastante freqüência, para o trabalho com a Epigrafia, por exemplo, é preciso estudar o latim e, mesmo que as Universidades tenham a disciplina na grade do curso de Letras, nem sempre é possível cursar a disciplina. Na maioria das vezes não há reserva de vagas para alunos de História ou choca com disciplinas obrigatórias, o que faz com que a pessoa tenha que se desdobrar para conseguir frequentar as aulas. Mas mesmo que a opção seja por um tema dentro da Arqueologia Clássica que, diretamente, não necessita do latim, o conhecimento das línguas modernas é imprescindível para que a pessoa possa se comunicar com colegas de outras partes do mundo ou ler suas publicações. É preciso ressaltar, também que, se a o estudo de línguas pareça uma desvantagem, quando a pessoa supera esses percalços seguramente descobrirá um universo muito rico: conhecendo o latim pode entender as representações que os romanos faziam deles mesmos e dominando idiomas estrangeiros pode perceber as diferentes formas de percepção acerca do mundo romano, ampliando sua visão de História e Arqueologia. Mesmo que a Arqueologia Clássica no Brasil seja um campo com poucos estudiosos, se compráramos com outros países, os problemas de acesso aos materiais bibliográficos mencionados podem ser superados hoje com mais facilidade. Com a internet é possível acessar sites de grupos de estudos das principais universidades brasileiras, o da Sociedade Brasileira

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de Estudos Clássicos e, também, muitos grupos estrangeiros. Além disso, muitos periódicos importantes encontram-se on line e alguns museus importantes disponibilizam parte de seus arquivos, sem contar as novas Revistas eletrônicas que tem surgido. Com um bom uso da tecnologia disponível e das diversas possibilidades de parcerias com estudiosos no Brasil e no exterior acredito que a Arqueologia Clássica possa se desenvolver mais em nossas academias. Encurtando as distâncias é possível fortalecer o diálogo e expandir o acesso do público a estudos mais especializados. Por fim, gostaria de comentar que, se no início me aproximei do mundo romano e da Arqueologia por curiosidade em descobrir como as pessoas viviam em outras épocas, hoje como profissional, tendo convivido com tantas pessoas distintas que transformaram minha maneira de encarar o passado, acredito que estudar Arqueologia Clássica é importante no âmbito da educação e para a formação da cidadania em nosso presente. Se pensarmos que, a partir da cultura material romana podemos encontrar uma variedade de formas de vida que incluem homens e mulheres das mais diferentes idades, origem étnica ou status social, podemos refletir sobre a diversidade de visões de mundo. Sob esse ponto de vista, é possível afirmar que a Arqueologia ajuda a pensar sobre a diversidade e a compreendermos o mundo de maneira menos excludente, ajudando a multiplicar a percepção de sensibilidades e formas de viver. E creio que essa possa ser uma grande contribuição dos estudiosos brasileiros. Se considerarmos que vivemos em um país assolado pela desigualdade social, ao repensarmos o mundo romano a partir das pessoas comuns em seu dia a dia, focando em passados que são sistematicamente excluídos dos livros didáticos, é possível abrir espaço para narrativas alternativas de vidas. Ao compreender que História de Roma não se restringe

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aos imperadores ou aos seus feitos, cria-se um espaço para uma abordagem de crítica social no passado e no presente e multiplica-se os temas de estudos. Há, então, muito trabalho a ser feito e os obstáculos podem se transformar em desafios na busca por novas maneiras de se pensar o passado romano e o presente brasileiro.

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11. Experiências e perspectivas de um arqueólogo clássico em contexto brasileiro

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Minha opção pela Arqueologia foi, mesmo que involuntariamente, resultado de um verdadeiro processo de escavação. No início, quando ainda bastante jovem e envolvido pelo contexto da agricultura, ramo de trabalho de meu pai, havia pensado primeiramente em ser engenheiro agrônomo. Como preparação para essa carreira, fiz Colégio Técnico Agrícola (1982-1984); todavia, ao longo desse percurso, interessei-me por religião e acabei cursando Teologia (1985-1988). A escolha e o objetivo estavam claros e pareciam, nesse momento, irrevogáveis. A Arqueologia apareceu-me logo no primeiro ano, em 1985, com a disciplina História e Geografia da Bíblia, ministrada pelo reverendo Orlando Venâncio. Parte do conteúdo referia-se à História de Israel, que era abordada com ênfases diferentes no que se referia à conjugação da Bíblia, o texto, com a Arqueologia, os artefatos. De um lado, a História de Israel de John Bright (São Paulo, 1981) priorizava o texto em

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detrimento dos dados arqueológicos, utilizados somente na medida em que o elucidava; de outro lado, a de Martin Noth (Barcelona, 1966) contrapunha a história narrada pelos textos à evidência arqueológica, rejeitando as informações textuais em caso de contradição. Esses dois exegetas estavam filiados, enquanto historiadores do Israel antigo, a arqueólogos do mundo bíblico. O primeiro ligava-se a Willian Foxwell Albright e segundo a Albrecht Alt. A leitura de suas obras deu-se naturalmente. De Albright, li The Archaeology of Palestine and the Bible (New York, 1932) e From the Stone Age to Christianity (Baltimore, 1940); de Alt, li, posteriormente, sua coletânea Terra Prometida: ensaios sobre a história do povo de Israel (São Leopoldo, 1987). Eram duas “Escolas” historiográficas, a americana de Albright-Bright e a alemã de Alt-Noth, às quais eu não tinha necessidade de tomar posição; pois, a Arqueologia estava na condição de uma “ciência auxiliar” da Exegese Bíblica, meu verdadeiro interesse. As coisas começaram a mudar quando, em 1992, torneime professor de Exegese no Seminário Presbiteriano do Sul. Necessários faziam-se, agora, tornar expressos os posicionamentos, sobretudo no que se referia à metodologia exegética. Desde a faculdade, trabalhava com o método histórico-crítico, utilizando-o na exegese apresentada para a conclusão do curso de teologia (1988), intitulada O hino cristão primitivo da carta de Paulo aos Filipeneses (2,6-11). Trata-se de um método histórico por situar os textos bíblicos na História e crítico por submetê-los aos critérios de análise aplicados por outras disciplinas, como a filologia, aos textos em geral. Ao ingressar no mestrado em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo, em 1994, essa mudança ganharia forma mais definida e consistência. Se o curso como um

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todo daria embasamento e legitimidade à abordagem histórica da Bíblia, foi uma disciplina em particular que chamou mais atenção para a Arqueologia. Ministrada no segundo semestre de 1995 por Milton Schwantes, História e Cultura do Antigo Oriente retomava a História de Israel, mas agora sob um novo enfoque. A Arqueologia deixava sua condição de auxiliar para ganhar um estatuto próprio. Não se tratava mais de escolher entre uma ou outra escola qualquer. Tanto a Exegese quanto a Arqueologia estavam inscritas em contextos ideológicos que dificultavam os posicionamentos, exigindo enorme esforço de discernimento. No caso específico das Origens do Israel antigo, apesar de as pesquisas serem efetuadas conforme os ditames acadêmicos da Arqueologia, as opiniões mantinham-se divergentes e mesmo contraditórias. Amihai Mazar (Archaeology of the Land of the Bible. New York, 1990) argumenta que, mesmo levada a sério, a Arqueologia não desmerece, ao menos no essencial, os relatos bíblicos. Israel Finkelstein (The Archaeology of the Israelite Settlement. Jerusalem, 1988), ao contrário, entende que os textos bíblicos apresentam uma versão da formação de Israel que não se coaduna inteiramente à história reconstruída a partir dos vestígios arqueológicos. Seja como for, o problema maior dessa polêmica residia nos engajamentos políticos de cada um desses arqueólogos, que afetavam suas pesquisas. À parte dos problemas ideológicos, a essa altura a Arqueologia tornou-se para mim a melhor maneira de lidar com as questões históricas. Entretanto, não posso dizer que, a partir de então, tornei-me arqueólogo; isso só começou a acontecer quando ingressei no curso de História, em 2001, na Universidade Estadual de Campinas. Meu interesse pela Arqueologia é devido a Pedro Paulo Abreu Funari, professor titular do Departamento de História

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do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Logo no primeiro semestre, no curso de História Antiga, ele nos pôs em contato com a Arqueologia Clássica. Ao mesmo tempo em que argumentava poder e dever o historiador lançar mão das fontes materiais, ou arqueológicas, enfatizava que para serem essas fontes adequadamente utilizadas, necessário se fazia o historiador ter alguns conhecimentos sobre o que é a Arqueologia, como pensa e atua o arqueólogo e sobre suas formas de pesquisa. Necessidade que nos foi plenamente suprida, tanto por suas aulas, quanto pelas leituras feitas, principalmente a de seu livro Arqueologia (São Paulo, 1988). Foi nesse contexto, também, que me deparei, pela primeira vez, com o tema do qual me ocupo atualmente, o estudo iconográfico da cerâmica grega. Responsável por um seminário baseado em seu livro Antiguidade Clássica: a história a partir dos documentos (Campinas, 1995), apresentei um lécito de fundo branco produzido na Ática pelo Pintor de Aquiles, um dos documentos do capítulo “Expressões”, e acabei me interessando por esse campo da Arqueologia Clássica. O processo de escavação ao qual me referi no início estava, então, em seu estrato mais profundo e decisivo. Se havia ingressado em um curso de História porque estava mais próximo de minha experiência anterior, ou seja, a de um exegeta que trabalhava com uma abordagem histórica dos textos bíblicos, o interesse inicial de ser historiador fora substituído pelo de ser arqueólogo. Ao término da graduação em 2003, que concluí com uma monografia orientada pelo professor Funari intitulada A mulher e a guerra na Atenas do período arcaico: sua representação na iconografia de Ájax carregando Aquiles nos vasos em figuras negras, decidi fazer doutorado em Arqueologia no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Formado

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nessa instituição e com relações com ela, o professor Funari me pôs em contato com Haiganuch Sarian, professora de Arqueologia Clássica do programa de Pós-Graduação em Arqueologia, que prontamente aceitou ser minha orientadora. Entre agosto de 2004 e dezembro de 2008, ela dedicou toda atenção e cuidado na orientação, e não poupou esforços para que eu tivesse as oportunidades e as condições necessárias para a boa realização de minha pesquisa sobre A guerra de Tróia no imaginário ateniense: sua representação nos vasos áticos dos séculos VI-V a.C. São esses dois professores detentores de verdadeira erudição e de renome internacional que constituem minhas referências principais. A maioria dos textos que li e das pessoas que conheci, aconteceu por meio deles. Na época da graduação, o professor Funari recomendou-me dois livros que, além de se tornarem fundamentais, remeteriam a uma infinidade de outras leituras, a saber, os de Bruce G. Trigger (A History of Archaeological Thought. Cambridge, 1989) e de Michael Shanks (Classical Archaeology of Greece. London, 1997). No segundo semestre de 2001, Funari ofereceu, com a colaboração de André Leonardo Chevitaresse, professor de História Antiga na Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma disciplina optativa (Tópicos Especiais em História) voltada para a Arqueologia Grega. Foi nessa ocasião que o professor Chevitaresse me presenteou seu livro O espaço rural da pólis grega: o caso ateniense no período clássico (Rio de Janeiro, 2001), um modelo de trabalho arqueológico para mim. Posteriormente, outras duas disciplinas dessa natureza foram oferecidas em parcerias com José Remesal, catedrático de História Antiga na Universidade de Barcelona, Espanha, e com Lourdes S. Dominguez, pesquisadora da Oficina do Historiador da cidade de Havana, Cuba; arqueólogos com os quais muito aprendi.

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A convivência com pós-graduandos orientados por Funari, que pesquisavam na área de Arqueologia, foi, também, bastante enriquecedora. Além dos laços de amizade estabelecidos, contribuíram para minha formação Renata Senna Garrafoni, Andrés Zarankin, Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa e Marina Regis Cavicchioli; todos, atualmente, professores universitários. Durante o doutorado, perdurou o contato com Funari, que, com a colaboração de Zaranki, ministrou, no programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, a disciplina Perspectivas Atuais da Arqueologia Histórica. As leituras e discussões de vários capítulos do livro organizado por ele, Martin Hall e Siân Jones (Historical Archaeology: Back from the Edge. London, 1999) foram essenciais para a compreensão da Arqueologia Histórica, pois mostraram que a disciplina passa a ser amplamente entendida como o estudo dos vestígios materiais de sociedades com documentação escrita e que seu campo de atuação rompe as barreiras da América Colonial rumo a todas as épocas visadas pela Arqueologia, inclusa aí a Arqueologia Clássica. Como essa mudança implica questões teóricas e metodológicas que afetam as relações entre Arqueologia e História e entre vestígios materiais e documentação escrita, concluí a disciplina com o trabalho Arqueologia e História, vestígios materiais e documentação escrita na Arqueologia Histórica da Grécia antiga; hoje publicado em livro organizado por Funari e Everson Paulo Fogolari (Estudos de Arqueologia Histórica. Erechim, 2005). A consolidação e o acabamento de minha formação de arqueólogo clássico vieram de Haiganuch Sarian. Especialista em Arqueologia da Imagem, Sarian ensinou-me os fundamentos dos estudos iconográficos dos vasos gregos, compartilhando

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seu vasto conhecimento e incentivando a leitura de autores essenciais como John Davidson Beazley e John Boardman entre tantos outros. Colaboradora do Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae, do Thesaurus Cultus et Rituum Antiquorum e do Corpus Vasorum Antiquorum, para o qual prepara o fascículo dos acervos de museus e instituições de São Paulo, mostrou como essas obras se constituem em referências obrigatórias para o trabalho arqueológico com iconografia. Por razões de força maior, ela não pode oferecer disciplinas na pós-graduação durante o período em estudei, mas trouxe em contrapartida arqueólogos franceses de renome para ministrarem cursos, como Dominique Mulliez, diretor da École Française d’Athènes (Epigrafia grega: as inscrições de Delfos) e Marie-Fraçoise Billot, pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique da França, (Arquitetura e civilização: santuários pan-helênicos e cidades gregas). Esses cursos, além do conteúdo de alto nível, pois resultavam das pesquisas de ponta de cada um, abriram inúmeras portas para o exterior. Com a mediação da professora Sarian, realizei, em julho-agosto de 2006, estágio de pesquisa (Doutorado sanduíche – CAPES) na Escola Francesa em Atenas, na Grécia, co-orientado por Mulliez, que facilitou em tudo minha pesquisa, dando livre acesso à Biblioteca da EFA, bem como aos museus e a outras instituições acadêmicas. Em parte do estágio, participei, como colaborador, da escavação arqueológica da professora Sarian no Heraion de Delos, na Grécia. Em 2004, eu já havia colaborado com ela na Reserva Técnica do Museu Arqueológico de Delos, fazendo análise cerâmica e iconográfica de vasos gregos, do período geométrico ao helenístico, referentes às escavações do Heraion, realizadas por Pierre Roussel, Paul Bernard, Jean Ducat e pela própria Sarian. Estas estadias no exterior possibilitaram, além

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do conhecimento in loco de sítios arqueológicos gregos, a exemplo da Acrópole, Ágora e Pnix de Atenas, e dos santuários de Delos e de Delfos, o contato pessoal com importantes pesquisadores da área, como Yvon Garlan, Anne Jacquemin, Roland Étienne, Francis Prost, que muito me instruíram. Esses dois últimos, juntamente com Christel Müller, são autores da obra Archéologie historique de la Grèce antique (Paris, 2000), a qual tenho como uma espécie de “livro de cabeceira”. Em 2004, Sarian promoveu a realização, no Brasil, do XII Congresso da Federação Internacional das Associações de Estudos Clássicos (FIEC), uma oportunidade de contatos pessoais com grandes nomes da Arqueologia Clássica. Arranjou, nesse sentido, encontros de orientação para seus alunos conforme seus temas de pesquisa. Pude, então, expor minha pesquisa e conversar conjuntamente com Harvey Alan Shapiro, François Lissarrague, Jan Bazănt e Roland Étienne. Como François Lissarrague, especialista em iconografia grega, demonstrou interesse por minha pesquisa, Sarian me incentivou a fazer um estágio com ele; o que aconteceu cerca de um ano depois, entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006, no Centre Louis Gernet, em Paris, França. Lissarrague tornouse meu co-orientador e meu principal interlocutor. Assistido por ele, tive o privilégio de trabalhar com significativa parte dos vasos de meu catálogo pertencentes aos acervos do Museu do Louvre e do Cabinet des Médailles da Biblioteca Nacional da França. Essa experiência não faz de mim um arqueólogo de campo, no sentido de atuar diretamente nas escavações. Meu trabalho consiste essencialmente em análise de acervos de museus. Entretanto, posso dizer que os aspectos teóricos e os procedimentos metodológicos são os mesmos que seriam aplicados na interpretação dos materiais escavados. Para isso

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evidenciar, apresento em breves linhas a perspectiva e a maneira como trabalho, as quais advêm em larga medida das obras de Funari, Sarian e Lissarrague. Em vários estudos, Funari (Arqueologia e patrimônio. Erechim, 2007) tem apontado as profundas transformações sofridas pela Arqueologia mundial nas últimas décadas. A disciplina, surgida no século XIX, caracterizou-se, por muito tempo, por abordagens elitistas e por um distanciamento da sociedade. Assentada nas certezas advindas da pesquisa de campo, empírica e descritiva, a Arqueologia parecia imune às transformações sociais e científicas. Todavia, o surgimento de movimentos e de conflitos sociais alterou essa condição. A Arqueologia experimentou, de maneira marcante, as mudanças ocorridas nas Ciências Humanas e Sociais. Nesse contexto, houve um distanciamento dos modelos explicativos, como o positivismo, que entendia a sociedade, a cultura etc., como realidades homogêneas, e passou-se a explicar essas mesmas realidades em suas contradições e contrastes. Outra mudança importante foi a passagem de uma análise puramente descritiva dos dados arqueológicos à necessidade, conjunta, da interpretação. Seguindo essas transformações, Funari (Cultura material e arqueologia histórica. Campinas, 1998) enfatiza a importância da relação entre a Arqueologia e a História na prática de uma Arqueologia Histórica na América do Sul. Por um lado, faz notar a existência de uma duradoura tradição que opõe Arqueologia e História, considerando a primeira “auxiliar” da segunda; atitude decorrida do fato de, na Europa, ter surgido a Arqueologia da Filologia, por meio da História, definida como uma disciplina com capacidade de propor interpretações às fontes utilizadas, como as fornecidas pela Arqueologia. Por outro lado, observa que, nos Estados Unidos, a Arqueologia

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seguiu por um caminho diferente, tendo sido considerada parte da Antropologia, onde, muitas vezes, foi relegada ao papel de coletora de dados a serem interpretados pelo antropólogo. Entretanto, ele destaca que há, nos estudos recentes, um consenso de que a Arqueologia é uma disciplina independente, intimamente relacionada com a História e com outras Ciências Sociais. Nesse sentido, salienta, em primeiro lugar, que a Arqueologia assume, progressivamente, uma orientação histórica, e que, na prática, a História e a Arqueologia convergem, pois arqueólogos e antropólogos almejam por uma ciência humana com fundamentação histórica, e os historiadores reconhecem que a investigações antropológica e arqueológica tornaram-se fundamentais para a História; e, em segundo lugar, que a História é um elemento vital para a interpretação arqueológica, e que os arqueólogos devem combinar o uso da cultura material com o estudo da documentação escrita. No campo mais específico do estudo iconográfico dos vasos áticos, Haiganuch Sarian (Arqueologia da imagem: aspectos teóricos e metodológicos na iconografia de Héstia. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, Suplemento 3. São Paulo, 1999) demonstra as mesmas preocupações no que se refere à maneira como a Arqueologia da Imagem reagiu a esse desenvolvimento. Inicialmente, ela mostra como a teoria arqueológica clássica, inovada e enriquecida pela Arqueologia Social e pela Arqueologia Pós-Processual, progrediu rumo a uma Arqueologia da Religião, abrindo caminho para importantes abordagens no campo da religião e do culto a partir de vestígios materiais. Em seguida, ressalta como o estudo das expressões figuradas do mito e da religião revela um grande avanço teórico e metodológico, passando da necessidade da adequação da imagem ao texto, do papel determinante nos atributos de que eram dotadas as representações, da unidade na

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iconografia clássica, justificando o estudo de filiação nas figurações, e da influência da grande arte sobre as artes menores, para a oposição entre tradição literária e tradição imagética no tocante à iconografia dos vasos áticos, e para a importância da imagem na compreensão das sociedades antigas. Essas novas perspectivas devem-se à especificidade dessa cultura material: não são objetos arqueológicos como quaisquer outros; eles são portadores de imagens. Assim sendo, Sarian entende que não se pode comparar e equiparar, de antemão, tradição textual e tradição imagética, pois são produtos com origem diferenciada, isto é, pela diversidade de técnicas, práticas intelectuais, contextos e grupos sociais envolvidos, e que, ao contrário da produção textual, que tem na origem de sua transmissão a escrita, a produção imagética, articulada e se unindo ao objeto, era transmitida por tradição oral; nesse sentido, ela destaca a existência da memória do artista-artesão. Os aspectos teóricos, ora expostos, estão, evidentemente, em pleno diálogo com as maneiras de pensar a Arqueologia, seja no Brasil, seja no exterior. O mesmo pode ser dito dos procedimentos metodológicos, que ilustro a partir de minha pesquisa de pós-doutoramento (Guerra e violência na Grécia antiga: um estudo das representações da Iliupérsis nos vasos áticos dos séculos VI-V a.C.), que desenvolvi, entre 2009 e 2011, na Universidade Estadual de Campinas, sob a supervisão do professor Funari. Na perspectiva da Arqueologia Histórica, examinei a relação entre guerra e violência na iconografia da Iliupérsis nos vasos áticos dos séculos VI-V a.C. e verifiquei como essas imagens estão organizadas e o que essa organização revela, com vistas a compreender a sociedade que as produziu. Partindo do pressuposto de que há uma relação entre imagens e sociedade, que as imagens são construções do imaginário social, permitin-

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do uma aproximação às representações mentais dos cidadãos, investiguei as representações dos atenienses sobre a guerra e suas sensibilidades à violência. Essa postura caminha de mãos dadas com a abordagem histórica, voltada para a relação entre imagem e história. Praticada alhures, tem em François Lissarrague um de seus principais formuladores. Segundo ele, “trata-se de partir das imagens e de analisá-las como os monumentos de uma cultura passada, produzidas por uma determinada sociedade, conforme seus gostos e sua ideologia” (L’autre guerrier: archers, peltastes, cavaliers dans l’imagerie attique. Paris; Rome, 1990). O caminho para atingir tal objetivo é o da seriação, que visa obter uma ordem conforme a semelhança ou dessemelhança, re-agrupando os objetos em conjuntos mais fortemente ligados. Assim, o re-agrupamento das imagens por séries permite tornarem manifestas as repetições, variantes, equivalências e substituições, que possibilitam, por sua vez, perceber as regras de organização dessas imagens, não somente do ponto de vista formal, mas, também, no que concerne ao conteúdo. No caso das imagens referentes à Iliupérsis, a seriação foi feita em torno das cenas de atos violentos, como Morte de Príamo, Mortes de Príamo e de Astíanax, Resgate de Helena, Rapto de Cassandra e Sacrifício de Políxena. Com o intuito de detectar o significado que os artesãos deram em suas representações desses atos, voltei minha atenção, primeiramente, para os esquemas iconográficos de cada uma das cenas, para, em seguida, verificar os personagens envolvidos, tanto os do grupo central, quanto os personagens secundários que o entornam. De fundamental importância para a compreensão dos personagens é a observação das posturas e dos gestos que realizam; pois, posturas e gestos são social e culturalmente codificados e, consequentemente, reveladores de representações e sensibilidades.

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A realização de tal empresa no Brasil é difícil, mas plenamente possível. Difícil porque estamos geograficamente distantes dos sítios arqueológicos, dos museus que detêm a maioria dos vasos e das grandes bibliotecas nas quais é acessível praticamente toda a bibliografia; possível porque dispomos de boas agências de fomento à pesquisa, que viabilizam viagens ao exterior. Somam-se a isso, as possibilidades, como as apontadas acima, que pesquisadores brasileiros com inserção internacional oferecem a seus alunos. À luz desse quadro, não posso ter outras expectativas acerca do futuro da Arqueologia Clássica no Brasil que não sejam boas. Nossas instituições universitárias têm, além da infra-estrutura necessária, corpo docente altamente qualificado, que impulsionam o crescimento e a consolidação da disciplina no país. Agradecimentos

Não seria necessário dizer, pois penso ter deixado clara minha dívida para com elas, mas agradeço formalmente a todas as pessoas acima mencionadas. O depoimento é de minha inteira responsabilidade.

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12. Um percurso entre textos e artefatos

Julio Cesar Magalhães de Oliveira

“A História”, já o dizia Lucien Febvre, “faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem”. Mas se, como prosseguia o mesmo historiador, “tudo o que, pertencendo ao homem, depepende do homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”, não há por que ignorar o testemunho das fontes não-escritas, mesmo quando os documentos escritos existem. O alargamento da noção de documento advogado por Febvre tornou-se, de fato, no discurso historiográfico um tema constante, sobretudo a partir dos anos 1960. Na prática, porém, a atenção dedicada pelos historiadores à cultura material continua a ser bastante minoritária. É verdade que os antiquistas, se comparados aos estudiosos de períodos mais recentes, talvez estejam mais habituados a não descartarem de seu horizonte a diversidade de documentos que nos permitem construir um conhecimento

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sobre o passado. Mesmo no estudo da Antiguidade, porém, a importância dos vestígios materiais, enquanto fontes de informação independentes dos textos, nem sempre é reconhecida ou nem sempre se traduz em uma prática de pesquisa efetiva, que não se contente em aceitar as interpretações dos arqueólogos como dados inquestionáveis ou em apenas complementar as lacunas da documentação escrita, a única de fato submetida ao exame crítico do historiador. É essa prática investigativa, na confluência entre a cultura material e a tradição textual, que pretendi desenvolver há alguns anos em minhas próprias pesquisas e é ela que explica que, para mim, a Arqueologia Clássica tenha mais do que um interesse incidental no exercício de minha profissão de historiador. Em retrospectiva, parece-me claro que essa atenção para a diversidade documental e para a importância dos questionamentos que apenas os vestígios materiais nos permitem colocar deriva, antes de tudo, da influência do professor Pedro Paulo Funari, que orientou minhas pesquisas na graduação e no mestrado. No entanto, em meus primeiros anos como aluno do curso de História na Universidade Estadual de Campinas, quando começava um projeto de pesquisa sobre a pobreza na Antiguidade Tardia, a partir dos textos de Santo Agostinho, era antes o autor da Cultura Popular na Antiguidade Clássica que me havia servido de inspiração, por sua análise dos textos inscritos nas paredes de Pompeia e pelo universo de concepções populares que ele me revelava. Só muito mais tarde é que vim a reconhecer a importância histórica de outros de seus estudos, como o Britannia y el Mediterráneo (escrito em parceria com César Carreras), ao descobrir, para além do vocabulário técnico e do longo catálogo de selos anforários, uma hipótese instigante sobre as razões da distribuição majoritária do azeite bético na Britânia nas proximidades dos acampamentos militares

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romanos. Só então percebi como o estudo da distribuição de artefatos podia conduzir não apenas a uma abordagem econômica e política (no caso, sobre a redistribuição controlada pelo Estado romano), mas também a uma perspectiva antropológica (demonstrada, nesse contexto específico, na importância cultural para soldados provenientes do Mediterrâneo do acesso, mesmo no extremo norte do Império, a esse símbolo essencial da vida meridional que era o azeite). Na verdade, creio que a relevância do estudo da cultura material para o historiador só se tenha se tornado clara para mim a partir do mestrado, com as discussões suscitadas pelo professor Funari em sua disciplina sobre a Arqueologia Histórica. E no entanto, mesmo então, eu não soubera articular minha própria pesquisa a essas preocupações. Isso porque, no momento em que começava a abandonar o tema da pobreza por aquele da ação coletiva popular, eu não havia ainda levado às últimas consequências o projeto de historiadores sociais como Georges Lefebvre e E. P. Thompson de romper com aquilo que este último chamou de “uma visão espasmódica da história popular”. Hoje entendo que, para pensar de outro modo a ação coletiva, é preciso recolocá-la no contexto mais amplo da vida popular e adotar uma abordagem decididamente “continuísta”, associando a rebelião ocasional às experiências do quotidiano. Naquele momento, porém, a Arqueologia parecia-me abrir apenas o horizonte da longue durée e das “estruturas”, ao passo que, ao estudar a ação social, parecia-me que, por força, teria de resignar-me à leitura de “relatos”. Essa (falsa) oposição só foi superada no momento em que começava a preparar minha pesquisa de doutoramento na Universidade de Paris X Nanterre, na França, sobre a plebe urbana na África Romana tardia. A estreita vinculação entre História e Arqueologia do mundo antigo no programa de doutorado

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daquela Universidade, as condições de trabalho na Maison d’Archéologie et d’Etnologie René Ginouvès e o diálogo constante com colegas arqueólogos foram, por certo, elementos que favoreceram o direcionamento de minha pesquisa para um diálogo mais estreito entre tradição textual e cultura material. No entanto, foram também as exigências internas de minha pesquisa, a preocupação de relacionar as formas de participação popular e de ação coletiva às experiências formativas da vida plebeia, que reorientaram em definitivo a minha trajetória. A Arqueologia permitiu-me, em primeiro lugar, escapar ao “senso comum acadêmico” (para usar a expressão de Pierre Bourdieu) em que se converteu a visão finleyana sobre a sociedade romana, como uma sociedade estável, fundada na preeminência das relações verticais e consolidada pelos laços paternalistas do compadrio, visão essa que implicava uma concepção da ação popular no melhor dos casos como mera ruptura da normalidade e, no pior, como expressão mesma dos interesses aristocráticos, que atuavam através das linhas de comando de suas redes de clientela. As bases dessa concepção estavam assentadas no modelo weberiano da cidade consumidora e improdutiva, sugadora do campo e dependente dos “grandes consumidores” aristocráticos. No entanto, esse era um modelo que os trabalhos arqueológicos sobre a economia romana, em geral, e sobre a produção urbana, em particular, haviam há muito começado a solapar e eu me perguntava então, justamente, por que essa revisão não poderia ser estendida também às consequências sociais do modelo. Por outro lado, a Arqueologia também me permitiria, através do estudo do contexto urbano e dos espaços de trabalho, de habitação e de sociabilidade populares, chegar a uma visão mais concreta daqueles grupos que compunham o que as fontes textuais designavam como os pauperes, o populus ou a multitudo.

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Para que esse projeto se concretizasse, entretanto, era preciso conceber os vestígios materiais da produção urbana e os restos dos bairros e das habitações de artesãos e comerciantes não apenas como vestígios de uma atividade econômica ou expressão da organização urbana, mas também como indícios de práticas sociais. Foi Elizabeth Fentress, professora da American Academy, quem, durante meus estágios de pesquisa em Roma, fez-me ver para além dos artefatos, os homens que os utilizaram. Arqueóloga conhecedora da história e da antropologia do Magreb, tendo desenvolvido durante anos trabalhos de pesquisa arqueológica na Argélia e na Tunisia, Fentress fez muito mais do que me interessar pelos resultados de uma campanha inovadora de prospecções extensivas e escavações pontuais em uma perspectiva diacrônica, como a que ela mesma havia recentemente conduzido na ilha de Jerba. Ensinou-me também a adotar uma abordagem antropológica e comparativa, sobretudo para a interpretação das oficinas e dos bairros de artesãos que eu estudava (a exemplo do que faz David Peacock, de maneira para mim exemplar, no seu Pottery in the Roman World: an Ethnoarchaeological Approach), formulando hipóteses de trabalho e modelos interpretativos a partir de situações similares vivenciadas em períodos mais recentes e mais conhecidos, para posteriormente serem confrontados à documentação antiga. Foi essa abordagem ao mesmo tempo arqueológica, antropológica e histórica que me permitiu não apenas sublinhar a importância do desenvolvimento do artesanato paralelo ao crescimento das cidades africanas do período imperial, mas também notar as relações de cooperação e de solidariedade horizontal tão evidentes nesse meio artesanal. Abordagens como essa inserem-se bem nas discussões recentes no âmbito da Arqueologia Histórica, pelas reflexões que suscitam sobre as relações entre textos e artefatos. Com

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efeito, nas últimas décadas, arqueólogos e historiadores têm ressaltado a importância não apenas de levarmos em conta as condições específicas em que cada tipo de fonte foi produzido, mas também de considerarmos a possibilidade de utilizar os documentos escritos para concretizar, ou desafiar, deduções tiradas do estudo da cultura material, e vice-versa. Meu próprio método de trabalho tem sido o de estabelecer entre a cultura material e os documentos escritos um diálogo capaz de iluminá-los mutuamente, ainda que cada grupo de fontes deva ser considerado, de início, de maneira independente. Nessa perspectiva, os documentos escritos poderiam ser usados não apenas para construir expectativas em relação aos registros materiais, mas também para testar modelos que elaboramos para interpretar os vestígios arqueológicos. Ao mesmo tempo, os registros materiais poderiam ser usados não apenas para complementar ou contradizer documentos escritos, mas também para iluminar certas práticas sociais que as fontes textuais muitas vezes ignoram ou deixam apenas implícitas por não considerá-las dignas de nota. De um modo geral, tanto no estudo do trabalho e das formas de sociabilidade populares urbanas a que me dediquei no doutorado, como mais recentemente no estudo das sociabilidades camponesas, meu primeiro passo tem sempre consistido em pensar as práticas sociais no espaço em que elas ocorrem. Questões como: em que consistia exatamente uma cidade portuária na África romana? onde e como viviam os trabalhadores, artesãos e pequenos comerciantes dessas cidades? ou: em que consistia um vilarejo na mesma região? implicam todas uma concepção do espaço que apenas uma abordagem arqueológica e comparativa nos permite formular com precisão. Mas do espaço, cabe sempre chegar às práticas. Assim, questões sobre as relações de trabalho, de cooperação e de sociabilida-

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de efetivamente tecidas por artesãos ou camponeses podem tanto ser colocadas pela comparação etnográfica, iluminadas pelas fontes textuais, como deduzidas dos próprios vestígios materiais. Muitas vezes, uma dedução retirada unicamente da cultura material (ou baseada em uma hipótese formulada pela comparação etnográfica) encontra uma concretude particular ao ser confrontada a um texto literário contemporâneo dos vestígios materiais. Outras vezes, é o conhecimento prévio dos dados consolidados da pesquisa arqueológica que nos permite iluminar um texto que apenas aludia, sem mencionar, as realidades que a cultura material haviam tornado para nós evidentes. A reflexão mais aprofundada sobre a natureza do conhecimento que produzimos a partir de diferentes tipos de fontes, desenvolvida atualmente por arqueólogos e historiadores em algumas universidades brasileiras, constitui uma das condições mais favoráveis para um jovem pesquisador que pretenda se dedicar à Arqueologia Clássica no Brasil. Não há dúvida sobre a qualidade da reflexão teórica desenvolvida por um número crescente de nossos profissionais, o que certamente se refletirá na formação de novos historiadores-arqueólogos abertos à interdisciplinaridade e capazes de contribuir de forma significativa para o desenvolvimento dos estudos clássicos no Brasil e no mundo. Há, porém, que se ressaltar as dificuldades que ainda persistem. O tratamento da arqueologia por parte de muitos classicistas brasileiros nem sempre ultrapassa as abordagens mais descritivas, pouco afeitas à reflexão inspirada pela teoria social. Os centros formadores que permitem uma especialização voltada para a arqueologia em programas de mestrado e doutorado são ainda pouco numerosos e poucas são as bibliotecas universitárias que possibilitam ao estudante o acesso às publicações arqueológicas sobre o mundo antigo. Além disso, há que se ressaltar a distância natural em relação

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aos sítios do Mediterrâneo. Todas essas dificuldades podem ser, em parte, sanadas pela prática dos estágios de pesquisa durante a pós-graduação ou mesmo pela participação eventual, desde a graduação, em campanhas de prospecção ou escavação de sítios antigos. O acesso às bibliotecas dos centros consolidados de pesquisa sobre o mundo antigo e o conhecimento sur place de um sítio arqueolólogico antigo constituem experiências únicas e instigantes. Esse é o caso mesmo de sítios que não constituem propriamente o objeto de nossos estudos. Lembro-me, por exemplo, de todos os insights que me proporcionaram as visitas aos sítios de Óstia (na Itália), Barcelona (na Espanha) e Udna (na Tunísia) que nunca estudei, mas que me fizeram vislumbrar mais do que quaisquer outros a história de uma cidade na sua longa duração e as condições precisas da implantação dos artesãos em seu tecido urbano. O desenvolvimento da Arqueologia Clássica no Brasil parece-me, portanto, promissor. De meu ponto de vista, porém, sua consolidação depende não apenas do desenvolvimento de nossos centros de excelência, mas também da expansão nas demais universidades brasileiras, e em particular nos departamentos de História, do número de profissionais que reflitam sobre a necessidade do diálogo interdisciplinar e da importância da diversidade documental para a construção de todo conhecimento histórico. A importância da Arqueologia Clássica brasileira residiria assim não apenas na contribuição original que ela certamente deve oferecer à ciência universal, mas também no papel exemplar que ela tem a desempenhar em nosso próprios modos de refletir sobre o passado.

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13. História antiga e arqueologia no Brasil

Airton Pollini

O

que motivou sua

“ opção ”

por essa área de trabalho /

pesquisa?

Em primeiro lugar, só se escolhe estudar e trabalhar com história antiga e arqueologia no Brasil por paixão, por um interesse visceral que nos faz devorar livros e mais livros a respeito, antes mesmo de qualquer possibilidade real de se orientar nessa direção. Ainda estava no ginásio quando tive minhas primeiras aulas sobre história antiga e, desde os 12 anos, pedia para meus pais livros de informação sobre os Gregos, os Romanos, os Egípcios... E tudo isso, antes mesmo de assistir aos filmes de Indiana Jones. Foi um interesse genuíno, despertado bem cedo. Quais as circunstâncias de seu ingresso na área?

Foram bastante tortuosas. Quando deveria optar por um curso superior, fui desencorajado por todas as pessoas com as

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quais conversava. É opinião praticamente unânime que um brasileiro de classe média, sem recursos extravagantes, tem que pensar em seu futuro e não pode se dar o luxo de estudar arqueologia, sobretudo arqueologia clássica. Eu deveria ter um emprego normal e bem remunerado para poder fazer um pouco de arqueologia, ou pelo menos algumas viagens, na forma de hobby, durante as férias. Foi exatamente o que fiz assim que pude. Estava cursando um mestrado de História econômica, com uma dissertação sobre desenvolvimento econômico, quando fui participar de um curso de verão sobre técnicas da arqueologia nos Estados Unidos. Depois de seis semanas de aprendizado teórico e prático, decidi-me por me dedicar à arqueologia, não importa o que custasse. Foi assim que comecei a seguir as aulas de história antiga oferecidas na Unicamp. O prof. Pedro Paulo Funari me permitiu seguir suas aulas do mestrado, mesmo sem nenhuma preparação prévia de minha parte, foi um grande incentivo. Um ano mais tarde, eu pude ir a Paris consultar arquivos e bibliotecas para terminar minha dissertação sobre desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, seguia cursos de arqueologia clássica na Universidade de Paris 10 – Nanterre. Lá conheci a profa. Agnès Rouveret que aceitou me orientar. Inscrevi-me então no mestrado de arqueologia em Paris e defendi o mestrado de história econômica no Brasil com apenas 3 meses de diferença. Desde então, dedico-me integralmente à arqueologia clássica e à história antiga, tendo defendido doutorado em 2008, depois de mais de 6 anos de pesquisas. Quais as principais referências (textos e pessoas)?

Em primeiro lugar, devo muito à confiança que meus professores depositaram em mim, em particular Pedro Paulo

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Funari e Agnès Rouveret. Era uma aposta arriscada incentivar um aluno com pouquíssimo preparo especializado nas áreas de arqueologia e história antiga a seguir esses estudos. Em seguida, minha formação foi uma espécie de corrida contra o tempo para preencher as lacunas da falta de uma formação formal. Nesse sentido, ao mesmo tempo que pesquisava os aspectos específicos da civilização grega nas colônias do sul da Itália, meu tema de estudos, também estudava alguns dos grandes temas da arqueologia clássica e da história antiga. Nisso, minha formação na Unicamp me ajudou enormemente: os aspectos teóricos e historiográficos de qualquer disciplina sempre foram enfatizados. Nesse sentido, o que mais marcou minhas referências intelectuais, paradoxalmente, foi minha formação em economia e história econômica, sobretudo as interpretações de caráter global da história do Brasil, com uma abordagem marcadamente marxista. Aprendi a pensar na Unicamp e devo isso a todos meus professores do Instituto de Economia, principalmente minha orientadora, profa. Lígia Osorio Silva. A figura intelectual mais marcante da minha formação foi assim Fernando Novais, que tive o grande prazer de ter como professor. Quais são os seus procedimentos de trabalho/pesquisa?

Minha dupla formação disciplinar, mas também em duas escolas de pensamento diferentes, uma no Brasil, outra na França, me faz trabalhar sobre dois aspectos em paralelo. Na França, a tradição dos estudos clássicos é muito atenta ao estudo das fontes: todos os professores dizem que se deve partir das fontes, dos textos antigos, dos resultados da pesquisa arqueológica. Ao contrário, no Brasil, parte-se de uma visão teórica, de uma abordagem metodológica e conceptual, para depois analisar

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as fontes. Por um lado, enfatiza-se o lado empírico, a maior quantidade de dados possível, por outro, uma interpretação que é apoiada a partir de alguns casos particulares. No meu caso, tento fazer as duas coisas em paralelo, o que é geralmente muito mais difícil. Em relação aos meus colegas franceses, insisto muito mais nos aspectos teóricos e conceptuais, que são em geral deixados um pouco de lado nos estudos clássicos. Em relação aos colegas brasileiros, tenho a vantagem de ter acesso muito mais facilmente às fontes e posso assim abranger um “corpus” documentário geralmente mais abrangente. Qual/quais

seu(s) projeto(s) de pesquisa?

com o que vem sendo feito no

Como se relacionam Brasil e/ou no exterior?

Estudo as colônias gregas do sul da Itália. Tenho dois objetos de estudo. Por um lado, participo do trabalho coletivo da escavação do santuário meridional de Poseidonia-Paestum, com a respectiva publicação (em preparação). É um trabalho de campo, em contato direto com os vestígios da cidade antiga, fundada pelos Gregos em 600 a.C., conquistada por uma população itálica no final do século Vº, depois integrada à Roma em 273 a.C. Por outro lado, o trabalho individual que constituiu minha tese de doutorado sobre a fronteira das cidades coloniais gregas no sul da Itália. Se o trabalho de campo deve ser o mais objetivo e descritivo possível, o trabalho de síntese permite a integração de fontes primárias e de conceitos teóricos, como citei logo acima. Nesse sentido, tento tirar proveito, ao mesmo tempo, das perspectivas de estudos feitos no Brasil e na Europa, na França e Itália em particular. Leio as referências bibliográficas francesas, italianas e em língua inglesa, e tento me manter a par do que se publica e de como se estuda a história antiga e a arqueologia clássica no Brasil.

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Quais as condições favoráveis e desfavoráveis de um jovem pesquisador no Brasil?

As condições desfavoráveis são muitas e conhecidas: dificuldade de acesso às fontes, a boas bibliotecas, à pesquisa de campo, assim como uma formação no segundo grau que não predispõe o estudante a se interessar pelos estudos clássicos. Penso principalmente à inexistência de cursos de latim e grego antigo: a maioria dos especialistas europeus em história antiga e arqueologia clássica estudam o grego antigo e o latim desde o ginásio ou pelo menos desde o colegial. Tornar-se bom latinista ou helenista no Brasil é um grande desafio. Em compensação, diz-se muito pouco das grandes vantagens dos estudantes brasileiros. Não se deve esquecer o ponto de partida: as universidades públicas brasileiras têm um ótimo nível de formação e são extremamente seletivas. Isso faz com que os Brasileiros que conseguem, a duras penas, cursar um doutorado são muito bem formados. Estamos muito mais acostumados a superar as adversidades e temos o hábito de estudar muito mais e de maneira mais eficaz que os Europeus que cursaram as universidades massificadas, sem seleção, com muitos alunos de nível bem baixo misturados aos bons alunos. O nível de exigência dos cursos de graduação das universidades públicas brasileiras é muito maior que os da maioria das universidades francesas ou italianas, que são as que conheço melhor. Em segundo lugar, no Brasil, não temos o peso da tradição, o que nos permite “pensar fora da caixa” (“think out of the box”, como diriam os anglófonos). Não temos alguns dos preconceitos teóricos transmitidos por anos de estudos, podemos ler autores que propõem interpretações opostas sem nos sentirmos pertencentes a uma interpretação que é dada por um tipo de tradição nacional, podemos mais facilmente utilizar e combi-

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nar pontos de vista que são, em princípio, desenvolvidos por tradições diferentes. Quais suas expectativas acerca do futuro da disciplina no Brasil?

Sou muito otimista. Nesses últimos anos, o Brasil tem investido muito em educação, inclusive universitária, apoiado pesquisas em todas as áreas, formado cada vez mais bacharéis, mestres e doutores. Enquanto isso, a Europa e mesmo os EUA estão num processo de redução de despesas, inclusive nas universidades e institutos de pesquisa. E essa diminuição se sente de forma mais forte nas disciplinas de ciências humanas, de estudos clássicos em particular. Há cada vez menos alunos estudando grego antigo, latim, história antiga e arqueologia clássica. Enquanto isso, o Brasil está em uma fase de expansão, de investimento e de criação de postos universitários. Acho que num futuro próximo haverá mais Brasileiros especialistas em estudos clássicos e arqueologia e a boa formação universitária brasileira produzirá ótimos especialistas. A única dificuldade que deve ser contornada é em relação ao acesso às fontes e aos estudos de campo. Para isso, é preciso incentivar colaborações internacionais.

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Vir a ser arqueólogo clássico no Brasil: uma errância ousada

Pedro Luís Machado Sanches

Identidade filosófica

Deixei Cuiabá e o Cerrado em 1995 porque ali não havia curso de Filosofia1. Aos 16 ou 17 anos de idade tinha cismado de estudar Filosofia nalguma universidade nordestina, o que para mim e para meus amigos significava estudar bastante, mas também significava estudar na praia. Vivendo à maior distância possível do mar no Continente Sul-Amenricano, conclui, não sei bem como, que o pensamento filosófico tinha alguma ligação insuspeita com as ondas do mar, ou com as marés2... Meu pai, professor de matemática na Federal do Mato Grosso, queria que eu fosse estudar na USP ou na UNICAMP, e me levou para passar as férias em Juqueí, no litoral de São Paulo. Lá, ele veio me dizer: -“Sei que não é o Nordeste, mas se vier 1 Atualmente há um curso de Filosofia na Universidade Federal do Mato Grosso, com o qual pude colaborar como professor substituto em 2004. 2 Só depois descobri que Tales de Mileto dizia que “a água é o princípio de todas as coisas” e que, por isso, “a terra repousa sobre a água” (apud Aristóteles, Metafísica, I, 3).

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estudar em São Paulo, pode passar os fins-de-semana aqui”. Concordei, entrei na USP, e nunca mais pus os pés em Juqueí. Os alunos de Filosofia da USP não faziam e penso que ainda não fazem nenhum tipo de trote, também não organizavam cerimônias de formatura, mas não deixavam, por isso, de ter seus próprios rituais. Um deles era uma espécie de batismo: quando o sujeito começava a estudar pra valer um filósofo, quando pegava a falar neste pensador o tempo todo, dedicavalhe uma iniciação científica e depois a pós-graduação, recebia como alcunha o nome de seu filósofo. Quem estudou comigo se lembra do Marcelo Nietszche, da Andréia Hume, do William Leibniz e do Marcão Platão (o Marcus estudava Merleau-Ponty e recebeu o apelido de brincadeira). Era mais ou menos um rito de passagem para uma condição social mais notória e, silenciosamente, havia quem desejasse ser enfim nomeado. Os anos passavam e eu continuava sendo só Pedro. Às vezes, Pedro do CRUSP3, o que não tinha possivelmente o mesmo efeito distintivo. Gostava de muitos dos textos que tinha que ler, mas não me agarrava a nada. Durante as aulas de ceticismo com o professor Oswaldo Porchat quase me decidi a virar Pedro Carnéades. O cético que viveu entre os séculos III e II a.C., embora tivesse sido considerado em sua época o maior filósofo desde Aristóteles4, não escreveu nenhuma linha sequer, e eu, precavido ou receoso, suspendi a decisão. Urdimento

Para combater a solidão que os estudos e a cidade de São Paulo pareciam impor, me engajei no teatro universitário. Fui 3 Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, moradia estudantil onde vivi por sete anos. 4 SMITH, Plínio. O que é Ceticismo. São Paulo: Brasiliense, 1992.

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ator amador no Teatro da USP e em outros grupos durante quase toda a graduação. A bem dizer, passava mais tempo fazendo teatro que estudando filosofia. No espaço cênico, meu “problema de identidade” perdia o pouco sentido que pudesse ter: fui um mecânico ranzinza numa adaptação de Le Vol d’Icare de Raymond Queneau; meses depois, era um militante comunista na Prova de Fogo de Consuelo de Castro, montada no simbólico prédio da rua Maria Antônia; até o Severino retirante de João Cabral de Melo Neto eu pude vir a ser, numa leitura dramática para os alunos de um curso de alfabetização de adultos no bairro São Remo, quase todos migrantes nordestinos. O exercício de me colocar no lugar do outro, de tentar assumir outra cosmologia e outro gestual, de entender e recriar uma “partitura corporal” distinta, uma visão de mundo e um ideário diversos do meu, talvez tenha estado na origem do interesse que vim a ter pela arqueologia. Mesmo quando não é experimental, a arqueologia parece exigir este tipo de curiosidade vivencial, e os paralelos possíveis entre fazer teatro e fazer arqueologia não se limitam à preocupação em representar circunstâncias ausentes. Tanto no teatro, quanto na arqueologia, há sempre bastidores ocultados e um público. A atividade em ambos os casos é necessariamente coletiva e costuma ser, por assim dizer, transdisciplinar: se o diretor de teatro integra um grupo composto por cenógrafo, figurinista, e iluminador, dentre outras especialidades; na arqueologia, o diretor de um programa de pesquisas se faz acompanhar de geólogo, antropólogo físico, arquiteto, epigrafista e etc. Ninguém parece duvidar que o ator é imprescindível ao teatro, é seguramente aquele que mais importa numa montagem, quem personifica a própria arte; em arqueologia, contrariamente, aquele que executa as ações, o escavador na quadrícula que é o primeiro palco da intervenção arqueológica, não goza do

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mesmo reconhecimento. Muitas vezes, quem escava, quem lava as peças, as numera, desenha, fotografa e descreve pela primeira vez não passará de um nome na primeira página do caderno de campo (definitivamente obscurecido nas publicações oficiais), muito embora o sucesso de uma missão arqueológica dependa principalmente da qualidade deste trabalho, da performance de anônimos atores. Nossa época obscura e a “grande maldição da arqueologia”

Entre 1997 e 1998, o professor León Kossovitch do departamento de filosofia me orientava numa iniciação científica sobre o livro XXXV de Plínio o Velho5. Na falta que me fazia a escolha de um pensador monolítico, totemizado ou canonizado, decidi estudar as “mudanças significativas” na pintura grega, e os muitos personagens da história contributiva escrita por Plínio no século I. Assisti a todos os cursos que o León ministrou enquanto fui aluno do bacharelado em Filosofia (aulas para a pós-graduação eu assistia como ouvinte). Eram e ainda são preciosos cursos de estética nos quais se tem muito o que ver nas ilustrações que o professor mostra pacientemente, passando com seus livros pesados entre as fileiras de cadeiras; e na sua prosa mais que erudita, dialógica, reflexiva e bem humorada. Em minhas anotações de sala de aula tenho que ao cotejar um pequeno altar constantinopolitano do sexto século com um mosaico de Palermo, cerca de cem anos mais recente, León precisou lembrar que “nunca houve estilo na Antigüidade, o que havia 5 Eu era bolsista do Programa de Educação Tutorial da CAPES e do Departamento de Filosofia e o tutor, o professor Caetano Plastino, nos facultava a escolha de um tema de pesquisas e de um orientador, ao final de valorosos anos de seminários sobre uma diversidade de temas acerca dos quais também podíamos opinar.

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eram exempla (o que o artista via, o que ele freqüentava)”6. No mês seguinte, comentando os textos sobre a “primeira pintura cristã” de Doura-Europos, ele entendeu que “em época obscura como a nossa, a bibliografia é festejada e tem importância popular. Atribuem a ela a função de preencher todas as lacunas”7. As observações do professor León sempre me serviram de orientação porque apontavam armadilhas do otimismo e do anacronismo, algo abundante nos recentes estudos de arte antiga, como noutras áreas de pesquisa. Além disso, que já seria muito, foi também o León quem me disse que, se eu quisesse continuar estudando arte grega antiga no Brasil, era bom procurar a Arqueóloga Haiganuch Sarian. Em meados de 1998, entrei na sala da Professora Sarian pela primeira vez e pedi a ela que me orientasse. Uma de suas palestras naquela semana, e a leitura de seu artigo “Poieîn – Gráphein: o estatuto social do artesão-artista de vasos áticos”8 aguçavam a percepção de que muitas das tradições figurativas antigas eram decididamente ignoradas pelos documentos escritos preservados. Perseguindo uma pluralidade de modos de figurar e relações inauditas, rapidamente quis voltar os olhos àquelas artes que nos chegam gravemente rotuladas de “artes menores”, em especial a cerâmica figurada, considera a “grande maldição da arqueologia”9 sobretudo por sua incomparável capacidade de resistir ao tempo. A abordagem que a professora Haiganuch fazia das “diferentes etapas de confecção de um vaso” e da “atividade 6 Kossovitch, L. Aula de Estética, dia 15 de maio de 1998. 7 Idem, ibidem, dia 14 de junho, à tarde. 8 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, no. 3, 1993, p. 105-120. 9 Segundo Moses Finley (ver comentário a esta definição no primeiro capítulo de SPARKES, Brian A. The red and the black – studies in Greek pottery. London; New York: Routledge, 1996).

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industrial de caráter doméstico”, considerando tanto a situação das oficinas na paisagem ateniense, quanto o testemunho iconográfico de certos exemplares10, enchia de anônimos e humildes artesãos-artistas a história das artes gregas. Em seus estudos, ela reconhecia uma diversidade de modos figurativos coetâneos e vicinais, além de apontar uma espécie de onipresença social dos vasos cerâmicos: no banquete, nas práticas religiosas, na vida doméstica, no comércio ou no funeral, da mais alta família ao mais desfavorecido escravo, não teria havido nas cidades helênicas antigas quem não tivesse manuseado cerâmica de figuras negras ou vermelhas. Após apresentar à professora Haiga um pequeno texto, única exigência que ela me fez no nosso primeiro encontro, tive a sorte de ser aceito como estagiário dela no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE-USP). Necessidade e despropósito

Fiquei curioso ao perceber que os estudos sobre a Grécia e sobre Roma eram atividades démodés no Brasil da virada do século XX para o XXI. No teatro e na filosofia possivelmente não havia quem julgasse inoportuno um estudo acerca da dita Antiguidade Clássica. Há nestas duas áreas um interesse reafirmado pelos documentos gregos e romanos antigos, além de muita convicção na vitalidade de tradições antigas em nossos meios culturais. A relevância de estudar a Antigüidade chega a ser uma obviedade para quem lê na Carta sobre o Humanismo de Heidegger, ou no Crepúsculo dos Ídolos de Nietzsche, os comentários e críticas que precisaram fazer ao platonismo. 10 SARIAN, H. Poiêin – gráphein: o estatuto social do artesão-artista de vasos áticos. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia 3. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP): p. 105 a 120, 1993.

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Os estudos clássicos também hão de parecer evidentemente necessários a quem está na platéia d’As Bacantes de José Celso Martinez Corrêa, ou da Medéia de Antunes Filho, espetáculos essencialmente inovadores. A despeito disso, fazer arqueologia clássica no Brasil parecia e parece afetação, preciosismo ou despropósito aos olhos de muita gente. Entre o Rio Negro e o Mar Cicládico

Nos anos 1990 havia no MAE-USP um curso de difusão cultural sobre pré-história da Amazônia11 ministrado pelo professor Eduardo Góes Neves. Este foi, de fato, o primeiro curso completo de arqueologia que eu assisti. Antes de ter ouvido falar de Snodgrass, Brunneau, Bandinelli ou Herbert Hoffmann (autores fundamentais para a arqueologia clássica), já conhecia Curt Nimuendajú, Betty Meggers e Anna Roosevelt (significavam o mesmo para a arqueologia da Amazônia). Tentei por algum tempo não exagerar as diferenças entre estudar a arqueologia da Grécia e a arqueologia da Amazônia, mas esse esforço só resultava em divagação, seja pelas diferenças mais que evidentes entre as culturas e as paisagens em questão, seja porque de um lado havia 5 séculos de referências bibliográficas a considerar, do outro, pouco mais de 5 décadas. Do ponto de vista meramente logístico, cabia maior comparação: as escavações do professor Eduardo no Alto Rio Negro estavam a cerca de dois dias de viagem partindo de São Paulo, num local ermo e desabitado, cheio de cobras venenosas e de outros perigos, donde o único socorro possível é de barco, com um tempo de espera que pode ter graves consequências para um eventual acidentado. Pouca gente sabe, mas as escavações da Professora Haiganuch na ilha de Delos, no Mar Cicládico, 11 Curso ocorrido entre abril a maio de 1998 no MAE-USP.

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também ficam “a cerca de dois dias de viagem partindo de São Paulo, num local ermo e desabitado, cheio de cobras venenosas e de outros perigos, donde o único socorro possível é de barco, com um tempo de espera que pode ter graves consequências para um eventual acidentado”. Os acidentes que acometeram ambos os arqueólogos num intervalo de poucos anos12 (e, de forma ainda mais dramática, a morte do arqueólogo James Petersen em 2005, durante um assalto perto de Manaus) não deixam dúvida quanto ao sentido aventureiro destas empreitadas. Nos séculos XVII e XVIII, os viajantes que se meteram a procurar testemunhos materiais do passado clássico em terras gregas encontraram dificuldades muito semelhantes àquelas relatadas, à mesma época, pelos cronistas do Novo Mundo13. Desde então, a malária foi erradicada da Grécia, mas, dependendo da local da pesquisa, as condições atuais talvez possam não parecer totalmente díspares. Ousadia

Ao me decidir pela Grécia, e não pela Amazônia, antes de me preocupar com o passaporte, precisei lidar com outro tipo de contratempo: no ônibus, numa ceia de natal em família, ou quando menos se espera, alguém sempre pergunta o que a gente faz da vida. Diante da curiosidade habitual, e depois das explicações de praxe (que costumam servir para excluir os dinossauros da conversa), não é incomum ter que ouvir algo como: “-Vem cá! Porque estudar um povo 12 Haiganuch Sarian teve uma fratura exposta no joelho em Delos, anos depois, Eduardo Neves foi picado por uma cobra peçonhenta na Amazônia. Em ambos os incidentes, a demora no socorro dificultou a recuperação. 13 Ver, por exemplo: CONSTANTINE, David Los primeros viajeros a Grecia y el ideal helénico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1989.

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lá da Europa? Tem que estudar as coisas da nossa terra, o passado do nosso país!” E por ai vai, conforme a verve do interlocutor... Para estes momentos cheguei até a elaborar “respostas prontas”. Dizia, por exemplo, que somos mais gregos que guaranis na arquitetura de nossas casas, na língua que falamos, etc.; ou assumia caminho inverso porém análogo ao do Levi-Strauss, que disse que estudava culturas exóticas em terras distantes porque no fundo queria compreender melhor a si mesmo. Às vezes, chegava a fazer discurso engajado, propondo que fossemos estudar os europeus, lançar sobre eles um olhar estrangeiro tal como eles fizeram conosco ao longo de séculos. Todo esse palavrório não chegava a ter efeito esclarecedor e é possível que eu parecesse ainda mais estrangeirado ou alienado argumentando como argumentava. Mas preciso reconhecer que estas conversas infelizes tiveram um papel importante na minha própria percepção dos significados que poderiam ter as pesquisas que começava a fazer: eu que tinha optado pela Grécia por curiosidade e por prazer, dentre outras possibilidades igualmente convidativas, era levado a ver na escolha que fiz uma espécie de subversão de valores nacionalistas muito vulgarizados. Heureca! Estudar a Grécia é uma ousadia! A partir das mesmas conversas, passei a considerar artificiosa, desonesta e, muitas vezes, violenta a maioria das delimitações de campo de pesquisa ou de área de atuação baseadas em recortes territoriais ou patrimoniais rígidos e anacrônicos. Entendi que tais limites precisam ser transgredidos tanto “epistemologicamente”, quanto nos programas e missões das instituições que promovem e ensinam arqueologia no Brasil.

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Muito além da biblioteca

Outra demarcação de território na qual eu e meus colegas “da clássica” estivemos envolvidos se dava nos corredores do Museu de Arqueologia e Etnologia. Valerá a pena gastar algumas linhas com ela, sobretudo pela chance de negá-la. Segundo um imaginário reafirmado de muitos modos, o lugar apropriado aos estudantes de arqueologia clássica era a biblioteca. Os laboratórios e a reserva técnica seriam ambientes mais adequados a quem estudasse materiais e culturas “brasileiros”. Ninguém costuma ter vergonha de freqüentar bibliotecas, e eu não tinha, mas neste caso a proximidade com os livros seria sintoma de um problema grave: a ausência do objeto. Os estudos de arqueologia clássica feitos no Brasil eram então taxados de “trabalhos de segunda mão”, pois não contavam quase nunca com materiais ainda não publicados; ou eram tidos como meras “revisões bibliográficas”, pois se fundamentavam muitas vezes naquilo que estava nas publicações e não em pesquisas de campo e em análises de laboratório; havia até o exagero de afirmar que o que fazíamos era história antiga e não arqueologia, segundo uma idéia indescritível da própria história antiga. Em qualquer destas possibilidades, o objeto de nossas pesquisas seria algo ausente, conhecido apenas em descrições e ilustrações. A meu ver, esta imagem que se fazia estava brutalmente desfocada. A maioria das pesquisas brasileiras em arqueologia clássica não promovia suas próprias escavações e análises laboratoriais independentes (atividades difíceis de realizar mesmo para quem estuda em países que mantêm tradicionais escolas de arqueologia na Grécia e na Itália). Mas não deixávamos, por isso, de estudar objetivamente os vestígios materiais, as circunstâncias de sua deposição, sua dispersão territorial, a

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inserção das ocupações na paisagem e ainda as condições sociais modernas nas quais emergiam interpretações. Diante do tradicional esmero das publicações de arqueologia clássica14, não era incomum termos à mão uma quantidade incomparável de informações sobre uma única peça ou sobre um mesmo sítio. Ademais, a professora Haiganuch Sarian não nos propunha somente leituras, tínhamos que medir, descrever, reconhecer a iconografia e propor cronologias para os vasos da pequena, porém representativa, coleção de antiguidades do MAE-USP. Além disso, não há aluno da professora Haiga que não tenha sido estimulado a participar de escavações pré-históricas, como as encampadas pelo casal Vialou no Mato Grosso15. Íamos até lá aprender as técnicas topográficas, o desenho de quadrículas e de perfil, o relevé de pinturas, e as famosas microdecapagens que caracterizam as pacientes escavações em grandes superfícies. Preocupado com a origem funerária de muitos dos vasos que estudava, com sua proximidade dos esqueletos, decidi por conta própria me inscrever numa das matérias do professor Walter Alves Neves, antropólogo físico do Instituto de Biociências da USP. A partir deste contato, pude participar das escavações do próprio Walter Neves, e de sua equipe (composta pelo geólogo Beethoven Piló, e pelos arqueólogos Astolfo Araújo e Renato Kipnis, entre muitos outros), no estado de Minas Gerais. Eram atividades de campo que exigiam a prospecção de superfície, sondagens de verificação e a evidenciação de 14 Sobre a excepcional documentação presente em publicações de arqueologia clássica, ver sobretudo o capítulo “La salud de una disciplina” in SNODGRASS, A. Arqueologia de Grecia – presente y futuro de una disciplina (Traducción: Marina Picazo). Barcelona: Crítica, 1990. 15 Águeda Vilhena Vialou, seu marido Denis Vialou, Levy Figuti e uma equipe internacional de pesquisadores se dedicam há décadas ao estudo de sítios pré-históricos nos municípios de Jangada e Rondonópolis, no Mato Grosso. O sítio Santa Elina, em Jangada, pelas dificuldades que impunha ao escavador, era muitas vezes considerado o “batismo de fogo” da arqueologia do MAE-USP.

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sepultamentos pré-históricos. Como ali adotavam métodos de escavação e registro muito diferentes daqueles aplicados pelos Vialou no Mato Grosso, considero estas campanhas mineiras um complemento vantajoso à formação que pude ter em trabalhos de campo. Uma formação plural e crítica, o inverso de um treinamento. Posteriormente, quando passei a participar das escavações dirigidas pela professora Haiganuch no Santuário de Hera em Delos, na Grécia (programa de pesquisas oficial da Escola Francesa de Atenas)16, percebi o quanto as atividades de campo em pré-história brasileira podem ser uma escola preciosa para quem se dedica a outros períodos e paisagens. Tive que aprender rápido que as técnicas de campo se adaptavam radicalmente às circunstâncias e aos objetivos de cada dossiê de investigação, mas a acuidade do olhar e do tato que eu e meus colegas “classicistas” ganhamos com os pré-historiadores só parece ter nos favorecido. Objetos ao alcance das mãos

Para minhas próprias pesquisas de mestrado e de doutorado, às vezes com bolsa de estudos, às vezes sem nenhuma ajuda financeira, precisei fazer incursões em terras gregas, visitas a museus de diferentes países, e levantamento bibliográfico fora do Brasil. Visitei as ruínas do pórtico pintado de Atenas e da léskhe dos Cnídios em Delfos (sítios aos quais muito me reportei na dissertação de mestrado), estive em santuários e necrópoles, e também numa tumba paleo-cristã em Delfos (onde foi encontrado um pequeno cálice de fundo branco que ganhou grande 16 Participei das três campanhas em que foram realizadas escavações, nos anos de 2002, 2006 e 2008.

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importância em minha tese de doutorado). Em 2006, participei com outros colegas de perambulações pelo Santuário de Apolo em Delfos, na gentil companhia da professora Anne Jaquemin. Em Delos, fiz o mesmo acompanhado de Francis Prost e de outros estudiosos, aprendendo muito e andando mais ainda. Já no Brasil, em mais de uma oportunidade, pude expor minhas pesquisas à crítica de especialistas de diferentes formações e nacionalidades que colaboravam com o programa de pós-graduação do MAE-USP. As observações dos professores François Lissarrague, Luiz Américo de Souza Munari, José Remesal-Rodríguez, Dominique Mulliez, Fábio Vergara Cerqueira e Pedro Paulo Abreu Funari, dentre outros, foram determinantes para os estudos que fiz. O contato com profissionais experientes, associado ao exemplo inabalável de minha orientadora, a professora Haiganuch, sempre foram ótimos estímulos para seguir estudando arqueologia clássica no Brasil. Durante o mestrado, pude entrevistar a helenista portuguesa Maria Helena da Rocha Pereira, ex-discípula de John Beazley. O que ela me disse em Coimbra, no dia 27 de junho de 2002, continuam tendo enorme repercussão nos estudos que faço17. Além das visitas a sítios e especialistas, parte importante de meus estudos “de campo” consistiu em analisar diretamente a cerâmica dita proto-clássica. Em 2002 fui a Paris para ver a célebre “Cratera dos Nióbidas” no Louvre, e a Lisboa para fazer o mesmo com a “Cratera Gulbenkian”, exemplares excepcionais que só pude estudar nas vitrinas, acerca dos quais havia polêmicas que exigiam uma olhadela não mediada por ilustrações e descrições. Em 2006 e 2008, com preocupações 17 Rocha Pereira me contou pacientemente como aprendeu a atribuir vasos antigos em Oxford. Seu relato, tanto quanto os questionamentos habituais da professora Sarian, parecem estar na origem do meu projeto de doutoramento: uma revisão crítica da atribuição The Pistoxenos Painter.

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muito mais refinadas, consegui que retirassem das vitrinas e dos armários de importantes museus gregos e italianos18 um montante de mais de duas dezenas de exemplares cerâmicos (vasos inteiros, vasos fragmentários e fragmentos esparsos). Dentre estes havia alguns objetos muito admirados na bibliografia, como o “cálice da Morte de Orfeu” da Acrópole de Atenas, e também fragmentos quase desconhecidos, menosprezados por gerações inteiras de pesquisadores19. Ter os objetos ao alcance das mãos, com tempo e disposição para desenhá-los e fotografá-los, para tomar nota de suas peculiaridades e medidas, foi uma experiência imprescindível para o tipo de interpretação que me propus a fazer no doutorado. Arriscaria fazer coro com outros arqueólogos quando dizem que o conhecimento tátil dos materiais arqueológicos importa mais que toda a bibliografia existente. Evidentemente, um bom tema de pesquisas em arqueologia clássica permite uma formação intensa, tanto do ponto de vista técnico, quanto do ponto de vista interpretativo. Podemos fazer um levantamento de dados que não se restringe à serenidade das camadas de terra e à rotina das reservas técnicas. Abrange a musealização dos artefatos e sítios, suas frenética ressignificação, uma história bibliográfica secular, uma diversidade instigante e admirável de hipóteses, críticas e revisões que podem ser “escavadas” numa grande biblioteca, nos arquivos de 18 Devo isso, quase inteiramente à mediação da Professora Sarian junto às Escolas Francesas de Atenas e de Roma. Se não fossem as solicitações dos professores Dominique Mulliez, diretor da EFA, e Yves Rivière, diretor de estudos da EFR, as análises de material que fiz não teriam sido possíveis. 19 Descrevo o programa de análise de cerâmica que desenvolvi durante o doutorado pormenorizadamente na Introdução e no Capítulo II de minha tese de doutorado (The Pistóxenos Painter, revisão crítica da atribuição de John Daivdson Beazley, MAE-USP, orientação: Profa. Dra. H. Sarian, defendida em 23 de abril de 2010, disponível em ), resumidamente, também no artigo Atribuições de imagens pintadas em Arqueologia, breve histórico e expectativa (Revista Antiguidade Clássica, 3ª. Ed., 1º semestre de 2009, p.32-52, ).

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uma tradicional escola de arqueologia, em coleções espalhadas ao redor do mundo, ou mesmo na memória dos pesquisadores mais experientes. In loco

Quando estava perto de terminar o mestrado não tinha mais bolsa de estudos e precisei conciliar a redação da dissertação com trabalho remunerado. Fui monitor de exposições de arte, vendedor de livros e, por um tempo maior, professor de filosofia para crianças de 9 a 11 anos de idade20. O professor Pedro Paulo Abreu Funari relatou em um de seus livros que desistiu de estudar filosofia por “motivos bem pouco nobres: como iria sobreviver? Os militares haviam retirado Filosofia das escolas secundárias e, assim, não poderia, ao final do curso, tornar-[se] sequer professor”21. Décadas depois, a Filosofia ainda não recuperou seu lugar no ensino médio, poucas escolas incluem máximos 45 minutos semanais desta matéria no horário de seus alunos. Com poucas aulas e o salário pequeno que lhes fazia jus, a decisão de me tornar professor de filosofia parecia pouco acertada..., e eu, então, invejei a sabedoria do jovem Funari. Precisava mudar de rumo e decidi me inscrever naquele que foi possivelmente o primeiro grande concurso público para professor de arqueologia em universidades federais brasileiras. Participei da criação de um bacharelado em Arqueologia e Preservação Patrimonial na pequena cidade de São Raimundo Nonato, no sudeste do Piauí, onde, por três anos e meio, fui 20 O contato com as crianças foi mesmo muito marcante, eu aprendia muito com elas, na escola e em casa. Pus um ponto final na dissertação de mestrado ao som do choro daquela que é a primeira filha para mim. A irmã dela veio a tempo de chorar nos últimos meses do doutorado. 21 FUNARI, P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2002, p. 10.

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um helenista na Caatinga! Consegui reatar as pontas de meu primeiro projeto de vida e, enfim, viver no Nordeste. Mas na cultura ou na natureza, nunca me senti tão distante do mar... Hoje sou professor dos cursos de Museologia e Conservação e Restauro na Universidade Federal de Pelotas. Vim a ser, portanto, um helenista nos Pampas! Aqui encontrei colegas em condição semelhante e o mar a uma distância que se pode galgar. Em aulas para adultos ou crianças, sempre achei muito lugar para os estudos clássicos e para a arqueologia. A criação de cursos públicos de Arqueologia fora dos grandes centros urbanos brasileiros não foi apenas capaz de instituir uma nova carreira universitária, também serviu para encher as universidades públicas de arqueólogos. Aulas de história antiga, de arqueologia ou de pré-história, há algumas décadas eram ministradas somente a estudantes de história, muitas vezes por professores de outras especialidades. Atualmente, proponho e vejo outros arqueólogos proporem disciplinas acerca do patrimônio arqueológico para estudantes de turismo, museologia, conservação e restauro, etc. Este processo vem se mostrando capaz de sensibilizar profissionais de diversas áreas para a preservação patrimonial, e de favorecer a apropriação pública do conhecimento produzido em pesquisas arqueológicas devotadas às mais diversas culturas. A este respeito, e se ainda houver espaço, talvez não seja inoportuno propor mais um paralelo: desta vez entre a arqueologia clássica e a música clássica. Ambas têm tradição secular, impõem a quem a elas se dedica uma disciplina severa de estudos e foram criadas e caracterizadas na Europa, antes de se propagarem por todo o mundo. Não se discute mais se a música clássica é melhor ou pior que o jazz, ou que o rasqueado cuiabano, este tipo de valoração

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parece cada vez mais destituído de sentido. Ninguém discordaria, por exemplo, que o ensino de música clássica a jovens e crianças carentes da comunidade de Heliópolis, na grande São Paulo22, é uma iniciativa social e artística importante, obviamente incapaz de causar qualquer dano à cultura ou à música locais. O uso de música clássica no ensino de música não se restringe a Heliópolis, é habitual em qualquer escola ou conservatório, pois se aproveita a tradição e o vasto repertório em favor do aprendizado. Acredito que a arqueologia clássica pode vir a ter um papel semelhante no ensino universitário, pois qualquer que seja o currículo, terá que ser amplo o suficiente a ponto dos alunos poderem trilhar o caminho que quiserem depois de formados. Mesmo que o caminho que queiram possa levá-los ao outro lado do mundo! Por outro lado, música e arqueologia clássicas só têm a ganhar com sua divulgação e com os mais diversos contatos. Ao ter notícia do interesse que os jovens músicos de Heliópolis começam a despertar em platéias eruditas de todo o mundo, me pergunto se a arqueologia clássica feita em terras brasilis, na América Latina ou noutras regiões distantes, não haveria de promover incursões importantes no conservador e fragmentado ambiente dos estudos clássicos internacionais.

22 A Orquestra Sinfônica de Heliópolis foi fundada pelo maestro Silvio Baccarelli em 1996, vem revelando grandes músicos e promoveu este ano seu primeiro concerto internacional em Bonn, na Alemanha.

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A história e a arqueologia da antiguidade clássca e os usos do passado

Glaydson José da Silva

O que motivou sua “opção” por essa área de trabalho/pesquisa?

Sou historiador por formação, mas a Arqueologia, por mim percebida como ciência autônoma, com objetos, problemas e métodos específicos, sempre despertou-me bastante interesse, particularmente pelo oferecimento complementar e, por isso, auxiliar, de chaves de compreensão da História. Logo, é a partir desta perspectiva que respondo a essa pergunta e às que seguem. Minha “opção” pela Arqueologia se liga ao fato de que essa disciplina acadêmica somente o é, efetivamente, se alicerçada em bases analíticas. Responder a essa questão implica considerar acerca do lugar ocupado pela Arqueologia, particularmente a Arqueologia Clássica, naquilo que faço. A prática arqueológica é indissociada da teoria, e as relações entre ambas e o contexto histórico, com suas implicações sociais e políticas, auxilia no estabelecimento de liames que alçam o conhecimento

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arqueológico a patamares mais elevados. Esse corte epistemológico, que permite perceber a Arqueologia como uma ciência que, como a História, tem também o passado como objeto de estudo mas que tem suas práticas marcadas, a ponto de não se desvincularem, pelos contextos nos quais são produzidas, aportam à disciplina uma importância capital em um entendimento interdisciplinar da História. Essa historicidade aponta para o caráter discursivo das práticas e das narrativas arqueológicas, evidenciando uma relação intrínseca entre a natureza das pesquisas desenvolvidas na área e o meio no qual são realizadas. Tal como a História, a Arqueologia não pode ser separada de suas bases nas realidades e conflitos sociais e intelectuais de seu tempo (Funari 1998; 2003). A compreensão do envolvimento das ciências e dos cientistas com modelos e tradições interpretativas, governos, políticas, práticas, etc. e de que a verdade não é o mais elevado dos valores do conhecimento (Veyne 1983: 55) tem possibilitado interpretações menos categóricas do passado. História e Arqueologia, assim, têm sido percebidas como disciplinas interligadas, permeadas pelo presente e construtoras de discursos sobre passado, o que tem conduzido para a necessidade de se pensar a própria História das disciplinas. É o presente, em seus múltiplos contextos, que confere significados às práticas históricas e arqueológicas. A História e Arqueologia do mundo antigo, nesse campo, não constituem exceção - suas epistemologias sempre estiveram muito próximas das representações coletivas, seja pelo viés das mais diversas identidades ou pelo viés da justificação das origens nacionais. A História e a Arqueologia da Antigüidade Clássica, e do mundo antigo de maneira geral, têm se beneficiado dessa compreensão. O estudo das relações entre a Antigüidade Clássica e o mundo contemporâneo, entre o passado e o presente na escrita

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da História de gregos e romanos tem sido objeto de inúmeros trabalhos recentes e tem contribuído para o desenvolvimento de uma História Antiga que se pretende mais problematizada. Há pouco ainda considerada como muito propensa a se fechar em suas próprias fronteiras e pouco dada à interpretação, a História da Antigüidade tem produzido, hoje, muitos e diferentes trabalhos, que têm por objetivo melhor compreender as tênues relações entre o passado estudado e o presente vivido por seus intérpretes. Em uma ampla perspectiva, esses trabalhos têm se pautado por uma análise histórica e historiográfica na qual seus objetos não se desvinculam de suas tradições histórico-interpretativas. Não raro a Antigüidade Clássica tem sido percebida a serviço de uma lógica justificadora, onde se pôde ver, ao longo do século XX, suas ligações com as questões identitárias nacionais, com os regimes autoritários, com o racismo, com o machismo e com práticas políticas e sociais de toda sorte. O estudo da Antigüidade Clássica, como os discursos sobre o passado de uma forma geral, não deve ser dissociado de seus contextos de produção, assim como, também, de suas conseqüentes apropriações posteriores. Ao estudioso da Antiguidade Clássica caberia, como o disse Jean-Pierre Vernant a respeito dos esforços de Pierre Vidal-Naquet, tentar segurar, para além dos séculos, as duas pontas da corrente (Vidal-Naquet, 2002: 14) – presente e passado, empresa para a qual contribuíram, para além do próprio Vidal-Naquet, com diferentes trabalhos, autores como Arnaldo Momigliano, Moses I. Finley, Claude Nicolet e.g., e, atualmente, Fançois Hartog1. 1 Apesar de definir a produção historiográfica desses autores, o estudo de diferentes objetos ligados à Antigüidade tratados a par e passo com as suas diferentes tradições interpretativas – em uma dinâmica de construção do passado e do presente – pode ser percebido, sobretudo, em obras como Os gregos, os historiadores, a democracia – o grande desvio (Vidal-Naquet, 2002), As raízes clássicas da historiografia moderna (Momigliano, 2004), Escravidão antiga e ideologia moderna (Finley, 1991), La fabrique d’une nation. La france entre Rome et les Germains (2003) e O espelho

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É nessa articulação, que permite, por exemplo, perceber a História e a Arqueologia do mundo clássico como herdeiras do nacionalismo e do colonialismo do século XIX, século em que se institucionalizam, que reside minha maior motivação por essa área de pesquisa. Quais as circunstâncias de seu ingresso na área?

Meu interesse pela Arqueologia, particularmente pela Arqueologia Clássica, veio com a frequência às primeiras disciplinas cursadas quando da realização de meu curso de mestrado em História, na Universidade Estadual de Campinas. A primeira grande surpresa, para um aluno recém egresso de um curso de História no qual não tinha frequentado nenhum conteúdo arqueológico e que só detinha conhecimentos tópicos a esse respeito se relacionou às próprias ideias de arqueólogo e de Arqueologia. A imagem dos arqueólogos ligada às grandes escavações e à descoberta de vestígios monumentais, freqüentemente divulgada pela mídia e que praticamente resumia o meu saber a respeito mudava. O segundo grande assalto viria com a compreensão de que a Arqueologia, mais que uma disciplina que tinha como objeto de estudo coisas e artefatos escavados que diziam da história de povos antigos era, também, uma disciplina que se ocupava de questões contemporâneas e que tinha uma grande reflexão teórica a respeito de sua práxis, o que chamou-me bastante a atenção. Por ocasião da montagem de grupos de seminários de pesquisa e escolha de textos a serem apresentados na disciplina sobre cultura material, ministrada pelo Professor Pedro Paulo de Heródoto (Hartog, 1999), por exemplo. No Brasil, historiadores da Antiguidade como Francisco Murari Pires, José Antônio Dabadab Trabulsi e Pedro Paulo Abreu Funari desenvolveram, sobretudo ao longo da última década, trabalhos inseridos em diferentes vertentes dessa mesma perspectiva teórica.

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Abreu Funari, tomei contato com diferentes textos recentes de teoria Arqueológica, muitos deles provenientes de recentes participações do professor no WAC - World Archaeological Congress e no TAG - Theoretical Archaeology Group. Alguns desses textos exerceriam influência determinante em minha escolha de temas e abordagens teórico-metodológicas em pesquisas posteriores (doutorado e pós-doutorado). Quais as principais referências (textos e pessoas)?

Advindos, inicialmente, desse primeiro contato com a teoria arqueológica, que introduziu-me a leituras ligadas à relação entre Arqueologia e etnicidade e Arqueologia e questões identitárias, enfim, à História da Arqueologia e do pensamento arqueológico, diferentes autores e textos se constituíram como referência em minha formação; ligados direta ou indiretamente pelos temas, atuações e inserções à Arqueologia Clássica e pela crítica, em muitos casos, ao modelo histórico-cultural, pode-se citar, dentre esses autores e textos os seguintes: 1. Black Athena. The Afroasiatic Roots of Classical Civilization. Vol. 1 (Rutgers University Press – 1987) – Martin Bernal Primeiro de três volumes, esse livro de Martin Bernal, do qual fiz uso desde a primeira disciplina de História Antiga por mim ministrada, chegou-me por meio de um contato inicial com o texto A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia européia – traduzido por Fábio Adriano Hering e publicado no volume Repensando o Mundo Antigo - II (Campinas/IFCH/Unicamp – 2003 – Coleção Textos Didáticos), organizado por Pedro Paulo Abreu Funari

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– um resumo da trilogia de Bernal. Ainda que não trate especificamente de Arqueologia Clássica, conteúdo contemplado no segundo volume, esse trabalho foi-me referencial. 2. Roman Officers and English Gentlemen: imperialism and the origin of archaeology (Londres/Routledge – 2000) – Richard Hingley Do mesmo modo que o ocorrido com o texto de Bernal, tomei contato com esse texto de Hingley a partir da publicação, no Brasil, do artigo Concepções de Roma: uma perspectiva inglesa – traduzido por Renata Senna Garraffoni e publicado no volume Repensando o Mundo Antigo I (Campinas/IFCH/ Unicamp – 2003 – Coleção Textos Didáticos), tabém organizado por Pedro Paulo Abreu Funari. 3. Duas obras coletivas - Nationalism and archaeology in Europe (Org. de Margarita Díaz-Andreu e Timothy Champion – Londres/University College London/1996) e Nationalism, politics, and the pratice of Archaeology (Org. de Philip Kohl e Clare Fawcett – Cambridge/Cambridge University Press/1995) – que tratam da Arqueologia, em geral, e que também contemplam a Antiguidade Clássica, relacionando-as aos nacionalismos europeus são, também, importantes referências com as quais tomei contato na Europa e no Brasil. 4. Para um não arqueólogo, estudioso da Antiguidade Clássica e de sua permanência na posteridade e que tem na Arqueologia Clássica e em seus estudos referenciais para ampliarem seu escopo teórico/documental e, conseqüentemente, suas possibilidades de pesquisa, os manuais de síntese do pen-

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samento Arqueológico também se constiuíram em importantes referências. Nesse sentido, dois foram capitais: - Naissance de l’archéologie moderne - 1798-1945, de Ève Graan-Aymerich (Paris/CNRS/1998). - História do Pensamento Arqueológico, de Bruce G. Trigger (Odysseus, São Paulo/2004). 5. Uma última referência, ligada particularmente à Arqueologia galo-romana, mas também à Arqueologia Clássica, está nos trabalhos do arqueólogo francês Laurent Olivier; dele traduzi e publiquei, no Brasil, os seguintes títulos: - Pour une archéologie du passé récent2 - Les origines de l’Archéologie française3 - L’archéologie du 3ème Reich et la France – notes pour servir à l’étude de la “banalité du mal”en archéologie4 - L’archéologie française et le régime de Vichy (19401944)5

2 OLIVIER, Laurent. Arqueologia do passado recente, Revista de História da Arte e Arqueologia, n. 5, Campinas, dezembro de 2005. 3 OLIVIER, Laurent. As origens da arqueologia francesa. In: FUNARI, P.P.A. (Org.) Repensando o mundo antigo. Campinas: IFCH/Unicamp, 2005. Coleção Textos Didáticos. 4 OLIVIER, Laurent. A Arqueologia do III Reich e a França – notas para servir ao estudo da “banalidade do mal” em Arqueologia. In: FUNARI, P.P.A., SCHIAVETTO, S. N, ORSER, C. Identidades, discurso e poder. Notas sobre Arqueologia Contemporânea. São Paulo: Annablume, 2004. 5 OLIVIER, Laurent. A Arqueologia francesa e o Regime de Vichy (1940 – 1944). In: FUNARI, P.P.A., BENOIT, H. (Orgs). Ética e política no mundo antigo. Campinas: IFCH/Unicamp, 2003.

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Quais são os seus procedimentos de trabalho/pesquisa? / Qual/ quais seu(s) projeto(s) de pesquisa? Como se relacionam com o que vem sendo feito no Brasil e/ou no exterior?

Optei por responder conjuntamente a essas duas questões por julgar que suas respostas estão interligadas; inicio com a segunda questão. Meu projeto de pesquisa atual - A matriz direitista francesa do pós Segunda Guerra e sua instrumentalização do mundo antigo – um estudo sobre a Nouvelle Droite – um desdobramento de pesquisas já realizadas no doutorado e no pós-doutorado, tem por objetivo buscar perceber as relações estabelecidas entre a Antigüidade e o mundo contemporâneo nas apropriações e (re)apropriações do mundo antigo levadas a termo pelo GRECE – Groupement de Recherche et d’Études pour la Civilisation Euopéenne – e por suas orientações formadoras (entre 1960 e 1969 e entre 1969 e 1980, respectivamente). O GRECE é comumente entendido como a matriz dos grupos de direita fraceses do pós Segunda Guerra. O apelo à Antiguidade como forma de justificar suas proposições é uma das principais orientações do grupo. O estudo proposto visa estabelecer uma reflexão sobre o papel do passado nos jogos e estratégias do fabrico das representações identitárias grupais e coletivas levadas a termo pelo GRECE ao terem a Antigüidade como referência. A pesquisa tem apontado para uma grande quantidade de temas relacionados à Antiguidade (com referências à pré-história indo-européia, à proto-história celta, gaulesa, à história grega, romana e gallo-romana) que, comumente, tem por objetivo estabelecer, mediante apelo ao passado e a uma suposta origem/ancestralidade, reivindicações identitárias com povos da Antiguidade e direitos contemporâneos. Esses temas orbitam questões como:

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- herança/legado dos Antigos; - crítica à igualdade racial e dos direitos; diferencialismo cultural; determinismo biológico; - relação entre territórios, culturas e povos; - percepção da História Antiga como história nacional; - ausência de conflitos/Antiguidade harmônica, contraposta a um presente sempre conflituoso. Presente nesse campo de compreensão, a Arqueologia Clássica frequentemente atuou na constituição das identidades nacionais, por exemplo, na legitimação de regimes autocráticos de direito e no pleitear de uma certa “herança” justificadora (ampla), utilizada por diferentes países – desde Grécia e Itália à Portugal, Espanha, França e Alemanha, passando até mesmo por países como Estados Unidos e Brasil. Na Europa, referenciais legitimadores de uma ascendência étnica - romana ou grega – de diferentes povos e sua conseqüente superioridade criou um espelho no qual se pôde mirar essa mesma superioridade, no suplantar de origens mestiças, em uma lógica na qual esses povos se construiam à medida que constuiam os seus outros. Saber e prática política, a Arqueologia não se desvincula de seus contextos de produção, sendo a Arqueologia Clássica privilegiada em relação a outras pelo lugar que ocupa a cultura clássica no mundo contemporâneo – na história universal e no saber humano. Essas preocupações de pesquisa se alinham com uma compreensão da Antiguidade como presença que historicamente reaparece e se reformula pelas múltiplas visões e interesses do presente, condicionada por viéses de classe, raça e gênero, por exemplo (que marcaram os estudos historiográficos a respeito do mundo antigo, estabelecendo, no passado e no presente, a construção de uma homogeneidade social alheia de todas as

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diferenças e conflitos), nos quais se inscrevem as proposições do GRECE. A pesquisa desenvolvida se insere em uma tendência em expansão, nos estudos de História e Arqueologia do mundo antigo, particularmente do mundo clássico, de procurar se aperceber dos modos como a cultura e a História de povos da Antiguidade foram lidos e interpretados em contextos contemporâneos. À luz dos desdobramentos teóricos e metodológicos atuais a respeito das leituras modernas do mundo antigo, dos usos dopassado, faço uma análise da documentação da pesquisa que a considera como uma leitura da Antiguidade no presente, permeada por valores que lhe são próprios e que se articulam discursivamente a valores representativos dos grupos sociais daqueles que a lêem. Parto do pressuposto de que o passado não independe do presente, constituindo-se numa temporalidade que se encerra em si mesma, mas que é re-apropriado, re-construído, re-inventado. Essa preocupação nodal com os usos do passado, que instrui a pesquisa desenvolvida, se liga às diversas formas apropriação do mundo antigo que vem sendo estudadas no exterior em países como França, Inglaterra e Estados Unidos desde, sobretudo, o pós Segunda Guerra, e que se intensificaram na década de 1990. Esses estudos tem seu crescimento diretamente vinculado à valorização da teoria como campo que permeia toda reflexão, seja na área de História, seja na área de Arqueologia. No Brasil, na área de História Antiga, mas também da Arqueologia Clássica, linhas de pesquisa se organizaram nos programas de pós graduação em História da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade de São Paulo. Ainda que existam trabalhos desenvolvidos fora desses centros formadores, é daí que tem partido a maioria das pesquisas com essa orientação.

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as condições favoráveis e desfavoráveis de um(a) jovem

pesquisador(a) no

Brasil? Quais futuro da disciplina no Brasil?

suas expectativas acerca do

Do mesmo modo que as perguntas anteriores, respondo a essas conjuntamente por julgar que suas respostas são complementares. A oferta de condições mais favoráveis ao estudo de áreas, em princípio, tão distantes de nossos interesses se liga ao reconhecimento de sua importância junto a nós. A convicção de que História e a Arqueologia do mundo antigo estiveram na base da constituição do pensamento ocidental e de que compreendê-las é compreender também a nossa história tem contribuído para sua valorização. Dos antiquários e colecionadores da Europa renascentista aos embates historiográficos e à institucionalização das disciplinas no XIX, a História e a Arqueologia do mundo clássico na Europa esteviveram indissociadas de reflexões acerca da identidade nacional de diferentes povos, atuando nas criações e recriações de seus mitos de origem e no estabelecimento de diferentes clivagens identitárias – que ainda hoje marcam seus estudos. Em uma perspectiva não hierarquizante, pode-se perceber a especificidade e importância dos estudos feitos fora da Europa, dentre eles os brasileiros, no fato de poderem ofertar, sobretudo, um olhar distanciado para os objetos de uma história que, diretamente, não é aquela de seus proponentes, ainda que a ela se encontre ligada. É importante considerar que esse vínculo da história da Antiguidade na Europa com as histórias nacionais, ainda que estrutural, não define uma orientação da área. É de solo europeu que se originaram, sobretudo, desde meados do século XIX, as principais mudanças epistemológicas nessa área do conhecimento e a História antiga daí produzida não pode ser reduzida a uma pedagogia da nação.

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De um ponto de vista prático, algumas condições favoráveis aos estudiosos do mundo antigo, historiadores e arqueólogos, não só clássicos, podem ser observadas. Ao crescimento e a profissionalização dessas áreas no Brasil estão associados a difusão dos centros formadores, a oferta da disciplina por especialistas na maioria das universidades públicas – no caso da História Antiga, sobretudo, o grande número de dissertações e teses defendidas nessas áreas e de publicações resultantes, a criação de coleções estritamente da área e a tradução de títulos estrangeiros, a circulação crescente de especialistas estrangeiros, o apoio de agências de fomento para um campo em desenvolvimento mediante bolsas e auxílios, inclusive para pesquisas no exterior e, também, a organização dos profissionais da área em torno de sociedades, grupos de trabalho e grupos de pesquisa voltados para a História e a Arqueologia Clássica ou de caráter interdisciplinar, associados à Filosofia antiga ou às Letras Clássicas. No campo das desvantagens, tem-se o difícil acesso a documentos e centros especializados. A esse respeito, é importante considerar as inúmeras facilidades no universo virtual que encontram, hoje, aqueles que desejam realizar pesquisas nessas áreas, sobretudo em estágios iniciais como na graduação e no mestrado. Parte significativa da produção textual de autores gregos e romanos, por exemplo, pode ser encontrada em diferentes sítios confiáveis, disponíveis para download em edições bilíngües – inglês/latim, inglês/grego, francês/latim/francês/grego, por exemplo. Do mesmo modo, tem-se acesso também a bancos de imagens, grafites e evidências da cultura material com milhares de documentos. Com freqüência pode-se encontrar, também para download, artigos e livros resultantes de pesquisas desenvolvidas em importantes revistas on-line, bancos e bases de dados. Áreas de estudos crescentes, mas de constituição e consolidação recentes no Brasil, creio que a História e a Arqueologia

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do mundo antigo tendem a se fortalecer com o reconhecimento de sua importância e a manifestação desse reconhecimento por meio da concessão de recursos para seu estudo. Bibliografia

FUNARI, P.P.A. Teoria e métodos na Arqueologia contemporânea: o contexto da Arqueologia Histórica. In: FUNARI, P. P. A., FERREIRA, L. M. Cultura material histórica e patrimônio. Campinas: IFCH/Unicamp, 2003. pp. 23-34 (Coleção Primeira Versão) FUNARI, P. P. A. Importância da teoria arqueológica internacional para a Arqueologia sul-americana: o caso brasileiro. In: _______. Teoria Arqueológica na América do Sul. Campinas: IFCH/Unicamp, 1998. pp.13-32 (Coleção Primeira Versão) VIDAL-NAQUET, Pierre. Os gregos, os historiadores, a democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. VEYNE, Paul. O inventário das diferenças. História e Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1983.

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Sobre os autores

1. Organizadores

José Geraldo Costa Grillo é bacharel em Teologia (1988) pelo Seminário Presbiteriano do Sul, mestre em Ciências da Religião (1996) pela Universidade Metodista de São Paulo, bacharel em História (2003) pela Universidade Estadual de Campinas, e doutor em Arqueologia (2009) pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Foi professor de Grego e de Exegese Bíblica no Seminário Presbiteriano do Sul e de História Antiga e História Cultural na Universidade Bandeirante de São Paulo; fez pós-doutorado em Arqueologia Clássica na Universidade Estadual de Campinas e, atualmente, é professor de História da Arte Antiga na Universidade Federal de São Paulo. Aline Vieira de Carvalho é Pesquisadora e Coordenadora do Laboratório de Arqueologia Pública (LAP/NEPAM - Unicamp); Coordenadora Associada do Núcleo de Estudos e Pes-

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quisas Ambientais; professora do programa de pós-graduação em História (IFCH/Unicamp); professora participante do programa de pós-graduação em Ambiente e Sociedade (Nepam/ Unicamp) e da Faculdade de Educação (FE/Unicamp). Trabalha com a área da Arqueologia Pública, Patrimônio, Memória e Ambiente. Possui o título de doutorado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam/ IFCH/Unicamp: 2005- 2009) e mestrado em História Cultural (História/IFCH/ Unicamp: 2003/2005). É graduada em História (1999-2003), também pela Unicamp. É associada ao ICOM, WAC, SAB e ANPUH. Pedro Paulo Abreu Funari (1959-) é bacharel em História (1981), mestre em Ciências Sociais (Antropologia Social 1986) e doutor em Arqueologia (1990), sempre pela Universidade de S. Paulo, livre-docente em História (Unicamp 1996), Professor Titular (Unicamp 2004). Professor dos programas de pós da UNICAMP e USP, convidado da UFPR, orientador do mestrado em História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve (Portugal), research associate - Illinois State University, investigador asociado - Universidad de Barcelona, professor dos doutoramentos da Universidad Nacional de Catamarca e Universidad del Centro de la Provincia de Buenos Aires, ambas na Argentina, líder de grupo de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, assessor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, colaborador da Universidade Federal de Pelotas e professor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI-RS). Supervisionou 9 pós-doutoramentos, 19 doutoramentos, 29 mestrados, destacados pesquisadores e líderes em instituições de prestígio (UFMG, UFPR, UNIRIO, UERJ, MISCE, MASJ, UEL, UFPel, UCS, UEMG, UEM, UMESP, Uniplac, PUCPR, FESB, UNIFAP, UFS, UNIP, Unifesp, Un. Einstein de Limeira, UFG, UFBA, UNIFAL, UFMA).

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Supervisiona pós-doutoramentos de doutoras líderes da UNESP Franca e Assis. Na Unicamp, Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos (2007-2009) e representante do IFCH na CADI (2005-2009), membro da CAI/Consu (2009-2010), Assessor do Gabinete do Reitor. Participa do conselho editorial de mais de 30 revistas científicas estrangeiras e brasileiras. Publicou mais de 100 livros e de 150 capítulos nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Argentina, Colômbia, Brasil, entre outros, assim como mais de 400 artigos em mais de 130 revistas científicas estrangeiras e brasileiras arbitradas, como Current Anthropology, Antiquity, Journal of Social Archaeology, American Journal of Archaeology, Dialogues d’ Histoire Ancienne. Foram publicadas mais de 70 resenhas de seus livros, mais de 30 delas em revistas estrangeiras de ponta. Participou de mais de 270 bancas. Projetos conjuntos com pesquisadores estrageiros resultaram na visita de numerosos estudiosos, das principais instituições de pesquisa do mundo (Universidade de Southampton, Durham, Illinois, Barcelona, Havana, Buenos Aires, Londres, CNRS). Co-editou e co-edita enciclopédias como Encyclopaedia of Historical Archaeology, Oxford Encyclopaedia of Archaeology, Encyclopaedia of Archaeology (Academic Press). Participou de mais de 300 eventos e organizou mais de 30 reuniões científicas. Foi Secretary, World Archaeological Congress (2002-2003), membro permanente do conselho da Union Internationale des Sciences Préhistoriques e Protohistoriques (UISPP) e sócio da ANPUH, ABA, SAB, SBPH, SHA, SAA, WAC, ABIB, AAA. Líder de Grupo de Pesquisa do CNPq, sediado na Unicamp, com 39 pesquisadores e 44 estudantes, e vice-líder de dois outros grupos. Tem experiência na área de História e Arqueologia, com ênfase em História Antiga, atuando principalmente nos seguintes temas: Arqueologia, Historia Antiga, Arqueologia Histórica, História

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e Antiguidade, Latim, Grego, Cultura Judaica, Cristianismo, Religiosidades, Ambiente e Sociedade, Estudos Estratégicos, Turismo, Patrimônio. 2. Demais autores (Listados na ordem dos depoimentos)

José Remesal-Rodríguez é Professor Catedrático do Departamento de Pré-História, História Antiga e Arqueologia, Faculdade de Geografia e História, Universidade de Barcelona, Espanha. Foi professor da Universidad Complutense de Madrid, antes de tornar-se catedrático em Barcelona, há um quarto de século, quando também passou a dirigir com o professor José Maria Blázquez as escavações do Monte Testaccio, em Roma, Itália. Dirigiu escavações na Espanha e em diversos outros países, na Europa e na África do norte. Publicou diversos livros com grande impacto no âmbito da Arqueologia Clássica, como Heeresversorgung und die wirtschaftlicen Beziehungen

zwischen der Baetica und Germanien (Stuttgart, 1997), organizou inúmeros volumes, com apoio dos mais prestigiosos órgãos de financiamento à pesquisa da Espanha, Alemanha, França, Itália e União Europeia. Tem estudado e publicado, ainda, temas relativos à Históri a da Arqueologia. Membro da Real Academia de La Historia e da Union Académique Internationale, seus antigos alunos destacam-se como docentes nas principais universidades na Europa, África e América. Suas obras sobre a economia romana são referência nos currículos das principais universidades e obras de referência sobre o tema. Haiganuch Sarian (1938-) é Professora Titular de Arqueologia Clássica (aposentada) do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), onde é agora colaboradora e docente do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Livre-Docente em Arqueologia Clássica (MAE-USP, 2005) e doutora em Arqueologia Clássica (Uni-

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versité de Caen, França, 1966). Membro estrangeiro da École Française d’Athènes (EFA, 1966-1968). É, até hoje, Membro Sênior (Ancien Membre) da EFA, na qual é Diretora do projeto de pesquisa no santuário de Hera em Delos, Grécia, programa oficial dessa instituição. Tem experiência na área de Arqueologia, com ênfase em Arqueologia Clássica, atuando principalmente nos seguintes temas: Grécia, Arqueologia Clássica, Antiguidade Clássica, santuários da Grécia antiga, Iconografia Clássica e Cerâmica Clássica. É bolsista do CNPq, Produtividade em Pesquisa Nível 1a. Presidente fundadora da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC, 1985-1987), Vice-Presidente da Fédération Internationale des Associations d’Études Classiques (FIEC, 1999-2004) e Vice-Presidente do Conseil International de la Philosophie et des Sciences Humaines (CIPSH-UNESCO, 2004-2008). Maria Beatriz Borba Florenzano possui graduação em História pela Universidade de São Paulo (1973), mestrado em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1978) e doutorado em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1986). Atualmente é Professor Titular de Arqueologia Clássica no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Arqueologia, com ênfase em Arqueologia Clássica, atuando principalmente nos seguintes temas: Arqueologia Clássica, numismática antiga, iconografia monetária antiga, a moeda como instrumento de troca e de valor na antiguidade, organização do espaço e sociedade na Grécia antiga. Atualmente é coordenadora geral do LABECA/MAE, Laboratório de estudos da cidade antiga, sediado no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, e Diretora do mesmo Museu.

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Pedro Paulo Abreu Funari (Vide organizadores)

Fábio Vergara Cerqueira é doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (2001). Professor de História Antiga e Arqueologia Clássica do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas (1991-2010). Diretor do Instituto de Ciências Humanas da UFPEL (2002-2006 / 2006-2010). Coordenador do Laboratório de Antropologia e Arqueologia da UFPEL (2001-2010). Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (20012003). Coordenador Nacional do GT de História Antiga da Associação Nacional de História (2007-2009). Francisco Marshall é licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988) e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1996), Francisco Marshall realizou pós-doutorado na Princeton University (NJ, EUA, 1998), como bolsista Capes-Fulbright, convidado de Peter Brown, e na Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg (Alemanha, 2008-9), como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando no Departamento e no PPG História (IFCH) e no PPG Artes Visuais (IA). Pesquisador associado do LABECA-USP. Tem experiência nas áreas de História e de Arqueologia Clássica, com ênfase em História Antiga e Medieval, atuando principalmente em história antiga, arqueologia clássica, museologia, iconologia, estudos do imaginário e história da cultura. Cláudio Umpierre Carlan possui graduação em História pela Universidade Veiga de Almeida (1995), especialização em Arqueologia pela Universidade Estácio de Sá (1997), mestrado em História Social (Antiga e Medieval) pela Universidade Federal Fluminense (2000) e doutorado em História Cultural

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(Antiga e Medieval) pela Universidade Estadual de Campinas (2007), realizando estágio no exterior, Universidade de Barcelona, Espanha, como bolsista da CAPES. Membro do conselho consultivo da www.historiaehistoria.com.br e professor bolsista (ped) da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga e Medieval. Ministrou aulas em cursos de graduação e pós-graduação. Professor substituto de História da Ciência e Tecnologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), ministrando aulas no Departamento de História (Antigüidade Oriental) e no Departamento de Biblioteconomia (História da Ciência e Tecnologia) em 2008. Atualmente professor- adjunto de História Antiga da Universidade Federal de Alfenas / MG e professor visitante da Unversidad Carlos III de Madrid (Espanha). Marina Regis Cavicchioli possui graduação em Bacharelado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2001), graduação em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Campinas (2001), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2004) e doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2009). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga e Medieval. Atuando principalmente nos seguintes temas: Arqueologia, Iconografia, Pompéia, Roma Antiga, Sexualidade. Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa possui Licenciatura em História pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis (1987), Mestrado em História pela mesma instituição (1994) e Doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2002), tendo desenvolvido estágio doutoral em História e Arqueologia na Universidade de Barcelona e

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no Sítio Arqueológico de Pompéia. Pós-Doutorado em História e Cinema, com atenção para a composição dos estilos cinematográficos e de suas leituras sobre gênero e sexualidade para a Antiguidade, pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru. Atualmente é professora dos cursos de Licenciatura em História e de Especialização em Antropologia, ambos da Universidade do Sagrado Coração, de Bauru. Tem experiência na área de História Cultural e Arqueologia, com ênfase em História Romana, atuando principalmente nos seguintes temas: Relações de Gênero, Sexualidade, Cultura Popular, Inscrições Parietais, Historia e Antiguidade e nas releituras do universo antigo na Contemporaneidade. É pesquisadora associada ao Centro do Pensamento Antigo (CPA), da Unicamp, e membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC) e da Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH). Renata Senna Garraffoni possui graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas (1997), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1999) e doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Atualmente é professora magistério superior (adjunto III) na Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga, atuando principalmente nos seguintes temas: antigüidade clássica, cultura popular, cultura material e literatura latina, gladiadores romanos e releituras do mundo antigo na modernidade. Atua junto ao Centro de Pensamento antigo (CPA) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC), Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH), Roman Society for Classical Studies e World Achaeological Congress (WAC). Foi presidente da Associação Paranaense de História (APAH) no biênio 2008-2010.

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Julio César Magalhães de Oliveira possui graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas (1998), mestrado em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (2001) e doutorado em História e Arqueologia do Mundo Antigo pela Université Paris X, Nanterre (2006). Até 2008, foi pesquisador colaborador da Universidade Estadual de Campinas e bolsista (pós-doutorado) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Atualmente é Professor Adjunto de História Antiga da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga, atuando principalmente nos seguintes temas: História Romana, Antigüidade Tardia, África romana, Trabalho e movimentos sociais urbanos e Cristianismo antigo. Airton Pollini possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1996), mestrado em História Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1999) e doutorado em Histoire et archéologie des mondes anciens - Université de Paris X, Nanterre (2008). Atualmente é pesquisador colaborador do NEE da Unicamp. Tem experiência na área de História, com ênfase em Estudos Clássicos, atuando principalmente nos seguintes temas: poseidonia-paestum, escavação arqueológica, arqueologia, colonização grega no ocidente, história econômica e fronteira. Pedro Luís Machado Sanches é bacharel em Filosofia (2000) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), mestre em Ciências, área de concentração: Arqueologia (2004), e doutor em Arqueologia (2010) pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP). Foi assistente técnico do programa de pesquisas arqueológicas no

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Santuário da deusa Hera em Delos, Grécia (École Française DAthénes, direção: Dra. H. Sarian), em três de suas campanhas (2002, 2006 e 2008). Foi professor de teoria e metodologia da Arqueologia (2005 a 2008) no Colegiado de Arqueologia e Preservação Patrimonial da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Campus Serra da Capivara, Piauí. Atualmente, desempenha a mesma função no Colegiado de Museologia do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (ICH-UFPel), Rio Grande do Sul, além de presidir a comissão para implantação do Museu de Antropologia e Arqueologia de Pelotas. Tem experiência na área de Arqueologia, atuando em pesquisas dedicadas prioritariamente à atribuição de pintura, à ceramologia, às teorias arqueológicas, à iconografia, e aos estudos clássicos. Glaydson José da Silva possui graduação em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e mestrado (2001) e doutorado (2005), também em História, pela Universidade Estadual de Campinas, tendo desenvolvido estágio doutoral em História e Arqueologia (Sanduíche - 20032004) junto à Université de Paris I - Sorbonne e ao Musée des Antiquités Nationales de Saint Germain-en-Laye, na França. Foi professor Adjunto-A da Universidade Estadual de Londrina (UEL) - Paraná, entre abril e junho de 2008. Atualmente é professor Adjunto Nível I da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Guarulhos. É pesquisador colaborador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (onde realiza seu pós-doutoramento, iniciado em janeiro de 2006, com apoio financeiro da FAPESP - até fevereiro de 2008), universidade na qual ministrou disciplinas de Teoria da História e exerceu, de março de 2007 a abril de 2009, função de Diretor Associado do Centro de Estudos e Documentação do Pensamento Antigo Clássico, Helenístico e

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de sua Posteridade Histórica. Atualmente é Diretor deste mesmo Centro. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga, atuando, principalmente, nos seguintes temas: tradições interpretativas em História Antiga, relações entre antigüidade e modernidade/leituras contemporâneas do mundo antigo, História da França contemporânea e extremas direitas. É avaliador do Ministério da Educação para fins de autorização, reconhecimento e credenciamento de cursos de História. É membro da equipe responsável pela implantação da Proposta Curricular de História para o Ensino fundamental e Médio do Estado de São Paulo (2007-2008).

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COLEÇÃO HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA EM MOVIMENTO Direção: Pedro Paulo A. Funari Conselho editorial: Andrés Zarankin, Airton Pollini, José Geraldo Costa Grillo, Gilson Rambelli, Lúcio Menezes Ferreira, Renata Senna Garraffoni Títulos publicados: Amor e sexualidade - masculino e feminino em grafites de Pompéia

Lourdes Conde Feitosa

Gladiadores na Roma antiga: combates e paixões Renata Senna Garraffoni Identidades, discurso e poder - arqueologia contemporânea

Pedro Paulo A. Funari, Charles E. Orser Jr. e Solange Nunes de Oliveira Schiavetto (Orgs.) Jesus de Nazaré: uma outra história

André Leonardo Chevitarese, Gabriele Cornelli e Monica Selvatici (Orgs.) Alexandre Magno - aspectos de um mito de longa duração

Pedro Prado Custódio

Os xerente: um enfoque etnoarqueológico

Flávia Prado Moi

Judaísmo, cristianismo e helenismo

André Leonardo Chevitarese e Gabrielle Cornelli (Orgs.) História antiga e usos do passado

Glaydson José da Silva

História antiga: contribuições brasileiras

Pedro Paulo A. Funari, Glaydson José da Silva, Adilton Luís Martins (Orgs.) A arte dos regimes totalitários do século XX

Vanessa Beatriz Botulucce

Brasil Central: 12.000 anos de ocupação humana no rio Tocantins

Walter Fagundes Morales

Cultura militar e de violência no mundo antigo

Luiz Alexandre Solano Rossi

Arqueologia da repressão e da resistência: América Latina e ditaduras

Pedro Paulo Funari, Andrés Zarankin e José Alberioni dos Reis (Orgs.)

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Subjetividades antigas e modernas

Margareth Rago e Pedro Paulo Funari (Orgs.) Política e identidades no mundo antigo

Pedro Paulo A. Funari e Maria Aparecida de Oliveira Silva (Orgs.) Identidades fluídas no judaísmo antigo e no cristianismo primitivo

Paulo Augusto de Souza Nogueira, Pedro Paulo A. Funari, John J. Collins (Orgs.) Arestas do Poder

Adilton Luís Martins Geoarqueologia de um sambaqui monumental

Ximena S. Villagran

Entre ilhas e correntes

Aline Vieira de Carvalho Sexo e violência - realidades antigas e questões contemporâneas

José Geraldo Costa Grillo, Renata Senna Garraffoni, Pedro Paulo A. Funari (Orgs.) A construção da pirataria: o processo de formação do conceito de “pirata” no período moderno

Leandro Domingues Duran

“O Príncipe do Egito”: um filme e suas leituras na sala de aula

Raquel dos Santos Funari

Moedas: a Numismática e o estudo da História

Cláudio Umpierre Carlan e Pedro Paulo A. Funari Os manuscritos do Mar Morto – Uma introdução atualizada

Jonas Machado e Pedro Paulo A. Funari

Uma análise político-religiosa da contenda entre Basílio de Cesareia e Eunômio de Cízico (séc. IV d.C.)

Helena Amália Papa

Moeda e poder em Roma – Um mundo em transformação

Cláudio Umpierre Carlan

Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil: depoimentos

José Geraldo C. Grilo, Pedro Paulo A. Funari e Aline V. de Carvalho

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Caro Leitor, Agradecemos pela aquisição desta publicação da Annablume Editora. Desde 1993, a Annablume edita ensaios acadêmicos sobre os mais diversos temas ligados às Humanidades. Gostaríamos de mantê-lo atualizado sobre nossos lançamentos, eventos, reedições e promoções nas áreas de seu interesse. Basta acessar o nosso site (www.annablume.com.br), informar seus dados na seção Cadastre-se e selecionar os assuntos sobre os quais você deseja receber informações. Obrigado e até breve! José Roberto Barreto Lins Editor

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