OS CONTEÚDOS DE GENÉTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA ENTRE AS DÉCADAS DE 1970 E 1990

June 30, 2017 | Autor: Alberto Montalvão | Categoria: Historia da Ciência, Livros Didáticos, Ensino de Genetica
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EIXO TEMÁTICO 1: Currículo e Disciplina Escolar Ciências e Biologia.
MODALIDADE: PÔSTER – PO.01

OS CONTEÚDOS DE GENÉTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA ENTRE AS DÉCADAS
DE 1970 E 1990
Alberto Lopo Montalvão Neto
Mestrando em Educação Científica e Tecnológica (UFSC).
[email protected]

Resumo: Desde sua implantação nas escolas até os dias atuais, o livro
didático é o principal apoio dos educadores, sendo determinante na
organização dos currículos e práticas pedagógicas. Apesar disso, poucas
mudanças efetivas ocorreram em relação à elaboração deste recurso
pedagógico e, nos últimos anos, muito se pesquisa sobre o mesmo. Nesse
quadro, apresenta-se uma franca desatualização dos conteúdos, e em relação
à Biologia, esse fator agrava-se principalmente em uma das áreas com
maiores avanços nos últimos anos, a Genética. Nesse artigo vamos analisar
as mudanças que ocorreram no livro didático, principalmente nos conteúdos
de genética, a partir de comparações de materiais de diferentes décadas
(1970, 1980 e 1990) com importantes fatos históricos relacionados.
Palavras-chave: Livro Didático, Ensino de Genética, História da Ciência.

Abstract: Since its implementation in schools until the present day, the
textbook is the main support of educators, and determining the organization
of curricula and teaching practices. Nevertheless, few effective changes
have occurred in relation to the preparation of this educational resource
and, in recent years, there is much research on it. In this context, it is
presents a clear outdating of the contents, and in relation to biology,
this factor mainly is worsening in one of the areas with the greatest
advances in recent years, the Genetics. In this paper, let's look the
changes that have occurred in the textbook, especially in genetic's
content, from materials of different comparisons decades (1970, 1980 and
1990), related with important historical facts.
Keywords: Textbook, Genetic Education, History of Science.

1. Breve contextualização histórico: O Ensino de Biologia no Brasil.
Ao longo das décadas, o ensino de diversas áreas foi reformulado devido a
mudanças políticas, econômicas e sociais. O ensino das ciências naturais
não ficou isento, e no decorrer do tempo estruturou-se de forma a
estabelecer o currículo como se apresenta. Antes dos anos 1970, os
conhecimentos das Ciências Biológicas não eram unificados, existindo as
disciplinas Zoologia, Botânica e História Natural. Além disso,
"anteriormente a 1950, o modelo tradicional refletia uma concepção
conservadora de sociedade, em que a escola desempenhava um papel reprodutor
e a ciência o conhecimento absoluto e inquestionável para a compreensão dos
fenômenos naturais" (Soares, 2007, p. 2), sendo que a metodologia de ensino
empregada remetia-se ao produto final da experimentação científica.
Com o período pós-guerra mundial houve uma intensa renovação tecnológica e
científica nos Estados Unidos (EUA), principalmente devido às disputas
armamentistas e espaciais com a antiga União Soviética (URSS). Nesse
contexto, a partir do desenvolvimento da Genética, da utilização de teorias
evolutivas como eixo orientador das Ciências Biológicas e contextos
sociopolíticos da época, derivou-se uma única disciplina das Ciências
Naturais, a Biologia. A exemplo de outros países latino-americanos, o
Brasil começou a mudar suas políticas educacionais, de forma a criar e
reestruturar as ações de seus principais órgãos de ensino. Nesse sentido, a
confecção do livro didático (LD) passou por reformulações, e nas décadas de
1950 e 1960 a intensa mobilização no país esteve comprometida com a
qualificação da prática pedagógica (SLONGO 2004 apud SOARES, 2007).
Em meio a reformulações no ensino, entre 1950 e 1970 surgem importantes
mudanças nos recursos didáticos. Conforme Roquette (2011) aponta, em 1965
foram comercializados 20 mil kits voltados para o ensino de Ciências e
publicados 400 mil LD's no Brasil. Começou então uma produção em larga
escala, com o objetivo de aprimorar o ensino de ciência e tecnologia.
Inicialmente foi elaborada uma coleção de livros nos EUA, conhecida como
Biological Sciences Curriculum Study (BSCS), posteriormente traduzida e
adaptada para o Brasil por Myriam Krasilchik e Oswaldo Frota-Pessoa. Esta
obra teve grande impacto no ensino de Ciências nos EUA e foi modelo em
várias nações, sendo traduzida em muitas versões. No Brasil, a obra
intitula-se Biologia na Escola Secundária, a qual foi publicada pela
primeira vez em 1960, e teve várias reedições.
Nesse quadro de mudanças, o propulsor histórico foi a Guerra Fria,
principalmente a corrida espacial, que avançava a largos passos nas décadas
de 1950 e 1960, caracterizando um cenário político, econômico e social que
preconizava a necessidade de avanço científico através de uma educação
científica e da formação de mão-de-obra intelectual qualificada,
ressaltando então a reprodução de conhecimentos e a experimentação
científica (SOARES, 2007). A experimentação se faz fortemente presente na
década de 1970, em projetos norte-americanos que tinham como ideal básico
de que este método estaria na origem da elaboração do conhecimento
científico (SCHEID et al., 2003). Programas visando a capacitação de
professores nesses moldes foram implementados nas décadas de 1970-1980,
porém não obtiveram sucesso. Dessa forma, a época retrata um cenário não só
de mudanças nos LD's, como também em relação às próprias concepções
educacionais nacionais, que se tornaram ainda mais tecnicistas. Apesar dos
currículos, assim como os atuais, adotarem uma postura de recomendações de
um ensino atualizado em relação aos conhecimentos científicos, em que o
aluno pudesse vivenciar o método científico, o ensino de Biologia continuou
meramente descritivo, segmentado e teórico (KRASILCHIK, 2004 apud BORGES &
LIMA, 2007).
Apesar disso, nas décadas de 1980 e 1990, devido às atividades humanas
relacionadas a industrialização e globalização, surgem outras necessidades
no ensino de Ciências e que se fazem presente em concepções críticas de
currículo na atualidade. Algumas dessas perspectivas são apontadas por
Amorim (2001) e Barreto (1998), que citam que temáticas como Educação
Ambiental, Educação em Saúde e Educação Tecnológica são abordadas nas
pesquisas atuais a partir da experiência de vida discente, visando passar
do conhecimento prévio a questões histórico-sociais e podendo abranger uma
metodologia ativa, interdisciplinar, com visão globalizante, em uma relação
entre ciência, tecnologia e sociedade. Tais concepções, relacionadas a
questões sociais, econômicas e políticas, atualmente amplamente discutidas,
começam a se incorporar às necessidades das discussões sobre Ciência,
enfatizando-se na pesquisa em Ensino de Ciências, na década de 1980,
principalmente ao surgirem as primeiras pós-graduações. A necessidade de
redemocratização da sociedade brasileira também influenciou essas
proposições, pois críticas à sociedade brasileira, emancipação e educação
como prática social eram frequentemente abordadas nos projetos educativos
(CANDAU, 2000 apud BORGES & LIMA, 2007). Vários grupos de profissionais
passaram então a se mobilizar a respeito do Ensino de Ciências, com
projetos próprios de ensino, sendo muitos organizados em secretarias de
educação, universidades ou de forma independente (BORGES & LIMA, 2007).
A partir disso, são estabelecidas preocupações com o currículo, de forma
que neste tivessem abordagens contextualizadas e aprendizagens
significativas. Mais tarde surgem então os PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais), que em seus discursos apontam que o Ensino de Biologia e
Ciências deve ser baseado na integração, via interdisciplinaridade e
contextualização (ABREU, 2008). Criado em 1998 para o ensino fundamental e
em 1999 para o Ensino Médio, o PCN e PCNEM, respectivamente, tem função de
orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional,
socializando discussões, pesquisas e recomendações, além de subsidiar a
participação de técnicos e professores brasileiros. Portanto, seu objetivo
é melhorar a qualidade do ensino, mas como o próprio PCN ressalta, estas
recomendações não bastam para resolver todos os problemas da educação, pois
a busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes
frentes, como a formação inicial e continuada de professores, uma política
de salários dignos, um plano de carreira, a qualidade do livro didático, de
recursos televisivos e de multimídia, a disponibilidade de materiais
didáticos (BRASIL, 1997).

2. O Ensino de Genética e os livros didáticos
Desde sua implantação nas escolas até os dias atuais, o LD tornou-se o
apoio dos educadores, e a dependência deste material é questionada por
muitos pesquisadores, de várias áreas do ensino. Xavier et al. (2006)
afirmam que, muitas vezes, este recurso pedagógico é utilizado como única
fonte de conhecimento válido, tornando-se determinante na organização dos
currículos e práticas pedagógicas. Apesar de sua importância, poucas
mudanças em relação à sua elaboração ocorreram, e por isso esse material
tem sido amplamente pesquisado. Nesse sentido, faz-se necessário na
pesquisa em educação pensar em alternativas que levem a uma reflexão
crítica sobre os LD's, procurando apresentar os motivos pelos quais estes
têm evoluído pouco, bem como analisar influências na sua elaboração e
interpretação.
Uma notória estagnação no desenvolvimento desse recurso é abordada por
Nascimento e Martins (2005), que relatam como a divisão temática dos LD's
permaneceu constante ao longo dos anos, mesmo com o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que tem como um dos seus objetivos evitar erros
conceitos e de elaboração, mas que acaba por padronizar demasiadamente sua
produção. As autoras apontam que, mesmo com pouca evolução na elaboração do
LD, nos últimos anos ocorreram evoluções significativas tanto na concepção,
quanto na apresentação dos livros, aumentando fatores como dependência
visual, tentativas de relacionar os conteúdos com o cotidiano do aluno e a
interdisciplinaridade.
No que se refere aos avanços da Ciência, novos conhecimentos científicos
chegam as pessoas a cada dia através da mídia, que retrata questões
polêmicas (SCHEID et al., 2003), enquanto os LD's, muitas vezes, se mostram
um material falho, visto que estão desatualizados, não conseguindo
acompanhar a velocidade das descobertas científicas e evidenciando lacunas
de conceitos, que poderiam ser trabalhados melhor no ensino formal. Esta
afirmação também é colocada por Xavier et al. (2006), que defendem ainda
que o LD deve ser atualizado constantemente, porque este recurso pode ser
decisivo na eliminação da barreira existente entre ciência e cidadania.
Em relação à aprendizagem, é evidenciado atualmente que os alunos terminam
seus anos de escolaridade sem conhecer os conteúdos de Genética, pouco
compreendendo assuntos básicos (SCHEID et al., 2003). Algumas das razões
para isso são as falhas em relação as abordagens dos conteúdos nos LD's e
os problemas existentes nas políticas de formação de professores, que
acabam por reproduzir informações de forma acrítica, sem conhecer as
realidades dos alunos e as formas como aprendem.
Uma das soluções para o ensino de Genética, apontadas por vários autores,
seria a utilização da História da Ciência em um contexto crítico para
elucidar os descobrimentos, entendendo o passado para refletir sobre o
presente. No entanto, essa abordagem nos LD's é pouco explorada, ou
praticamente inexistente. Além disso, é importante ressaltar que esses
recursos podem ser influenciados por contextos sócio-político-econômicos,
que vão desde as influências de quem o escreve, até questões editoriais e
interesses mercadológicos/políticos, dentre outros fatores que perpassam
sua produção, distribuição e utilização.

3. A Versão Brasileira do BSCS e o Início de uma Nova Fase.
Dada a relevância do LD para o ensino e, portanto, a necessidade de se
pensar sobre fatores históricos que permeiam sua produção, alisaremos três
LD's de Biologia do Ensino Médio, os quais se caracterizam como importantes
obras, representativas das décadas de 1970, 1980 e 1990. A análise
considerará sua estruturação, os conteúdos abordados e os aspectos
inerentes aos diferentes contextos sociopolíticos. Nossos primeiros olhares
serão sobre os dois volumes do LD Biologia na Escola Secundária (1973), de
Oswaldo Frota-Pessoa. Tal escolha se justifica pela relevância histórica,
visto que esta foi uma readaptação dos famosos "BSCS" norte-americanos,
largamente utilizados no ensino de Biologia nos anos 1970.
Como referido, o contexto histórico de 1970 refletia uma preocupação com os
avanços científicos, em que houve grande incentivo à aprendizagem da
ciência por meio da experimentação. Em sua obra, Frota-Pessoa explica a
adaptação que fez para que esta recurso didático se fizesse útil na
realidade brasileira do ensino de Biologia:
Este livro foi escrito aos professores de nossos colégios. Tal função impôs-
lhe características especiais. Não bastava que contivesse informações
biológicas; devia incluir, também, sugestões sobre o modo de usá-las no
ensino. Por isso, na primeira Unidade e nas introduções das demais, tratou-
se diretamente de questões de metodologia. (Frota-Pessoa, 1973, p. 9)

O autor tem como foco em grande parte do volume I do LD, questões sobre
metodologia de ensino de biologia, ressaltando que seus principais
propósitos eram fornecer informações; evidenciar princípios, fatos e
atividades científicas através de problemas significativos; fazer conexão
entre aprendizagens científicas e o cotidiano; e aumentar gradualmente a
dificuldade dos conteúdos de acordo com o nível de ensino das séries do
Ensino Médio. Nesta obra aparece princípios do pensamento de aprendizagem
significativa, no sentido de superar um ensino meramente expositivo. Porém,
Frota-Pessoa admite que "um livro é, por natureza, expositivo e as aulas
nunca deveriam sê-lo", ressaltando que, sendo o LD um material expositivo e
pelo qual professores estudam, há uma tendência em manter nas aulas esse
estilo. Não obstante ainda reconhece que há discrepâncias entre o método de
ensino que expõe no seu primeiro capítulo e as abordagens dos conteúdos
expositivos presentes no decorrer da obra, mas ressalta a importância do
método sobre resolução de problemas. Esta é a principal abordagem da década
em questão: o ensino realizado a partir do fomento à prática. O autor
coloca esta abordagem como potencial motivadora por sugerir problemas,
formular hipóteses, ilustrar uma teoria ou mesmo uma forma de aplicação de
conhecimento.
Frota-Pessoa acredita que os alunos devem redescobrir, assimilar e aplicar
os princípios da lista de conteúdos selecionados pelo professor, assim como
aprender os fatos científicos a eles relacionados. O professor não deve
explicar diretamente os princípios para os alunos, deixando com que esses
cheguem às suas próprias conclusões. Para conseguir tal intermediação,
propõe a técnica do colóquio, em que o professor atua discretamente,
motivando os alunos a refletirem em uma discussão direcionada. Também é
proposta uma aprendizagem funcional, ou seja, que seja apropriada pelo
aluno de forma a ser aplicável ao contexto em que este vive. Mas apesar de
seu caráter aparentemente crítico, essa proposta de ensino, em suas etapas,
remete-se as concepções tradicionais de método científico.
Nos discursos existentes no LD sobre como ensinar biologia, é possível
verificar o conceito de habilidades, sendo colocado alguns verbos pelo
autor que remetem-se à aprendizagem do aluno, tais como aprender a julgar,
usar, planejar, saber, dentre outros, discursos muito comuns nas propostas
curriculares atuais. Uma crítica que pode-se atribuir a este manual é
quanto às recomendações do autor aos professores no sentido de "repudiarem
superstições e opiniões emotivas" dos alunos. Sabe-se que superstições e
crenças religiosas são intrínsecas à vida do aluno. Se é partir de sua
realidade que se deve chegar ao conhecimento científico, por que tornar o
ensino desvinculado de suas crenças?
Quanto a forma de elaboração do livro, o autor demonstra preocupação com
outro fator essencial: a História da Ciência. Dessa forma, em alguns
trechos, são abordadas apresentações de fatos históricos que levaram às
descobertas científicas. Também são utilizados trechos de revistas e
autores clássicos para contextualizar alguns conteúdos, sinalizando uma
tendência observada atualmente, referente a influência dos meios de
comunicação no processo de ensino-aprendizagem. O LD também apresenta
questões de revisão e sugestões de experimentos, com algumas figuras e
fotos sobre trabalhos científicos que estavam sendo realizados na época, em
um aspecto de divulgação científica.
O primeiro capítulo também traz uma realidade muito presente nos dias
atuais: as péssimas condições estruturais das escolas, com superlotação de
alunos e professores mal remunerados, colocando como necessário um esforço
por parte do professor para conseguir atingir um ensino adequado. Em outras
palavras, a falta de apoio à educação brasileira apresenta-se desde épocas
anteriores, em um período em que muitas crianças nem frequentavam a escola,
pois índices elevados de inclusão foram alcançados apenas no final dos anos
1990.
O autor ainda faz sugestões sobre clubes de ciências, excursões, montagens
de laboratórios e de bibliografias adicionais recomendadas, além de cursos
de formação dos professores. Observa-se que muitas das intenções e
sugestões de Frota-Pessoa para o ensino de Biologia parecem plausíveis, mas
são um tanto utópicas. As condições de ensino brasileiras, seja na década
de 1970, ou mesmo na atualidade, nunca permitiram aos professores a
realização de tantos experimentos em laboratórios, trabalhos de campo com
os alunos, ou mesmo atividades de formação adequadas para trabalhar em
tantas perspectivas. Apesar da diversidade de ideias propostas pelo autor,
mesmo nos dias atuais torna-se difícil tantas atividades, devido as
questões estruturais, políticas, administrativas, dentre outras, que
envolvem as escolas.
No que se refere aos conteúdos de Genética, encontrados no segundo capítulo
do volume II, baseiam-se principalmente no estudo da Hereditariedade. São
apresentados fatos que, historicamente, levaram ao desenvolvimento da
genética, segundo conteúdos que o autor julga viável para o nível do Ensino
Médio, pois considera que certas explicações (como, por exemplo, permutação
dupla), não se fazem necessárias no Ensino Médio, e pertencem ao nível
universitário. Além disso, são apresentados exemplos práticos nas
explicações, sugerindo também que o professor traga esses experimentos para
a sala de aula.
No llivro, retrata-se principalmente temas como recessividade e dominância,
fenocópias, penetrância incompleta, genes duplicados e genes mutados,
caracteres quantitativos, contínuos, grupos sanguíneos, determinação do
sexo e relação da herança genética com o meio ambiente. Todos esses tópicos
estão em um único capítulo, mas foram comumente separados em mais de um
capítulo em livros de Biologia posteriores à época, como a de Amabis &
Martho e Paulino. Além disso, Frota-Pessoa focaliza as leis mendelianas em
detrimento das descobertas recentes da época, agrupando superficialmente
outros tantos conhecimentos da genética em apenas outros dois capítulos.
Assuntos relacionados à genética atual, como a engenharia genética, não são
abordados, visto que, como Paulino (1996) diz em seu livro, a primeira vez
que se transplantou um gene de um organismo para outro foi em 1970,
começando a revolução científica da engenharia genética tal como atualmente
conhecemos, e somente em 1982 é que foram criados os primeiros animais
transgênicos. Além disso, temas relacionados a genética humana e genética
de populações são relatados superficialmente, relatando a última como
apenas um ramo da genética.

3.1 - Os anos 80: Uma Década de Reformulações
A segunda obra analisada é o volume 3, da primeira edição do livro
intitulado Curso Básico de Biologia, de Amabis & Martho (1985), em que os
autores abordam principalmente os temas Genética, Evolução e Ecologia. A
escolha por analisar esse livro se fez por sua larga utilização na década,
sendo seus autores renomados.
Na década de 1980, o ensino ainda estava fundamentado numa perspectiva
tecnicista e experimental, mas questões importantes começavam a tomar
força. Reconhecendo as consequências das intervenções humanas, começou-se
uma forte abordagem sobre a relação entre homem, tecnologia e natureza.
Apenas pelo título é possível perceber que a preocupação com avanços
tecnológicos passa a dividir espaço com os problemas ambientais. Quanto à
disposição dos conteúdos, o livro apresenta sete capítulos de Genética,
além de um capítulo sobre Evolução, o qual discute Genética de Populações
em poucas páginas. Já é visível uma estrutura mais próxima dos LD's atuais.
Ao contrário do livro de Frota-Pessoa da década de 1970, que abrange seus
temas de forma mais sintética, discutindo em um mesmo capítulo vários temas
de genética, e com apenas três capítulos para discorrer sobre toda a área,
cerca de 173 páginas no livro de Amabis & Martho são dedicas a Genética.
Também vemos que ao final de cada capítulo são propostos exercícios de
fixação, aparecendo algumas questões de vestibulares, deixando visível a
preocupação com uma formação voltada ao ingresso no ensino superior. E em
alguns capítulos, mesmo que de forma um pouco descontextualizada, já são
discutidos importantes nomes da história da ciência.
Neste livro a relação entre genes/enzimas é retratada, o que não ocorre na
obra de Frota-Pessoa. Apesar da teoria "um gene – uma enzima" ser
demonstrada em 1940, ou mesmo a teoria da dupla-hélice do DNA formulada por
Watson e Crick advir antes da década de 1970, esses conhecimentos não
apresentavam-se consolidados, e talvez por isso não foram abordados no LD
em questão. No caso da dupla-hélice, o prêmio Nobel foi dado a Watson e
Crick apenas em 1962, ou seja, próximo da publicação do livro de Frota-
Pessoa e, como em outros casos, demora-se certo tempo para aceitação e
apreensão das descobertas científicas.
Observa-se também uma menor ênfase em conteúdos sobre Genética Clássica,
comparado com o livro anteriormente analisado e, talvez por isso há poucas
questões sobre probabilidade, que são apresentadas em metade de um capítulo
por Amabis & Martho, algo que é feito em uma seção à parte por Frota-
Pessoa. Além disso, Amabis & Martho citam a existência de duas linhas da
genética, a Genética Clássica e a Genética Molecular, explicando que a
primeira estuda a transmissão e manifestação dos genes, enquanto a segunda
estuda o funcionamento gênico a nível químico, mas que ambas se conectam.
Isso converge com o fato de que a Genética Molecular vem se tornando uma
área promissora nos últimos anos.
De forma geral, enquanto Frota-Pessoa na década de 1970 demonstra
preocupação com a prática experimental através de exercícios práticos
envolvendo situações-problema, Amabis e Martho, na década de 1980, colocam
a resolução de problemas na forma de resolução de exercícios teóricos. Não
apenas propõe que o aluno resolva (diferentemente de Frota-Pessoa que
coloca exercícios apenas ao fim do conteúdo), mas também apresentam os
passos para a resolução de exercícios, assim como Frota-Pessoa apresenta
orientações do tipo para a execução de experimentos. Sobre as Leis de
Mendel, podemos dizer que Frota-Pessoa apresenta explicações reduzidas, com
menor contextualização histórica e baseadas na prática experimental,
enquanto Amabis & Martho focalizam a história no começo de seus capítulos,
mas não mantêm esse enfoque no decorrer do texto, teorizando demasiadamente
soluções de problemas, talvez pouco contextualizados aos alunos, que
estudavam os experimentos realizados por Mendel e aprendiam resolver essas
questões apenas no papel.
Ambos os LD's se mostram instrumentalizados e parametrizados quanto à
sequência didática a ser seguida. Observa-se também que assuntos de grande
nível de complexidade, como interação gênica, permutação, questões sobre
imunologia e o próprio conceito de gene, são abordados de forma mais
profunda por Amabis & Martho. Uma das razões para isso pode ser a concepção
de Frota-Pessoa de que alguns conceitos de grande complexidade eram mais
apropriados no meio acadêmico. Outra diferença está na discussão de alguns
temas por meio de gráficos na obra de Amabis & Martho, abordagem muito
indicada pelos currículos atuais como competências escolares (interpretação
e análise de gráficos) a serem desenvolvidas. Comparativamente, o que se
pode ver na obra de Amabis & Martho é uma grande abrangência de conteúdos
científicos. Estes autores abordam uma carga teórica muito maior do que a
proposta por Frota-Pessoa. Com isso, as abordagens didáticas mudam,
passando de experimental (1970) para conteudista (1980), com maior
quantidade de temas e exercícios de resolução guiada, mas que podem não
garantir aos alunos apropriação dos conteúdos.

3.2 - A Década de 1990: A Era PCN
Segundo Trivelato (2000), as ciências começaram a ser discutidas amplamente
na década de 1990, sendo consideradas ainda como neutras, objetivas, como
um campo de verdades onde não existiram divergências e disputas, muitas
vezes ainda associando ciência a ideia de progresso e de melhoria da
qualidade de vida, tornando-a incontestável. Tais discussões marcam a
década principalmente pela necessidade de se estabelecer novos caminhos à
educação, surgindo então os PCNs e o PNLD. Visando analisar como tais
propostas influenciaram a elaboração dos LD's, foi selecionado o livro
intitulado Biologia Atual, volume 3, de Wilson Roberto Paulino (1996).
Assim como a obra de Amabis & Martho, o eixo Ciência, Tecnologia e Saúde é
tido como orientador desse livro, abordando também os temas Genética,
Evolução e Ecologia. A obra é composta por seis capítulos (79 páginas),
referentes à Genética, além de um capítulo sobre Genética de Populações,
também abordado em uma seção de Evolução, como nos outros dois livros da
coleção.
É possível notar novamente que, com o decorrer do tempo, a carga de
conteúdos que devem ser adquiridos pelo aluno se torna maior. Se na obra de
Amabis & Martho conceitos de biologia celular, embriologia, dentre outros,
eram abordados junto com a genética, nesse LD são abordados separadamente,
em outro volume. Isso indica o aumento de complexidade do ensino de
genética, requerendo muitos conhecimentos prévios pelos alunos,
relacionados a outras disciplinas da Biologia como a citologia, biologia
molecular, bioquímica, citogenética, além de outras áreas do conhecimento
como química, física e matemática, necessitando integrá-los para que seja
possível compreender a genética (Fabrício, 2006), que avançou rapidamente e
em larga escala nos últimos anos, como um todo.
Um aspecto importante é a maior apresentação dos avanços da genética por
Amabis & Martho do que por Paulino. Mesmo com as recomendações dos PCN's,
que surgem em 1998, para que os conteúdos modernos fossem privilegiados,
época próxima à publicação de Paulino, não observa-se esse movimento no LD.
Na obra de Paulino também encontramos "caixas de textos" retratando
conceitos modernos de genética, como a engenharia genética e a
biotecnologia, como meras curiosidades. As explicações sobre esses temas no
corpo do texto são mais simplificadas do que nas obras de Amabis & Martho e
de Frota-Pessoa, ocupando cerca de meia página para cada tópico abordado, o
que reforça à concepção enunciada anteriormente de Nascimento & Martins
(2005). Assim como Amabis & Martho, Paulino fornece exercícios resolvidos,
mostrando o "passo-a-passo" da resolução, mas apresentando poucos contextos
práticos ao aluno. Ao final de cada capítulo foram colocadas questões de
revisão, retiradas dos vestibulares de universidades conceituadas, deixando
evidente a importância do preparo dos alunos para o ingresso no ensino
superior. Observa-se também uma maior preocupação por parte dos autores em
citar trechos de revistas, livros, jornais, instituições de ensino e
pesquisa, além de relatos sobre cientistas renomados. No entanto, muitos
destes intertextos apresentam-se em quadros separados, que, muitas vezes,
nem são lidos pelos alunos, e tornam-se apenas informações adicionais e não
parte do texto.
Observa-se, portanto, um aspecto simplificador no decorrer do tempo, e com
isso uma tendência em compactar conteúdos, deixando assuntos relevantes de
lado. Esta tendência se tornou mais agravante na década de 1990, pois como
Xavier et al. (2006, p. 276) indicam, foi verificado que os livros
disponíveis para compra, por parte dos alunos, eram predominantemente de
baixo custo e de volume único, no qual os conteúdos das três séries do
Ensino Médio estão compactados. A compactação dos conteúdos se faz tanto
pelas dificuldades de aquisição de grandes obras completas, quanto pela
própria tendência atual de informar rapidamente e ler menos. Com a efetiva
distribuição de LD pelo PNLD do Ensino Médio a partir de 2007, possibilitou-
se aos alunos a aquisição desses materiais, porém o problema parece ainda
estar longe de ser resolvido.

4. Considerações Finais
Analisando o ensino de Genética nos LD's elaborados ao longo das diferentes
décadas, foi possível verificar uma íntima relação entre o contexto
histórico e a elaboração das obras. Na década de 1970 observa-se que as
mudanças educacionais estiveram baseadas nos parâmetros norte-americanos de
ensino, e o ensino de ciências passou a priorizar a experimentação devido à
necessidade de avanços científicos e tecnológicos frente a Guerra Fria.
Assim, o livro de Frota-Pessoa, uma versão do BSCS, vai ao encontro disso,
e seu principal foco era um ensino baseado em problematizações e resoluções
de problemas, sendo a prática um guia para a aprendizagem da ciência.
Devido a data recente de descobertas no campo da genética, esse livro
remete-se fortemente à Genética Clássica, predominando as Leis de Mendel.
Porém, essa característica também se faz presente nas outras obras, mesmo
com as inovações científicas e tecnológicas da área, o que demonstra que
conteúdos tradicionais têm sido privilegiados ao longo do tempo, apontando
para a necessidade de se pensar sobre outras abordagens e questões que
envolvem a Nova Biologia. Ao referir as teorias de Mendel, a conotação
"lei" já mostra a ciência como "verdade absoluta", apagando sua construção
histórica por erros e retificações, e descrevendo apenas as experiências
"bem sucedidas".
Na obra de Amabis & Martho é possível perceber que o LD começa a apresentar
parâmetros próximos aos dos anos 1990. Há mais divisões em capítulos e
tópicos, havendo exemplificações com base em descrições de experimentos,
mas não segundo abordagens práticas, como Frota-Pessoa o faz. Esta época
remete-se ao período em que as investigações nos grandes centros de
pesquisa tomam força, principalmente nas universidades, e por isso nota-se
uma grande preocupação com questões para vestibulares, técnicas de reforço
e exercícios sistematizados em "passo-a-passo", muitas vezes realizados de
forma acrítica e memorizadora. Apesar das orientações educacionais dos
PCN's recomendarem um ensino-aprendizagem baseado em conteúdos
interdisciplinares, aspectos históricos, dentre outras necessidades de
mudanças, a obra de Paulino evidencia pouca contextualização dos conteúdos
com a realidade dos alunos e trata a história da ciência apenas em alguns
parágrafos ou "caixas de texto", apresentando como meras curiosidades. Não
obstante nota-se uma compactação dos conteúdos de ensino, sendo reservada
grande parte dos capítulos à resolução de exercícios, visando apenas o
vestibular.
Diante disso, observa-se que as mudanças na elaboração do LD ao longo
dessas décadas é incipiente, e tendências pouco interessantes as
perspectivas críticas de educação, evidenciadas ao longo desses períodos,
podem ser vistas na atualidade. Fazem-se então necessárias medidas
educacionais consistentes, pois tanto nessas décadas, quanto na atualidade,
a educação científica possui limites e desafios a serem superados na
elaboração de recursos didáticos, nas condições de trabalho e políticas de
formação dos professores ou mesmo na elaboração de currículos. Os LD's
ganharam espaço por serem, muitas vezes, o único guia para as aulas, fonte
de atualização de conhecimentos ou mesmo formas de suprir as deficiências
de formação de professores/alunos, mas apresentam falhas, como a falta de
contextualização para os alunos e o excesso de conteúdos fragmentados. Não
bastam então novos currículos ou parâmetros para melhorar o quadro da
educação científica brasileira, nem trazer inovações de outros países para
suprir nossas necessidades educacionais: é preciso um compromisso político
que vá além do que se encontra no discurso de governantes e entidades
públicas.

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