Os caminhos do cinema em Goiás

June 13, 2017 | Autor: Jô Levy | Categoria: Cinema, Audiovisual, História De Goiás, Regional Cinema
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Os caminhos do cinema em Goiás Jô Levy Revista Janela – 13/03/2012

Pouco mais de uma década depois da primeira exibição de cinema do mundo, Goiás inaugurava sua primeira sala de cinema. Era 1909, Cine-Teatro São Joaquim, na cidade de Goiás, então capital do Estado. A chegada do cinema em Goiás não representou um impulso à produção cinematográfica goiana, visto que o primeiro filme de longa-metragem em película só se realizou em 1968, era “O diabo mora no sangue”, com produção, argumento e atuação de João Bennio (1927-1984) e direção de Cecil Thiré. Por meio de uma negociação relativamente informal, Bennio conseguiu financiamento do Banco Mineiro do Oeste para a produção do longa que foi exibido em 39 países, ficou 40 dias em cartaz no antigo Cine Capri, no centro de Goiânia, e obteve lucro suficiente para a compra de um carro de luxo, como revelou o próprio Bennio em entrevista ao então jornalista Beto Leão (1958 – 2010). Um ano depois, Bennio dirigiu seu primeiro filme, “Simeão, o Boêmio”, que não logrou o mesmo sucesso. Ainda produziu “Tempo de Violência”, também em 1969, e dirigiu em 1973, “O Azarento – Um homem de sorte”. Sobre as dificuldades de trabalhar com cinema em Goiás, Bennio em certa ocasião disse uma frase lapidar: “aqui nós não temos que abrir passagem, nós temos que dinamitar o caminho”. As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelo fechamento das salas de cinema, tanto na Capital quanto no interior. O primeiro cinema de Goiânia, inaugurado em 1936, o Cine Campinas, passou a abrigar uma loja comercial. Esse foi o mesmo destino de diversas salas de exibição, como o Cine Presidente, Goiás, Eldorado, Frida, entre outras. Algumas salas passaram a exibir filmes eróticos, como o Cine Santa Maria, o primeiro da região central de Goiânia, inaugurado em 1939, com o nome de Cine Popular. E como em outros estados brasileiros, muitos cinemas se “converteram” em igrejas evangélicas,

tais como o Cine Rio, Cine Capri, Cine Casablanca (que teve também sua fase erótica) e o Cine Ouro, antes de se transformar em Centro Cultural. Ivan Roriz, falecido em 2008, foi proprietário das principais salas de cinema de Goiânia entre as décadas de 1960 e 1980. Em entrevista concedida ao curso de Comunicação Social/Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás, no ano de 2007, ele avaliava que a evasão do público das salas de cinema se deveu, entre outros fatores, à obrigatoriedade dos exibidores de terem que cumprir a cota de tela para filmes nacionais. “O grande público fazia do cinema um programa familiar e não queria ver nem as ‘pornochanchadas’ e nem as ousadias do Cinema Novo”, explicou Roriz. Pode-se somar aos motivos alegados pelo Sr. Ivan, o aumento da audiência da televisão, o surgimento do videocassete e o crescimento do mercado de homevideo, a precarização do centro da cidade como espaço de lazer, o surgimento dos shoppings centers e a consolidação do modelo multiplex para as salas de exibição. Além da produção goiana ter sido inconstante e pouco estruturada, boa parte do legado histórico cinematográfico de Goiás desse período foi destruído pela ação do tempo. O esforço do pesquisador e documentarista Beto Leão em registrar a história do cinema em Goiás, resultou na publicação de pelo menos cinco livros, dentre os quais podemos destacar “Goiás no século do cinema”, de 1995, o qual divide a autoria com o cineasta Eduardo Benfica. Muitas das referências históricas do presente texto advém desta obra. Alguns realizadores goianos, ainda no século XX, eram profissionais da publicidade e bancavam do próprio bolso as suas investidas cinematográficas. O publicitário Hugo Brocks (OM&B Propaganda), por exemplo, além de atuar no filme “O diabo mora no sangue”, assinou o roteiro do filme juntamente com o ator e diretor polonês Ziembinski. Em 1978, José Petrillo (Truka Filmes), também publicitário, trouxe para Goiás o Troféu Candango no 11º Festival do Cinema Brasileiro de Brasília pelo documentário em curta-metragem “Cavalhadas de Pirenópolis”.

Fundada por Antônio Eustáquio – o Taquinho, João Bennio e Ronan Carvalho, a Take Filmes tornou-se, na década de 1980, uma das maiores produtoras de filmes de ficção, documentários e vídeos publicitários. É também do final dessa década a primeira produção cinematográfica assinada por uma mulher. Rosa Berardo dirigiu em 1989 o curta em 35mm “André Louco” exibido no recém inaugurado Cine Cultura, primeiro cinema público de Goiânia.

NASCE O CINECLUBISMO EM GOIÁS Na década de 1970, o interesse pelo cinema como expressão artística e política levou alguns jovens a se reunir no Cine Rio, no bairro de Campinas, para as sessões do “Cinema de Arte”. Na ocasião, eram exibidos filmes “raros” e que não estavam no circuito comercial. É possível notar aí o princípio do cineclubismo em Goiás. Essa nova geração de cinéfilos, também engajados no movimento estudantil, foi responsável pela criação do Cineclube Antônio das Mortes em 1977. Entre fundadores e participantes estavam Ricardo Musse, Lourival Belém, Herondes Cesar, Lisandro Nogueira, Eudaldo Guimarães, Divino José, Noemi Araújo, Luiz Cam, Pedro Augusto de Brito, Ronaldo Araújo, Márcio Belém, Hélio Brito, entre outros. O grupo promovia mostras de filmes, seminários temáticos e debates com atenção aos aspectos estéticos e políticos das obras. Vale lembrar que esta era uma fase de acirrada repressão decorrente do regime militar. Na década de 1980, alguns cineclubistas passaram também à condição de realizadores, dando impulso à implantação da seção Goiás da ABD – Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas, em 1985. Nos dias atuais o Cineclube Cascavel, uma promoção da ABD-GO, constitui um espaço de reflexão e debate, assim como o Cineclube Laranjeiras, da UEG, e iniciativas independentes como o Desbitola, ciclo de debates que, entre os anos de 2007 e 2009, buscou difundir e discutir o cinema goiano. Em 2012, a cidade de Anápolis sediou o I Encontro Anápolis de Cineclubes Goianos. O evento realizado pelo Cineclube Xícara da Silva, de Anápolis, contou com a participação de cineclubes de

Goiânia, Jataí e Acreúna, além de cineclubistas de outros estados numa mostra de que, a despeito das facilidades de difusão da era digital, o cineclubismo segue existindo como um espaço de compartilhamento.

SURGEM OS FESTIVAIS Da cidade de Rio Verde e dez anos depois veio o segundo longametragem de Goiás, “Igrejinha da Serra”. O drama sertanejo filmado em 35mm foi dirigido por Alberto Rocco e o paulista Henrique Borges, em 1979, contudo, diferente do filme inaugural de Bennio, não há registros públicos disponíveis dessa obra. A produção literária de Bernardo Élis inspirou muitos projetos cinematográficos e trouxe para Goiás diversos profissionais do audiovisual atraídos pelo cenário local e pelos incentivos financeiros do Governo do Estado. Como exemplo podemos citar o longa de 1981 “Índia, a filha do Sol”, estrelado por Glória Pires e dirigido pelo carioca Fábio Barreto e “O tronco”, dirigido pelo mineiro João Batista de Andrade, em 1999. Em 1992, Wilmar Ferraz, da Universidade Federal de Goiás, dirigiu “Tropas e Boiadas”, baseado na obra de Hugo de Carvalho Ramos. Com 101 minutos, possivelmente é um dos primeiros vídeos universitários brasileiros de longa-metragem. A ausência de um festival ou mostra para dar visibilidade à produção local, congregar os realizadores, socializar suas obras e garantir o registro e a conservação das mesmas perdurou até 1999 quando foi criado o FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – evento promovido pelo Estado, com realização anual na Cidade de Goiás. O festival recebe inscrições de diversos países e prioriza a temática ambiental. Paralela ao FICA ocorre a Mostra ABD, aberta a filmes goianos de temáticas variadas. A partir de 2001, a Goiânia Mostra Curtas, festival de curtasmetragens nacionais promovida pelo Icumam – Instituto de Cultura e Meio Ambiente, passou a compor a agenda de eventos audiovisuais de Goiânia. Em 2002, a mostra “O amor, a morte e as paixões”, com

coordenação e curadoria de Lisandro Nogueira trouxe para Goiânia filmes de diversas nacionalidades, recém exibidos nos principais festivais de cinema do Brasil e do mundo. Essa mostra foi descontinuada, mas retornou em 2012 em sua 5ª edição. O circuito itinerante “Cinema Popular”, organizado pelo Icumam, tem promovido desde 2004 exibições de filmes nacionais em praças públicas de cidades do interior de Goiás. Em 2005, a prefeitura de Goiânia lançou o FestCine Goiânia, festival de filmes nacionais de longa-metragem e mostras paralelas de filmes de curta-metragem goianos, vídeos universitários e caseiros. O vídeo universitário teve o seu espaço com a MIAU – Mostra Independente do Audiovisual Universitário, promovida pela Estação Filmes, entre 2008 e 2010. Ainda com espaço para a produção universitária, porém buscando um diálogo com produções de outros países da América Latina, o Perro Loco, um projeto de extensão da Universidade Federal de Goiás, esteve presente no calendário cultural de Goiânia, entre 2007 e 2010. A Mostra Trash, uma produção da Monstro Discos, cujo foco era a exibição de filmes independentes, teve sua última edição em 2010. O II Anápolis Festival de Cinema, realizado em 2012, é uma promoção da prefeitura de Anápolis, e tem como particularidade uma mostra competitiva de filmes anapolinos, além da exibição de filmes regionais e nacionais. Não é difícil notar que a criação e manutenção da maioria dos festivais e mostras de cinema em Goiás, bem como o incremento à produção na última década tem uma relação direta com a implantação das leis de incentivo. No ano 2000, entraram em vigor duas leis de incentivo, sendo uma de âmbito estadual e outra municipal, respectivamente a Lei Goyazes (Lei 13.613) e a Lei Municipal de Incentivo à Cultura (Lei 7.957). Há também o “Prêmio para roteiros originais de curta-metragem do FestCine Goiânia” que destina uma verba à produção de cinco curtas por ano. Em âmbito nacional, a produção cinematográfica contou com o financiamento direto da Embrafilme entre 1969 e 1990. A partir de 1991, com a Lei Rouanet e em 1993 com a Lei do Audiovisual

mudou-se a dinâmica de investimento. Por meio de isenção fiscal, empresas privadas são incentivadas a investir em cultura e cinema. Em 2003, é criada a Ancine – Agência Nacional do Cinema, com o objetivo de regular, fiscalizar e fomentar o setor audiovisual. Como as etapas de produção, distribuição e exibição vêm sofrendo mudanças estruturais com a digitalização, é possível notar que o Governo Federal tem lançado editais com o intuito de favorecer a produção audiovisual para as novas mídias e evidencia-se também um incentivo às iniciativas que conseguem conjugar inclusão digital com inclusão social. Com os equipamentos digitais para captação de imagens cada vez mais baratos e portáteis e as possibilidades de compartilhamento de vídeos pela internet, verifica-se uma demanda crescente por conteúdo audiovisual.

TECNOLOGIA, QUALIFICAÇÃO E FORMAÇÃO Do ponto de vista da produção, o acesso a equipamentos digitais tem contribuído para a sensível melhora na qualidade técnica das produções goianas, haja vista a participação e premiação de obras locais em importantes festivais nacionais e internacionais. Contudo, ainda é preciso aproveitar as novas janelas de exibição e tirar proveito de novos modelos de negócios. A falta de investimento na formação e qualificação da mão de obra, ainda é um problema, uma vez que esta é uma etapa estratégica para a profissionalização do mercado. Desde 2004, o Icumam oferece cursos de pequena duração voltados para a formação profissional para o cinema e, apesar da existência de alguns cursos de Cinema, em nível de pós-graduação lato sensu, promovidos pela Cara Vídeo/ IFITEG e pela Faculdade Cambury e antes pela Skopos, apenas em 2006 Goiás passou a contar com um curso de graduação na área. Trata-se do curso superior de Comunicação Social, com habilitação em Audiovisual, oferecido pela Universidade Estadual de Goiás. O ganho com a implantação do curso é a presença de um espaço

permanente para a discussão e pesquisa sobre o Audiovisual, além de ambiente propício à experimentação. Chegamos a 2012 e em Goiás, como no restante do Brasil, fazer filmes ainda é uma atividade dependente do amparo, da agenda e dos humores do Estado. E convenhamos, ninguém vive de fazer um curta por ano ou de projetos esporádicos. Como tornar o cinema e, de modo mais amplo, o audiovisual, uma experiência cultural significativa para o público e um bom negócio para realizadores e investidores são as cenas dos próximos capítulos que queremos ver nesta história.

http://janela.art.br/especiais/os-caminhos-do-audiovisual-em-goias/

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