OS CONFLITOS ENTRE O RURAL E URBANO NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE: O CASO DA CIDADE DA COPA

July 28, 2017 | Autor: M. Albuquerque | Categoria: Geografía Humana, Geografia Agrária, Geografia Urbana
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OS CONFLITOS ENTRE O RURAL E URBANO NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE: O CASO DA CIDADE DA COPA

Los confictos entre el rural e el urbano en la Región Metropolitana de Recife: El caso de la Ciudad de la Copa

Mariana Zerbone Alves de Albuquerque – Universidade Federal Rural de Pernambuco Maria Rita Ivo de Melo Machado – Universidade de São Paulo [email protected]; [email protected]

Resumo A cidade do Recife e sua região metropolitana têm sofrido grandes transformações socioespaciais em função dos investimentos voltados para a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014, que será realizada no Brasil, e terá Recife como uma das cidades-sede. Isto tem gerado uma nova dinâmica de produção do espaço na Região Metropolitana do Recife, tanto por investimentos públicos, como privados. Esta nova dinâmica tem transformado a paisagem, principalmente das áreas adjacentes à Cidade da Copa, onde está localizada a Arena Pernambuco, havendo a expansão do urbano sobre o rural, este ainda presente nessas áreas periféricas da Região Metropolitana do Recife. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é compreender o processo de transformação das áreas rurais em áreas urbanas frente a um intenso processo de especulação imobiliária e fundiária nas proximidades da Cidade da Copa, localizada entre os municípios de Recife, Jaboatão e São Lourenço da Mata, identificando as mudanças e resistências a esta nova dinâmica. Também serão analisadas as estratégias utilizadas pelos agentes produtores deste espaço de agregar valor à terra, por parte dos promotores imobiliários, ao relacioná-la com os atributos rurais e com a natureza. A partir da análise da paisagem da área em questão, foi possível identificar uma diversidade de venda de imóveis e loteamentos em condomínios fechados e também os chamados bairros planejados, em áreas até pouco com características rurais, com a presença de chácaras e sítios de pequenos produtores, além de áreas de vegetação densa. Diante disto, observa uma

transformação acelerada da paisagem rural com a expansão do urbano, interferindo diretamente na dinâmica da vida dos que habitam essa área. Palavras chave: rural; urbano; produção do espaço; natureza; paisagem

Resumen La ciudad de Recife y su área metropolitana han experimentado importantes transformaciones socio-espaciales debido a las inversiones destinadas a lograr la Copa Mundial de la FIFA 2014, que se celebrará en Brasil, y tendrá Recife como una de las ciudades anfitrionas. Esto ha generado una nueva dinámica de producción del espacio en la región metropolitana de Recife, tanto por las inversiones públicas como privadas. Esta nueva dinámica ha transformado el paisaje, especialmente en las zonas adyacentes a la Cidade da Copa , donde se encuentra la Arena Pernambuco, con la expansión de las zonas urbanas a través de las zonas rurales, estas aún presente en estas áreas periféricas de la Región Metropolitana de Recife. En consecuencia, el objetivo de esta investigación es comprender el proceso de transformación de las zonas rurales en las zonas urbanas por un intenso proceso de especulación de la tierra cerca de la Copa Ciudad, ubicada entre las ciudades de Recife, Jaboatão y São Lourenço da Mata, como también identificar los cambios y la resistencia a esta nueva dinámica. Se analizarán las estrategias utilizadas por los agentes productores de este espacio para agregar valor a la tierra, por los desarrolladores, por relacionarla con los atributos de las zonas rurales y la naturaleza. A partir del análisis del paisaje de la zona en cuestión, fue posible identificar una serie de ventas de bienes raíces y adjudicaciones en comunidades cerradas, y también los llamados barrios planificados en algunas zonas con características rurales, donde hay la presencia de sitios de pequeñas granjas y productores y áreas de vegetación densa. Teniendo en cuenta esto, se observa la transformación acelerada del campo con la expansión de las zonas urbanas, lo que interfiere directamente con la dinámica de vida que habitan en esta zona. Palabras clave: rural; urbano; producción del espacio; naturaleza; paisaje Eixo de inscrição Eds: 9. Relação Campo-Cidade

Introdução

Ao analisar as áreas rurais remanescentes na Região Metropolitana do Recife, tem-se observado um intenso processo de transformação da paisagem, com a presença cada vez maior de elementos urbanos. Isto tem sido intensificado com o projeto da Cidade da Copa, no município de São Lourenço da Mata, que já está em execução. Este projeto é uma parceria público-privada, com o intuito de construir uma Arena para os jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, junto com a criação de um “bairro planejado”, com a presença de diversos equipamentos urbanos, tanto habitacionais como de comércio e de serviços privados e públicos, como universidades e unidades de saúde de pronto atendimento. Desta forma, tendo identificado este processo, o objetivo desta pesquisa é compreender os conflitos e tensões existentes entre o rural e o urbano a partir da nova lógica da produção e reprodução da Região Metropolitana do Recife, perceptíveis através da dinâmica de transformação da paisagem. Nesse sentido, buscar-se-á analisar os impactos gerados no espaço em função da instalação de grandes equipamentos, além de identificar os agentes e suas estratégias de produção desses espaços. Contudo, faz-se necessário fazer um resgate teórico do que vem a ser rural e urbano, entretanto o intuito deste trabalho não é o conceituar o rural e o urbano, e sim analisar as relações e contradições que se estabelecem entre esses dois espaços.

O que é rural e o que é urbano? No Brasil, a determinação oficial das áreas rurais e urbanas fica a critério dos municípios, e o órgão responsável pela identificação dessas áreas é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este órgão, porém, não esclarece quais elementos devem ser levados em consideração e apenas afirma que o espaço rural é aquele que não é identificado como urbano, ou seja, a definição do rural parte do que vem a ser urbano, mesmo o rural sendo historicamente anterior ao urbano. Ratificando Machado (2007) afirma:

[...] oficialmente, - segundo o IBGE / 2000 - consideram-se as áreas urbanizadas aquelas correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. Caracteriza-se por construções, arruamentos, e intensa ocupação humana; as áreas afetadas por transformações decorrentes do desenvolvimento urbano e aquelas, reservadas a expansão urbana. Houve, no entanto, neste ano de 2000 a inclusão de três categorias de áreas urbanas pelo IBGE, a de áreas urbanas urbanizadas, não urbanizadas e urbanas-isoladas (MACHADO, 2007).

Diante desta afirmação é possível perceber que toda sede de município no Brasil é considerada oficialmente como urbana, já a ideia de rural é representada como sendo uma área em vias de urbanização. Sobre este aspecto o autor José Eli da Veiga lançou, em 2001, o livro “Cidades imaginárias”, no qual indica essa precariedade conceitual a respeito do rural e do urbano, do campo e da cidade pelo IBGE. Levar em consideração apenas os conceitos deste órgão para a análise espacial é incompleta, pois, atualmente “a concepção do urbano extrapola a própria cidade consubstanciando-se na relação cidade campo, tendo na divisão técnica, social e territorial do trabalho a sua base.” (BERNARDELLI, 2006). Assim sendo, no campo teórico, existe uma diversidade de trabalhos que buscam analisar o que vem a ser o rural e o urbano no âmbito da geografia. Apenas Spósito (2006) identifica quatro possíveis formas de classificar essas áreas, que podem ser complementares ou mesmo apresentar divergências. A questão demográfica, a diferenciação social, a unidade espacial e descontinuidades territoriais são identificadas como os principais elementos que compõe a identidade constituinte do rural ou do urbano segundo a autora. Em outro estudo, Bernardelli (2006) acaba por concordar e acrescentar mais critérios aos de Spósito. O tamanho demográfico, a densidade demográfica, os aspectos morfológicos, as atividades econômicas, o modo de vida, as inter-relações e a capacidade de geração de inovações são elementos que devem ser levados em pauta para identificar o espaço com urbano ou rural. Esses elementos levados em consideração atendem a percepção de que esses espaços possuem características híbridas, fruto da facilidade dos fluxos existentes na atualidade. No século XIX, apenas a densidade demográfica e populacional, além das atividades econômicas eram levados em pauta para identificar e caracterizar essas áreas. Na obra de Marx e Engels (2005), por exemplo, o urbano e o rural eram tidos como áreas de oposição e pouco fluxo de comunicação. Segundo esses autores: “A cidade é de fato local de concentração de capital da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades, enquanto o campo mostra exatamente o fato oposto, isto é, o isolamento e a dispersão” (MARX e ENGELS, 2005). Hoje, a ideia de urbano não se restringe apenas ao adensamento populacional, assim como a ideia de rural não está atrelada a escassez da ocupação humana. Para a compreensão de ambos os espaços são levados em consideração elementos como: a produção, reprodução e circulação de mercadorias necessárias para a expansão do capital. Neste sentido, Carlos afirma que:

[...] procurando ultrapassar a ideia de que ele é aglomeração – concentração ou lócus da produção, entendendo as relações sociais que o produzem além das relações de produções das mercadorias no sentido estrito, o que implica considerar de um lado o urbano como condição geral de realização do processo de produção do capital e do outro, o produto deste processo, como fruto das condições emergentes do conflito entre as necessidades do capital e as necessidades da sociedade como um todo. (CARLOS, 1994, p. 14)

Ainda no que se refere aos estudos teóricos sobre os espaços rurais e urbanos, no século XX, Lefebvre (2001) também contribuiu com esta discussão entre o que vem a ser rural e urbano. Este autor indica como elementos característicos do sistema urbano, a água, a eletricidade, o gás (butano nos campos), o carro, a televisão, os utensílios de plástico e o mobiliário moderno. Entretanto, ainda segundo Lefebvre, esses elementos não são encontrados no meio rural, que é considerado como um ambiente sinônimo de atraso. Apesar de identificar essa disparidade entre os espaços Lefebvre também considera os elementos de interferência entre esses espaços. Segundo ele:

[...] a cidade em expansão ataca o campo, corrói-o, dissolve-o. Não sem efeitos paradoxais anteriormente observados. A vida penetra na vida camponesa despojando-a de elementos tradicionais: artesanato, pequenos centros que definham em proveito dos centros urbanos (comerciantes e industriais, centros de decisão, etc).” (LEFEBVRE, 2001, p. 68 - 69).

Diante do comentário percebe-se que o urbano consegue influenciar o rural de uma forma mais contundente, transformando-o em urbano, ou apenas dando ao rural elementos característicos de urbanidade. A este último caso se enquadra a área em análise, que não deixa de ser rural, mas adquire elementos característicos do urbano em função do formato de produção do espaço que se estabelece. Em seus estudos sobre urbanidade no rural João Rua relata como se apresenta essa transformação de algumas áreas rurais:

Um rural que interage com o urbano, sem deixar de ser rural; transformado, não extinto. A hibridez perante evidência a “criação local”, a capacidade dos atores locais de influenciados pelo externo, de escala ampla, desenvolveram

leituras

particulares

dessa

influência

e

produzirem

territorialidade

particulares”. (RUA, 2006, p. 101).

A argumentação de Rua corrobora com a de Lefebvre no sentido de entender o rural como área de influência do urbano e não o contrário, apesar de historicamente o rural ser anterior ao urbano. É, portanto, diante deste resgate teórico, que há a necessidade metodológica de compreender a relação rural-urbano na Região Metropolitana do Recife a partir da análise da expansão do urbano sobre o rural.

O estudo de caso: o rural e o urbano frente à criação da Cidade da Copa A Região Metropolitana do Recife, nestes últimos anos, tem passado por uma nova dinâmica socioespacial em função de três polos de desenvolvimentos que estão sendo instalados na própria região e em áreas adjacentes, subsidiados por políticas públicas federais: o Complexo Portuário de Suape ao sul, o Polo Farmacoquímico ao norte, e a Cidade da Copa a oeste. Diante desta nova dinâmica do processo de expansão da mancha urbana da Região Metropolitana de Recife, está ocorrendo uma transformação socioespacial, que tem tornado cada vez mais complexa a relação entre o rural e o urbano na RMR. A área em questão se caracteriza historicamente pela predominância de paisagens rurais e por importantes atividades agrícolas que foram sendo transformadas em função de um intenso processo de urbanização ocasionado pela instalação de grandes equipamentos, o que tem modificado as relações socioespacias na região. A geração de impactos econômicos, sociais, e espaciais, findam por revelar um conflito de extrema importância a ser discutido e analisado ao longo desta pesquisa. Entretanto, este artigo tem como foco de análise as transformações ocorridas em decorrência da implantação da Cidade da Copa, na parte oeste da Região Metropolitana do Recife, no município de São Lourenço da Mata. Apesar de ser uma área metropolitana, distante apenas 19 quilômetros do centro da cidade do Recife, a paisagem predominante é de características rurais, com grande presença de vegetação, ocupações humanas bem espaçadas, atividades agrícolas de pequeno porte, como agricultura de subsistência e a criação de pequenos animais. Esta é ainda um dos poucos remanescentes de mata da Região Metropolitana do Recife. Contudo, esta área está em processo de transformação em função da instalação de um empreendimento de grande porte, como a Arena Pernambuco, que faz parte de um projeto maior, a Cidade da Copa. Estas ações são fruto de políticas públicas que visam ampliar a área

urbana da RMR, interferindo diretamente na dinâmica espacial e modificando as características do local com modelos de planejamento urbanístico. Percebe-se, assim, na Região Metropolitana do Recife, a expansão do urbano para antigas áreas rurais, frente a pouca disponibilidade de terras edificáveis em áreas mais próximas ao centro. A escolha de São Lourenço da Mata como local para instalação da Cidade da Copa se insere no discurso de criação de uma nova centralidade para a região metropolitana, com a implantação de novos equipamentos urbanos, além do discurso de suprir um déficit habitacional identificado pelo governo estadual:

A possibilidade de criação de uma nova centralidade para a região metropolitana, em São Lourenço da Mata, surge da oportunidade de implantação de novos equipamentos metropolitanos (arena, centro administrativo, hospital, campus da UPE, entro outros), enquanto demanda do Governo do Estado. Dentre estas demandas se acrescenta o atendimento ao déficit habitacional para os servidores estaduais, como público potencial à apropriação da oferta de moradia numa operação urbana proposta. A área, situada praticamente no centro geográfico da Região Metropolitana do Recife, entre às margens do rio Capibaribe e a BR - 408, na confluência dos municípios de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata, o que reforça a conjectura de criar uma centralidade metropolitana, tendo em vista os grandes investimentos previstos neste contexto, seja na região sul e norte da RMR. O projeto da "Cidade da Copa" foi entregue à Fifa e prevê a construção de um estádio, um conjunto habitacional, um centro comercial, hotel, e outros investimentos privados que somados chegam a um R$ 1,6 bilhão. O Governo de Pernambuco entra apenas com o terreno, pois o empreendimento será realizado através de uma Parceria Público-Privada. (http://www.slm.pe.gov.br/info_cidade.php)

Para a delimitação da área da Cidade da Copa, de mais de 250 hectares, o governo do Estado, responsável por fornecer o terreno para a instalação dos empreendimentos, precisou retirar os antigos moradores do local, realizando a desapropriação da área do bairro conhecido como Jardim Penedo. De acordo com informações do Observatório das metrópoles, o terreno é de propriedade estadual e seria destinado, nos anos 1990, à construção do polo metropolitano oeste, o qual não se viabilizou.

De acordo com o relatório de impacto ambiental, a perspectiva de que o projeto da Cidade da Copa se consolide com a construção de todos equipamentos é de 20 anos, com a presença de 40.000 pessoas, entre a população residente e não residente. Contudo, já se observa a presença de empreendimentos habitacionais no entorno da Cidade da Copa, todos com características urbanas ao mesmo tempo em que a publicidade é realiza com apelo de ruralidade no sentido de natureza preservada. Esses empreendimentos se apresentam no formato de condomínios com características urbanas. Às margens da BR 408 identificou-se a presença de dois condomínios de alto padrão com as obras avançadas, Alphaville e o Reserva São Lourenço. Também se observou a presença de loteamentos que prometem ser bairros planejados, entretanto os lotes são vendidos para autoconstrução, podendo ser com fins habitacionais ou comerciais. No caso do condomínio Reserva São Lourenço o próprio nome “reserva” remete a ideia de “reserva ambiental” e os agentes imobiliários responsáveis pela comercialização dos apartamentos

evidenciam

a

preservação

de

uma

área

verde

de

120.000m2

(www.youtube.com/watch?v=ofp8XpwMQtg. Acesso em: 14 de junho de 2013). O rural, por meio da ideia de ambiente naturalmente preservado e bem estar, passa a ser também um locus de condição para a realização do urbano. De acordo com Lefebvre:

Teoricamente, a natureza distancia-se, mas os signos da natureza e do natural se multiplicam, substituindo e suplantando a “natureza” real. Tais signos são produzidos e vendidos em massa. Uma árvore, uma flor, um ramo, um perfume, uma palavra tornam-se signos da ausência: ilusória e fictícia presença. Ao mesmo tempo, a naturalização ideológica obceca. Na publicidade, a dos produtos alimentares ou têxteis, como a da moradia ou das férias, a referência à natureza é constante. Todos os “significantes flutuantes” que a retórica utiliza se agarram à sua re-presentação para encontrar um sentido e um conteúdo (ilusórios). O que não tem mais sentido procura reencontrar um sentido pela mediação do fetiche “natureza”. (LEFEBVRE, 2004, p.36)

A ideia de Lefebvre (2004) é confluente à postura dos agentes imobiliários, que para comercializar as unidades criam o fetiche da proximidade com a natureza. Afinal, por quais motivos estão construindo os condomínios em lugares tão distantes das áreas centrais, em ambientes rurais?

O que se costuma observar é um processo de segregação e expulsão das populações mais pobres da área central das cidades para as áreas periféricas. Mas o que se esta observando neste caso é a construção de condomínios de alto padrão na periferia da região metropolitana. Diante da lógica de produção e reprodução do espaço, para que isso se realize é preciso que outras centralidades sejam criadas. Buscam-se criar novas centralidades, com a oferta de comércio e serviços, como uma minirreprodução dos espaços urbanos, ao mesmo tempo em que se valoriza a ideia de rural pautada na proximidade da natureza. Contudo, esses novos equipamentos não estão relacionados com as atividades agrícolas. Para que haja a reprodução do capital é necessário que exista um demanda do consumo para novas mercadorias. Para que isto ocorra novos produtos são criados, como afirma Harvey (2005) a criação de novos desejos e novas necessidades, desenvolvendo novas linhas de produtos. No caso do mercado imobiliário, principalmente no setor de habitações, há uma incorporação dos elementos naturais visando agregar valor aos seus imóveis. Harvey(2005) afirma que a expansão geográfica e a concentração geográfica são ambas consideradas produto do mesmo esforço de criar novas oportunidades para a acumulação do capital. Em geral, parece que o imperativo da acumulação do capital produz concentração da produção e do capital, criando, ao mesmo tempo, uma ampliação do mercado para realização. Certo tipo de relação centroperiferia surge de tensão entre concentração e expansão geográfica. Nesse sentido, antigas áreas rurais estão se transformando em novas centralidades urbanas, onde as tradições rurais são cada vez mais eliminadas, ou transformadas em elementos paisagísticos com o intuito de agregar valor aos novos empreendimentos de caráter urbano construídos no local. Segundo Lefebvre:

À distinção entre a cidade e campo vinculam-se as oposições destinadas a se dissolverem: trabalho material e trabalho intelectual, produção e comércio, agricultura

e

indústria.

Oposições

inicialmente

complementares,

virtualmente contraditórias, depois conflituosas. Ao campo correspondem formas de propriedade fundiária (imobiliária) tribais e mais tarde feudais. À cidade correspondem outras formas de propriedade: mobiliária (no começo pouco distinta da imobiliária), corporativa, mais tarde capitalista. No curso dessa pré-história reúnem-se os elementos e as formas que farão a história ao se separarem, ao se combaterem. (LEFEBVRE, 2004, p. 42)

Esta valorização da área já é descrita no Relatório de Impacto Ambiental – Projeto Cidade da Copa, como um impacto positivo. Mas deve-se questionar , positivo para quem? Logo após o lançamento do projeto Cidade da Copa, a imprensa local já sinalizava a valorização dos terrenos e imóveis situados em São Lourenço da Mata, sendo ressaltado, como elemento indutor, o conjunto de investimentos planejados

para

a

área.

Matéria

divulgada

na

internet

(www.portal2014.org.br, em 15/12/10) comenta que “até pouco tempo, a zona oeste da região metropolitana do Recife estava esquecida pelas construtoras. Mas o anúncio de investimentos na infraestrutura da região começou a despertar o interesse das empresas”. Assim, sob a ótica da economia regional, a valorização do mercado imobiliário na região constitui impacto positivo. (RIMA, 2012, p. 151)

Como consta no próprio Relatório de Impacto Ambiental, quem se beneficia desse processo de valorização são as empresas que ampliam a sua área de reprodução do capital, usufruindo de toda infraestrutura proporcionada pelo Estado para a produção de novas centralidades. Ainda analisando o Relatório de Impacto Ambiental, fica evidente o objetivo de expansão do urbano em áreas rurais, porém com a justificativa pautada no reduzido adensamento populacional.

O local escolhido caracteriza-se pelo reduzido adensamento populacional, condição que favorece a ampliação dos espaços urbanos naquela direção, mediante a instalação de um bairro projetado segundo critérios modernos de ocupação dos espaços, onde os usos residenciais são combinados com a oferta de uma rede de serviços capaz de atender à demanda da população que vier a se instalar na Cidade da Copa, assim como das pessoas residentes na circunvizinhança. (RIMA, 2012 p. 103)

Nesse sentido, fica evidente o objetivo de transformação desta área de características rurais em áreas urbanas, com expectativas de um adensamento populacional, porém sem levar em consideração a dinâmica espacial pré-existente. O que se identifica, contudo, é que esta expansão do urbano sobre o rural na parte oeste da Região Metropolitana do Recife tem gerado impactos socioespaciais. As ações não acontecem sem conflitos, entretanto os grupos menores e mais pobres não conseguem resistir às

estratégias dos agentes hegemônicos, que se revelam como o Estado e os empreendedores da construção civil. Nota-se uma tentativa do Estado de minimizar a repercussão dos conflitos diante do restante da sociedade. O RIMA descreve a presença de famílias na área da futura Cidade da Copa, contudo, não fica claro como foi realizado o processo de desapropriação, nem quantas famílias moravam na área. Como o terreno destinado ao empreendimento encontra-se, atualmente, totalmente desocupado, inexistem, portanto, comunidades e/ou residências isoladas na Área Diretamente Afetada-ADA. No passado, a área pertencente ao Governo de Pernambuco foi ocupada de maneira irregular por posseiros que, no local, construíram casas e cultivaram lavouras. A desapropriação e a retirada dos posseiros foram efetivadas quando da concessão de licença de instalação ao empreendimento Arena da Copa. No local, até àquela data, havia pequenos sítios dedicados a atividades agropecuárias de subsistência e, também, de caráter comercial. Parte dos ocupantes dedicava-se à criação de gado, embora em escala reduzida, segundo informações de ex-moradores da localidade. (RIMA,2012, p. 105)

Desta maneira, a transformação da dinâmica da área, ou a perspectiva de mudança, em função da instalação de equipamentos de características urbanas, tem sido um dos fatores de migração da população de características rurais residentes nessas áreas para locais mais distantes. Isto se dá em função do estranhamento destas pessoas com as novas configurações deste espaço, que interferem no tempo e nas práticas cotidianas, pois, segundo Harvey:

(...) podemos afirmar que as concepções do tempo e do espaço são criadas necessariamente através de práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social. (...) A objetividade do tempo e do espaço advém, em ambos os casos, de práticas materiais de reprodução social; na medida em que estas podem variar geográfica e historicamente, verifica-se que o tempo social e o espaço social são construídos diferencialmente. Em suma, cada modo de produção ou formação social incorpora um agregado particular de práticas e conceitos de tempo e espaço. (HARVEY, 2007, p. 189.)

Desta maneira, os diferentes sentidos de tempo e de espaço (HARVEY, 2007), pautado nas relações e contradições entre o rural e o urbano, podem gerar conflitos, neste caso aqui materializado como um estranhamento seguido de migração. Este estranhamento pode ser notado através do relato de moradores dos sítios remanescentes nas áreas que estão sendo incorporadas para a construção de condomínios. O discurso apresentado é de que eles, os moradores destes sítios, têm o intuito de deixar a área, e se mudar para áreas mais distantes, com características rurais, pois as transformações que estão acontecendo têm interferido e vão interferir cada vez mais no “sossego” de suas vidas, por conta do aumento dos fluxos de pessoas e de veículos. É importante destacar que as áreas desses sítios remanescentes não foram desapropriadas pelo Estado, nem incorporadas pelas construtoras, mas os moradores acabam saindo de suas terras, a primeira vista, de forma voluntária. Porém, isto se dá em função da alienação desses moradores frentes a este processo de expansão do urbano sobre o rural, sem perceber as estratégias dos empreendedores, que encontram formas de burlar as resistências, já que o interesse por essas terras por parte dos incorporadores existe, visto que estas estão em um processo progressivo de valorização, mas o capitalista não quer pagar caro por elas, pois o intuito é maximizar os lucros. Deste modo, nesse processo de expansão do urbano sobre o rural, observa-se que o que prevalece é força dos agentes hegemônicos que produzem o espaço, transformando as relações socioespaciais da área, criando novas necessidades, em função da finalidade de reprodução do capital.

Considerações Finais As políticas públicas voltadas para a construção de mais uma centralidade na Região Metropolitana do Recife têm transformado a paisagem das áreas adjacentes da Arena da Copa. O município de São Lourenço da Mata é claramente um dos mais atingidos, em função da maior proximidade do empreendimento. Essa modificação socioespacial vem pautada em políticas públicas que findam por beneficiar principalmente os promotores imobiliários ao invés da sociedade. Como estratégias para atrair parte da população a habitar uma área ainda distante dos centros e com poucos equipamentos voltados para mobilidade dos habitantes, o apelo à vida rural e proximidade com a da natureza é constantemente utilizado. Este elemento de fetiche, no entanto, não converge com o discurso dos moradores antigos, que já saíram ou estão buscando sair da localidade por entenderem que está havendo um processo de urbanização. Deste modo, percebe-se que o entendimento de rural e urbano entre

os novos e antigos moradores são divergentes e os novos elementos do espaço que atraíram os primeiros, finda por repelir o segundo grupo. Diante desta análise ficam alguns questionamentos que só poderão ser esclarecidos no futuro: Será que esta política pública de criar mais uma centralidade para a RMR irá se concretizar? Se sim, a que custo socioespacial? E se não, qual o cenário que irá se estabelecer uma vez que a área terá perdido as suas características originais?

Referências BERNADELLI, Maria Lúcia Falconi da Hora. Contribuição ao debate sobre o urbano e o rural. In: SPOSETO, Maria Encarnação e WHITACKER, Arthur Magon (Org.). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. 1ª ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2006. CARLOS, Ana Fani A. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1994. HARVEY, David. A produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Anneblume, 2005 ___________. Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2007. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. ___________. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. RIMA - Relatório de Impacto ambiental – Projeto cidade da Copa. Recife: dezembro, 2012. MACHADO, Maria Rita Ivo de Melo. As relações entre o rural e o urbano: um espaço conjunto e indissociável em Vitória de Santo Antão - PE. Recife, 2007. 121 folhas Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Geografia. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005. RUA, João. Urbanidades no rural: o devir de novas territorialidades. Campo e Território: Revisa de Geografia Agrária, Uberlândia, v.1, n.1, p.82-106, fev. 2006. Disponível em: www.campoterritororio.ig.ufu.br. SPOSITO, Maria da Encarnação. A questão cidade-campo: perspectivas a partir da cidade. In: SPOSITO, M; WHITACKER, A. (orgs.) Cidade e Campo. São Paulo; Expressão Popular, 2006. VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias. Campinas: Autores Associados, 2001.

Websites Acesso em: 10 de junho de 2013

Acesso em: 14 de junho de 2013. Acesso em: 14 de junho de 2013.

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