Os contornos do conflito Ucraniano: Uma análise das implicações do fracasso do Acordo de Minsk II

June 15, 2017 | Autor: Elisa Salaude | Categoria: Relações Internacionais, Ucrania
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Os contornos do conflito Ucraniano:

Uma análise das implicações do fracasso do Acordo de Minsk II



Elisa Salaúde[1]

Introdução

O presente artigo constitui uma análise em volta do Acordo de Minsk II
assinado a 12 de Fevereiro de 2015 em Minsk - Bielorússia. Procura-se
estudar os principais pontos que dão corpo ao acordo, especificamente, o
cessar-fogo, o pull back de armas pesadas e o futuro das auto-proclamadas
repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. A seguir, faz-se uma análise da
aplicabilidade do acordo recorrendo à correspondência entre o que foi
determinado e o que constitui realidade.

O Acordo de Minsk II foi assinado a 12 de Fevereiro de 2015 e surgiu no
âmbito do não cumprimento do anterior acordo, também assinado em Minsk a 5
de Setembro de 2014 e que não teve a sua implementação efectiva nos moldes
desejados pelos seus signatários bem como pela comunidade internacional. O
principal objectivo era a cessação das hostilidades no leste da Ucrânia,
bem como restaurar a estabilidade naquela região. Contudo, batalhas pela
ocupação do Aeroporto internacional de Donetsk e de outras áreas do leste
da Ucrânia estalaram, fazendo surgir acusações mútuas das partes
envolvidas.

Após meses de ataques sangrentos, surge a necessidade de se retornar às
negociações para pacificar a Ucrânia. Sob os auspícios da Organização para
a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), reuniram-se os líderes da
França, Rússia, Ucrânia, Alemanha e elementos da Resistência Armada Anti-
Kiev. Estavam em debate, principalmente, o cessar-fogo e a situação das
regiões de Donetsk e Lugansk.

A recorrência à um considerável número de recursos diplomáticos
caracterizou as negociações do Acordo de Minsk II, entre os quais, a
recorrente acção de retenção por parte dos líderes europeus que estavam
preocupados em evitar qualquer decisão dos Estados Unidos de fornecer
armamento à Ucrânia e também em prevenir o colapso do consenso da União
Europeia em relação às sanções adoptadas à Rússia (Crisis Group Europe;
2015: 3). Esperava-se, pois, que o Acordo de Minsk significasse um passo
importante para a restauração da paz e instabilidade na Ucrânia. Entretanto
mais uma vez registou-se o incumprimento do acordo.



O Cessar-fogo e o pull-back de armas pesadas

O ponto central para o Acordo de Minsk II foi o cessar-fogo que devia ser
seguido de um pull-back de armas pesadas e servir de prelúdio de consultas
políticas entre as partes envolvidas. Em relação à retirada das armas
pesadas, em concordância com o texto integral do acordo nos seus pontos 2,3
e 4, esta devia ser iniciada a partir do segundo dia depois do cessar-fogo
e terminar em catorze dias sendo assistida pela OSCE com o Grupo de
Contacto Trilateral. Adicionalmente, no primeiro dia depois de iniciado o
cumprimento do pull-back o governo ucraniano e a liderança dos grupos
separatistas deviam iniciar um diálogo sobre questões políticas[2].

Entretanto, o pull-back não foi efectuado e o restante também não ocorreu.
Passada apenas uma semana, Minsk II já parecia um documento sem valor. As
partes conflituantes na Ucrânia ignoraram-no e os separatistas aproveitaram
para conquistar Debalzewe, um nó ferroviário estratégico. Kiev declarou a
cidade como perdida e ordenou a retirada das suas tropas (Weizer; 2015).

O comportamento das partes relativamente aos pontos acima referidos mostra
abertamente que, por um lado, as lideranças dos rebeldes separatistas estão
mais preocupadas com o controlo de infra-estruturas económica e
estrategicamente importantes, como é o caso da região de Debalzewe, do que
efectivamente pelo estabelecimento da paz na Ucrânia. Por outro lado, a
OSCE, que se predispôs a fiscalizar o cumprimento efectivo do acordo, não
se mostra eficaz para o efeito. Além disso, a ameaça de imposição de
sanções feita pela União Europeia parece não ser suficiente para persuadir
as partes a colaborar na resolução do conflito. Portanto, o acordo falhou
pelo facto de os rebeldes não estarem interessados com o fim da Guerra e
pela incapacidade da OSCE de fiscalizar de forma eficiente a implementação
do acordo.

O Futuro de Donesk e Longask

Em relação ao futuro das auto-proclamadas repúblicas populares de Donetsk e
Lugansk, o ponto 5 do acordo de Minsk II determina que logo após a
realização do cessar-fogo e a retirada das armas pesadas devia dar-se
início a um diálogo. Este diálogo devia estabelecer as modalidades pelas
quais se conduziriam as eleições locais nas províncias daqueles dois
territórios. E mais, num prazo não superior a 30 dias a partir da
assinatura do acordo, uma resolução deveria ser aprovada pelo parlamento
indicando o território que fica sob regime especial conforme a lei
ucraniana. Assim, de acordo com o Minsk II, este processo culminaria com a
realização de uma Reforma Constitucional na Ucrânia, devendo entrar em
vigor em finais de 2015 e cujo elemento chave seria a descentralização[3].

O facto de se ter determinado que o futuro das regiões controladas pelos
rebeldes só pode ser definido pela própria Ucrânia constitui, sem dúvidas,
uma demonstração de respeito pela soberania e integridade territorial da
Ucrânia. De facto, e como afirma Mercouris (2015), não poderia ter sido
discutida a questão do futuro destas províncias nas negociações do Minsk II
por se tratar de um assunto de carácter doméstico e questões domésticas da
Ucrânia só podem ser resolvidas pela Ucrânia. Portanto, ainda que uma
federalização das auto-proclamadas repúblicas populares de Donetsk e
Lugansk beneficiasse à Rússia, esta não poderia propor tal decisão ao
governo ucraniano e, menos ainda, tentar exigir, por se tratar de um
assunto meramente interno da Ucrânia.

Apesar de a Rússia não ter aparentemente interferido nos assuntos internos
da Ucrânia, as medidas adicionais sobre a Ordem Temporária de Auto governo
local nos específicos territórios de Donetsk e Lugansk sugerem uma forte
influência russa. Dentre as medidas adicionais se destacam: (i) Isenção de
castigos, abusos e descriminação de indivíduos associados aos eventos que
tiveram lugar em certas áreas das regiões de Donetsk e Lugansk; (ii)
Garantia de direito à autodeterminação linguística; (iii) Participação dos
governos locais na nomeação dos presidentes das cortes e procuradorias em
algumas áreas das regiões de Donetsk e Lugansk; (iv) Facilitação pelo
Governo Central de cooperação transfronteiriça entre certas áreas das
regiões de Donetsk e Lugansk e regiões da Federação Russa; (v)
Estabelecimento de unidades de Milícia Popular por ordem de conselhos
locais, com o objectivo de manter a ordem pública em algumas áreas das
regiões de Donetsk e Lugasnk[4].

É possível constatar que a Rússia e os separatistas ganharam vantagens
estratégicas com este acordo e principalmente neste último ponto. Uma vez
acautelados os pontos acima referidos, a Rússia pode encontrar um espaço de
manobra mais acessível para continuar interferindo na Ucrânia, com o
objectivo de transformar a situação do país a seu favor. Razão para
continuar defendendo a posição segundo a qual a Rússia não desistirá de
prolongar situações de instabilidade que desgastem progressivamente a
Ucrânia.

Uma vez aberta uma porta legal para que a Rússia coopere com as regiões
controladas pelos rebeldes separatistas, e tendo estes a prerrogativa de
participação na nomeação dos presidentes das cortes e das procuradorias, a
contínua interferência da Rússia nos assuntos internos do Estado ucraniano
de certeza não agradará o ocidente. Isto pode fazer com que os Estados
Unidos e a União Europeia reconsiderem a possibilidade de enviar armamento
para a Ucrânia, o que seria demasiado prejudicial para o Estado ucraniano e
tornaria a situação ainda mais difícil de ser resolvida por meios
pacíficos.

Todavia, ainda que a reforma constitucional e as questões relacionadas com
o futuro das regiões de Donetsk e Lugansk sejam assuntos de interesse
interno para a Ucrânia, seria proveitoso que a União Europeia, através das
potências signatárias do acordo e a OSCE também encontrassem formas de
monitorar este processo para que a sua implementação seja frutífera. O
sucesso ou fracasso deste processo pode depender da predisposição da Rússia
e do Ocidente em insistir para que as partes (governo ucraniano e
separatistas pró-russos) cumpram com as suas obrigações. E se antes os
europeus fracassaram nesta tarefa, pairam dúvidas em relação a esta fase.

De tudo o que foi exposto até aqui parece evidente que o futuro de Donetsk
e Lugansk é dominado por três percepções: independência, federalização e
autonomia. Os separatistas parecem entender que o estatuto especial para
Donetsk e Lugansk, determinado pelo acordo de Minsk II, significa uma
independência de facto. O governo da Ucrânia, obviamente não deixará que a
condição temporária da autonomia de Donetsk e Lugansk transforme-se em
independência total, justamente pela importância desta região no
abastecimento energético da Ucrânia (carvão e gás). Além disso, uma
possível independência total de Donesk e Lungask vai obrigar a Rússia a
manter o seu apoio, ainda que não recorra à anexação. Isto dará
continuidade aos desentendimentos com o ocidente e fará perdurar as sanções
económicas, o que não é benéfico nem para a Rússia nem para o ocidente, se
tivermos em conta a interdependência complexa que entre eles existe.
A Rússia é apologista da ideia de federalização ucraniana, com Donetsk e
Lugansk passando a ter poder de veto em qualquer aprofundamento das
relações de Kiev com o Ocidente. Contudo, não será benéfico para a União
Europeia que os seus planos de parceria com a Ucrânia estejam em perigo
iminente, tendo em conta que as lideranças de Donetsk e Lugansk recebem um
forte apoio da Rússia. É facto que a Ucrânia não conseguirá recuperar
Donetsk e Lugansk pela via militar enquanto a Rússia continuar a apoiar os
rebeldes separatistas. Assim, resta para a Ucrânia a opção de aceitar
atribuir mais autonomia para estas regiões como forma de garantir acesso e
controlo aos recursos lá existentes e a manutenção da sua integridade
territorial.
Conclusões
O acordo de Minsk II alcançado em Fevereiro de 2015, não obstante tenha
sido um passo importante rumo à resolução da crise na ucraniana, não
significou o fim do diferendo. Existe ainda uma série de acções a serem
levadas a cabo, por parte dos governos ucraniano e russo, como também, por
parte da União Europeia e das lideranças das auto-proclamadas Repúblicas
Populares de Donetsk e Lugansk, com vista à solução definitiva desta crise.
O fracasso do acordo de Minsk II é resultado em parte da ineficácia na
implementação do acordo por parte dos signatários. E por causa da
complexidade do conflito ficou patente que este conflito poderá levar à
prevalência de uma das seguintes percepções: Independência ou Federalização
ou Autonomia das auto-proclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e
Lugansk.






Referências

Crisis Group Europe (2015).The Ukraine Crisis: Risks of Renewed Military
Conflict after Minsk II. Briefing N°73, 1 April 2015. Disponível em:
http://www.b073-the-ukraine-crisis-risks-of-renewed-military-conflict-after-
minsk-ii.pdf. Acessado em 20 de julho de 2015.

Mercouris, Alexander (2015). The Vieyand of the Saker – The Minsk
Agreement.Disponível em:
http://www.redecastrophoto.blogspot.com/2015/02/ucrania-acordo-de-
minsk.html?m=1.

Rodrigues, Alexandre Reis (2015). O Novo Acordo de Minsk. JDRI – Jornal de
Defesa e Relações Internacionais. Portugal. Disponível em:
http://www.database.jornaldefesa.pt/.../. Acessado em: 19 de Julho de 2015.

Texto Integral do Acordo de Minsk. Disponível em:
http://www.redecastrophoto.blogspot.com/2015/02/ucrania-acordo-de-minsk-
texto-integral.html?m=1. Acessado em 21 de julho de 2015.

Weizer, Edgar (2015). Sobre o Acordo de Minsk II. Jornal Opção. Edição 206
– 23/07/2015. Disponível em: www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/sobre-o-
acordo-minsk-ii-2893/.



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[1] Licenciada em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto
Superior de Relações Internacionais. Maputo – Moçambique.
[2]Texto Integral do Acordo de Minsk. Disponível
em:http://www.redecastrophoto.blogspot.com/2015/02/ucrania-acordo-de-minsk-
texto-integral.html?m=1. Acessado em 21 de julho de 2015.
[3]Texto Integral do Acordo de Minsk. Disponível em:
http://www.redecastrophoto.blogspot.com/2015/02/ucrania-acordo-de-minsk-
texto-integral.html?m=1. Acessado em 21 de julho de 2015.
[4] Texto Integral do Acordo de Minsk. Disponível em:
http://www.redecastrophoto.blogspot.com/2015/02/ucrania-acordo-de-minsk-
texto-integral.html?m=1. Acessado em 21 de julho de 2015.
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