Os comunistas brasileiros e a dissidência de Agildo Barata

June 14, 2017 | Autor: Icaro Alves | Categoria: Communist Party of Brazil, Marxism-Leninism, New Political History
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Universidade do Estado da Bahia Campus I Departamento de Ciências Humanas I Curso: Licenciatura em História Componente Curricular: Introdução aos Estudos Históricos Professor: Dr. Charles Santana Aluno: Ícaro Leal Alves Data de entrega: Outubro de 2015

Os comunistas brasileiros e a dissidência de Agildo Barata

Nesse artigo estudaremos a crise do PCB e a dissidência surgida no interior desse partido entre os anos de 1956-1957. Tomaremos como base para isso documentos políticos do Partido daquele período, bem como o livro de memórias do ex-dirigente comunista Agildo Barata, mais bibliografia auxiliar. Esse trabalho se dividirá em três partes; na primeira estudaremos a conjuntura do movimento comunista internacional nos primeiros anos posteriores ao 20º Congresso do PCUS; em seguida analisaremos alguns dos problemas enfrentados pelo Partido Comunista do Brasil durante a década de 1950; por fim vamos nos deter especificamente na dissidência partidária comandada por Barata em meio à crise política dos comunistas brasileiros, buscando entender as condicionantes das alterações e das dissenções internas do comunismo pós-1956. É importante lembrar que esse artigo serve como os passos iniciais para o nosso futuro trabalho de conclusão de curso, no qual pretendemos tratar da divisão do movimento comunista brasileiro, entre fins dos anos 1950 e princípios dos anos 1

1960, em torno das questões da desestalinização para uns, ou, revisionismo para outros. O 20º Congresso do PCUS e o movimento comunista internacional Para compreender as lutas políticas no interior do Partido Comunista do Brasil (PCB)1 entre os anos de 1956 e 1957 é necessário conhecer os principais acontecimentos do movimento comunista internacional naqueles anos. Em fevereiro de 1956, em Moscou, se realizou o 20º congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Nele Kruschov leu o seu relatório secreto denunciando o culto a personalidade de Stalin. Ao mesmo tempo o Congresso sustentava duas novas teses; a ideia de que novas guerras não eram mais inevitáveis e que em alguns países capitalistas a passagem ao socialismo seria possível sem uma revolução violenta.2 O ponto de interesse dessas teses decorre de um fenômeno analisado por Eric Hobsbawm: o revisionismo. Para ele, o revisionismo abarca dois períodos históricos: um ao término do século XIX e outro a partir dos anos 1950; sendo um reflexo da “crise do marxismo” em decorrência da estabilização temporária do capitalismo no mundo ocidental. Ainda para Hobsbawm, o termo revisionismo sugere um abandono da luta de classes, da revolução e do socialismo, estando à direita do espectro político do comunismo. Ele nota que “O revisionismo dos anos 50 estava em grande parte preocupado com os problemas internos do socialismo – especialmente do stalinismo”.3 Como decorrência dessas resoluções, o ano 1956 foi um ano de crise para o movimento comunista. Em março, Lazlo Rajk e outros condenados e executados em 1949 têm sua memória reabilitada na Hungria. No mês seguinte, a Polônia liberta seus presos políticos, entre os quais o ex-dirigente comunista Gomulka. Em 19 de

1 Essa era a denominação e a sigla do partido até 1962. BUONICORE, Augusto. Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas. São Paulo: Anita Garibaldi, 2012. p. 37 2

BABY, Jean. As grandes divergências do mundo comunista. São Paulo: Senzala, s/d. p. 15

3 HOBSBAWM, Eric. Revolucionários. – 4ª edição – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. p. 136137-138 2

outubro, a 8ª sessão plenária do comitê central o partido polonês denuncia a tutela soviética; dois dias depois o Marechal soviético Rokossovski é afastado do Ministério da Defesa polonês e Gomulka – o ex-preso político – assume a direção do governo. Após o afastamento dos dois principais dirigentes húngaros – Rakosi e Geroë – eclodem duas sublevações armadas no país: ambas suprimidas por intervenções soviéticas.4 Nesse ponto o relato de autores com diferentes pontos de vista parecem convergir: Para Jean Baby, o movimento tomou um caráter separatista e contrarrevolucionário; Hobsbawm é da opinião de que a direção daqueles eventos estava longe de qualquer espécie de leninismo; mesmo Agildo Barata – um dos nossos personagens e simpatizante do levante – admite que o mesmo foi “solertemente explorada pelo imperialismo americano”5. Os dois principais PCs ocidentais – o italiano e o francês – adotariam posições bem distintas com relação àqueles acontecimentos, porém, desde o primeiro momento período, os protagonistas principais da divergência foram, nos bastidores, os chineses e os soviéticos, como se saberia posteriormente. O PC chinês publicou, ainda em abril, um estudo sobre a questão de Stalin: no qual ao falecido dirigente soviético foi atribuído o erro do subjetivismo – mais tarde a análise dos chineses sobre Stalin seria matizada com uma ênfase maior nas realizações do socialismo soviético e seu papel na defesa doutrinária do leninismo –; o documento também avançou a ideia da permanência das contradições na sociedade socialista e reafirmou os métodos de direção adotados pelo partido desde 1943. Um novo estudo foi publicado em dezembro do mesmo ano. Fugiríamos ao tema do nosso artigo se nos debruçássemos na análise das teses chinesas, porém, importa notar aqui, que já nesse segundo estudo os chineses levantam o problema do revisionismo, que definem como “uma corrente que procura revisar o marxismoleninismo.”6

4

BABY, Jean. Op. Cit. p. 20

5 BABY, Jean. Ibidem. p. 20; HOBSBAWM, Eric. Op. Cit. p. 135; BARATA, Agildo. Vida de um revolucionário (memórias). São Paulo: Alfa-Omega, 1978. p. 357 6

BABY, Jean. Op. Cit. p. 19, 15-16-17 e 26 3

As divergências entre soviéticos e chineses levaria ao primeiro atrito, em novembro de 1957, durante a conferência de Moscou entre os dirigentes dos doze partidos comunistas dos países do campo socialista. O representante dos iugoslavos – mais radicalmente próximos das teses reconhecidas como revisionistas – se recusa a assinar a declaração aprovada naquela reunião. Já os chineses apresentaram críticas a alguns pontos da proposta inicial dos soviéticos, os referentes à: passagem pacífica do capitalismo ao socialismo e sobre o imperialismo norte-americano. O documento aprovado foi, por fim, uma solução de compromisso e de certa maneira encerrou o primeiro período de divergências e reviravoltas no movimento comunista internacional (MCI), iniciado com o congresso de fevereiro de 1956. Os chineses admitiriam depois que não ficaram satisfeitos com a formulação final do ponto referente à passagem do capitalismo ao socialismo – no qual se faz concessões as posições soviéticas –, mas conseguiram impor seus pontos de vista no tocante a necessidade da denunciar do governo dos EUA. Outro ponto polêmico foi a menção a importância do 20º Congresso do PC soviético para o MCI, outra tese dos soviéticos presente no documento aprovado.7 Problemas do movimento comunista brasileiro O ano de 1956 faz parte de um período agitado da política brasileira. O crescimento do movimento operário, cujo número de grevistas cresce de meio milhão para 1,5 milhão no período de 1955-19608, combina-se a emergência do nacionalismo – com a formação da Frente Parlamentar Nacionalista, em março de 1956, e do seio desta, da Liga Nacionalista do Brasil, três anos depois 9. O presidente eleito, Juscelino Kubitschek, só pôde assumir, em janeiro, graças a um pronunciamento militar do Marechal Lott, em meio à intensa atividade conspiratória da oposição udenista e de setores do exército 10. A conspiração oposicionista e a

7

BABY, Jean. Ibidem. p. 35 a 37

8

KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro. São Paulo: Alfa-Omega, 1982. p. 452

9

KOVAL, Boris. Ibidem. p. 446 e 449

10 BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 122 e SANTOS, Raimundo. Crise e pensamento moderno no PCB dos anos 50. In MORAES, João Quartim de e REIS, Daniel Aarão (Orgs.). História do marxismo no Brasil: volume I – O impacto das revoluções. – 2ª edição – Campinas: Unicamp, 2007. p. 204 4

agitação social não cessaram sob JK; seu primeiro ano de governo foi marcado por duas sublevações de jovens aviadores e pela violenta revolta contra o aumento dos preços dos bondes no Rio de Janeiro11. Foi nesse cenário que o PCB – então um pequeno partido proscrito pela lei – viveria sua crise. Após a cassação do seu registro legal, em 1947, seguiu-se um ininterrupto período de provocações e perseguições policiais. Somente no governo do Marechal Dutra, dezenas de comunistas foram mortos e centenas enviados à prisão. Entre 1948 e 1950, o Supremo Tribunal Federal decretou a prisão preventiva dos principais dirigentes do partido. O momento mais marcante desse processo foi o assassinato de Zélia Magalhães, em praça pública, em 1949, por forças policiais. Durante os anos do segundo governo Vargas essa situação não foi eliminada.12 Para o historiador Augusto Buonicore: essa política autoritária reforçou o radicalismo dos comunistas. Já no manifesto de janeiro de 1948, o partido faz uma autocrítica de sua política anterior, baseada no apelo a colaboração operáriopatronal. No manifesto de agosto de 1950, a burguesia é encarada como completamente ao lado do imperialismo. Nesse período o PCB adota uma tática de isolamento, e a partir de 1950, seus alvos preferenciais são o PSB e o PTB. O Partido também não identifica qualquer matização entre os governos Dutra e Vargas.13 Outro efeito significativo do autoritarismo do Estado brasileiro sobre os comunistas diz respeito a sua estrutura organizativa. Segundo o veterano do movimento comunista gaúcho, João Aveline, desde a cassação do registro do Partido, os dirigentes nacionais passaram a atuar sob a perspectiva de serem presos; a necessidade de segurança criou, dessa maneira, uma estrutura de direção absolutamente clandestina14. Esse é um ponto que nos leva a questionar certas

11 BASBAUM, Leôncio. História sincera da república: de 1930 a 1960. – 4ª edição – São Paulo: Alfa-Omega, 1976. p. 221-222 12

BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 101 a 103

13

BUONICORE, Augusto. Ibidem. p. 100 a 103

14

BUONICORE, Augusto. Ibidem. p. 130 5

análises que tendem a ver nas reverberações do 20ª Congresso sobre o partido brasileiro uma luta contra o autoritarismo15. Tendemos a opinião de que era o próprio rigor das demandas de segurança e a subsequente clandestinidade da organização que impossibilitavam a plena realização da democracia no interior daquele partido, algo que não poderia ser solucionado por uma resolução política. Outros elementos nos levam a crer que as “retificações” pós-1956 não corrigiram o autoritarismo – é o caso da formação, em 1957, de uma comissão “ultrassecreta” para reformular a linha oficial; e da adoção, pela direção, de programa e estatutos novos, sem o aval do congresso partidário, em 196116. Contradições como essa são notáveis também no MCI. Por exemplo, apesar das diferenças de opinião entre soviéticos e chineses na “questão Stalin”, dificilmente se pode crer que a distorção do poder unipessoal tenha sido corrigida na União Soviética. Após ser colocado em minoria no Presidium do partido, pelo grupo de Malenkov e Kaganovitch, Kruschov tratou de afastar seus adversários daquele órgão. Mais tarde afastou o Marechal Zhukov, em favor de Malinovsky, o que ajudou a consolidar seu poder entre os militares. Isso combinado aos sucessos tecnológicos da URSS naquele ano de 1957, que fortaleceram sua autoridade pessoal perante a população. Na China, por sua vez – se bem que o culto a personalidade de Mao Tsé-tung continuasse forte e em anos posteriores recrudescesse até ao paroxismo – , se tomavam medidas de retificação. Já em 1956 é inaugurado o Movimento das Cem Flores, que visava promover a liberdade de expressão no campo das ciências e das artes. Em 27 de fevereiro de 1957, Mao pronunciou, diante da 11ª conferência suprema do Estado, um discurso onde avançava a ideia de corrigir, na repressão aos contrarrevolucionários, as distorções que afetavam a vida do povo. 17

15 Essa é a interpretação em Edgard Carone, concordando com a leitura oficial do PCB. Vide CARONE, Edgard. Introdução. In __________ (Org.). O P.C.B. (1943-1964): volume II. São Paulo: DIFEL Difusão Editorial S. A., 1982. p. 8. Raimundo Santos parece concordar com essa tese, porém, acentuando que as reformas empreendidas foram limitadas. Ambos utilizam o termo “mandonismo”, léxico cunhado pela própria direção comunista naqueles anos para designar o que viam como distorções do centralismo democrático. O termo burocratismo ou burocratização também é comumente aceito. Vide SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 210. 16

BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 129 e 146

17

BABY, Jean. Op. Cit. p. 35 e p. 28-29 6

A crise do PCB e a dissidência de Agildo Barata Já afirmamos que não consideramos que as retificações do período posterior a 1956 tenham representado qualquer espécie de quebra do autoritarismo nas estruturas de organização do PC no Brasil, resta-nos, portanto, saber o que elas significaram. Talvez não sejamos capazes de esclarecer esse problema por hora, mas iniciaremos o seu estudo, nos atentando aos primeiros momentos da crise iniciada no partido naquele período, sobretudo com a observação da luta contra a dissidência que teve Agildo Barata como seu personagem icônico e foi diretamente derivada dessa crise. Os primeiros meses após o encerramento do 20 º Congresso soviético foram marcados pela perplexidade e o silêncio entre os comunistas brasileiros. As notícias chegaram ao conhecimento desses por meio dos grandes meios de comunicação – o jornal de grande circulação O Estado de São Paulo publicou na integra o relatório de Kruschov. A autenticidade do documento, inicialmente desacreditado pelos comunistas, confirmar-se-ia para estes através da leitura dos artigos de dirigentes comunistas norte-americanos e italianos. Ao longo do ano, em meio à inexistência de um debate sobre o tema, a insatisfação e inquietude de muitos membros do partido cresceriam à medida que tomavam conhecimento das notícias dos agitados acontecimentos no mundo socialista que povoaram aquele ano; como a disputa entre soviéticos e poloneses por intermédio dos seus órgãos de imprensa oficial – Pravda e Tribuna Ludu –; a deposição do dirigente comunista húngaro, Matias Rakosi; ou, a publicação dos artigos do publicista soviético Suslov sobre os problemas da democracia no socialismo18. A ausência completa de uma discussão aberta no interior do PCB, ou mesmo, de uma manifestação oficial da direção sobre o 20º Congresso, se devem, em parte, ao atraso de um relatório oficial da delegação brasileira sobre aquele acontecimento. É que Diógenes Arruda, o represente brasileiro no congresso, realizou uma visita à China após o seu encerramento e só em Pequim tomou conhecimento do relatório –

18

SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 206-208 7

cuja leitura não foi aberta a todos os convidados – sendo forçado a retornar a Moscou para confirmar o que havia se passado19. Após o retorno de Arruda ao Brasil foram realizadas duas reuniões do Comitê Central, até o final de setembro. O centro da discussão em ambas foi o relatório de Kruschov. Isso demonstra que a discussão política permaneceria envolta pela socapa da desestalinização. Já na segunda reunião do CC de setembro, uma comissão foi formada para redigir um projeto de resolução sobre os ensinamentos do 20º Congresso do PCUS20. Sua composição – D. Arruda Câmara, Agildo Barata e João Amazonas, entre cinco membros – demonstra uma tentativa sincera de estabelecer uma unanimidade consentida entre os comunistas21. O documento aprovado pela comissão marca certa prudência: afirma que “Todos nos chocamos com a gravidade dos erros cometidos por Stalin e pelo Comitê Central do PCUS sob a direção de Stalin”, mas ponderava “Só em sua perspectiva histórica é que podemos apreciar corretamente os erros e compreender as causas”22. Porém, a revelia da direção partidária, iniciou-se o debate aberto através das páginas do órgão oficial do partido – o jornal Voz Operária. O debate é inaugurado pela publicação do artigo de João Batista de Lima e Silva, em 6 de outubro de 1956. O artigo de João Batista apelava para a necessidade de relacionar o exame do culto a personalidade de Stalin com os erros cometidos pela direção do PCB. Em seguida, publicaram-se diversas cartas e artigos, em geral críticos à direção23. Para Bounicore os acontecimentos posteriores romperiam o centralismo democrático 24 –

19

BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 123

20

BUONICORE, Augusto. Ibidem. p. 124

21 Apesar de posteriormente ser um dos dirigentes do PCdoB a essa altura Diógenes Arruda Câmara ainda sustentaria posições muito mais próximas das de Luís Carlos Prestes do que das de João Amazonas Pedrosa, sendo, portanto, a composição da comissão de resolução bastante diversificada. 22 Projeto de resolução do C.C. do P.C.B. sobre os ensinamentos do XX congresso do P.C. da U.R.S.S. (20/10/1956) In CARONE, Edgard (Org.). O P.C.B (1943-1964): volume II. São Paulo: DIFEL Difusão Editorial S. A., 1982. p. 148-149 23

SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 208

24

BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 126 8

princípio organizativo dos partidos oriundos da terceira internacional. Concordamos com a opinião do autor a medida que, no bojo da crise política de fins de 1956, cristalizou-se no interior do PCB uma tendência política fracionária. Verifiquemos se os acontecimentos nos concedem razão. Sigamos a resenha de Raimundo Santos, autor que demonstra bastante simpatia às opiniões expressas por Barata e outros militantes com pontos de vista similares, nas quais vê o surgimento de uma tendência modernizadora das formulações pecebistas. Para ele é emblemático daquelas tentativas de reavaliação, o artigo de Armando Lopes da Cunha, publicado em 27 de outubro, na Voz Operária. Segundo ele, o maior mérito do mencionado artigo é questionar o “pensamento sectarizado na orientação e na ideologia pecebista” cuja base era a ideia de que o desenvolvimento capitalista seria impossível antes da derrubada do atual governo 25. Os acontecimentos históricos parecem concordar com o argumento de que o desenvolvimento do capitalismo de fato não era impossível no Brasil sem uma revolução popular, como até então era preconizado pelo PCB26, porém, as conclusões que dai derivaram muitos dos críticos da linha oficial devem ser tratadas mais detidamente. É que concluíam eles, a exemplo do mencionado artigo de Lopes da Cunha, isso significava que o Brasil já caminhava rapidamente para a sua independência nacional27. Isso não só nos parece uma violação aberta da linha política seguida pelo PCB, como somos forças a concordar mais uma vez com A. Buonicore, para quem, essas críticas chegavam a aventar a transformação da organização em um partido nacionalista de tipo socialdemocrata28.

25

SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 210-211

26 Pretendemos estudar detidamente, em outro artigo, o problema das concepções dos comunistas brasileiros sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e a sua relação com a dependência da economia nacional em relação ao capital financeiro dos países mais adiantados, bem como o papel da grande propriedade latifundiária como entreve ou propulsora desse desenvolvimento. Esse foi um dos debates que caracterizaram o período de reformulação política dos comunistas nos anos que antecederam a ruptura de 1962. Utilizaremos como fonte para essa investigação a Seção Tribuna de Debates publicada como encarte no semanário comunista Novos Rumos nos meses que antecederam ao 5º Congresso do PCB de 1960. 27

SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 211

28

BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 126 9

A situação se tornaria ainda mais grave à medida que o Comitê Regional do Ceará rompia abertamente com a linha oficial e o órgão do partido recusava-se a obedecer às ordens do CC para que se encerrassem as discussões 29. Em novembro, Prestes envia uma carta ao Comitê Central no qual afirma “Não devemos reconhecer a quem quer que seja o direito de propagar no Partido as ideias do inimigo de classe” e que qualquer discussão no interior da organização deve respeitar três princípios diretores: o internacionalismo proletário, a defesa do marxismo-leninismo e do Partido Comunista30. Em fevereiro de 1957, os redatores da Voz Operária são demitidos31. A polêmica não se encerra aqui. Agildo Barata tornaria publica suas opiniões somente a partir de janeiro de 1957, quando as discussões deveriam estar oficialmente encerradas. Talvez por esse motivo tenha se tornado o símbolo daquele debate. Ele concorda com as opiniões tendentes a associar a “independência nacional”, objetivo estratégico do partido, a realização de medidas nacionalistas de desenvolvimento do capitalismo dentro dos marcos do regime vigente, sem a necessidade de uma derrubada deste, medidas semelhantes, dessa maneira, as inauguradas sob Vargas e JK. Acrescentava a essas posições o apelo a imediatas eleições em todos os organismos do Partido, juntamente a exclusão destas dos dirigentes em exercício. Curiosamente, insistia de maneira acintosa no papel da “intelligentsia marxista” na reformulação da linha partidária, o que parecia limitar o escopo dos aptos a participar dessa reformulação. Para a direção do Partido, da qual, por sinal, Agildo era membro, suas manifestações devem ter parecido um chamado aberto à rebelião; indicativo disto, João Amazonas escreve no mês seguinte que Barata pretendia “transformar a luta de opiniões em luta contra

29

SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 213

30 Carta de L. C. Prestes ao C. C. Do P.C.B. sobre o debate político (Novembro de 1956) In CARONE, Edgard (Org.). O P.C.B (1943-1964): volume II. São Paulo: DIFEL Difusão Editorial S. A., 1982. p. 156 Ver também páginas 156, 157 e 158. 31

BUONICORE, Augusto. Op. Cit. p. 125 10

pessoas”32. Mas observemos as opiniões de Barata de acordo com seus próprios relatos, tomando como bases suas memórias. Assim como Prestes, ele foi um veterano do movimento tenentista e membro do CC desde 1945, sendo responsável por uma de suas comissões de finanças. Em suas memórias Agildo Barata relata seus atritos com a direção partidária em 1957 e sustenta suas posições daquele período; ele acusa Amazonas de ser o mais jesuítico dos seus membros. Também acusa o Comitê Central de ser incapaz de merecer a confiança do partido. Aqui o ponto mais interessante de seu relato são suas opiniões sobre os princípios leninistas de organização do partido. Barata compara o centralismo democrático e o princípio de separação dos três poderes num estado republicano-burguês, como duas sandices historicamente superadas33. Estou convencido de que esta, equilibrada e harmoniosa combinação entre o centralismo e o democratismo é um princípio utópico que não funciona na prática, que não resiste à vida. O centralismo predomina sempre e, para melhor exercer-se, líquida – pura e simplesmente – com a democracia interna. E de violação em violação, de usurpação em usurpação o centralismo vai empolgando a organização e o centro diretor apelidado, no PCB, de núcleo dirigente, rapidamente manda às urtigas o democratismo que tem pruridos de tolher-lhe as mãos, e celeremente assume despoticamente o domínio da máquina partidária.

34

Em seguida, ele chega a comparar o centralismo democrático ao Código do Conde de Lippe, princípio que inspira a disciplinar militar das forças armadas brasileiras. No Código do Conde de Lippe ancestral do atual RDE (regulamento disciplinar do Exército) (...) que serviu de base ao Regulamento Disciplinar do Exército desde os tempos do Brasil Colônia, havia um dispositivo liberticida muito prático e eficiente para os comandos militares: “São terminantemente proibidas as manifestações coletivas.” Se um grupo de militares se reúne para protestar contra uma arbitrariedade qualquer do comando, este castiga os reclamantes por estarem realizando uma manifestação coletiva. Se o audacioso reclamante se enche de coração e vai, individualmente, postular seus direitos, recebe a invariável resposta do comando: “Você não tem razão; e tanto é assim, que você é o único que reclama...”

32

BUONICORE, Augusto. Ibidem. p. 126-127

33

BARATA, Agildo. Op. Cit. p. 349, 359, 360 e 361

34

BARATA, Agildo. Ibidem. p. 365-366 11

Nos Partidos Comunistas, as manifestações coletivas do Conde de Lippe receberam outro apelido: denominam-se grupismo ou fracionismo e são vigorosamente combatidas. O grupismo é combatido com a expulsão sumária dos militantes ou do organismo que o tenta ou manifesta. As ponderações pessoais são tachadas de manifestações de um “individualismo pequenoburguês, estranho ao interesse da classe operária”. Os interesses da classe operária surgem aqui como uma metáfora ocultando os requintes despóticos do domínio do núcleo dirigente.

35

Percebe-se, envolvido nas polêmicas contra o autoritarismo da direção, questões referentes à própria concepção de partido, muito sentidas ao longo da história do Partido Comunista. Nessas condições, Agildo Barata, tornando-se símbolo da fração surgida em meio à crise de 1956-1957, afastar-se-ia do partido ou seria afastado dele. Em suas memórias ele relata que uma semana antes da resolução do partido, de maio de 1957, de expulsa-lo ele havia comunicado ao organismo seu desligamento por meio de um bilhete endereçado ao CC.36 Considerações finais Estudamos

os

acontecimentos

principais

do

movimento

comunista

internacional e brasileiro durante os primeiros momentos após a conclusão do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Dedicamos maior atenção à crise no interior do Partido Comunista do Brasil (então PCB) e a dissenção interna promovida pelos “partidários” de Agildo Barata. Acentuamos nesse estudo, sobretudo, que não nos conformamos com o esquema interpretativo que tende a ver nas retificações pós-1956 uma tentativa de superação do autoritarismo no interior do PCB, ou, combate ao “mandonismo”. Isso porque, notávamos, a impossibilidade do exercício de uma democracia plena no interior da organização foi condicionada em muito maior escala por condições objetivas que diziam respeito às demandas de segurança e a perseguição policial imposta aos comunistas pelo Estado brasileiro. Buscamos então investigar o caráter das alterações iniciadas no interior do Partido. O breve limite temporal que nos impusemos, bem como o próprio alcance histórico do episódio Agildo Barata não nos permitiu uma investigação completa sobre esse caráter. Indicamos, porém, que as divergências de opinião no embate

35

BARATA, Agildo. Ibidem. p. 367

36

BARATA, Agildo. Ibidem. p. 352 12

entre centro e dissidência naqueles anos de 1956-1957 envolviam problemas de concepção sobre o partido e a orientação política que apresentavam um caráter de princípios – ou doutrinário. O pesquisador Raimundo Santos aponta que, após a exclusão daqueles afinados com o pensamento de Agildo Barata, o núcleo dirigente passaria a reivindicar uma renovação partidária que se estenderia – não sem novas dissenções – até o ano 1990. Santos situa a origem dessa “renovação” nas ideias do núcleo de Barata37. Esses elementos nos trazem indicativos para o prosseguimento de nossa pesquisa e a necessidade de novas problematizações e o recurso a novas fontes. Outros indicativos nos levaram a formular a necessidade de empreender uma pesquisa detalhada das concepções dos comunistas daquele período sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, e também o estudo igualmente minucioso das estruturas de funcionamento da organização partidária; através de relatos que sobreviveram de militantes e dirigentes comunistas e de trechos da documentação partidária referentes aos problemas de organização, isso tendo em vista os “textos clássicos”, que consagram para os comunistas em todo o mundo as bases de suas concepções nesse terreno.

37

SANTOS, Raimundo. Op. Cit. p. 225 13

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